Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
688/17.3T8PTG.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO AO LESADO
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente – o chamado dano biológico –, ainda que esta incapacidade não tenha tido uma repercussão directa no exercício da profissão habitual.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P.688/17.3T8PTG.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) intentou a presente acção declarativa comum contra (…) Seguros, S.A. (actualmente Seguradoras …, S.A.), pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 49.507,33, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alegou para o efeito, e em síntese, que no dia 30 de Julho de 2015 se verificou um acidente de viação tendo como intervenientes o veículo motorizado de matrícula 54-(…)-44, conduzido pelo A. e o veículo ligeiro de matrícula 12-98-(…), conduzido por (…) e cuja responsabilidade civil fora transferida para a aqui R. Mais alegou que o evento se ficou a dever única e exclusivamente por culpa do condutor do ligeiro, o qual desrespeitou as regras de direito estradal que lhe impõe que dê prioridade a quem circula na rotunda, agindo sem os cuidados e atenção de que podia e era capaz. Alegou que, mercê do evento infortunístico se produziram danos no veículo por si conduzido, bem como lesões físicas e psíquicas sofridas que demandam ressarcimento em conformidade, pelo que deverá a R. ser condenada no pagamento da quantia peticionada.
Regularmente citada para o efeito veio a R. deduzir contestação, assumindo a responsabilidade pelo evento infortunístico, mas rejeitando os montantes peticionados pelo A. a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Foi proferido despacho saneador e, posteriormente, veio a ser realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, decidiu:
a) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, bem como no pagamento de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
b) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 15.000,00, a título de dano biológico, bem como no pagamento de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
c) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 4.507,33, a título de danos patrimoniais, bem como no pagamento de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
d) Absolver a R. quanto ao demais peticionado.

Inconformada com tal decisão, dela apelou a R., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1 – O presente recurso surge como reacção, apenas e tão só, quanto ao montante arbitrado pelo douto Tribunal “a quo” a título de lucro cessante/Dano Biológico, dano não patrimonial e dano patrimonial.
2 - O autor em consequência do acidente dos autos, ficou a padecer de uma Incapacidade Geral Permanente Parcial de 3%, tinha 22 anos de idade e auferia o salário de € 11.053,62.
3 - Tendo em conta os elementos objectivos em que assenta o cálculo da indemnização e partindo dos critérios utilizados pelo douto Tribunal “a quo”, o valor apurado é de € 8.500,00.
4 - A douta sentença condenou a recorrente a pagar a quantia de 10.000,00 euros a título de dano não patrimonial. No modesto entender da recorrente a Sentença, também aqui pecou por excesso, não atendendo aos reais critérios de justiça e ponderação para onde se dirige este princípio.
5 - Por termos de referência, sempre atendíveis, nestes casos, a nossa jurisprudência, mormente a dos tribunais superiores, em casos similares, nos mais variados arestos, fixou quantias muitíssimo inferiores à determinada na douta Sentença, tendo em conta o Quantum Doloris de grau 4 que foi fixado, é entendimento da recorrente que o valor a arbitrar será de € 5.000,00.
6 - As despesas com consultas de ortopedia e sessões de fisioterapia tidas pelo recorrido, foram efectuadas após o mesmo ter tido Alta Clínica, a qual foi fixada no dia 3 de Novembro de 2015, quer pelos serviços clínicos da ora recorrente, quer pelo médico que elaborou o relatório que o recorrido juntou com o seu douto articulado.
7 - As mencionadas consultas e sessões de fisioterapia só tiveram lugar por vontade do recorrido e não por necessidade clinica ou por indicação médica, razão pela qual, as mesmas não são da responsabilidade da recorrente.
8 – Violou a douta sentença o disposto nos artigos 494º, 562º, 563º, 564º e 566º, nº 3, todos do Cód. Civil. 9 - Nestes termos e nos de mais de Direito aplicável deve ser a douta sentença revogada, nos termos e pelos fundamentos supra expostos e substituída por outra, a qual respeite a correcta aplicação dos normativos que subsumem a essência fáctica do caso dos autos, fazendo-se assim, a sã e costumada Justiça.
Pelo A. foram apresentadas contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (artigo 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela R., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se foi fixado, por excesso, o montante da indemnização a pagar pela R. ao A., a título de dano biológico, de danos não patrimoniais, e de danos patrimoniais.

Antes de nos pronunciarmos sobre a questão supra referida importa ter presente qual a factualidade apurada no tribunal “a quo” e que, de imediato, passamos a transcrever:
1 - Encontra-se registada a favor do Autor a propriedade sobre o veículo motorizado de categoria motociclo da marca (…) com a matrícula 54-(…)-44;
2 - No dia 30 de Julho de 2015, pelas 18.00 horas, o Autor circulava acompanhado da sua namorada à época, (…) na E.M. 517-3 no sentido Caia-Urra, na localidade de (…), concelho de Portalegre, na rotunda ali existente;
3 - Quando ainda se encontrava a circundar a rotunda supra mencionada, o Autor foi embatido pelo veículo automóvel ligeiro de marca Mitsubishi de matrícula 12-98-(…), conduzido por (…) que circulava na E.N. n° 246, sentido Portalegre/Arronches;
4 – (…) seguiu circulando na rotunda supra mencionada sem ceder passagem ao Autor, quando este já se encontrava a circundar a mesma, não parando nem reduzindo velocidade;
5 - À data dos factos, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo ligeiro de matrícula 12-98-(…) havia sido transferida, através de contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n°. (…), para a aqui Ré;
6 - O Autor havia transferido toda a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo motociclo de matrícula 54-(…)-44, através de contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n° (…), para a seguradora Companhia de Seguros (…), S.A.;
7 - Na altura do acidente era dia claro, o tempo estava bom e o piso encontrava-se seco e em bom estado de conservação;
8 - Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas o veículo motociclo, de matrícula 54-(…)-44 foi embatido, na lateral direita, pelo veículo automóvel ligeiro de matrícula 12-98-(…);
9 - Mercê do embate, o Autor e condutor do motociclo de matrícula n° 54-(…)-44 perdeu o controlo do veículo que conduzia, que foi arrastado e projectado no pavimento, projectando para o chão os seus ocupantes;
10 - Mercê do embate descrito supra, resultaram vários ferimentos no Autor e condutor do veículo motociclo de matrícula 54-(…)-44, que teve de ser imobilizado e transportado do local da ocorrência, em ambulância, bem como (…), que nele se fazia transportar no lugar de passageiro;
11 - Na sequência do embate o Autor foi assistido nesse mesmo dia nas Urgências do Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre, apresentando múltiplas escoriações, queixas de dor generalizada ao nível da coluna, lombares, pélvicas e membros superiores;
12 - O Autor ficou internado no Serviço de Observação das Urgências do Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre, pelo período de 24 horas sendo submetido a exames complementares de diagnóstico, mormente, raio-X à coluna, bacia, tórax, ombro e cotovelo esquerdo e tendo tido alta no dia 31 de Julho de 2015;
13 - Mercê do embate referido em 8, o Autor sofreu, além de múltiplas escoriações, fractura tacícula radial, grau I de Mason no cotovelo esquerdo;
14 - O Autor foi consultado na especialidade de ortopedia no Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre, nos dias 4, 13 e 27 de Agosto;
15 - Após o embate, o Autor esteve limitado nos seus movimentos, dependendo de terceiros para a realização dos actos da sua vida corrente, designadamente, para se vestir, alimentar e para a sua higiene;
16 - O Autor foi acompanhado pelos serviços clínicos da Ré que lhe deram alta no dia 3 de Novembro de 2015;
17 - Após a alta médica dada pela Ré o Autor submeteu-se ainda a diversas consultas de ortopedia e sessões de fisioterapia, tendo despendido, a esse título e em despesas de deslocação a quantia de € 2.535,41; 18 - Mercê do embate referido em 8, o veículo do Autor sofreu danos, designadamente, partiu as camagens à frente, pousa pés, camagens laterais esquerda e traseira, guiador, conta-quilómetros, suporte da matrícula, protecção do motor, guarda-lamas, tampa lateral esquerda traseira e direita, apoio ao suporte de bagagem, tudo no valor de € 1.971,92;
19 - À data do acidente, o Autor tinha 22 anos de idade;
20 - Mercê do acidente, o Autor ficou com um déficit funcional permanente de 3%;
21 - Após o embate, o Autor sofreu dores intensas que ainda hoje se prolongam, tendo sido fixado um quantum doloris de 4 numa escala até 7;
22 - Mercê do embate, o Autor sofre dores diariamente, perdeu a força no braço esquerdo e tem os movimentos do braço esquerdo limitados, designadamente, na extensão do cotovelo avaliada em 5 graus;
23 - Mercê do supra exposto o Autor está limitado na prática de exercício físico, tendo deixado de andar de bicicleta e frequentar o ginásio como antes;
24 - Mercê do referido em 21, o Autor faz uso frequente de medicação analgésica e anti-inflamatória;
25 - O Autor obteve uma licenciatura do curso de direcção de orquestra na Escola Superior de Música de (…), sendo Maestro de profissão, actualmente regente da Orquestra Filarmónica da (…);
26 - Mercê das dores que sente, o Autor não consegue exercer a sua actividade sem esforço adicional, suportando dores de cada vez que dirige a orquestra;
27 - Mercê do supra referido, o Autor não consegue dirigir uma orquestra por períodos superiores a uma hora;
28 - As limitações de que padece, designadamente, no exercício da sua profissão, bem como as dores que sente causam angústia, tristeza e ansiedade ao Autor;
29 - O Autor apresenta incompetência do esfíncter esofágico inferior, com refluxo biliar transpilórico ligeiro e gastrite ligeira do antro;
30 - No ano 2016, o Autor declarou auferir, a título de rendimentos por conta de outrem, a quantia de € 11.053,62.

Apreciando agora a questão suscitada pela recorrente – saber se foi fixado, por excesso, o montante da indemnização a pagar pela R. ao A., a título de dano biológico, de danos não patrimoniais e de danos patrimoniais – importa desde já dizer a tal respeito que, na presente acção, o A. alegou factos tendentes a demonstrar a culpa efectiva e exclusiva do condutor do veículo segurado na R. na produção do acidente de viação objecto dos autos, alegando ainda factos tendentes a demonstrar que, em consequência do referido acidente, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais cujo ressarcimento reclama.
Nos termos do disposto no artigo 483º do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Acresce que, nos termos genéricos do artigo 342º do Código Civil, também afirmados a propósito da matéria referente à responsabilidade civil, no artigo 487º, nº 1, do mesmo diploma legal, ao lesado incumbe a prova dos factos constitutivos do direito invocado, no caso, “a culpa do autor da lesão”, apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso – cfr. n.º 2 do citado artigo 487º – incumbindo, ao invés, à R. seguradora a prova de que o acidente ocorreu por culpa daquele.
Ora, a matéria de facto alegada pelo A. relativamente à dinâmica do acidente foi aceite pela R. seguradora, não estando consequentemente em causa no presente recurso o facto de a responsabilidade pelo sinistro se dever a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na R., nem os danos decorrentes do mesmo para o A., constantes da matéria de facto dada como provada e que se encontra acima descrita.
Assim sendo, importa agora analisar se o quantum indemnizatório arbitrado ao A. foi desajustado e peca por excesso, tal como sustenta a R., aqui apelante.
No que tange ao dano biológico, vejamos o que, a tal propósito, é afirmado no Ac. do STJ de 28/1/2016, disponível in www.dgsi.pt:
- (…) «[a] afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)».
(…)
«Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cfr. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, págs. 69 e segs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.”
Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.
“A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição – erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais” (acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.).»
No mesmo sentido do aresto acima transcrito veja-se ainda o recente Ac. do STJ de 25/5/2017, também disponível in www.dgsi.pt, onde é afirmado o seguinte:
- (…) «Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual.
Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3, do Código Civil). Ora, como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), em princípio, “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Para além disso, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do artigo 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto.»
Assim sendo, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expectável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.
Voltando agora ao caso em apreço, constata-se que está provado que o A. contava apenas 22 anos de idade à data do acidente e, por força das lesões sofridas, viu a sua integridade física atingida, ficando a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3%, sofrendo e continuando a sofrer ao longo da sua vida, de dores intensas, tendo os movimentos limitados, nomeadamente a extensão do cotovelo avaliada em 5 graus, fazendo uso de medicação frequentemente, estando limitado na prática de exercício físico. Além disso, é maestro de profissão e, devido às dores de que padece, não consegue exercer a sua actividade profissional sem dor nem dirigir uma orquestra por períodos superiores a uma hora, ou seja, as sequelas do acidente são compatíveis com a sua atividade profissional, mas implicam um esforço adicional e suplementar, bem como tendo o A. algumas restrições à realização dos actos normais da vida corrente, familiar e social e que são causa de sofrimento (cfr. pontos 19 a 29 dos factos provados).
Assim, considerando a natureza das lesões, o baixo grau da incapacidade e, bem assim, o seu impacto nas condições de vida do A., a idade deste (é um jovem adulto) e a sua esperança de vida activa (pelo menos 48 anos, atenta a idade da reforma aos 70 anos), considera-se perfeitamente justa e equitativa a atribuição da indemnização de € 15.000,00 pelo dano biológico que veio a ser fixada na sentença recorrida.

Por outro lado, no que respeita à indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, a respectiva obrigação de indemnização decorre, neste âmbito, do estipulado no art.º 496º, nº 1, do Cód. Civil, o qual estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No caso dos autos é pacífico que, pela sua gravidade, os danos sofridos pelo A., merecem ser indemnizados, estando apenas em causa o quantum indemnizatório fixado na sentença a este título.
Ora, estabelece o nº 3 do citado art. 496º que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor atual da moeda. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, o montante da indemnização «deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida» – cfr. Cód. Civil Anotado, vol. I., 3ª ed., pág. 474.
Como tem sido entendido de forma uniforme pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico ou miserabilista – cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 19/4/2012, disponível in www.dgsi.pt.
A indemnização por danos não patrimoniais é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias mencionadas no art. 494º” – cfr. Ac. do STJ de 14/9/2010, disponível in www.dgsi.pt.
Este recurso à equidade não afasta, porém, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» – cfr. Ac. do STJ de 3/2/2011, também disponível in www.dgsi.pt.
Ora, em situações de gravidade e projeção superiores às do caso destes autos, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar ajustados valores indemnizatórios, a título de danos não patrimoniais, entre € 30.000,00 e € 50.000,00. Para casos de gravidade e extensão de nível inferior, têm sido considerados valores que ficam aquém do patamar de € 30.000,00, variando, casuisticamente, em função de uma ponderação conjugada dos diversos factores tidos por relevantes.
Assim, por exemplo, no acórdão do STJ de 19/2/2015, também disponível in www.dgsi.pt., considerou-se:
- «(…) adequada a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, tendo em atenção que: (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão; (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com velpeau; (iv) foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms vertical, na face anterior do punho; (ix) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7.»
Voltando agora ao caso em apreço (e a propósito dos referidos danos não patrimoniais) ficou provado que:
- Na sequência do embate o Autor foi assistido nesse mesmo dia nas Urgências do Hospital Dr. José Maria Grande em Portalegre, apresentando múltiplas escoriações, queixas de dor generalizada ao nível da coluna, lombares, pélvicas e membros superiores;
- O Autor ficou internado no Serviço de Observação das Urgências do Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre, pelo período de 24 horas sendo submetido a exames complementares de diagnóstico, mormente, raio-X à coluna, bacia, tórax, ombro e cotovelo esquerdo e tendo tido alta no dia 31 de Julho de 2015;
- Mercê do embate referido em 8, o Autor sofreu, além de múltiplas escoriações, fractura tacícula radial, grau I de Mason no cotovelo esquerdo;
- O Autor foi consultado na especialidade de ortopedia no Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre, nos dias 4, 13 e 27 de Agosto;
- Após o embate, o Autor esteve limitado nos seus movimentos, dependendo de terceiros para a realização dos actos da sua vida corrente, designadamente, para se vestir, alimentar e para a sua higiene;
- O Autor foi acompanhado pelos serviços clínicos da Ré que lhe deram alta no dia 3 de Novembro de 2015;
- Após a alta médica dada pela Ré o Autor submeteu-se ainda a diversas consultas de ortopedia e sessões de fisioterapia (cfr. pontos 11 a 17 dos factos provados).
- À data do acidente, o Autor tinha 22 anos de idade;
- Mercê do acidente, o Autor ficou com um déficit funcional permanente de 3%;
- Após o embate, o Autor sofreu dores intensas que ainda hoje se prolongam, tendo sido fixado um quantum doloris de 4 numa escala até 7;
- Mercê do embate, o Autor sofre dores diariamente, perdeu a força no braço esquerdo e tem os movimentos do braço esquerdo limitados, designadamente, na extensão do cotovelo avaliada em 5 graus;
- Mercê do supra exposto o Autor está limitado na prática de exercício físico, tendo deixado de andar de bicicleta e frequentar o ginásio como antes;
- Mercê do referido em 21, o Autor faz uso frequente de medicação analgésica e anti - inflamatória;
- O Autor obteve uma licenciatura do curso de direcção de orquestra na Escola Superior de Música de (…), sendo Maestro de profissão, actualmente regente da Orquestra Filarmónica da (…);
- Mercê das dores que sente, o Autor não consegue exercer a sua actividade sem esforço adicional, suportando dores de cada vez que dirige a orquestra;
- Mercê do supra referido, o Autor não consegue dirigir uma orquestra por períodos superiores a uma hora;
- As limitações de que padece, designadamente, no exercício da sua profissão, bem como as dores que sente causam angústia, tristeza e ansiedade ao Autor;
- O Autor apresenta incompetência do esfíncter esofágico inferior, com refluxo biliar transpilórico ligeiro e gastrite ligeira do antro (cfr. pontos 19 a 29 dos factos provados).

Perante este quadro factual tão exaustivo, tendo em conta a idade do A. (22 anos), a natureza das lesões sofridas, o período de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica, com tendência a agravar-se à medida que a idade vai avançando, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo segurado na R., sem qualquer parcela de responsabilidade por parte do A., temos por justificada e equitativa uma compensação pelo danos não patrimoniais no montante de € 10.000,00, tal como veio a ser fixada na decisão recorrida (e reportada à data da decisão final em 1ª instância).

Por último, e no que concerne aos danos patrimoniais, sustenta a R. que não deverá suportar as despesas do A. com consultas de ortopedia e sessões de fisioterapia, no valor de € 2.535,41, pois as mesmas foram realizadas após o A. ter tido alta clinica.
Todavia, o facto do A. ter tido alta clínica, não afecta em nada a circunstância do mesmo ter ficado com lesões e sequelas, resultantes do acidente aqui em análise, as quais necessitavam de acompanhamento médico, o que se veio a apurar nos autos (cfr. ponto 17 dos factos provados).
Na verdade, érate - um dado da experiência – que ninguém anda em consultas de ortopedia ou em sessões de fisioterapia por seu mero prazer (é que não se trata da frequência de “spas” ou de ginásios…), mas antes por necessidades de saúde evidentes, “in casu” decorrentes do acidente dos autos.
Acresce que, as ditas lesões e sequelas sofridas pelo A. são da responsabilidade da R., uma vez que, não será demais repetir, foi o veículo por si segurado o único e exclusivo culpado pela produção do acidente em causa, pelo que – forçoso é concluir – são-lhe totalmente imputáveis as despesas que o A. teve de suportar, referentes a consultas, deslocações e sessões de fisioterapia, as quais importaram no valor global de € 2.535,41.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter inteiramente.
Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pela R., aqui apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela indicados.

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente – o chamado dano biológico –, ainda que esta incapacidade não tenha tido uma repercussão direta no exercício da profissão habitual.
- Resultando provado que o autor contava 22 anos de idade à data do acidente e que em virtude das lesões sofridas ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3%, sendo as sequelas compatíveis com a sua atividade profissional mas exigindo um esforço adicional e suplementar, implicando também algumas restrições à realização dos actos normais da vida corrente, familiar e social e são causa de sofrimento, considera-se justa e equitativa a atribuição da indemnização de € 15.000,00 fixada na sentença.
- Considerando a idade do A., a natureza das lesões sofridas, o período de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica, com tendência a agravar-se com o avançar da idade, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo segurado na R., sem qualquer parcela de responsabilidade do A., tem-se por justificada e equitativa uma compensação pelos danos não patrimoniais no montante de € 10.000,00, reportada à data da decisão final em 1ª instância.
- O facto de o A. ter tido alta clínica, não afecta em nada a circunstância do mesmo ter ficado com lesões e sequelas, resultantes do acidente aqui em análise, as quais necessitavam de acompanhamento médico, pelo que são da responsabilidade da R. as despesas que o A. teve de suportar, referentes a consultas, deslocações e sessões de fisioterapia, as quais importaram no valor global de € 2.535,41.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pela R., confirmando-se inteiramente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pela R., ora apelante.
Évora, 28 de Junho de 2018
Rui Manuel Machado e Moura
Maria Eduarda Branquinho
Mário João Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).