Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
263/18.5T8FTR-A.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE MÚTUO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
INTERPELAÇÃO
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
1 - Para que se possa fazer uso de ação executiva, com vista à realização coativa de uma obrigação, esta deve mostrar-se certa, líquida e exigível e o dever de a prestar deve constar de um título, que há-de servir de suporte à pretensão.
2 - Quando do próprio título e de documentos complementares não emerge a demonstração do quantitativo em dívida que se veio exigir com instauração da execução, existe insuficiência de título.
3 - Na obrigação pecuniária pagável em prestações sucessivas, a falta do pagamento de uma delas implica vencimento das restantes, nos termos do artigo 781º CC, constituindo um caso de exigibilidade antecipada, benefício que a lei concede ao credor e que há-de ser exercido mediante interpelação do devedor, uma vez que a mera exigibilidade imediata não pode confundir-se com vencimento automático de todas as prestações, o qual só ocorrerá por força da interpelação do devedor pelo credor.
4 - Só com a interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação, realizando todas as restantes prestações, é que o credor manifesta verdadeiramente a sua vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.
5 - Para efeitos de interpelação é de atribuir relevância à citação dos Executados enquanto ato conducente à exigibilidade imediata de todas as prestações devidas até final do prazo do contrato.
6 - Perante a falta de pagamento de uma ou mais prestações, a falta de interpelação do devedor, prévia ao instaurar da ação executiva, para que cumpra imediatamente toda a obrigação, não constitui nenhum pressuposto que conduza a condenação do credor como litigante de má fé, no âmbito da execução instaurada, por não integrar conduta reprovável e atentatória das elementares regras de conduta a ter em conta pelo exequente.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


BB, deduziu oposição, mediante embargos, à execução que a si move Caixa CC, S.A., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre (Juízo de Competência Genérica de Fronteira), pedindo a sua absolvição “do pedido exequendo”, alegando em síntese, que o título apresentado à execução padece de insuficiência, não só porque não se refere os montantes em dívida e datas de vencimento, como não se comprovou a interpelação para pagamento das quantias em dívida, sendo inexigível a obrigação.
A embargada veio contestar defendendo que a nota de liquidação junta com o requerimento executivo é bastante explícita, constando o montante devido a título de capital, juros, despesas e comissões, tendo previamente à instauração da execução sido remetidas ao executado várias missivas, sem qualquer resposta quanto à resolução da situação, tendo existido, ainda, contactos telefónicos.
Realizou-se audiência prévia na qual se fixou como objeto do litígio a ocorrência de incumprimento, por parte do Embargante, nomeadamente no que respeita às datas dos pagamentos das prestações referentes ao contrato de mútuo subjacente à execução e assentou-se nos seguintes temas da prova:
I. Quantia em dívida pelo Embargante;
I.1. Montantes pagos pelo Embargante à Embargada, relativos ao contrato de mútuo celebrado em 21.04.1998;
II. Interpelação, pela Embargada ao Embargante, para pagamento das quantias em dívida.
Realizou-se audiência final tendo posteriormente sido proferida sentença em cujo dispositivo refere:
Em face do exposto, e com base nas disposições supra citadas:
a) Julgo procedente, por provados os presentes embargos à execução deduzidos por BB contra Caixa CC, S.A. e, em consequência, julgo extinta a execução, à luz do disposto no artigo 732.º, n.º 4, do mesmo diploma.
b) Considero existir, por parte da Exequente, uma litigância de má fé, condenando a mesma no pagamento da quantia equivalente a 4 UC´s, a título de multa.
Custas pela Embargante.
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Irresignada com a sentença, veio a embargada interpor o presente recurso de apelação e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
A. Não andou bem o douto Tribunal a quo ao julgar procedentes os embargos de executado, porquanto atendendo à prova produzida em sede de audiência de julgamento, teria que ser necessariamente outra a decisão proferida.
B. No que concerne aos factos dados como provados, existe factualidade que consta daquele elenco e que não deveria constar, porquanto nunca foram alegados pelas partes e estão manifestamente em contradição com o objeto do litígio.
C. Face ao depoimento da testemunha António F… e ao extrato do empréstimo junto aos autos, deve aditar-se à matéria de facto provada como ponto 14. que “Encontram-se vencidas e não pagas as prestações vencidas desde 23/07/2017
D. Conforme decorre das declarações do próprio embargante e das missivas juntas aos autos com a contestação, devem eliminar-se da matéria de facto dada como provada os pontos 9 e 10, substituindo-se por um ponto único que refira: “A exequente remeteu ao embargado as missivas juntas à contestação, que se dão por reproduzidas, onde lhe comunica a situação de incumprimento e a remessa do processo para contencioso
E. A ora Recorrente juntos aos autos documentos comprovativos inequívocos do incumprimento que nunca foram impugnados.
F. O próprio Recorrido confessou livremente e sem reservas que efetivamente existiram depósitos que não foram efetuados, razão pela qual se encontrava em incumprimento.
G. E que, ao constatar a situação de incumprimento, tentou uma reestruturação do crédito junto da Recorrente.
H. A discussão dos temas da prova extravasou, e muito, o anteriormente definido, ao ponto de os embargos de executado serem julgados procedentes atendendo ao facto de a ora Recorrente não ter aceite a regularização do crédito.
I. Em momento algum, ao longo do seu arrazoado, o Recorrido menciona que tentou uma reestruturação do seu crédito, já que pelo próprio foi mencionado não existir qualquer incumprimento do crédito.
J. E era esta questão que se impunha ser discutida e decidida: existia ou não incumprimento, e, em caso afirmativo, desde que data é que o mesmo se verifica, sendo certo que a demonstração do cumprimento compete ao embargado.
K. Não poderá, salvo o devido respeito, ser proferida decisão com base em factos que nunca foram alegados pelas partes, muito menos pelo Recorrido.
L. Assim, face ao estatuído no artigo 615, n.º 1, alínea d) do CPC verifica-se existir nulidade da sentença proferida, nulidade essa que desde já se argui.
M. A escritura pública junta aos autos consiste num título executivo, não se verificando qualquer insuficiência do título.
N. A referência ao ano de 2002 no requerimento executivo deveu-se apenas a lapso de escrita pois, o contrato relativo ao crédito em causa nos autos diz respeito ao contrato celebrado em 1998 entre o Recorrido e o DD, contrato esse que foi junto com o requerimento executivo e que nunca foi impugnado.
O. Relativamente às quantias depositadas na conta associada ao empréstimo, as mesmas foram aplicadas em prestações cuja data de vencimento há muito se verificava, encontrando-se como tal em incumprimento.
P. As missivas remetidas ao Recorrido tiveram como morada “Casa Novas …, 7100-… Estremoz”, que, segundo o próprio, a moradia em causa encontra-se arrendada a terceiros.
Q. Se as cartas não foram recebidas, a responsabilidade só pode ser assacada ao Recorrido.
R. Ainda que não se entendesse que tenha ocorrido a interpelação do Recorrido da resolução do contrato por incumprimento naquela morada, sempre seria de considerar aquela interpelação com a citação para os presentes autos.
S. Salvo o devido respeito, a falta de interpelação não constitui nenhum pressuposto para a condenação como litigante de má fé.
T. Se existe alguém que litiga de má fé, esse sim é o Recorrido, pois foi o próprio que ao longo do seu arrazoado sempre defendeu não estar numa situação de incumprimento, para, em sede de audiência de julgamento, vir afirmar que determinados depósitos não foram efetuados e que contactou a ora Recorrente para tentar uma reestruturação do seu crédito.
Pelo exposto e sobretudo pelo que será suprido pelo Sábio Tribunal, deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da douta Sentença Recorrida, por ter tomado conhecimento de questões que não deveria ter conhecido e, bem assim, seja a mesma revogada e substituída por outra que determine a improcedência dos embargos, por não provados, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA
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Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do artº 663º n.º 2, todos do CPC.

Assim, do que resulta das conclusões as questões nucleares postas à consideração deste tribunal, são as seguintes:
1ª - Da nulidade da sentença;
2ª - Do erro de julgamento no que respeita à matéria de facto;
3ª - Da subsunção do direito aos factos;
4ª - Da litigância de má fé.

Na 1ª instância foi dado como provado o seguinte circunstancialismo factual:
1. Por acordo denominado “Compra e venda muto com hipoteca e fiança”, celebrado entre o Embargante e o Banco DD, a 21.04.1998, mediante o qual o Banco concedeu um empréstimo no valor de cinco milhões de escudos.
2. A 23 de julho de 2001, de acordo com a deliberação de 28 de março de 2001 do Conselho de Administração da Caixa CC, deu-se a fusão, por incorporação, mediante a transferência global do património, do Banco DD para a Caixa CC.
3. Por carta datada de 26.11.2007 foram propostas pela Exequente alterações ao acordo constante do ponto 1., encontrando-se tal proposta assinada pelo Executado.
4. Do requerimento executivo consta: “capital: €9.098,32; juros: de 23-07.2017 a 06-07-2018: €106,31; despesas: €0,00; comissões: €82,50”.
5. Juntamente com o requerimento executivo, juntou a Exequente o acordo referido em 1., a carta referida no ponto 3, a certidão permanente do imóvel hipotecado e nota de débito e demonstração de nota de débito, com os períodos de 23.07.2017 a 01.07.2018.
6. De tal nota de débito constam as amortizações das respetivas prestações, mas não as quantias totais cobradas nas respetivas datas.
7. Foram cobrados, pela Exequente, ao Executado, €125,00 (valor da prestação), bem como a 22.08.2017, 21.09.2017, 23.10.2017, 22.11.2017, 22.12.2017, 22.01.2018, 22.03.2018, 20.04.2018, 22.05.2018 e 22.06.2018, €871,60 a 12.10.2017, €1.290,90 a 08.02.2018, € 98,02 a 22.02.2018.
8. Ao longo dos anos, e por falta de depósito na conta bancária respetiva, da totalidade da prestação, foram sendo descontados montantes referentes a comissões, juros de mora e capital.
9. A Exequente não interpelou os devedores para cumprimento do total do montante em dívida.
10. A Exequente não alegou a interpelação referida no ponto 9.
11. O Executado, em outubro de 2017, alertado para a existência de quantias em dívida, tentou regularizar a situação.
12. A Exequente não aceitou a regularização do presente crédito, pelo facto de o Executado ter, na mesma instituição bancária, outro crédito, não regularizado.
13. A Exequente não respondeu às interpelações do Executado para regularização do crédito, intentando a presente ação executiva.

Conhecendo da 1ª questão
A recorrente invoca enfermar a sentença impugnada da nulidade de excesso de pronúncia porque veio apreciar e decidir a pretensão do embargante tendo por referência factos que não foram alegados, que consubstanciaram um pedido de restruturação da dívida, que não terá sido admitido, quando o próprio embargante, nos respetivos articulados, defende que não existiu qualquer incumprimento da sua parte, pelo que, em consequência partindo de tal realidade, não se apresenta conducente vir solicitar um pedido de regularização de uma dívida, quando nem sequer se aceita o incumprimento.
Efetivamente, não foi invocada qualquer situação regularização de dívida a coberto de qualquer pedido de procedimento de restruturação, sendo que tal problemática nem fazia parte dos temas da prova supra aludidos, pelo que a decisão não pode assentar em factos que respeitem à existência de um pedido de restruturação, que não terá sido concedido.
Se é verdade que foram levados aos acervo factual dado como provado (v. pontos 12 e 13) factos donde se pode deduzir ter sido requerido um pedido de restruturação da dívida, o certo é que na sentença recorrida não se atendeu a tal realidade para a decisão a proferir não tendo na subsunção do direito aos factos tais circunstâncias factuais tido qualquer relevância na decisão de procedência dos embargos, a qual assentou na insuficiência do título executivo e na inexigibilidade da quantia exequenda por falta de interpelação para pagamento, pelo que, nessa base, não pode dizer-se que existiu excesso de pronúncia, atendendo a que a insuficiência de título e a inexigibilidade da obrigação foram fundamentos invocados pelo embargante na petição de embargos.
Assim, em nosso entendimento não enferma a sentença da nulidade que lhe é imputada, o que não significa que não possa enfermar de erro de julgamento, mas que caberá apreciar noutra sede.
Improcede, nesta vertente, o recurso.

Conhecendo da 2ª questão
Pretende a recorrente a modificação da matéria de facto dada como provada, defendendo que perante o teor do próprio depoimento do embargante, bem como do depoimento da testemunha António F… deve ser modificada a redação dos pontos 9 e 10 e dos factos provados e deve ser aditado um novo facto à matéria assente (cfr. conclusões C e D).
No que respeita ao encontrar-se vencidas e não pagas as prestações desde 23/07/2017 a prova não é concludente para dar tal facto como provado, ao contrário do que parece defender a recorrente, atendendo a que como resulta do ponto 7 dos factos provados, facto que não foi impugnado, quer no 2º semestre de 2017, quer até ao mês de junho de 2018 foram efetuados depósitos na conta associada à cobrança das prestações inerentes ao empréstimo, tendo a exequente procedido a efetiva cobrança para esse efeito, pelo que pela documentação junta aos autos que retrata a movimentação da conta no período de janeiro de 2005 a Outubro de 2018, mesmo com o teor do depoimento da testemunha António F… (que só teve contacto com o processo na sua fase final e conforme salienta o Julgador a quo “demonstrou pouco ou nenhum conhecimento direto acerca do caso em apreço) não se mostra ser líquida a realidade que se pretende ver como provada, pelo que não é de aditar ao acervo factual provado o pretendido pela exequente.
Relativamente à eliminação da matéria dada como provada constante nos pontos 9 e 10 substituindo-se a mesma por um ponto único no qual se faça constar a remessa das missivas referidas nos documentos juntos aos autos com a contestação, diremos que a recorrente, como expressamente salienta o Julgador a quo, quer no requerimento executivo, quer na oposição ao embargos, não alegou que procedeu à efetiva interpelação para pagamento da quantia exequenda limitando-se a referir que remeteu “diversas missivas” relativas “ resolução da situação” sendo de notar que existe discrepância de valores em duas delas referentes à mesma realidade quando tendo por limite a data de 18/09/2017 numa se refere que os valores em atraso são de € 9 317,18 enquanto noutra, se refere que tais valores são de € 3 346,33.
Mesmo que do conteúdo das aludidas missivas se pudesse concluir que com o envio das mesmas se pretendia interpelar o devedor para pagamento da quantia exequenda, o certo é que, a recorrente não fez a mínima prova do envio de tais cartas, algumas das quais não estão sequer datadas, não existindo nenhum documento que permita concluir que as mesmos foram efetivamente remetidas.
Tendo sido alegado o envio, cabia à parte que faz tal alegação, a prova que de facto tal ocorreu, e só perante a demonstração de tal facto é que se imporia à outra parte fazer a prova da sua não receção.
Assim, não é de proceder à alteração solicitada.
Improcede, também, nesta vertente o recurso, mantendo-se a matéria de facto imutável.

Conhecendo da 3ª questão
Na sentença recorrida considerou-se, por um lado, existir insuficiência de título executivo e, por outro, inexigibilidade da quantia exequenda por falta de interpelação.
Vejamos então a decisão analisando cada uma das vertentes.
Em face dos factos que foram considerados provados parece evidente que a exequente não obstante ter apresentado um documento idóneo para valer como título executivo - Escritura de Compra e Venda Mútuo com Hipoteca e Fiança e Documento Complementar, outorgada no dia 21 de Abril de 1998, no Cartório Notarial de Fronteira - não conseguiu demonstrar de à data da instauração da execução se encontrava algum montante em dívida e qual o seu efetivo valor, atendendo a que mesmo depois da data em que terá considerado o contrato por definitivamente incumprido, continuou a fazer cobrança das prestações como até então vinha acontecendo como resulta à evidência do ponto 7 dos factos provados pelo que, como bem se salienta na sentença sob recurso, da demonstração da nota de débitos junta com o requerimento executivo não se afere os movimentos descritos no aludido ponto, não sendo, por isso, percetível e suficiente o título apresentado à execução, para compreensão do que se encontra em dívida, a respeito do contrato e relativo a que período.
Mostra-se consensual para que se possa fazer uso de ação executiva, com vista à realização coativa de uma prestação, que esta deve mostrar-se certa, líquida e exigível (cfr. artº 713º do CPC), e que o dever de a prestar deve constar de um título, que há-de servir de suporte à pretensão.[1]
A certeza, decorre normalmente da perfeição formal do título e da ausência de reservas à sua plena eficácia. A liquidez é por assim dizer um plus que se acrescenta à certeza da obrigação, demonstrando quanto e o que se deve. A exigibilidade, respeita ao vencimento da dívida, sendo que, obrigação exigível é uma obrigação que está vencida, não dependendo o seu pagamento de termo ou condição, nem está sujeito a outras limitações.
O título dado à execução deve, por si só, fornecer a segurança de estarmos perante uma obrigação vencida e do respetivo direito a ela inerente.[2]
De tal decorre que no caso em apreço pelos motivos apontados existe insuficiência de título, uma vez que não foi demonstrado a quantia que efetivamente estaria em dívida, se é que, ainda, está.
Quanto à falta de comunicação ao executado da resolução do contrato por incumprimento e da exigência da quantia exequenda entendeu-se na decisão recorrida que a exequente não demonstrou ter feito tal interpelação concluindo-se pela existência de inexigibilidade da quantia exequenda.
Como refere o próprio embargante na sua petição, no contrato referente ao empréstimo em causa no que se respeita à Exigibilidade antecipada/incumprimento, existe cláusula expressa pela qual:
1 - A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente: a) incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente desse contrato; (…)
Caso ocorra qualquer uma das situações referidas no número anterior, a Caixa fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora (…).”
Esta estipulação está em consonância com previsto na lei para a obrigação liquidada em prestações (artº 781º do CC) nada acrescentando ao sentido de que sendo a dívida liquidada em prestações a falta do pagamento de uma delas importa o vencimento de todas, ou seja, o vencimento do empréstimo, caso essa prestações decorram da outorga de um contato de mútuo.
Tem-se entendido, maioritariamente, que, no caso de obrigação pecuniária pagável em prestações sucessivas, o vencimento imediato das restantes prestações à falta do pagamento de uma delas, nos termos do artigo 781º CC, constitui um caso de exigibilidade antecipada, mero benefício que a lei concede ao credor e que há-de ser exercido mediante interpelação do devedor, ficando aquele com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as restantes prestações, cujo prazo ainda se não tenha vencido.[3]
A mera exigibilidade imediata não pode confundir-se com vencimento automático de todas as prestações, o qual só ocorrerá por força da interpelação do devedor pelo credor.[4]
Desta forma, a exequente, se queria ver imediatamente vencidas todas as prestações subsequentes às não realizadas, devia ter interpelado o devedor para proceder ao respetivo pagamento, até para que este tivesse efetiva noção de que, não satisfazendo tais prestações, estaria em mora antes da data do seu vencimento.
Só com a interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação, realizando todas as restantes prestações, é que o credor manifesta verdadeiramente a sua vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.
No entanto, embora a exequente, enquanto credora, não tivesse previamente interpelado o executado como resulta do ponto 9 dos factos provados, tendo optado, perante o alegado incumprimento contratual, inerente à falta de pagamento, na data prevista, das prestações subsequentes ao mês de Julho de 2017, por instaurar a ação executiva com base no contrato firmado, requerendo a citação do executado para proceder ao pagamento da totalidade da dívida, tal comportamento não poderá deixar de relevar, para efeitos de exigibilidade da dívida, caso esteja apenas em causa, a falta de interpelação, e desde que inexistam dúvidas sobre a idoneidade do título idóneo dado à execução bem como sobre incumprimento contratual por parte do executado.[5]
Pois, como se salienta no Ac. do TRL de 15/05/2012,[6] “perante todos os elementos factuais que caracterizam a situação - o título dado à execução e o não pagamento assumido das prestações devidas contratualmente -, não podemos deixar de atribuir relevância à citação dos Executados enquanto ato de interpelação conducente à exigibilidade imediata de todas as prestações devidas até final do prazo do contrato. Contudo, contrariamente ao alegado pela Exequente no requerimento inicial, o vencimento da totalidade da dívida ocorreu com a citação dos Executados.
Deste modo, as consequências do comportamento da Exequente quanto à obrigação exequenda não assumem os contornos de inexigibilidade, mas refletem-se no conteúdo da mesma, relativamente ao montante dos respetivos juros moratórios (quanto às prestações ainda não vencidas à data da citação), que serão devidos desde a citação”.
Contudo, no caso em apreço mesmo que se considere irrelevante a omissão de interpelação para a exigibilidade da quantia exequenda, sendo a sua repercussão só é adstrita ao montante dos juros que apenas seriam devidos desde a citação, impõe-se a confirmação da decisão recorrida no que respeita à procedência dos embargos, pelo facto de, conforme supra explanado, estarmos perante uma situação se insuficiência de título dada a impercetibilidade dos montantes que verdadeiramente estariam em dívida à data em que foi intentada a execução (julho de 2018), se é que, ainda, estavam.

Conhecendo da 4ª questão
O Julgador a quo entendeu condenar a exequente em 4 UC’s de multa por litigância de má fé, justificando a condenação com a seguinte fundamentação:
Ora, no caso concreto, verifica-se que a Exequente ficou vencida na ação, também por falta de interpelação ao Executado. Mas, e o que é relevante nesta sede, nem tão pouco alegou no requerimento executivo ou nas alegações, a realização de tal interpelação, sendo tal imprescindível para considerar exigível a quantia exequenda.
Torna-se, pois, evidente a consciência, por parte da Exequente, da falta de fundamento para a pretensão deduzida em sede de requerimento executivo, tendo mantido tal pretensão em sede de embargo, sendo exigível à mesma, até pela sua estrutura e dimensão, o reconhecimento de tal falta de fundamento.
A recorrente insurge-se contra tal condenação e a nosso ver com razão. Pois, ao contrário do se defende na sentença recorrida, não se evidencia, quanto a nós, que a atuação da exequente seja de molde a que se possa censurar no âmbito do instituto da litigância de má fé.
De acordo com o que dispõe o artº 542º n.º 2 do CPC considera-se “litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
De tal decorre ser sancionável, no âmbito do instituto da litigância de má fé, apenas, a lide dolosa ou gravemente culposa.
No entanto, há que ter em consideração que a conclusão pela atuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das citadas alíneas do n.º 2 do artº 542º do CPC e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com atitude manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça.
Ao contrário do que se entendeu, a falta de interpelação do devedor não constitui nenhum pressuposto que conduza a condenação do credor, que visa com a instauração da ação a cobrança do seu crédito, como litigante de má fé, sendo que a atuação da exequente não pode considerar- -se reprovável e atentatória das elementares regras de conduta impostas pela lei a quem pretende deduzir pretensão recorrendo para esse efeito à interposição de ação executiva atinente, mesmo que se considere que não estariam preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos para instaurar tal ação.
Não pode afirmar-se a existência “de falta de fundamento da pretensão deduzida em sede de requerimento executivo” por não ter previamente procedido à interpelação do devedor, ora executado, para pagamento da quantia que lhe vem exigir, atendendo a que quanto à falta de interpelação, agora, embora parcialmente, até lhe foi dada razão. Acresce que, a exequente, no âmbito dos presentes autos de embargos, invocou ter enviado ao devedor, ora executado, “diversas missivas” com vista à resolução da situação, as quais considerou para efeitos de interpelação, pelo que manifestamente não se pode concluir que pretendeu exercer um direito sabendo que não tinha qualquer fundamento para tal.
Não estamos, assim, perante uma situação que se possa caraterizar pela dedução de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, não podendo extrair-se da posição que assumiu, como exequente/embargada, que a sua atuação foi dolosa ou gravemente negligente.
Não estão, deste modo, reunidos em relação à embargada os pressupostos previstos no artigo 542º, nº2, do CPC que possibilitem a sua condenação por litigância de má fé, pelo que procede, neste segmento, o recurso.

Em suma, em face dito que deixou exposto há que confirmar a sentença recorrida no que respeita à procedência dos embargos, sendo a mesma de revogar na parte em que condenou a embargada como litigante de má fé.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, na parte em que condenou a embargada em multa por litigância de má fé.
Custas de parte por apelante e apelado na proporção de 9/10 para aquela e 1/10 para este (cfr. disposições combinadas dos artºs 663º n.º 2, 607º n.º 6, 527º n.º 1 e 2, 529º n.º 4 e 533º n.º 1 e 2, todos do CPC).


Évora, 27 de junho de 2019
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Maria da Graça Araújo

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[1] - v. Lebre de Freitas in A Acção Executiva, 4ª edição, 29; Fernando Amâncio Ferreira in Curso de Processo de Execução, 6ª edição, 147.
[2] - v. Alberto dos Reis in Processo de Execução, vol. I, 1985, 174.
[3] - Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª edição, 53 e seg.; Almeida Costa in Direito das Obrigações, 11ª edição 1018; Brandão de Proênça in Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 2011, 85;Ac. do STJ de 27/09/2007, Ac. TRP de 25/01/2010, Ac, TRL de 12/05/2009 in www.dgsi.pt, respetivamente nos processos 07B2646, 5664/08.4TBVNG.P1 e 463/07.3TVLSB.L1-7.
[4] - Posição dissonante assume I. Galvão Telles in Direito das Obrigações, 7ª edição, 271 “nas dívidas a prestações, a omissão de uma implica o imediato vencimento das demais, independentemente de interpelação”.
[5] - v. Anselmo de Castro in A Ação Executiva Singular, Comum, e Especial, 3ª edição, 57; Fernando Amâncio Ferreira in Curso de Processo de Execução, 6ª edição, 105; Miguel Teixeira de Sousa in A Reforma da Acção Executiva, 2004, 74.
[6] - disponível em www.dgsi.pt, relativo ao processo 7169/10.4TBALM-A.L1-7.