Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
132/06.1TBSSB-A.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
EXTEMPORANEIDADE
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Sendo a finalidade da fase introdutória dos embargos a emissão pelo tribunal de um juízo de admissibilidade dos mesmos, o embargante na petição, para além de oferecer prova sumária dos factos em que funda a sua pretensão, deve, também, para o caso de já terem decorrido 30 dias sobre a diligência ofensiva da posse, fazer a prova da data em que teve conhecimento dessa diligência.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 132/06.1TBSSB-A.E1 (2ª Secção Cível)



ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo de Execução de Setúbal – Juiz 2), (…) veio, por apenso aos autos de execução em que é exequente (…) e executada (…), apresentar oposição mediante embargos de terceiro, alegando, ser “possuidora” do veículo penhorado, com a matrícula (…)-NL, que apenas a título de “mera conveniência” se encontra registado em nome da executada.
Em sede liminar foi proferido despacho do seguinte teor:
Da certidão junta aos autos de execução resulta que a penhora, à ordem de tais autos, do referido veículo de matrícula (…)-NL, se encontra registada na Conservatória do Registo Automóvel na data de 25.10.2016.
A petição de embargos mostra-se apresentada em 13.12.2016.
Dispõe o art. 344º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), que o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa.
No caso, conforme se referiu, a diligência foi efectuada a 25.10.2016 (data do registo da penhora, que não se confunde com a da elaboração do auto respetivo – mera formalidade, tratando-se de bem sujeito a registo – pelo agente de execução), pelo que dispunha a embargante de 30 dias contados de tal data para fazer valer, por oposição mediante embargos de terceiro, o seu alegado direito.
Ora, tal prazo de 30 dias terminou a 24.11.2016, nada tendo a embargante referido quanto ao momento em que teve conhecimento da penhora, não podendo presumir-se, por não alegado, que tal conhecimento ocorreu nos trinta dias anteriores à apresentação da petição de embargos (concretizada a 13.12.2016).
Nesta medida, a apresentação da petição de embargos, no momento em que ocorreu, é manifestamente extemporânea, o que, nos termos do disposto nos arts. 344º, nº 2, e 345º do CPC, implica o respectivo indeferimento liminar.
Por conseguinte, indefiro liminarmente, por extemporânea, a petição de embargos de terceiro apresentada por (…).
Custas pela embargante – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
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Inconformada com esta decisão, interpôs, a embargante, recurso de apelação pelo qual pretende a revogação da decisão, terminando nas respectivas alegações, por formular as seguintes conclusões cujo teor se transcreve:
1 – A embargante deduziu embargos de terceiro quando teve conhecimento da penhora, que lhe foi transmitido por terceiros.
2 – Foi na data de 22 de Novembro de 2016, que a embargante teve conhecimento da penhora que ofende o seu direito.
3 – A data invocada pelo Meritíssimo juiz está subjacente ao indeferimento liminar é a data do registo da penhora na conservatória e não do conhecimento efectivo da embargante da referida penhora.
4 – A falta de alegação de tais factos na p.i. não pode nem deve levar ao indeferimento liminar.
5 – A douta decisão tem desconhecimento do auto de diligências efectuado pela solicitadora de execução, o que é manifesto porque a decisão não se refere à notificação efectuada na pessoa da executada.
6 – Ao decidir como decidiu o tribunal fez errada interpretação do nº 2 do Artº 344º do CPC.
7 – Pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que ordene o recebimento dos embargos seguindo-se os ulteriores termos.
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Não foram apresentadas contra alegações.

Cumpre apreciar e decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão em apreciação consiste em saber se o Juiz podia indeferir liminarmente a petição de embargos por se ter concluído que os mesmos tinham sido apresentados para além do prazo de 30 dias subsequentes àquele em que a diligência da penhora foi efectuada, não tendo a embargante invocado, na petição de embargos, a data em que teve conhecimento da ofensa.

Para apreciação da questão há que ter em conta os factos referidos na decisão impugnada e aludidos no relatório.

Conhecendo da questão
A apelante (…) veio, por apenso aos autos de execução em que é exequente (…) e executada (…), apresentar oposição mediante embargos de terceiro, alegando somente que é possuidora do veículo penhorado, com a matrícula (…)-NL, o qual se encontra registado em nome da executada, apenas por mera conveniência.
A petição de embargos foi apresentada em 13/12/2016 (cfr. fls. 9 dos autos).
Como se salienta na decisão recorrida, a penhora de tal veículo encontra-se registada na Conservatória do Registo Automóvel na data de 25/10/2016.
Dispõe o artigo 342.º, nº 1, do CPC, “se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
Os embargos de terceiro constituem o meio especialmente previsto para a defesa da posse ou de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicialmente ordenada de que o titular seja alvo, sendo um meio de reacção tuteladora da posse dirigido contra diligências judiciais que a ofendem.
Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o acto ofensivo do direito do embargante (nº 1 do artº 344º do CPC), deduzindo este a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas (nº 2 do mesmo dispositivo).
O fundamento do indeferimento liminar dos presentes embargos, teve por base a sua extemporaneidade, porquanto já havia decorrido o prazo de 30 dias, a contar da diligência que foi efectuada a 25/10/2016 (data do registo da penhora).
Correndo o processo de embargos por apenso ao processo em que foi ordenado o acto ofensivo do direito da embargante, nada impede, antes aconselha, até por razões de celeridade, de economia processual e do princípio da proibição da prática de actos inúteis, que o Juiz aprecie liminarmente a petição inicial dos embargos, tendo em consideração os elementos já constantes do processo a que aqueles estão apensos, designadamente, a tempestividade da sua apresentação, como aliás, impõe o art.º 345º do CPC.
Decorre deste artigo que cabe ao juiz verificar se a petição de embargos foi apresentada em tempo em face dos elementos factuais que dela constam, bem como dos que constam no processo a que há que apensar os embargos.
Embora não se desconheça a divisão da doutrina e da jurisprudência relativamente à posição que o Julgador haverá de tomar, quando verifique que em face da data da diligência que alegadamente ofendeu a posse do embargante a petição de embargos foi apresentada para além dos 30 dias subsequentes aquele acto, em face do actual conteúdo do artº 345º do CPC que rege a fase introdutória dos embargos e que dispõe “sendo apresentada em tempo…” estamos com Lebre de Freitas (A Ação Executiva, 6ª edição, 337; Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, vol. I, 669) quando defende que sendo a finalidade da fase introdutória dos embargos a emissão pelo tribunal de um juízo de admissibilidade dos mesmos, o embargante na petição, para além de oferecer prova sumária dos factos que funda a sua pretensão, deve, também, para o caso de já terem decorrido 30 dias sobre a diligência ofensiva da posse, fazer a prova da data em que teve conhecimento dessa diligência.
Esta alegação dos factos de que decorra a tempestividade dos embargos, nesta fase introdutória (ao contrário no que acontece na fase contraditória) é um ónus que impende sobre o embargante, sob pena da não alegação desses factos conduzir ao indeferimento da petição em sede de apreciação liminar.
Por isso não tendo a embargante alegado na petição que apenas teve conhecimento da realização da penhora em data muito posterior à data do seu registo (alegação que apenas veio fazer nesta sede recursiva) podia e devia o Julgador “a quo” emitir, como emitiu, posição quanto à intempestividade dos embargos, que teve por verificada, concluindo pelo indeferimento da petição (v. neste sentido Ac. do STJ de 14/01/2010 no processo 3359/07.5TVLSB.S1; Ac. do TRL de 03/02/2005 no processo 467/2005-6; Ac. do TRP de 18/05/2009 no processo 1527/07.9TBVLG-B.P1; Ac. do TRE de 12/01/2012 no processo 844/08, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Nestes termos, não merece censura a decisão impugnada, sendo, por isso, de julgar improcedente a apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Évora, 28-06-2017

Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Mário António Mendes Serrano