Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
39/15.1T8VVC.E2
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não se pode declarar extinta a instância, com base num fundamento, quando efetivamente a mesma já havia sido extinta, por força da lei, tendo outro fundamento por base.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 39/15.1T8VVC.E2 (2ª Secção Cível)




ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No âmbito da ação declarativa de condenação, a correr termos no Tribunal Judicial de Évora (Juízo de Competência Genérica de Vila Viçosa) em que é autor J. C. (…), Unipessoal, Lda., e réu (…), foi em 04/09/2019 proferido despacho do seguinte teor:
Por despacho de 03/12/2018 (fls. 323/326) proferido nos presentes autos, os mesmos ficaram a aguardar que a Autora diligenciasse no sentido de deduzir o respetivo incidente de liquidação, com a advertência da deserção da instância prevista no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (cfr. despacho de 31/01/2019 fls. 327).
Compulsados os autos, constata-se que a Autora nada requereu ou diligenciou naquele sentido, encontrando-se o processo a aguardar impulso processual por parte da Autora há mais de seis meses.
De acordo com o disposto no art. 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a instância considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Considerando que os presentes autos aguardam impulso processual por parte da Autora desde o dia 31/01/2019, a instância nos presentes autos encontra-se deserta.
Pelo exposto, julga-se deserta a instância, extinguindo-se a mesma, nos termos do artigo 277.º, alínea c), do Código de Processo Civil.
Custas pela Autora artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”
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Inconformada com esta decisão veio a autora interpor o presente recurso, terminando, nas suas alegações, por formular as seguintes conclusões:
1- Os despachos de renovação da instância e decisão de julgar a mesma deserta são nulos porque não só se tinha extinguido o poder jurisdicional do juiz nos termos do artigo 613.º, n.º do CPC, como a instância estava extinta com o trânsito em julgado, só se renovando caso o Recorrente tivesse requerido a liquidação da sentença o que ainda não fez (artigos 619.º e 358.º, n.º 2, do CPC)
2- A liquidação de sentença é um incidente que está na disponibilidade da parte requerer, ou não, até ao prazo da prescrição, pois a mesma serve para liquidar em valor certo uma condenação genérica tendo em vista a execução da sentença (artigo 358.º e seguintes do CPC).
3- A deserção da instância só se aplica aos incidentes cuja dedução e impulso caiba à parte e aos incidentes que determinam suspensão da instância (artigo 281.º, n.º 3, do CPC).
4- O incidente de liquidação, está previsto nos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º do CPC.
5- O despacho recorrido padece de fundamento legal e viola os artigos os artigos 613.º, 619.º e 281.º do CPC, o que gera a sua nulidade nos termos do disposto o no artigo 195.º do CPC.
6- Além do que antes da prolação do despacho em causa devia a parte ter sido notificada para justificar ou não a sua inação, o que também não foi feito pelo também por isso o despacho é nulo por violar os artigos 3.º e 7.º do CPC.
7- Nestes termos de direito deve o presente recurso ser julgado por provado devendo ser declarada a nulidade do douto despacho recorrido em consequência revogar-se mesmo.
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Não foram apresentadas contra alegações.
Cumpre apreciar e decidir
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O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Assim, a questão a apreciar, resume-se em saber, se o despacho impugnado deve ser revogado, por inexistir fundamento legal para a sua prolação.

Com vista a apreciar a questão há que ter em conta, o seguinte circunstancialismo factual:
- A autora intentou a presente ação declarativa, contra o réu alegando, em síntese, que explora os prédios rústicos plantados de vinha, tendo a plantação sido parcialmente destruída pelas ovelhas pertencentes ao réu, sofrendo danos, peticionando, por tal, a condenação deste, no pagamento de uma indemnização no valor global € 21.974,80, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento;
- Realizada audiência de julgamento e proferida sentença, veio o réu a ser absolvido do pedido;
- A autora interpôs recurso de apelação tendo o Tribunal da Relação decidido revogar a sentença da 1ª instância condenando o réu a pagar à autora o valor correspondente aos danos causados pela perda de produção da vinha no ano de 2014, que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença;
- O acórdão do Tribunal da Relação transitou em julgado no dia 07/11/2018, tendo os autos baixado definitivamente à 1ª instância em 15/1172018;
- Em 30/11/2018 foi ordenada notificação da autora para, querendo deduzir o respetivo incidente de liquidação, a qual foi efetuada em 18/12/2018;
- Em 31/01/2019 foi proferido despacho a ordenar que “aguardem os autos o necessário impulso processual da autora, sem prejuízo do disposto no art.º 281º, nº 1, do Código de Processo Civil”, o qual lhe foi notificado na mesma data.
- Em 04/09/2019 foi proferido o despacho recorrido.

Conhecendo da questão
Dispõe o artº 281º do CPC, no que se refere aos processos declarativos, que a instância considera-se deserta, quando por negligência das partes o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses, devendo, no entanto, a situação ser verificada pelo juiz emitindo o respetivo despacho (n.º 1 e 4).
Na decisão recorrida o Julgador “a quo” teve em consideração esta norma para declarar extinta a instância por deserção e responsabilizar a autor pelo pagamento das custas, inerente.
Diremos que no caso, atendendo à cronologia dos factos supra elencados, a extinção da instância por deserção consubstancia um ato desfasado da tramitação processual antecedente, contrariando, até a situação processual já definida com caráter definitivo em consonância com o que decorre da lei. Ou seja, não se pode declarar extinta a instância, com base num fundamento, quando efetivamente a mesma já havia sido extinta, por força da lei, tendo outro fundamento por base.
Com efeito, o julgamento, cuja decisão transite em julgado, seja ela sentença ou acórdão, como é o caso dos autos, é a forma mais nobre e normal de provocar extinção da instância, como expressamente decorre da alínea a) do artigo 277.º do CPC.
A posição assumida pelo Julgador “a quo”, apresenta-se, assaz, contraditória, uma vez que tendo a noção de que o acórdão proferido na ação havia transitado em julgado, procedeu à notificação da autora para, querendo (o que significa que o impulso processual não era obrigatório), deduzir o incidente de liquidação e, tendo esta silenciado, presumiu, mesmo assim, que a instância se tinha renovado, pois só nessa perspetiva seria ajustado a prolação do despacho a julgá-la extinta por deserção.
No entanto, a instância, extinta pelo julgamento, não se podia renovar sem que o incidente de liquidação fosse deduzido e admitido em conformidade com o que dispõe o artº 358º n.º 2 do CPC, de modo que assiste razão à recorrente quando afirma que quer a renovação da instância (efetuada oficiosamente), quer a decisão subsequente de a julgar deserta por negligência da parte em impulsionar o processo, são decisões proferidas ao arrepio da lei, até porque estava esgotado o poder jurisdicional no âmbito da ação, por força do disposto no artigo 613.º do CPC, não podendo impor-se à parte e, consequentemente, retirar consequências da inércia desta, a instauração do incidente de liquidação, uma vez que, relativamente a este incidente, está na disponibilidade da parte em fazer uso dele, ou não, não havendo na lei a fixação de qualquer prazo para a parte, querendo, exercer tal direito, embora esteja, naturalmente sujeita aos prazos prescricionais.
Concluímos assim, que o despacho impugnado padece de fundamento legal, tendo sido proferido em dissonância com o disposto nos artºs 613º, 619º, pelo que se impõe a sua revogação.
Relevam, assim, as conclusões da recorrente, impondo-se a procedência da apelação.

DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelado.
Évora, 23 de abril de 2020

Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes