Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
37/19.6GCEVR.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: INSTRUÇÃO CRIMINAL
ATOS DE INSTRUÇÃO
PRAZOS
DEBATE INSTRUTÓRIO
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – A leitura que fazemos do n.º 1 do artigo 297.º do Código de Processo Penal não impede que o debate instrutório possa ocorrer imediatamente após o último ato de instrução [de produção de prova nesta fase do processo]. Porque entendemos que o prazo de 5 dias aí referido tem o propósito de encurtar o prazo geral – de 10 – para a prática de qualquer ato processual, consagrado no n.º 1 do artigo 105.º do Código de Processo Penal.
II – Em leitura diversa do alcance deste preceito, a inobservância de lapso temporal igual ou superior a 5 dias entre a prática do último ato de instrução e o debate instrutório só poderia acarretar consequências se tivesse sido invocado e demonstrado que dela decorreu prejuízo para a defesa da arguida.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
Na fase processual de instrução do processo que correu termos pelo Juízo de Instrução Criminal ... da Comarca ... com o n.º 37/19.6GCEVR, foram indeferidos requerimentos formulados pela Mandatária dos Arguidos AA, BB e CC] com vista ao adiamento do debate instrutório e à declaração de irregularidade, por violação do disposto no artigo 297.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Inconformados com tais decisões, os Arguidos AA, BB e CC delas interpuseram recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. Por despacho datado de 18-11-2022, o tribunal admitiu a abertura de instrução requerida pelos arguidos, designando o dia 7-12-22 para a audição dos arguidos DD e EE, seguido do debate instrutório.
2. No mesmo requerimento dispensou-se a presença dos restantes arguidos.
3. Uma vez que o mandatário, ora subscritor se encontrava impedido de comparecer em tal diligência no dia agendado, porquanto teve uma audiência de julgamento, com vários arguidos presos, a decorrer no mesmo dia, requereu, no dia 23-11-22, o reagendamento da diligência, referindo ter disponíveis as datas de 5 e 12 de dezembro.
4. Em consequência, veio o despacho datado de 24-11-22, aduzir “relativamente ao impedimento de dois dos Srs. Mandatários para a data designada, e tendo em conta os enormes constrangimentos de agenda da signatária e ainda a necessidade de articular disponibilidade de sala de audiências com a Instância Central desta Comarca, em substituição do dia 7, designo agora o dia 15 de dezembro, às 13h30m (…) na diligência marcada, o Tribunal apenas irá ouvir DD, em liberdade, e EE, preso preventivamente do EP ....”
5. Salvo melhor opinião, deste despacho resulta, como expressamente aí se diz, que tal diligência teria como objetivo, somente, a audição dos arguidos e não a realização do debate instrutório.
6. Por assim ser, no início do debate instrutório, a mandatária dos arguidos, Dra. FF, requereu o adiamento do debate instrutório, uma vez que a marcação do mesmo não resulta do despacho de 18-11-22, e ainda, porque, realizando-se o debate instrutório, a arguida BB não esteve presente no mesmo, o que era sua pretensão.
7. Por consequência, a Exma. Mmª Juiz, proferiu despacho aduzindo que facilmente se compreenderia que o debate instrutório se iria realizar da audição dos arguidos, precedida da audição dos arguidos.
8. Mais se diz que, relativamente à ausência da arguida BB, o Tribunal decidiu pelo despacho de 18-11-2022 e 24-11-22 dispensou a presença da mesma.
9. Pelo que se decidiu que não existiria qualquer vicissitude relativamente à ausência da mesma, até porque a mesma em momento algum requereu a sua presença.
10. Consequentemente, a mandatária dos arguidos arguiu a irregularidade do despacho supratranscrito por violação no n.º 1 do art.º 297.º do Código de Processo Penal.
11. De seguida, a Exma. Mmª Juiz, proferiu o seguinte despacho, do qual, igualmente, aqui se recorre: “(…)Não há que marcar o debate instrutório em 5 dias porque o mesmo está marcado desde 18 e 24-11-2022 e, portanto, não vislumbro qualquer irregularidade que possa padecer o despacho anterior pelo que se indefere a mesma. Notifique.”
12. Ora, a realidade é que resulta expresso do despacho de 23-11-22, a substituição da data da diligência para o dia 15-12-22, assim como resulta – igualmente - claro que, no decorrer de tal diligência apenas se iria proceder à audição de dois arguidos.
13. Ora, se se refere que “na diligência marcada, o Tribunal apenas irá ouvir DD, em liberdade, e EE, preso preventivamente no EP ...”, para o mandatário resultou claro que não se iria proceder à realização do debate instrutório.
14. A este respeito, refere a Exma. MMª Juiz que o mandatário bem sabia que o despacho de 18-11-22 havia procedido a marcação do debate instrutório, tanto é que, o refere no seu próprio requerimento, datado de 23-11-22, em que pediu o adiamento do mesmo.
15. Di-lo por ser verdade, no entanto, tendo o mandatário pedido o adiamento de tal diligência para dia 5 ou 12 de dezembro, e tendo a mesma sido marcada para dia 15, dia que o mandatário não sugeriu, e referindo-se que em tal diligência apenas se iria proceder à audição dos arguidos, depreendeu-se que seria apenas essa a diligência que iria ocorrer.
16. Até porque, no despacho de 24-11-22, não obstante se marcar nova data em substituição da antiga, se faz a ressalva de que tal diligência apenas se iria proceder à audição de dois arguidos!
17. Ressalva essa que nos pareceu propositada a afastar a hipótese da realização do debate instrutório.
18. Já no que refere ao facto de a arguida BB não ter estado presente no debate instrutório apesar de ser essa a sua pretensão, refere-se que os despachos de 18-11-22 e de 24-11-22 referiam que era não imprescindível a presença dos arguidos com exceção daqueles cuja audição foi requerida, pelo que, vieram alguns arguidos aos autos requerer a presença em tal diligência, o que foi deferido.
19. Não obstante o despacho de 18-11-22 dispensar a presença dos arguidos que não requereram a sua audição, note-se que, estar presente no debate instrutório é um direito que assiste à arguida e que não pode à priori ser dispensado.
20. Estabelece a al. a) do n.º 1 do art.º 61.º do CPP, o seguinte: “O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, dos direitos de: estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito.”
21. Face ao preceito supracitado, não se vislumbra o motivo pelo qual a Exma. MMª Juiz dispensou à partida os arguidos da presença na referida diligência.
22. Os arguidos para estarem presentes na mesma foram obrigados a requerer a sua presença e a esperar que tal pedido fosse deferido.
23. Salvo o devido respeito, o douto tribunal fez um raciocínio à contrário daquilo que é estabelecido na lei.
24. A arguida só não esteve presente na referida diligência porque se encontrava a decorrer a grave dos senhores Guardas Prisionais, pelo que não foi transportada até ao tribunal.
25. Estando o Tribunal devidamente informado da existência de tal greve, tal como constará nos autos a devida informação do Estabelecimento Prisional, decidiu-se, - salvo o devido respeito -, de forma a contornar a situação, dispensar a presença da arguida!
26. A arguida é uma das requerentes da abertura da instrução e tinha todo o interesse em estar presente em tal diligência, como aliás, é o seu direito, até porque a mesma tem o direito a pronunciar-se, ela própria, sobre a prova, nos termos do n.º 2 do art.º 301.º do CPP.
27. Assim, não renunciando ao direito de estar presente em tal diligência, não pode o tribunal dispensar a sua presença, nem tem que ser requerida e deferida a sua presença.
28. Tendo em consideração que o n.º 1 do art.º 300.º do CPP expressamente refere que “O debate só pode ser adiado por absoluta impossibilidade de ter lugar, nomeadamente, por grave e legitimo impedimento de o arguido estar presente.”, deveria o mesmo ter sido adiado, como bem requereu a mandatária.
29. O nº3 da mesma norma estabelece que “Se o arguido renunciar ao direito de estar presente, o debate não é adiado com fundamento na sua falta, sendo ele representado pelo defensor constituído ou nomeado.”, no caso em concreto, a arguida não renunciou ao direito de estar presente na diligência.
30. Em primeiro lugar, porque não tinha conhecimento de que iria ocorrer o debate instrutório, e num segundo momento, porque o tribunal à partida dispensou a sua presença e desprezou esse seu direito, não se tratando de uma renúncia da sua parte, até porque a fazê-lo teria de manifestar expressamente nos autos essa vontade.
31. Salvo o devido respeito, não tem de ser deferida a presença da arguida num debate instrutório, ainda para mais quando a mesma requereu a abertura de instrução num processo à luz do qual se encontra privada da sua liberdade.
32. Face a todo o exposto se dirá que, nos termos do art.º 297.º n.º3 do CPP deveria ter sido agendada nova data para a realização do debate instrutório e serem os arguidos notificados com, pelo menos, 5 dias de antecedência, pelo que os despachos que indeferiram tal adiamento e que aqui se transcrevem são irregulares nos termos do 123.º n.º1 do CPP

NORMAS VIOLADAS:
N.º 1 do art.º 32.º da CRP;
N.º 1 do art.º 61.º do CPP;
N.º 1 do art.º 297.º do CPP;
N.º 1 do art.º 300.º do CPP;
N.º 2 do art.º 301.º do CPP;

Face a todo o exposto, requer-se a V. Exas a revogação do despacho que indeferiu o adiamento do debate instrutório, assim como, o despacho que indeferiu a irregularidade prevista no art.º 297.º n.º 3 e 123.º n.º 1 do CPP.»

O recurso foi admitido.

Na resposta que, sem conclusões, foi apresentada pelo Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, concluiu-se pela improcedência do recurso.
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Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer [transcrição]:
«A obrigatoriedade de na Instrução existir debate instrutório é o crucial no espírito deste instituto jurídico.
Pelo fato, de o juiz de instrução não ter designado a inquirição de todos os arguidos não quer dizer que todos eles não devam ser notificados do direito de estarem presentes no Debate Instrutório – tal direito decorre da essência do direito à Instrução supervisionada por um Juiz, zelador da legalidade e duma justiça democrática e humanista que confere direitos de defesa.
Em nossa opinião, o debate instrutório e, em consequência, a decisão instrutória está ferida de nulidade dado que todos os arguidos e no caso a arguida BB, deveria ter sido notificada da data do debate instrutório e, estando detida, dever-lhe-ia ter sido garantido o transporte para a diligência ou em caso de impossibilidade por greve de terceiros, o mesmo ser adiado

Observou-se o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Na resposta que apresentada, «Os arguidos concordam, na íntegra, com a posição tomada pelo Ministério Público, subscrevendo todos os argumentos avançados
E mantiveram a posição anteriormente assumida nos autos.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[2]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
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Com interesse para a decisão a proferir, o processo fornece os seguintes elementos:
(i) Nos presentes autos, no dia 30 de agosto de 2022, foi pelo Ministério Público deduzida acusação, também contra AA, BB e CC pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e de um crime de branqueamento, previsto e punível pelo artigo 368.º-A, n.º 1, alínea f) e n.ºs 2, 3, 4 e 6 do Código Penal.

(ii) Os Arguidos AA, BB e CC requereram a abertura da instrução.

(iii) No dia 18 de novembro de 2022, a Senhora Juíza de Instrução Criminal proferiu o seguinte despacho:
«(…)
Em virtude de terem sido requeridas por quem para tanto dispõe de legitimidade, estarem em tempo e representados por advogado, admito os requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos arguidos DD, GG, EE, AA, BB e CC (artigo 287.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código de Processo Penal).

Nos termos do artigo 292.º n.º 2 do CPP, porque requerido, ouvir-se-ão os arguidos DD e EE, dispensando-se a presença dos demais arguidos.
Como consta dos autos, a signatária intervirá na instrução em substituição legal, o que implica a necessidade de compatibilização com os agendamentos já efetuados nos processos que lhe competem e bem assim com aqueles já designados pelo Meritíssimo Juiz de Instrução.
Assim,
Para audição dos arguidos, designo o dia 07 de dezembro, pelas 09h15m, seguido de debate instrutório.

Considerando o número de arguidos, a diligência realizar-se-á na sala de audiências 1 do tribunal Judicial da Comarca ... (...).
A disponibilização da sala de audiências já se encontra acordada com a Exma. Sra. Juiz que utiliza a mesma no dia em causa.
Notifique, cumprindo o artigo 287.º n.º 5 e 297.º n.ºs 3 e 4 do CPP.»

(iv) No dia 21 de novembro de 2022, no Estabelecimento Prisional ..., onde se encontrava detida, a Arguida BB foi notificada do conteúdo do despacho judicial com a referência ...64, bem como dos requerimentos para a abertura da instrução apresentados por DD, GG e EE
Nesse ato, foi-lhe entregue cópia de tais documentos.
O despacho com a referência ...64 corresponde ao despacho acima referido em (iii).

(v) No dia 23 de novembro de 2022, o Mandatários dos Arguidos AA, BB e CC fez juntar ao processo requerimento com vista à alteração – para os dias 5 ou 12 de dezembro de 2022 – da data designada para o debate instrutório.

(vi) a Senhora Juíza de Instrução Criminal, no dia 24 de novembro de 2022, proferiu o seguinte despacho:
«Relativamente ao impedimento de dois dos Srs. Mandatários para a data designada, e tendo em conta os enormes constrangimentos de agenda da signatária e ainda a necessidade de articular disponibilidade de sala de audiências com a Instância Central desta Comarca, em substituição do dia 7, designo agora o dia 15 de dezembro, às 13h30 (e não nas datas sugeridas por impossibilidade de sala de audiências que comporte todos os intervenientes).
Notifique.

Na diligência marcada, o Tribunal apenas irá ouvir DD, em liberdade, e EE, preso preventivamente no EP ....
Informou o EP que o corpo de guardas prisionais estará de greve entre 5 e 11 de dezembro, pelo que a informação prestada não abrange a data ora designada.
Contudo, caso chegue nova informação sobre pré-aviso de greve para o dia 15 de dezembro, desde já informe o EP que a diligência em causa tem que ser realizada para permitir o cumprimento dos prazos legais fixados para a instrução, pelo que deverá o EP, em cumprimento dos serviços mínimos de greve, assegurar a presença do arguido no dia designado.
Notifique

(vii) No dia 29 de novembro de 2022, no Estabelecimento Prisional ..., onde se encontrava detida, a Arguida BB foi notificada do conteúdo do ofício com a referência ...39 e do conteúdo do despacho judicial com a referência ...60.
Nesse ato, foi-lhe entregue cópia de tais documentos.
O ofício com a referência ...39, dirigido ao Sr.(a) Diretor(a) do Estabelecimento Prisional Espacial de ..., tem o seguinte teor:
«Assunto: Notificação
Solicito a V. Ex.ª se digne providenciar pela notificação da pessoa abaixo indicada, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:
De que a data anteriormente designada para as diligências foi dada sem efeito.
De que se encontra designado para debate instrutório o dia 15 de dezembro, às 13h30m na sala de audiências do Tribunal Judicial da Comarca ..., sito no Largo ..., dispensando-se a sua presença.

Do conteúdo do douto despacho proferido (ref.ª ...60), nos termos do disposto no art.º 213.º do C.P.Penal, cuja cópia se junta, nomeadamente, de que continuará a aguardar os ulteriores termos do processo mediante a seguinte medida de coação:
De que continua a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.
(…)»
O despacho com a referência ...60 corresponde ao despacho acima referido em (vi).

(viii) No dia 15 de dezembro de 2022, a Arguida BB não compareceu no Tribunal Judicial da Comarca ....
Nessa ocasião, a Senhora Juíza de Instrução Criminal, na presença dos Arguidos AA, HH, II, CC, JJ, KK, LL, MM, EE, GG e DD, ouviu este último e o antepenúltimo acabados de mencionar.

Após o que a Senhora Juíza de Instrução Criminal declarou aberta a audiência de debate instrutório.
Nesta sequência, no uso da palavra que requereu e lhe foi concedida, a Senhora Mandatária dos Arguidos AA, BB e CC requereu «o adiamento do debate instrutório por duas razões: porque na sequência do despacho proferido em 24-11-2022 a defesa entendeu que o debate instrutório não se realizaria na presente data e porque a arguida BB não está presente, nunca tendo dito que não queria estar presente, pretendendo estar presencialmente no debate».
O Ministério opôs-se a tal pretensão.
E a Senhora Juíza de Instrução Criminal proferiu o seguinte despacho:
«No dia 18-11-2022 foi proferido despacho a admitir a abertura de instrução apresentada pelos arguidos e uma vez que apenas DD e EE requereram a sua audição, o Tribunal designou data para a audição de ambos, dispensando a presença dos demais arguidos constando expresso do despacho que a audição seria seguida do debate instrutório.
Em 23-11-2022 os arguidos, ora requerentes, juntaram aos autos requerimento em que o Sr. Mandatário NN se dizia impedido para a data designada, sugerindo datas alternativas.
Desde já se diz que o ponto 1 do requerimento de 23-11-2022 é claro em dizer “foi designada a data do debate instrutório para…” pelo que, facilmente se conclui que o Tribunal se limitou a substituir o dia e não a forma como os trabalhos iriam decorrer, nomeadamente separando a audição dos arguidos da data da realização do debate instrutório o que em momento nenhum se fez.
Sendo sensível à alegada incompreensão do teor dos nossos dois despachos não vislumbro que os mesmos apresentem margem para dúvidas quanto à realização dos dois atos na mesma data.
Considerando ainda a complexidade do processo e a sua natureza urgente, não vislumbro fundamento legal para o adiamento do debate instrutório o qual pode e deve realizar-se de seguida.
Indefiro, pois, o requerido pela defesa do arguido AA.
Relativamente à presença/ausência da arguida BB à presente diligência, o Tribunal decidiu tanto no despacho de 18-11-2022 bem como no de 24-11-2022 que não era imprescindível ou necessária a presença dos arguidos com exceção daqueles cuja audição foi requerida, sem prejuízo, naturalmente, de todos terem sido notificados da diligência nos termos do disposto no art.º 297.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal.
Como resulta dos autos, vários arguidos requereram a sua presença no dia de hoje o que, naturalmente, o Tribunal deferiu. Não cabe é ao Tribunal presumir que algum arguido queira estar presente sem o dizer quando desde logo foram todos advertidos que o Tribunal dispensaria aqueles que não pretendiam ser ouvidos.
Não há, pois, qualquer vicissitude/irregularidade de que padece a presente diligência pela ausência da arguida BB que, em momento algum requereu que estivesse presente.
Ademais, no início da presente diligência, o Tribunal colocou aos presentes a possibilidade de requererem o que entendessem e nada foi requerido nesta matéria. Não nos parece, portanto, legítimo vir invocar tal questão no final da diligência.
Não vislumbro, pois, qualquer vicissitude processual pela ausência da Arguida BB.
Notifique

De seguida, no uso da palavra que pediu e lhe foi concedida, a Senhora Mandatária dos Arguidos AA, BB e CC arguiu a irregularidade do despacho acabado de proferir, por violação do disposto no artigo 297.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

E, de imediato, a Senhora Juíza de Instrução Criminal proferiu o seguinte despacho:
«Invoca a Sr.ª Mandatária do arguido AA a violação do disposto no n.º 1, do art.º 297.º, do Cód. Proc. Penal na sequência do despacho anteriormente proferido.
Não há que marcar o debate instrutório em 5 dias porque o mesmo está marcado desde 18 e 24 de novembro de 2022 e, portanto, não vislumbro qualquer irregularidade que possa padecer o despacho anterior pelo que se indefere a mesma.
Notifique

(ix) E teve lugar o debate instrutório, com intervenção da Senhora mandatária dos Arguidos AA, BB e CC.
û
Conhecendo.
(i) Do sentido do despacho proferido em 24 de novembro de 2023 pela Senhora Juíza de Instrução Criminal
Da tramitação do processo que acima se deixou relatada decorre, de forma isenta de dúvidas, que o despacho proferido pela Senhora Juíza de Instrução Criminal, em 24 de novembro de 2022, se limitou, a requerimento do Mandatário dos ora Recorrentes, a transferir para outra ocasião o que havia sido, entretanto, agendado.
Referimo-nos à inquirição dos Arguidos DD e EE e ao debate instrutório.

A Senhora Juíza de Instrução Criminal – que assumiu estas funções em regime de substituição –, nas ocasiões em agendou diligências nos presentes autos revelou sempre a dificuldade em encontrar espaço indispensável à sua realização, no Tribunal Judicial ..., face ao serviço aí já programado.
Neste contexto, não vemos como no despacho em causa se possa vislumbrar um desdobramentos dos atos a realizar, ocupando um outro dia com o debate instrutório.
E sem esquecer o contexto, a menção da Senhora Juíza de Instrução à inquirição dos referidos Arguidos justifica-se pela preocupação em garantir o transporte do EE, que se encontrava então detido no Estabelecimento Prisional ..., face aos pré-avisos de greve do Sindicato Nacional da Guarda Prisional.
Mas aqui chegados, admitindo, naturalmente, interpretações do despacho em questão não coincidentes com a que deixámos expressa, causa-nos estranheza, num processo com tantos Advogados envolvidos, ter sido apenas o Mandatário dos Recorrentes a entender que no dia 15 de dezembro de 2022 se não realizaria o debate instrutório.
Estranheza que aumenta quando recordamos ter sido o Mandatário dos Recorrentes quem formulou o requerimento com vista ao adiamento, precisamente, do debate instrutório. Porque se entendesse que o debate instrutório não fora adiado, como pretendia, seguramente não deixaria de batalhar pela sua pretensão.

Isto posto, e sem necessidade de outras explicações, improcede o recurso, neste segmento.

(ii) Da presença da Arguida BB no debate instrutório
Da violação do disposto no n.º 1 do artigo 297.º do Código de Processo Penal
Na perspetiva dos Recorrentes, da leitura que fazem do disposto no artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, a presença dos arguidos no debate instrutório não pode, à priori, ser dispensada.
A dispensa da presença dos Arguidos no debate instrutório agendado nos autos pela Senhora Juíza de Instrução Criminal destinou-se a “contornar” os problemas decorrentes do transporte dos que se encontravam presos preventivamente, dada a greve decretada pelo Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional.
E tendo a Arguida BB o direito de se pronunciar sobre a prova produzida, a sua presença no debate não pode ser dispensada pelo Juiz de Instrução Criminal.
Dada a ausência da Arguida BB, o debate instrutório deveria ter sido adiado.
E foi, ainda, desrespeitado o disposto no n.º 1 do artigo 297.º do Código de Processo Penal.

Vejamos se lhes assiste razão.
É consabido que a insuficiência de instrução, por não terem sido praticados atos processuais legalmente obrigatórios, se regista quando:
- não ocorre interrogatório requerido pelo arguido – artigo 292.º, n.º 2, do Código de Processo Penal,
- não ocorre a notificação do despacho de abertura de instrução ao Ministério Público ao arguido, ao defensor e ao representante do assistente – artigo 287.º, n.º 6, do Código de Processo Penal;
- não ocorre a notificação do Ministério Público, do arguido, do defensor, do assistente e do seu advogado para os atos de instrução – artigo 289.º, n.º 2 do Código de Processo Penal;
- não se permite a contraditoriedade, na produção de prova durante a instrução – artigo 301.º, n.º 2 do Código de Processo Penal;
- não se permite que o arguido ou o seu defensor se pronunciem sobre a produção de prova em último lugar – artigo 301.º, n.º 2 do Código do Processo Penal;
- não ocorre a notificação do representante do assistente para o debate instrutório – artigos 289.º, n.º 1, 297.º, n.º 3 e 302.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal;
- não se realiza o debate instrutório – artigo 297.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Nenhuma destas omissões se regista nos autos.
No dia 29 de novembro de 2022, no Estabelecimento Prisional ..., a Arguida BB foi notificada da ocasião e lugar designados para a realização do debate instrutório – 15 de dezembro de 2022, pelas 13h30m, no Tribunal Judicial ....
Foi, ainda, comunicado à Arguida que a sua comparência era dispensada.
A Arguida, entretanto, não manifestou vontade em estar presente na diligência cuja data lhe foi comunicada.

Isto posto, a afirmação da Senhora Procuradora-Geral da República – constante do parecer que fez juntar ao processo e que foi secundada pelo Mandatário dos Recorrentes –, de que a Arguida BB não foi notificada da data designada para o debate instrutória não corresponde ao que o processo evidencia.

Mas poderia a Senhora Juíza de Instrução Criminal dispensar a presença da Arguida BB no debate instrutório?
Da lei não decorre que o arguido, ainda que requente da instrução, tenha obrigação de comparência no debate instrutório.
«Nos termos do disposto no artigo 289.º, n.º 1, “a instrução é formada pelo conjunto dos atos que o juiz entenda levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado…”.
Ora, se o que a lei prevê é um direito (uma faculdade) do arguido, pode, ou não, ser exercido pelo seu titular, como acontece com qualquer outro direito que não seja indisponível.
Quer isto dizer, muito claramente, que não é obrigatória a presença do arguido no debate instrutório.
Obrigatória é a realização do debate, mas não a presença do arguido e/ou do seu defensor.

Essa conclusão sai reforçada face ao conteúdo do artigo 300.º que define o regime de adiamento do debate: a regra é a impossibilidade de adiamento; excecionalmente, em caso de absoluta impossibilidade de ter lugar, será adiado (por uma só vez).
Como tal, como impossibilidade absoluta, é considerado o impedimento do arguido em estar presente.
Mas esse impedimento só gera absoluta impossibilidade de realização do debate instrutório se for grave e legítimo, o que pressupõe que um tal impedimento seja transmitido ao tribunal até ao início da diligência (assim, o acórdão desta Relação de 07.06.2006).

Mas, mesmo que se verifique esse impedimento grave e legítimo, o debate não será adiado por falta do arguido se este renunciar ao direito de estar presente, sendo, então, representado pelo seu defensor nomeado ou constituído (n.º 3 do artigo 300.º).»
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15 de outubro de 2014, proferido no processo n.º 1728/12.8JAPRT-L.G1.P1 e acessível em www.dgsi.pt

E porque não dispomos de elementos para tanto, não arriscamos dizer que a decisão de dispensa de comparência da Arguida BB tenha visado evitar as dificuldades no seu transporte, sendo que se encontrava detida no Estabelecimento Prisional ..., decorrentes de greve do corpo da guarda prisional.
O que nos leva a não aceitar as conclusões a este propósito tiradas do Mandatário dos Recorrentes e pelo Ministério Público, nesta Instância.
Aliás, os Recorrentes AA, CC, entre outros Arguidos que também se encontravam detidos em prisão preventiva, estiveram presentes no debate instrutório.
E porque foram notificados nos termos em que a Arguida BB também o foi, não resta senão concluir que, ao contrário desta última, providenciaram por estar presentes. A ausência da Arguida BB no debate instrutório ficou, pois, a dever-se apenas à sua vontade, sendo ainda certo que dessa ausência não resultou – nem sequer invocado está – qualquer prejuízo para a sua defesa.

Dispõe-se no n.º 1 do artigo 297.º do Código de Processo Penal, a propósito da designação da data para o debate, que «Quando considerar que não há lugar à prática de atos de instrução, nomeadamente nos casos em que estes não tiverem sido requeridos, ou em cinco dias a partir da prática do último ato, o juiz designa, quando ainda não o tenha feito, dia, hora e local para o debate instrutório, o qual é fixado para a data mais próxima possível, de modo a que o prazo máximo de duração da instrução possa em qualquer caso ser respeitado
A leitura que fazemos deste preceito não impede que o debate instrutório possa ocorrer imediatamente após o último ato de instrução [de produção de prova nesta fase do processo]. Porque entendemos que o prazo de 5 (cinco) dias aí referido tem o propósito de encurtar o prazo geral – de 10 (dias) – para a prática de qualquer ato processual, consagrado no n.º 1 do artigo 105.º do Código de Processo Penal.
Não vislumbramos, pois, violação do disposto no artigo 297.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Ainda assim, admitimos que existam leituras diferentes do transcrito preceito legal.
E, naturalmente, aquelas que parecem estar subjacentes ao presente recurso, no segmento dele em que nos encontramos – ou seja, (i) que entre o último ato de instrução e o debate instrutório devem mediar, pelo menos, 5 (cinco) dias e (ii) que a data do debate instrutório deve ser notificada à Arguida BB com, pelo menos, 5 (cinco) dias de antecedência.

Recordemos o que os autos evidenciam.
A Senhora Juíza de Instrução Criminal designou o debate instrutório antes de decorrem 5 (cinco) dias após o último ato de instrução – designou o debate instrutório para momento imediatamente a seguir à audição de dois Arguidos, concretamente para o dia 15 de dezembro de 2022.
No dia 29 de novembro de 2022, a Arguida BB foi notificada da data designada para a realização do debate instrutório.

Isto posto, em leituras possíveis do alcance n.º 1 do artigo 297.º e não coincidentes com a que fazemos, sempre se dirá que a Arguida BB foi notificada com antecedência superior a 5 (cinco) dias da data do debate instrutório.
E entendemos, ainda, que a hipotética inobservância da lei processual penal – porque entre o último ato de instrução e o debate não mediaram 5 (cinco) dias – é inconsequente, uma vez que não está invocado, nem demonstrado ficou, que dela tenha decorrido qualquer prejuízo para a defesa da Arguida.

Improcedendo o recurso, também neste segmento.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 3 UC’s
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Évora, 2023 abril 18
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
Renato Amorim Damas Barroso
Maria de Fátima Cardoso Bernardes

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[1] Devidamente identificados nos autos.

[2] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.