Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
301/17.9GDPTM.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: ALCOOLÍMETROS
VALIDADE
Data do Acordão: 09/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – A utilização dos alcoolímetros para a realização do teste de alcoolémia exige a sua aprovação prévia, seja pelo IPQ - que atesta a sua conformidade com as especificações técnicas aplicáveis à sua categoria - seja pela ANSR (art.º 14 n.ºs 1 e 2 da Lei 18/2007, de 17 de maio - Regulamento de Fiscalização da Condução sob a influência do álcool ou de substância psicotrópicas);
II – Essa aprovação técnica é válida por um período de 10 anos, findo o qual carece de renovação;
III – Porém, de acordo com o Regime Geral de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (n.º 7 do art.º 2 do DL 291/90, de 20.09), não obstante a caducidade do prazo de validade da aprovação de modelo, nada obsta à sua utilização desde que satisfaça as operações de verificação aplicáveis (Portaria n.º 1556/2007, de 10.12).
IV – Em conformidade com as proposições anteriores, em 24.06.2017, quando o exame de pesquisa de álcool no sangue foi efetuado ao arguido com a utilização do alcoolímetro modelo 7110 MKIII-P, série ARNA, com o n.º 0038, aprovado pelo IPQ através do Despacho de Aprovação de Modelo n.º 211.06.07.3.06, publicado na 2.ª Série do Diário da República de 6.06.2007, verificado - primeira verificação - em 24.10.2016 e aprovado pelo Despacho da ANSR n.º 19684/2009, DR 166, II Série, de 27.08.2009, o prazo de validade do aparelho já havia caducado em 06-06-2017 (10 anos após o despacho da última aprovação, que fora publicado em de 6.06.2007): contudo, tendo aquele aparelho sido aprovado na verificação a que foi submetido em 24.10.2016 e, portanto, encontrando-se em condições de ser utilizado, ex vi art.º 2 n.º 7 do DL 291/90, de 20.09, e art.ºs 10 a 11 da Portaria 1556/07, de 10.12, nada impedia que permanecesse em utilização, e daí que se considere válido o teste efetuado.
Decisão Texto Integral: Proc. 301/17.9GDPTM.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Portimão, J2, correu termos o Processo Sumário n.º 301/17.9GDPTM, no qual foi julgado o arguido BB (…) pela prática, em 24.06.2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p, e p. pelos artigos 292 n.º 1 e 69 n.º 1 al.ª a), ambos do Código Penal.
A final veio a ser condenado, pela prática do mencionado crime - um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292 n.º 1 e 69 n.º 1 al.ª a), ambos do Código Penal - na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de €350,00, e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 5 (cinco) meses.
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2. Recorreu o arguido dessa sentença, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - A sentença proferida nos presentes autos deu como procedente, por provada, a douta acusação; em consequência, condenou o ora recorrente, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), a que corresponde, subsidiariamente, a pena de prisão de 2/3 (dois terços) dos dias de multa em que foi condenado, e, bem assim, na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses, custas de processo e procuradoria.
2 - O ora recorrente foi sujeito a exame de pesquisa de álcool no ar expirado no dia 24 de junho de 2017, pelas 4h35m, quando conduzia uma trotineta a motor.
3 - Na pesquisa de álcool a que foi sujeito foi utilizado o alcoolímetro com a marca “Drager”, modelo 7110 MKIII P, com o número de série ARNA-0038, conforme talão de fls. 12.
4 - O referido aparelho foi homologado pelo Instituto Português de Qualidade, IP (de ora em diante designado por “IPQ”, IP), em 24 de abril de 2007, e mais tarde publicada a sua homologação, através do Despacho 11037/07 (aprovação do modelo 211.06.07.3.06), na 2.ª Série do Diário da República de 6 de junho de 2007.
5 - Nos termos do art.º 153 n.º 1 do Código da Estrada o exame de pesquisa da álcool deve ser efetuado mediante aparelho aprovado para o efeito.
6 - Por sua vez, o DL 291/90, de 21 de setembro, que harmoniza o regime de controlo metrológico com o sistema comunitário, no seu art.º 1 n.º 2 estabelece que os métodos e instrumentos de medição obedeçam à qualidade metrológica estabelecida na respetiva regulamentação de controlo metrológico.
6 - In casu, no que aos alcoolímetros diz respeito, a regulamentação atualmente em vigor é estabelecida pela Portaria 1556/07, de 10 de dezembro.
7 - A referida portaria estabelece, no art.º 5, o IPQ, IP, como a entidade competente para a aprovação do modelo, bem como para a primeira verificação, verificação periódica e, por último, verificação extraordinária.
8 - Mais estabelece a referida portaria que a aprovação do modelo é válida por dez (10) anos, salvo disposição em contrário no respetivo despacho de aprovação.
9 - A Lei 18/2007, de 17 de maio, que regulamenta a fiscalização da condução sob efeito de álcool, estipula, no seu art.º 14, que nos testes quantitativos só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas na regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do Presidente da ANSR, e no n.º 2 do preceito que essa aprovação seja precedida de homologação do modelo a efetuar pelo IPQ, IP, nos termos da supra citada Portaria 1556/07, de 10 de dezembro.
10 - O despacho que homologou o modelo utilizado no exame de álcool a que o recorrente foi sujeito no dia 24/6/17 estabeleceu o prazo de dez (10) anos de validade da homologação do aparelho, i.é., 6/6/2017 (vide Despacho 11037/07, de 6/6/07, DR, 2.ª Série).
11 - Logo, no modesto entendimento do recorrente, o referido modelo utilizado no seu exame de álcool na data em que o mesmo foi efetuado não se encontrava homologado.
12 - O prazo a ter em consideração para a verificação de validade do alcoolímetro deverá ser o prazo de homologação do modelo pelo IPQ, IP.
13 - Nesse sentido os doutos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 17 de junho de 2010 e de 16 de setembro de 2014, em que foram relatores, respetivamente, Exm.ª Senhora Juiz Desembargadora Maria da Graça Santos Silva e o Exm.º Senhor Juiz Desembargador Carlos Berguete Coelho.
14 - Conforme referido no primeiro acórdão supra identificado, a respeito de uma situação em tudo idêntica aos presentes autos, “porque a certificação técnica já havia caducado não vale como meio de prova… É o IPQ quem atesta a conformidade dos instrumento de medição do álcool, da sua fiabilidade e bom funcionamento, ou seja, das condições que permitem atribuir aos resultados da medição a força probatória. Assim sendo, os 10 anos só podem ser contados desde a data da publicação dessa aprovação técnica…”.
15 - Assim, no modesto entendimento do ora recorrente, a utilização do alcoolímetro da marca “Drager”, modelo 7110 MKIII P, no exame de pesquisa de álcool a que foi sujeito no dia 24/06/17 viola o disposto nos art.º 153 n.º 1 do Código da Estrada, 2 n.º 1 da Portaria 1556/07, de 10/12, e 14 n.ºs 1 e 2 da Lei 18/2007, de 17/5.
16 - Consequentemente, é prova proibida por lei, nos termos do art.º 125 do Código de Processo Penal.
17 - Sendo a prova subjacente à condenação do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292 n.º 1 e 69 n.º 1 al.ª a), ambos do Código Penal, legalmente vinculada à existência e validade de homologação e aprovação do modelo de aparelho utilizado no exame de pesquisa de álcool, e inexistindo a homologação técnica ou tendo a sua validade caducado, deverá o valor probatório do teste ser considerado nulo (ou inexistente), nos termos do art.º 125 do CPP.
18 - Devendo, no modesto entendimento do recorrente, considerar-se como não provado o facto relativo à taxa de álcool no sangue constante do talão de fls. 12 e no respetivo auto de notícia, em virtude da nulidade do teste efetuado por modelo não homologado, pelo que não poderá a acusação nesse facto ser considerada procedente, por provada, bem como, consequentemente, não poderá também ser considerado provado saber que naquelas condições lhe estava vedado o exercício da condução, tudo nos termos do art.º 410 n.º 2 al.ª c), conjugado com os art.º 125 do CPP, 153 n.º 1 do Código da Estrada, 2 n.º 1 da Portaria 1556/07, de 10/12, e 14 n.ºs 1 e 2 da Lei 18/2007, de 17/5.
19 - Consequentemente, ser declarada a acusação improcedente, por não provada, com a absolvição do crime em que foi condenado.
20 - Caso assim não se entenda, sempre se dirá que, considerando o circunstancialismo dado como provado, nomeadamente, o facto do arguido, aquando da sujeição ao exame de álcool, conduzir uma trotineta a motor, deverá tal fator e sua diminuta perigosidade ser refletida, quer nos dias de multa, quer na pena acessória em que foi condenado, tendo por referência o disposto nos art.ºs 71 e 40, conjugados com o art.º 69, todos do Código Penal.
21 - No modesto entendimento do recorrente a pena de multa deveria ser reduzida em 10 dias, no total de 60 (sessenta) dias, metade do limite da moldura prevista para o presente crime, e a sanção acessória em que foi condenado, de proibição de condução de veículos a motor, reduzida em um (1) mês, para os quatro (4) meses.
22 - Assim, nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com consequente absolvição do crime de que vem condenado, nos termos do art.º 125 do CPP, conjugado com o art.º 153 n.º 1 do Código da Estrada, 2.º n.º 1 da Portaria 1556/07, de 10/12, e 14 n.º 1 da Lei 18/2007, de 17/5; caso assim não se entenda, deve ser reduzida a pena de pena de multa em que foi condenado para 60 (sessenta) dias e, bem assim, o período de proibição de conduzir veículos motorizados em que foi acessoriamente condenado para 4 (quatro) meses, tudo por violação dos art.ºs 40, 47, 69 e 71, todos do Código Penal.
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3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, retirando-se da sua resposta as seguintes conclusões:
1 - Resulta dos autos que o teste de pesquisa de álcool no sangue a que o arguido ora recorrente foi sujeito, em 24-06-2017, foi efetuado com o aparelho Drager Alcotest 7110 MK III-P, com o n.º ARNA – 0038, aprovado pela Autoridade de Segurança Rodoviária pelo Despacho n.º 19.684/2009, publicado em 27 de agosto de 2009 (DR n.º 166, 2.ª Série, de 27-08-2009), e pelo IPQ através do despacho de aprovação de modelo n.º 211.06.07.3.06, publicado no DR n.º 109, 2.ª série, de 6 de junho de 2007, e verificado em 24-10-2016 – cfr. fls. 4.
2 - Entendemos que o prazo de 10 anos supra referido é contado a partir da publicação do despacho de aprovação pela ANSR, o que neste caso ocorreu em 27-08-2009, pelo que apenas ocorrerá em 27-08-2019 (invoca nesse sentido o acórdão da RL de 17-03-2009, Proc. 178/2009-5, relatora MARGARIDA BLASCO, e da RE de 08-09-2015, Proc. 457/14.2GTABF.E1, relator JOÃO GOMES DE SOUSA).
3 - No caso presente, portanto, como se deduz do acima vertido, o aparelho de pesquisa de álcool no sangue utilizado não enferma de qualquer invalidade de modo a não poder ser valorado o resultado obtido pelo mesmo.
4 - Analisada a sentença recorrida não se vislumbra a existência de qualquer vício, nomeadamente, os previstos nos artigos 125 e 410 n.º 2 do Código de Processo Penal, 153 n.º 1 do Código da Estrada, 2 n.º 1 da Portaria 1556/07, de 10/02, 14 n.º 1 da Lei 18/2007, de 17/05, ou violação das normas que regem a determinação da medida concreta da pena, nomeadamente, os artigos 40, 47, 69, 70, 71 e 72, todos do Código Penal, os quais foram devida e criteriosamente aplicados, não merecendo a sentença qualquer censura.

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fol.ªs 97).
5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).
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6. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1. No dia 24.06.2017, pelas 4h35m, o arguido BB conduzia uma trotineta a motor na EN n.º 125, Rotunda Doca Pesca, Parchal, Portimão.
2. Em tais circunstâncias, foi sujeito a uma operação de fiscalização e submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, vindo a acusar uma TAS de 1,98 g/l.
3. O arguido sabia que antes de iniciar a condução tinha ingerido bebidas alcoólicas e, ainda assim, quis conduzir o aludido veículo na via pública, apesar de saber que, naquelas condições, lhe estava vedado o exercício da condução.
4. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
5. O arguido é cozinheiro de 2.ª, aufere cerca de 700 euros por mês, vive sozinho, em casa arrendada, pela qual paga 250 euros de renda, e paga ainda 200 euros de pensão de alimentos a duas filhas, de 12 e 7 anos de idade, que vivem com a mãe.
6. Consta do CRC do arguido que este foi anteriormente condenado:
(…)

7. A convicção do tribunal assentou - para além do mais que aqui não importa considerar - nas declarações do arguido (que confessou os factos que lhe eram imputados), no talão emitido pelo aparelho utilizado no exame de pesquisa de álcool no sangue (aparelho DRAGER ALCOTEST 7110 MK IIIP, n.º ARNA 0050, aprovado pela ANSR através do despacho de aprovação de modelo n.º 12594/2007, da DGV, de 21.06.2007, e pelo IPQ através do despacho de 27.06.1996, e verificado - em primeira verificação - pelo IPQ em 06.12.2016), que consta a fol.ªs 12, no CRC junto aos autos e nas declarações do arguido.
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8. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido (art.º 412 do Código de Processo Penal).
Tais conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito.
Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso (ver art.º 412 n.ºs 1 e 2 e 410 n.ºs 1 a 3, ambos do Código de Processo Penal, e, entre outros, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98).
Atentas as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo arguido, assim consideradas, são as seguintes as questões colocadas à apreciação deste tribunal:
1.ª - Se a sentença recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova (art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP)/se o tribunal não podia ter dado como provada a taxa de álcool no sangue com que o arguido conduzia com base em teste realizado através de modelo de alcoolímetro cuja validade da homologação pelo IPQ, IP, havia caducado;
2.ª - Se as penas aplicadas devem ser reduzidas, atenta a factualidade dada como provada.
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8.1. - 1.ª questão
O exame de pesquisa de álcool no sangue a que os autos se reportam foi realizado em 24.06.2017 e - de acordo com o auto de notícia e documentos que o acompanham - com a utilização do alcoolímetro modelo 7110 MKIII-P, série ARNA, com o n.º 0038, aprovado pelo IPQ através do Despacho de Aprovação de Modelo n.º 211.06.07.3.06, publicado na 2.ª Série do Diário da República de 6.06.2007, verificado - primeira verificação - em 24.10.2016 e aprovado pelo Despacho da ANSR n.º 19684/2009, DR 166, II Série, de 27.08.2009.
A utilização dos alcoolímetros para a realização do teste de alcoolémia exige a sua aprovação prévia, seja pelo IPQ - que atesta a sua conformidade com as especificações técnicas aplicáveis à sua categoria - seja pela ANSR (art.º 14 n.ºs 1 e 2 da Lei 18/2007, de 17 de maio - Regulamento de Fiscalização da Condução sob a influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas).

Esta aprovação - técnica - de modelo “… é o ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar, com as especificações aplicáveis à sua categoria, devendo ser requerida pelo respectivo fabricante ou importador”, e “… será válida por um período de 10 anos, findo o qual carece de renovação” (art.º 2 n.ºs 1 e 2 do Regime Geral de Controlo Metrológico previsto no DL 291/90, de 20.09), prazo de validade que veio a ser consagrado, também, posteriormente, na Portaria 748/94, de 13.08, e na Portaria 1556/2007 - Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros - que revogou aquela.

Ou seja, quando foi realizado o exame - em 24.06.2017 - o prazo de validade da aprovação pelo IPQ do modelo utilizado havia caducado, em face do que se deixa dito, em 6.06.2017, uma vez que o despacho da última aprovação fora publicado em de 6.06.2007 (diga-se que, a entender-se que o prazo de validade se conta a partir da publicação do despacho de provação pela ANSR, como se defendeu no acórdão deste tribunal de 8.09.2015, Proc. 457/14.2GTABF.E1, citado pelo Ministério Público na resposta ao recurso, tal prazo só caducaria em 27.08.2019).
Todavia, tendo expirado o prazo de validade da aprovação do aparelho pelo IPQ em 6.06.2017, daí não se infere, sem mais, que a sentença recorrida enferme do invocado erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova, enquanto vício da decisão, previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP, existirá e será relevante quando, apreciada a decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, dela ressalta como evidente, manifesta, uma falha grosseira na análise e valoração da prova, porque se deu como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido.
Dito de outro modo, haverá “um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou, mesmo, contraditórios” (Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 4.ª edição, 76).
E da decisão recorrida, apreciada na sua globalidade, não se descortina que o tribunal tenha errado - muito menos de modo manifesto, evidente, notório - ao dar como provado que o arguido (que, aliás, confessou os factos objetivos dados como provados), nas circunstâncias constantes da matéria de facto, conduzia um velocípede a motor na via pública com uma taxa de álcool no sangue de 1,98 g/l, pois que - não obstante o prazo de validade da homologação do aparelho com que foi realizado o teste ter caducado antes dessa data - tal facto, por si, não obsta a que se considere válido o teste efetuado e, consequentemente, que se considere como provado tal facto, sendo certo que, contrariamente ao alegado, nenhuma disposição legal estabelece que a utilização aparelho nessas circunstâncias constitua um meio de prova proibido (art.º 125 do CPP).
De facto, n.º 7 do art.º 2 do DL 291/90, de 20.09, estabelece que “os instrumentos de medição em aprovação cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”, ou seja, o Regime Geral de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros estabelece expressamente que, não obstante a caducidade do prazo de validade da aprovação de modelo, estes “podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”, regime que não é afastado pelo regulamento atualmente em vigor (Portaria n.º 1556/2007, de 10.12), onde, para além de não se prever qualquer consequência quanto ao uso desse modelo cujo prazo da validade tenha caducado, se estabelece, por um lado, que “os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objeto de autorização de uso, determinada ao abrigo da legislação anterior, poderão permanecer em utilização enquanto estiveram em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica” (art.º 10), por outro, que o disposto nos números anteriores (dessa Portaria) “não impede a comercialização, nem a utilização posterior, dos alcoolímetros, acompanhados de certificados referentes aos diferentes controlos metrológicos emitidos… por entidades oficiais de qualquer Estado membro da União Europeia… com base em especificações e procedimentos que assegurem uma qualidade metrológica equivalente à visada pelo presente diploma” (art.º 11).

No caso em apreço tal aparelho foi verificado em 24.10.2016, conforme certificado a fol.ªs 13, com validade até 31.12.2017, como dessa certificação consta, tendo o resultado sido “Aprovado, em conformidade com o Regulamento em vigor”, donde se conclui que - não obstante a caducidade do prazo de aprovação de modelo pelo IPQ (que caducara em 6.06.2017) - aquele aparelho foi aprovado na verificação a que foi submetido em 24.10.2016 e, portanto, estava em condições de ser utilizado, ex vi art.º 2 n.º 7 do DL 291/90, de 20.09 (“os instrumentos de medição em aprovação cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”), e art.ºs 10 a 11 da Portaria 1556/07, de 10.12.
Não há, consequentemente, qualquer violação dos art.ºs 153 n.º 1 do Código da Estrada, 2 n.º 1 da Portaria 1556/07, de 1012, 14 n.º 1 da lei 18/2007, de 17.05, e 125 do CPP, sendo certo que, pelo que supra se deixou dito:
- por um lado, a caducidade de aprovação de modelo não obsta à sua utilização, desde que o mesmo satisfaça - como no caso satisfazia - as operações de verificação aplicáveis, ex vi art.º 7 do art.º 2 do DL 291/90, de 20.09, e 10 e 11 da Portaria n.º 1556/2007, de 19.12;
- por outro, o arguido - que confessou os factos que lhe vinham imputados, integralmente e sem reservas, e admitiu que podia estar (como estava) influenciado pelo consumo de álcool em limites superiores aos legais - não alegou quaisquer razões que permitam questionar a fiabilidade do aparelho utilizado, ou seja, para não considerar válida e fiável a prova obtida com a utilização do aparelho supra identificado e - consequentemente - para questionar a prova de que o arguido, no dia, hora e local dados como provados, conduzia o velocípede com motor a que os autos se reportam com uma taxa de álcool no sangue de 1,98 g/l (esta foi a posição que defendemos também no acórdão de 26.04.2018, proferido no Proc. 11/17.7GFMMN.E1, publicado in www.dgsi.pt, cujo relator e adjunto foram os mesmos deste).
Improcede, por isso, a 1.ª questão supra enunciada.
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8.2. - 2.ª questão

O crime pelo qual o arguido foi condenado (um crime de condução de veículo em estado de embriaguez) é punível, em abstrato, com pena de prisão até 1 ano ou multa de 10 até 120 dias (artigos 47 n.º 1 e 292 n.º 1 Código Penal), tendo o tribunal condenado o arguido na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses, dentro da moldura penal prevista de três meses a trinta e seis meses (art.º 69 n.º 1 al.ª a) do CP).
É sabido, mas não será demais recordar, que a aplicação das penas e medidas de segurança “visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (art.º 40 do CP), não podendo em caso algum ultrapassar a medida da culpa (art.º 40 n.º 2 do CP).
A proteção dos bens jurídicos implica, pois, que a pena, sem ultrapassar a medida da culpa, seja adequada e suficiente para dissuadir a prática de crimes pelos outros cidadãos, incentivar a convicção que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte da comunidade (acórdão do STJ de 14.03.2001, Col. Jur., Ano IX, t. 1, 245). A medida da pena será encontrada dentro da moldura de prevenção – cujo limite nos é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e o mínimo das exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico – e em função da necessidade de socialização do agente, através da sua adesão aos valores da comunidade, dissuadindo-o da prática de novos crimes.
É dentro deste quadro que a pena deve ser determinada, tomando em consideração o disposto no art.º 71 n.º 2 do CP, ou seja, todas as circunstâncias - as apuradas - que militem contra o agente e a seu favor.
Alega o arguido que a sanção acessória aplicada “é deveras desproporcional face ao grau da culpa e ao grau de perigo resultante da condução deste tipo de veículo… dos factos… não resultou qualquer consequência danosa para terceiros ou para o próprio… o arguido/recorrente se deslocava do seu local de trabalho… para casa… com a condenação na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor durante um período de cinco meses ver-se-á forçado a procurar outro emprego… os dias de multa em que foi condenado deveriam ser reduzidos para metade do limite previsto para o presente crime…”.
Na determinação da pena aplicada há a considerar:
Por um lado, as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir - muito elevadas, como bem se realçou na decisão recorrida - atenta a natureza do crime, o perigo que ele representa para a segurança rodoviária e a frequência com que, não obstante as campanhas de sensibilização, continua a ocorrer nas estradas portuguesas, muitas vezes com drásticas consequências, não só para os infratores, mas para pessoas inocentes;
Por outro:
- o grau da ilicitude do facto, bem elevado, atenta a taxa de álcool no sangue com que o arguido conduzia, quando é sabido que constitui crime a condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, independentemente do perigo concreto que dessa conduta possa (ou não) ter resultado;
- o dolo com que o arguido atuou (ele agiu de modo livre, voluntária e consciente, sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução e que em tais condições a condução era proibida);
- o grau elevado da culpa, pois que, não obstante a natureza do veículo que conduzia - o que de algum modo diminui a culpa, dada a menor perigosidade que a condução deste representa, quando comparada com a condução de outros veículos - não pode deixar de se assinalar, por um lado, que exercia a condução durante a noite, de madrugada, circunstância que, independentemente do movimento rodoviário que se faça sentir, objetivamente, é um fator que agrava o perigo que a condução sob a influência do álcool representa, por outro, que o arguido já foi anteriormente condenado pela prática de idêntico crime, pelo que não podia deixar de saber as consequências previsíveis da sua conduta;
- as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, que são significativas, pois que o arguido foi já anteriormente condenado, para além do mais, pela prática de idêntico crime em 3.09.2009, pena que cumpriu e cuja severidade (note-se que aí foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de quatro meses) permite concluir que não foi suficiente para o dissuadir da prática deste.
Nestas circunstâncias, as penas aplicadas - seja a pena de multa, que o arguido se limita a dizer que deve ser reduzida, sem que fundamente essa pretensão, seja a pena acessória, que se situa, aliás, próxima do seu limite mínimo de três meses, não obstante a gravidade dos factos, aferida pela elevada taxa de álcool com que conduzia e circunstâncias em que o fazia - mostram-se criteriosamente ponderadas, face às exigências de prevenção geral e especial que com as mesmas se visam alcançar.
Não estando demonstrado, admite-se que a pena acessória - ainda que fixada próxima do seu limite mínimo - virá, durante o seu cumprimento, a ter reflexos no modo de vida do arguido, porém, essa foi uma opção sua, quando praticou o ilícito pelo qual veio a ser condenado, já que, consciente da ilicitude da sua conduta, e podendo agir de modo diverso, não se absteve de agir como agiu - de modo livre e voluntário - bem sabendo que a sua conduta era ilícita e, é lícito concluir, até porque já antes fora condenado pela prática de idêntico crime, das previsíveis consequências da sua conduta, por outro lado, os eventuais incómodos ou transtornos inerentes ao cumprimento dessa pena justificam-se pela necessidade de prevenir futuros comportamentos - ilícitos - do arguido, mas também satisfazer exigências de prevenção geral, na defesa da segurança rodoviária, interesse que se sobrepõe aos particulares interesses do arguido.
Improcede, por isso, o recurso.
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9. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art.ºs 513 e 154 do CPP e 8 n.º 9 e tabela anexa do RCP).
(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 11/09/2018
Alberto João Borges (relator)
Maria Fernanda Palma