Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
88403/21.7YIPRT-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: ALÇADA
RECURSO
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se a apelação incide sobre sentença cujo valor da ação está incluído no da alçada do tribunal de primeira instância (€ 5.000,00) e não está presente qualquer exceção que determine a obrigatoriedade de recebimento do recurso, a reclamação contra o não recebimento deve ser indeferida.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc.º 88403/21.7YIPRT-A.E1



Acordam em conferência os juízes que compõem a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

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(…) propôs injunção, contra (…), pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 616,05.
Alegou que prestou serviços de advocacia ao réu, apresentou fatura para pagamento e os serviços não foram pagos.
O réu contestou alegando que não lhe foram prestados os serviços jurídicos acordados, pelo que nada devia.
Realizado julgamento, foi proferida sentença onde foi ponderado que o autor não provou a relação contratual o que exime o réu de provar o pagamento, tendo sido proferida a seguinte decisão:
Pelo exposto, e de acordo com os supracitados preceitos legais, julgo totalmente improcedente o pedido do Autor e, em consequência, determina-se a absolvição do Réu (…) da totalidade do pedido contra ele deduzido na presente ação.
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Não se conformando com a sentença, o Autor pediu a sua reforma, o que foi indeferido pelo tribunal a quo.
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Ainda inconformado, o Autor apelou, recurso que não foi admitido em face do valor da alçada do tribunal (€ 5.000,00), o valor da ação (€ 616,05) e o que dispõe o artigo 629.º/1, do Código de Processo Civil.
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Novamente inconformado, o Autor reclama agora para a conferência do não recebimento do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
I – O Sr. Juiz do tribunal a quo desconsiderou a prova documental anexada pelo autor/reclamante.
II – O Tribunal a quo não indeferiu o pedido de arguição de nulidades de sentença apresentado pelo autor.
III - A falta de conhecimento “cristalino” dos factos provados e não provados fazem a parte vencida ficar em dúvida, não estando a decisão proferida isenta de vicissitudes, o que consubstancia a existência de nulidades processuais.
IV - Não tendo o Tribunal a quo justificado a fundamentação de facto e as razões que levaram a optar pela não admissão da prova documental na decisão final, a sentença está enferma de nulidades.
V - O Sr. Juiz do Tribunal a quo, descorou a existência de prova documental na sentença anexada pelo autor, tendo extravasado as suas competências em matéria de poderes jurisdicionais.
VI – A livre apreciação da prova não abrange a prova documental, por força dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do C.P.C..
VII – Há admissibilidade de recurso de estiverem em causa a inadmissibilidade dos meios probatórios, in fine do n.º 2 do artigo 630.º do C.P.C..
VIII - E não apreciou o incidente de litigância de má-fé.
Nestes termos e nos demais de Direito e sempre com o douto suprimento, devem Vossas Exas., nos poderes conferidos, conceder provimento da presente Reclamação e consequentemente dever ser apreciado o Recurso de Apelação Autónoma, pautando-se o Tribunal ad quem por uma decisão de mérito favorável ao Autor, considerando que:
a) a sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma várias nulidades, violando os artigos 20.º e 205.º da CRP – 154.º, nºs 4 e 5, do 607.º, todos do CPC, devendo a decisão ser substituída por outra que tome em consideração os documentos apresentados pelo autor-reclamante.
Caso o Venerando Tribunal assim não entenda, hipótese que se admite à cautela,
b) devem V. Exas., conceder provimento ao presente recurso, ordenando a anulação da douta sentença, reformulando a decisão final, devendo tomar em consideração os documentos comprovativos dos serviços jurídicos prestados.
E, assim V. Exas, doutamente farão a necessária e a acostumada justiça.
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O reclamado nada disse.
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A decisão que não admitiu o recurso é a seguinte:
Requerimento de interposição de recurso de 20-06-2022 (referência 6576241)
O Autor, inconformado com a sentença e o despacho de 01-06-2022, deles veio interpor Recurso de Apelação Autónoma, o que fez nos termos dos artigos 627.º, n.ºs 1 e 2; 635.º, n.º 3; 637.º, n.ºs 1 e 2; 638.º, n.º 1, in fine; 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), e alínea b) do n.º 2; 644.º, n.º 2, alínea d), in fine, 645.º, n.º 1, alínea a) e 647.º, n.º 1, todos do C.P.C..
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
No caso vertente, fixou-se à presente causa o valor de € 616,00.
A alçada deste Tribunal é de € 5.000,00, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, LOSJ.
Assim, nos termos do artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso não é admissível, dado que a causa não tem valor superior à alçado do tribunal.
Face ao exposto, não admito o requerimento de interposição de recurso.
Setúbal, 01-10-2022
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A matéria de facto a considerar é que consta do relatório inicial e do despacho que não admitiu o recurso.
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Conhecendo
A questão a decidir é a de saber se este tribunal superior tem jurisdição que lhe permita conhecer de uma apelação que coloca em crise decisão que está dentro da alçada do tribunal a quo e, por isso, em regra, insuscetível de recurso.
O recorrente entende que a decisão é recorrível e a primeira instância entende que não.
Vejamos.
A regra geral da recorribilidade das decisões é a de que são sempre recorríveis desde que o valor da causa exceda o valor da alçada do tribunal de que se recorre, (a quo) ou se o decaimento exceder metade dessa alçada – sucumbência (artigo 629.º/1, do CPC).
Ora, a alçada do tribunal de primeira instância é de € 5.000,00, pelo que só é admissível a interposição de recurso de apelação quando o valor do processo exceda este valor (€ 5.001,00).
A ação objeto do recurso tem o valor de € 616,00, o que implica estar vedado o recurso, pelo que a reclamação, segundo a regra geral, improcede.
Mas há um número considerável de exceções à regra geral.
Os nºs 2 e 3 do artigo 629.º do CPC prevê que, se a decisão for impugnada por violação das regras da competência em razão da nacionalidade, matéria ou hierarquia, a admissibilidade do recurso, em qualquer instância não está limitada pelo valor da causa nem por qualquer outra razão.
O mesmo ocorre nos casos em que se alega a ofensa de caso julgado, ou seja, nas decisões em que se não atendeu à força do caso julgado ou à autoridade do caso julgado que se produziu noutra ação, mas que vincula os mesmos sujeitos processuais.
Também admite sempre recurso a decisão que incida sobre o valor da causa, quando o recorrente pretenda beneficiar de um valor que exceda o da alçada, precisamente para lhe permitir o recurso da decisão final.
Admite ainda sempre recurso, a decisão que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direto, tenha contrariado jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Admitem também sempre recurso as decisões elencadas no artigo 644.º/ 1 e 2, do CPC, mas apenas nos casos em que estejam reunidos os pressupostos objetivos e subjetivos, designadamente o valor, a sucumbência ou alguma norma especial.
Mas as exceções não se quedam por aqui, sem pretensão de exaustão.
Nas ações em que está em causa a validade, subsistência ou cessação de contrato de arrendamento para habitação, a condenação por litigância de má-fé (artigo 542.º/3, CPC e 27.º/6, RCP), representação do menor (artigo 18.º/3, CPC), o impedimento do juiz (artigo 116.º/5, do CPC), da decisão que retira a palavra a qualquer interveniente no julgamento, o condena em multa e/ou ordena a sua retirada da sala (artigo 150.º/5, CPC), da decisão sobre cartas rogatórias (artigo 181.º/3, CPC), do indeferimento de notificações avulsas (artigo 257.º/2, CPC), da recusa de recebimento do recurso, como é o caso dos autos (artigo 559.º/2, CPC), da decisão sobre revisão e confirmação de sentenças estrangeiras (artigo 985.º CPC) e nas decisões sobre providências relativas aos filhos e aos cônjuges (artigo 991.º/4, CPC).
Ora, voltando ao caso dos autos, a situação jurídica descrita pelo recorrente não se inclui em qualquer das exceções descritas (porque a regra geral nem ele admite que se verifica).
A alusão ao não recebimento de um documento, não corresponde ao que consta do processado, tendo-se verificado que o tribunal a quo não considerou relevante para a formação da sua convicção, no julgamento de facto, que tal documento tivesse a virtualidade de provar a matéria que o recorrente alegou, o que se inscreve no poder jurisdicional do tribunal de primeira instância.
Para além disso, não demonstram os autos qualquer violação dos artigos 20.º e 205.º da CRP e dos artigos 154.º e 607.º/ 4 e 5, do CPC, tendo sido respeitados os princípios constitucionais e processuais atinentes.
Por todas as razões invocadas, a reclamação é indeferida, mantendo-se o despacho reclamado.
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Sumário: (…)
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Decisão.
Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora decide indeferir reclamação mantendo-se o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante.
Notifique.
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Évora, 30-03-2023
José Manuel Lopes Barata (Relator)
Cristina Dá Mesquita
Rui Machado e Moura