Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1153/17.4T8OLH-B.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A insolvência traduz-se na insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento, evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1153/17.4T8OLH-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Comércio – J2
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
A “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL” veio requerer a declaração de insolvência de “(…) – Auto, Náutica e Tractores, Lda.”. Por decisão datada 27/02/2018, foi declarada a insolvência da requerida, que interpôs recurso da sentença proferida.
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A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações contenham as seguintes conclusões:
I – Enquadramento:
1. Em 3 de Outubro de 2017, a credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do … (doravante a “CCAM”), requereu a declaração de insolvência da aqui Recorrente ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, 3.º, 20.º e 25.º todos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante o “CIRE”).
2. No aludido requerimento de declaração de insolvência, a CCAM limitou-se a descrever, com imprecisão, a origem e montante dos seus créditos sobre a Recorrente, concluindo estarem verificados, em abstracto, os factos-índice previstos no n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
3. Isto posto, em 23 de Outubro de 2017, a aqui Recorrente apresentou a competente contestação ao requerimento apresentado pela CCAM, defendendo, em suma, a falta de fundamentação da petição inicial apresentada e, subsidiariamente, a não verificação de nenhum dos factos-índice previsto no artigo 20.º do CIRE, bem como a sua situação de solvência.
4. Terminou a aqui Recorrente, pugnando pela condenação da CCAM em litigância de má-fé e, ainda, pela sua condenação na indemnização dos prejuízos provocados com a dedução de um pedido infundado.
5. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 15 de Novembro de 2017, para além do saneamento do processo e da determinação do objecto do litígio, fixaram-se, ainda, os temas da prova, a saber:
i) apurar qual o montante em divida relativamente aos créditos invocados pela requerente na sua petição inicial;
ii) apurar se a requerida tem cumprido com os acordos de pagamento celebrados com o Instituto da Segurança Social, I.P.;
iii) averiguar se a requerida detém bens ou direitos ou liquidez suficientes para garantir o pagamento das quantias aludidas em i) ou para fazer face a tais pagamentos;
iv) averiguar o valor actual dos imóveis identificados nos arts. 69.º e 133.º da oposição.
6. Nesta sequência, em 28 de Fevereiro de 2018, o Tribunal a quo proferiu Sentença que concluindo pela situação de insolvência da Recorrente atento o disposto nas alíneas a), b), g) ii., e h) do n.º 1 do art. 20.º do CIRE.
II – Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
7. A Recorrente, na contestação apresentada, defendeu a falta de fundamentação da petição inicial apresentada pela CCAM.
8. É que, ao invés de, como lhe cabia, alegar e provar os factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência, tal como resulta do n.º 1 do artigo 23.º do CIRE e n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, a CCAM limitou-se a descrever o montante e a origem dos seus créditos, não fazendo, em tempo algum, a prova de verificação de algum dos factos-índice do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
9. A CCAM não fundamenta a sua pretensão, não cumprindo, assim, o ónus que sobre ela impendia.
10. Foi neste sentido que a Recorrente, na sua contestação, atenta a falta de prova, ou sequer a alegação, de factos que pudessem permitir a subsunção da situação em análise a algum dos aludidos factos-índice previstos no artigo 20.º do CIRE, pugnou pela improcedência do requerimento de insolvência apresentado pela CCAM.
11. Sucede que, em momento algum, o Tribunal a quo se pronunciou sobre o pedido da aqui Recorrente, não levando a cabo, como lhe cabia, o necessário escrutínio do requerimento inicial da CCAM.
12. Estando, assim, a Sentença proferida ferida de nulidade nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, devendo tal nulidade ser declarada com as necessárias consequências legais.
Ainda assim e sem prescindir.
III – Da nulidade da sentença por falta de fundamentação:
13. Estabelece a alínea c) do n,º 1 do artigo 615.º do CPC que é “nula a sentença que não especifique os fundamento de facto e de direito que justificam a decisão”.
14. Ora, na sentença recorrida, e no que respeita, fundamentalmente, à prova testemunhal, não se mostra feita a indicação completa das provas, nem, em absoluto, o exame crítico das mesmas provas, que formaram a convicção do Tribunal.
15. Não é, portanto, inteligível qual a valoração feita pelo Tribunal a quo a cada um dos depoimentos prestados, nem sanadas ficam as óbvias incongruências entre os vários depoimentos.
16. Ora, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo que, tal fundamentação se exige, também, na análise critica e valorativa a cada um dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelas partes, o que o Tribunal, in casu, não fez.
17. Pelo que deve a Sentença agora recorrida ser declarada nula com as necessárias e devidas consequências legais.
Caso assim não se entenda e sem prescindir.
IV – Da solvência da recorrente:
18. Da leitura da Sentença proferida nos presentes autos não resulta claro quais os factos tidos em conta, nem qual o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para se considerar que “a enunciada factualidade provada suscita, sem margem para dúvidas, o seu enquadramento, designadamente, nas alíneas a), b), g) ii., e h) do n.º 1 do art. 20.º do CIRE.
19. Ora, do Ponto V da Sentença em Crise – “Análise dos pedidos das partes perante o quatro normativo pertinente” – e apesar de não ser feita a necessária subsunção legal resulta que o Tribunal a quo deu, aparentemente, por verificada, a previsão das alíneas a), b), g) ii., e h) do n.º 1 do art. 20.º do CIRE concluindo pela situação de insolvência da Recorrente.
20. Todavia, tal conclusão assenta em pressupostos de facto e de direito errados ou inexactos.
Vejamos.
a) Da suspensão generalizada do pagamento de obrigações vencidas (al. a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE)
21. Importa determinar qual prova produzida pelo Tribunal a quo para concluir pela suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas da Recorrente.
Assim,
22. No que diz respeito à Autoridade Tributária ficou dado como provado que aqui Recorrente “tem a sua situação contributiva regularizada”.
23. Relativamente aos seus trabalhadores ficou também provado que a Recorrente “não tem dividas para com os seus empregados”.
24. No que concerne à Segurança Social, ficando provado que a aqui Recorrente tinha um débito respeitante a quotizações e contribuições relativas ao período de Novembro de 2009 a Outubro de 2017, ficou igualmente provado que esta tinha já celebrado cinco planos prestacionais respeitante à divida vencida até Abril de 2016 – que vinham a ser escrupulosamente cumpridos há mais de 27 prestações –, tendo já solicitado, para o período em falta, um novo plano prestacional.
25. Isto, para além dos inúmeros e elevados pagamentos por conta que a Recorrente foi levando a efeito junto da Segurança Social, cujos comprovativos foram juntos aos autos.
26. No que toca à aqui CCAM, a Recorrente não nega a existência de valores em divida, todavia, nem o valor é o que é tido em conta na Sentença agora recorrida, nem as circunstâncias do incumprimento foram concretamente apuradas e circunstanciadas.
27. Para se considerar verificada a suspensão generalizada estatuída pela alínea a) do n.º 20 do CIRE, exige-se a suspensão de pagamento de mais do que um dos débitos e obrigações vencidas do devedor. Não se trata, nem poderia tratar, de uma suspensão individualizada, isto é, perante um único credor.
28. Não obstante, inexplicavelmente, a Sentença ora recorrida acaba por fundar a declaração de insolvência da Recorrente (também) no incumprimento generalizado das suas obrigações vencidas que, como resulta aliás dos factos dados como provados, não existe.
29. Andou mal o Tribunal a quo quando deu por verificado – para também aí fundar a situação de insolvência da Recorrente – no incumprimento perante um único credor!
30. Devendo, em consequência, ser a Sentença ora recorrida substituída por uma que não julgue improcedente o pedido da CCAM.
31. Caso assim não se entenda, deve a presente Sentença ser declarada nula, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Ainda assim e sem prescindir.
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (al. b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE)
32. Para se considerar verificado o facto-índice previsto nesta al. b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE exige-se a análise e consideração de dois patamares de interpretativos, a saber:
- A determinação do montante da obrigação em causa;
- As circunstâncias do incumprimento verificado;
b.1) Do montante da obrigação em causa
33. Resultou provado nos presentes autos que, entre Maio de 2010 e Janeiro de 2015, a CCAM prestou diversos financiamentos à Recorrente, no valor total de € 3.301.336,00 (três milhões, trezentos e trinta e um mil, trezentos e trinta e seis euros):
34. Por conta dos referidos contratos estariam em dívida, à data de entrada do requerimento de insolvência, as quantias de, respectivamente, € 3.073.907,75; € 260.102,33; € 133.265,58; € 145.053,07; € 86.095,25, num total de € 3.698.423,98 (três milhões, seiscentos e noventa e oito mil, quatrocentos e vinte e três euros e noventa e oito cêntimos).
35. O Tribunal, na formação da sua convicção, teve, assim, em consideração, a quantia de € 3.698.423,98 (três milhões, seiscentos e noventa e oito mil, quatrocentos e vinte e três euros e noventa e oito cêntimos).
Sucede que
36. Este valor não corresponde ao valor efectivamente em dívida, tendo, por isso, o Tribunal a quo fundado a sua convicção em factos e valores errados.
Vejamos,
37. Na contestação apresentada, a aqui Recorrente defendeu ser o valor em dívida de apenas € 2.770.973,98 (dois milhões, setecentos e setenta mil euros, novecentos e setenta e três euros e noventa e oito cêntimos), porquanto, apesar de lhes fazer referência, a CCAM não imputou no seu requerimento inicial o valor liquidado por via das escrituras de dação em cumprimento outorgadas entre esta e a aqui Recorrente em 29 de Junho de 2011, 30 de Julho de 2013 e 29 de Janeiro de 2015, no valor total € 927.450,00 (novecentos e vinte sete mil e quatrocentos e cinquenta euros).
38. Inexplicavelmente, a Sentença agora recorrida, alude às escrituras de dação referidas pela Recorrente na sua contestação, acrescentando ainda uma outra outorgada em 27 de Novembro de 2015 – cuja escritura foi junta pela CCAM em Audiência de Discussão e Julgamento –, mas não imputa o valor que tais contratos significaram no abatimento da dívida da Recorrente à CCAM.
39. Isto é, o valor em dívida tido em conta pelo Tribunal a quo para aferir da verificação do circunstancialismo previsto nos factos-índice previstos no artigo 20.º do CIRE, em especial no previsto na alínea b) do n.º 1, não corresponde ao valor real em dívida, assentando a Sentença em pressupostos errados que inquinam toda a decisão.
40. É que, quando o Tribunal a quo avaliou o “património imobiliário da requerida”, ou aferiu da existência de um “passivo superior ao activo” teve como critério um valor em dívida de € 3.698.423,98 que, na realidade, é apenas de € 2.590.450,00 (dois milhões, quinhentos e noventa mil, quatrocentos e cinquenta euros).
41. Ademais, constava da base instrutória que norteou os presentes autos “apurar qual o montante em dívida relativamente aos créditos invocados pela requerente na sua petição inicial” montante que, todavia, nunca foi concretamente apurado, acabando por viciar a decisão proferida, configurando, assim, uma nulidade prevista na aliena d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, cuja declaração desde já se requer.
Não obstante, sem prescindir, continuemos.
42. Do que ficou dito, não poderia, nunca, ter sido dado como provado o facto constante do artigo 69.º da Petição Inicial – “provado apenas que o montante da dívida da requerida à requerente, à data de 29 de Setembro de 2017, supera o activo da sociedade requerida, sendo o grosso do património desta constituído pelos dois imóveis atrás identificados”.
Acresce que,
43. Para além de resultar do simples confronto entre os contratos de mútuo e respectivos extractos de conta com as escrituras de dação em cumprimento, uma clara e evidente desconformidade entre aquilo que a CCAM alega ser o montante em dívida pela Recorrente e aquilo que resulta de tal documentação, a verdade é que nenhuma das testemunhas da CCAM foi capaz de explicar tal desconformidade.
Vejamos,
44. Do depoimento da Testemunha (…) [20171115112459-3899260-2870842 – 15 de Novembro de 2017 – dos 00:00:00 minutos aos 00:52:55, em especial dos 06m.57s aos 08m.46seg / dos 32m.38s aos 34m.58seg / dos 47m.30s aos 52m.55seg] resultou não ser possível determinar qual o valor concretamente em dívida atentas as dações ocorridas.
45. Ora, a CCAM, para além de não o ter feito documentalmente, também por via a prova testemunhal não logrou provar que o valor em dívida pela Recorrente era efectivamente de € 3.698.423,98 (três milhões, seiscentos e noventa e oito mil, quatrocentos e vinte e três euros e noventa e oito cêntimos) e não de € 2.590.450,00 (dois milhões, quinhentos e noventa mil, quatrocentos e cinquenta euros), resultante da imputação das referidas dações.
46. Assim, em cumprimento do estatuído no nº 1 do artigo 640º do CPC:
O Tribunal a quo não poderia, por isto, ter assumido ser o valor em dívida de € 3.698.423,98 (três milhões, seiscentos e noventa e oito mil, quatrocentos e vinte e três euros e noventa e oito cêntimos), resultante da mera soma dos valores de incumprimento dos contratos de mútuo, identificados na “Factualidade Provada” da Sentença recorrida.
Quer a prova documental junta aos autos [Docs. n.º 26, 27 e 28, bem como a escritura do contrato de dação celebrado em 27 de Novembro de 2015 junto pela CCAM], quer o depoimento da testemunha (…), resulta claro que a CCAM não procedeu à devida imputação, pelo que, o valor em dívida tido em conta na análise feita para o Tribunal a quo deveria, sempre, ter sido de € 2.590.450,00 (dois milhões, quinhentos e noventa mil, quatrocentos e cinquenta euros).
Assim – em cumprimento da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º – ao ter em linha de conta um valor em dívida da Recorrente à CCAM (bem) distante do valor real, ficou transversalmente prejudicada a análise levada a cabo pelo Tribunal a quo.
47. Se levarmos em linha de conta, por um lado, o efectivo valor em dívida (€ 2.590.450,00 – dois milhões, quinhentos e noventa mil, quatrocentos e cinquenta euros) e, por outro, a avaliação resultante da prova pericial efectuada ao património da Recorrente (€ 1.400.000,00), percebemos que está em causa um valor € 1.190.450,00 (um milhão cento e noventa mil, quatrocentos e cinquenta euros).
48. Sendo que, ao activo da Recorrente há ainda que acrescentar os bens móveis referidos no artigo 133.º contestação, no valor total de € 308.000,00 (trezentos e oito mil euros).
49. Ora, com estes dados, e analisando o passivo da Recorrente numa perspectiva de continuidade, não podemos afirmar estarmos perante uma situação de insolvência que determine a mera liquidação do seu património que se consumaria na destruição radical do seu valor, essa sim, danosa para o interesse de todos os credores.
50. A verdade é que o Tribunal a quo não analisou e valorizou o património da Recorrente numa perspectiva de continuidade, tendo assumido sempre que o cenário de liquidação era o único admissível e, quando o fez, teve em linha de conta um passivo bem superior ao real, o que, como se percebe, enviesou todo o raciocínio.
51. A Sentença proferida deveria, assim, ter sido no sentido da não Insolvência da Recorrente, devendo, por isto, ser agora substituída por uma que julgue improcedente o pedido da CCAM.
Caso assim não se entenda:
52. Ao declarar a insolvência da Recorrente com base em pressupostos de facto errados, a Sentença aqui recorrida está feridade de nulidade nos termos do artigo da alínea d) do n.º 1 do 615.º do CPC, cuja declaração desde já se requer com as necessárias consequências legais.
Ainda assim e sem prescindir.
c) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas dos seguintes tipos (alínea g) do n.º 1 do CIRE):
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social
53. No que concerne à Segurança Social, ficou provado que a aqui Recorrente tinha um débito respeitante a quotizações e contribuições relativas ao período de Novembro de 2009 a Outubro de 2017, ficou igualmente provado que esta tinha já celebrado cinco planos prestacionais respeitante à dívida vencida até Abril de 2016 – que vinham a ser escrupulosamente cumpridos há mais de 27 prestações –, tendo já solicitado, para o período em falta, um novo plano prestacional.
54. Isto, para além dos inúmeros e elevados pagamentos por conta que a Recorrente foi levando a efeito junto da Segurança Social e que, apesar de provados documental e testemunhalmente, o Tribunal a quo ignorou.
55. Ora, o facto de a Recorrente ter a totalidade da sua dívida integrada em planos prestacionais, que cumpre escrupulosamente, não pode significar, como significou para o Tribunal a quo, a verificação da hipótese prevista do ponto II da alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
56. Resulta claro que o Tribunal a quo não poderia ter fundado a sua decisão de decretar a Insolvência da Recorrente na verificação do facto-índice previsto no ponto II da alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, pelo que, deve a Sentença recorrida ser substituída por uma que julgue improcedente o pedido da CCAM.
Ainda assim e sem prescindir.
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver obrigado.
57. A este propósito, consta da Sentença recorrida que “à data de propositura da presente acção [03-10-2017], não constava do registo comercial a prestação de contas da requerida respeitante ao ano de 2016; tal prestação de contas relativa ao ano de 2016 apenas foi levada ao registo comercial em 16 de Novembro de 2017”.
58. Ora, de acordo com o artigo 5º do Decreto-Lei 8/2007, de 17 de Janeiro, as contas devem ser apresentadas anualmente, até ao 15.º dia do 7.º mês posterior ao termo do exercício económico.
59. Como resulta da Sentença, bem como da informação prestada aos autos pelo Recorrente, as contas foram apresentadas em Novembro de 2016, pelo que, tendo sido apresentadas para além do prazo estabelecido na o artigo 5.º do Decreto-Lei 8/2007, de 17 de Janeiro [15 de Julho de 2017], o atraso verificado é inferior aos 9 meses estabelecido na alínea g) do n.º 1 do CIRE.
60. Pelo que, andou mal o Tribunal a quo, não podendo, nunca, ser a insolvência da Recorrente fundar-se na verificação deste facto-índice devendo, em consequência, ser a Sentença recorrida substituída por uma que determine a improcedência do pedido da CCAM.
Nestes termos e nos demais de Direito,
Deve o presente recurso ser considerado totalmente procedente e, em consequência:
a) Declarar-se nula a sentença que declarou insolvente a aqui Recorrente;
Caso assim não se entenda, no que não se concede,
b) Ser a sentença recorrida substituída por uma que julgue improcedente o pedido de insolvência da aqui Recorrente.
Assim se fazendo a habitual Justiça!».
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A “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL” contra-alegou e defende que a sentença recorrida deve ser mantida. *
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito a apurar:
a) nulidade por omissão de pronúncia.
b) nulidade por falta de fundamentação.
c) erro na fixação dos factos apurados e deficiente motivação da decisão de facto.
d) se os requisitos legais para declarar a insolvência se encontram preenchidos.
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III – Factos com interesse para a decisão da causa[1]:
3.1 – Factos provados:
1 – A requerente é uma instituição de crédito sujeita ao regime jurídico do Crédito Agrícola Mútuo.
2 – A requerida é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto, entre outros, o comércio de tractores e alfaias, automóveis, barcos e equipamento de jardins, e a exploração de estações de serviço automóvel e comercialização de combustíveis e seus derivados.
3 – O único gerente da requerida é (…), NIF (…), residente na Urbanização (…), nº (…), 8800 - 221 Tavira.
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Mútuo com o capital inicial de 2.706.336,00 euros.
4 – Em 27 de Maio de 2010, a requerente concedeu à requerida um financiamento de 2.706.336,00 euros, de que esta se confessou devedora e se obrigou a reembolsar e remunerar nos termos constantes do respectivo contrato cuja cópia constitui o doc. n.º 3 junto com a p.i..
5 – Tal empréstimo foi concedido pelo prazo de 20 anos, com carência de reembolso de capital pelo prazo de dois anos, tendo-se fixado 72 prestações trimestrais, constantes (de capital e de juros), vencendo-se a primeira prestação de juros remuneratórios em 30/10/2010 e a primeira prestação de reembolso de capital em 30/10/2012.
6 – Por contrato de 7 de Julho de 2011 foi alterada a periodicidade da contagem e pagamento de juros de trimestral para anual, cfr. doc. n.º 4 junto com a p.i..
7 – E por escrito de 15 de Novembro de 2012 foi concedido o período de 12 meses de carência de reembolso de capital, cfr. doc. n.º 5 junto com a p.i..
8 – A requerida não pagou a prestação (de capital e de juros) que se venceu em 30/07/2016, encontrando-se o mútuo por cumprir deste então.
9 – Encontra-se em dívida o total de 3.073.907,75 euros, assim discriminado, cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i.:
Capital inicial – 2.706,336,00 euros; Capital em dívida – 2.669.509,52 euros; Juros remuneratórios – 313.521,66 euros;
Imposto de selo sobre estes juros – 12.540,86 euros;
Juros de mora sobre juros remuneratórios – 14.914,73 euros; Imposto de selo sobre estes juros – 596,59 euros;
Juros sobre capital – 45.477,91 euros;
Imposto de selo sobre estes juros – 1.819,12 euros; Comissão de gestão – 15,00 euros;
Imposto de selo sobre esta comissão – 0,60 euros;
Comissão de recuperação de valor em dívida – 14.915,16 euros; Imposto de selo sobre esta comissão – 596,60 euros; Acrescem os juros de mora vincendos à taxa contratada e todos os encargos vincendos até cobrança integral do mútuo.
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Mútuo com o capital inicial de 265.000,00 euros.
10 – Por escritura notarial outorgada em 30 de Novembro de 2012, a requerente concedeu à requerida um financiamento no montante de 265.000,00 euros, de que esta se confessou devedora e se obrigou a reembolsar e remunerar nos termos contantes do clausulado na mesma escritura e respectivo documento complementar cuja cópia constitui o doc. n.º 7 junto com a p.i..
11 – O empréstimo foi concedido pelo prazo de seis anos, com um ano de carência de reembolso de capital, com início em 30 de Novembro de 2012.
12 – Foi estipulado que o capital seria reembolsado em cinco prestações anuais, vencendo-se a primeira no prazo de dois anos a contar da data do mútuo e cada uma das restantes no correspondente dia de cada ano subsequente.
13 – Os juros do empréstimo deveriam ser pagos em prestações anuais, vencendo-se a primeira no prazo de um ano a contar da data do contrato e as restantes no correspondente dia de cada ano subsequente.
14 – Foi depois celebrado um contrato de aditamento a este mútuo que fixou como capital em dívida, à data, a quantia de 220.313,61 euros e introduziu um período de carência de reembolso de capital de doze meses, com início em 30/11/2014 e termo em 30/11/2015, cfr. doc. n.º 8 junto com a p.i..
15 – Modificou também o prazo de pagamento das prestações de reembolso de capital e de juros, que passaram a ser anuais, findo o período de carência referido no artigo anterior, vencendo-se a primeira destas prestações em 30 de Novembro de 2016.
16 – Vencida esta prestação em 30 de Novembro de 2016, a mesma não foi paga, encontrando-se o mútuo em incumprimento desde então.
17 – Relativamente a este mútuo encontra-se em dívida a totalidade de 260.102,33 euros, assim discriminada, cfr. doc. n.º 9 junto com a p.i.:
Capital em dívida – 220.313,61 euros;
Juros remuneratórios – 25.364,45 euros; Imposto de selo sobre os juros – 1.014,57 euros;
Juros de mora sobre os juros remuneratórios – 1.827,94 euros; Imposto de selo sobre estes juros – 73,12 euros;
Juros de mora sobre o capital – 9.822,61 euros;
Imposto de selo – 392,90 euros;
Comissão de gestão – 15,00 euros;
Imposto de selo sobre esta comissão – 0,60 euros;
Comissão de recuperação de valor em dívida – 1.228,39 euros; Imposto de selo sobre esta comissão – 49,14 euros.
São ainda devidos os juros de mora vincendos à taxa contratada e todos os encargos vincendos até cobrança integral do mútuo.
*
Mútuo com o capital inicial de 130.000,00 euros.
18 – Por contrato de 17 de Janeiro de 2014, a requerente concedeu à requerida um financiamento de 130.000,00 euros, de que esta se confessou devedora e que se obrigou a reembolsar e remunerar nos termos do respectivo contrato cuja cópia constitui os docs. n.ºs 10 e 11 juntos com a p.i..
19 – O empréstimo foi concedido pelo prazo de 120 meses, devendo o capital ser reembolsado em prestações semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação após um período de carência de reembolso de 12 meses, tudo a contar da data do contrato, e as restantes no dia correspondente de cada semestre subsequente.
20 – Foi estipulado que os juros do empréstimo seriam pagos em prestações semestrais, vencendo-se a primeira em 17 de Julho de 2014 e as restantes no dia correspondente de cada semestre subsequente.
21 – Foi depois celebrado um aditamento, tendo o prazo do empréstimo sido alterado de 120 para 126 meses, e foi introduzido um período de carência de reembolso de capital de seis meses, com início em 17/01/2015 e termo em 17/07/2015, cfr. doc. n.º 12 junto com a p.i..
22 – Foi ainda estipulado que, findo este período de carência, as prestações de capital e de juros teriam vencimento anual, vencendo-se a primeira em 17 de Julho de 2016.
23 – A prestação deste mútuo (de capital e juros), vencida em 10 de Julho de 2017 não foi paga, encontrando-se o mútuo em incumprimento desde então.
24 – Encontra-se em dívida a totalidade de 133.265,58 euros, assim discriminada, cfr. doc. n.º 13 junto com a p.i.: Capital inicial do empréstimo – 130.000,00 euros; Capital em dívida – 119.442,24 euros;
Juros remuneratórios – 10.534,25 euros;
Imposto de selo sobre estes juros – 421,37 euros;
Juros de mora sobre juros remuneratórios – 189,48 euros; Imposto de selo sobre estes juros – 7,58 euros; Juros de mora sobre capital – 243,00 euros; Imposto de selo sobre estes juros – 9,72 euros; Comissão de gestão – 15,00 euros; Imposto de selo sobre esta comissão – 0,60 euros;
Comissão de recuperação de valor em dívida – 150,00 euros; Imposto de selo sobre esta comissão – 6,00 euros;
Comissão reabertura – 2.159,94 euros;
Imposto de selo sobre esta comissão – 86,40 euros.
Acrescem os juros de mora vincendos à taxa contratada e todos os encargos vincendos até cobrança integral do mútuo.
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"Contrato de reestruturação" com o capital inicial de 120.000,00 euros.
25 – Em 27 de Novembro de 2015, requerente e requerida celebraram um acordo denominado de "contrato de reestruturação" e por esse contrato foi acordado regularizar a quantia de 120.000,00 euros que esta devia àquela, por efeito de um empréstimo de 120.000,00 euros, feito ao abrigo de um contrato que haviam celebrado em 31 de Julho de 2014, cfr. docs. n.ºs 14 e 15 juntos com a p.i..
26 – Por este contrato de restruturação a requerida confessou-se devedora à requerente da quantia de 120.000,00 euros, que se obrigou a reembolsar e remunerar nas circunstâncias de modo, tempo e lugar estipulados neste contrato.
27 – Foi estipulado o prazo de reembolso de dez meses a contar da data da celebração do contrato.
28 – Ficou estipulado que os juros remuneratórios também seriam pagos no termo do contrato, em conjunto com o reembolso do capital.
29 – Vencidas tais obrigações em 27 de Setembro de 2016, não foram pagas nesta data nem posteriormente.
30 – Encontra-se em dívida a totalidade de 145.053,07 euros, assim discriminada, cfr. doc. n.º 16 junto com a p.i.: Capital inicial – 120.000,00 euros; Capital em dívida – 120.000,00 euros; Juros remuneratórios – 8.503,70 euros;
Imposto de selo sobre estes juros – 340,15 euros;
Juros de mora sobre juros remuneratórios – 1.051,38 euros; Imposto de selo sobre estes juros – 42,06 euros;
Juros de mora sobre capital – 14.836,59 euros;
Imposto de selo sobre estes juros – 593,46 euros;
Comissão de gestão – 15,00 euros;
Imposto de selo sobre esta comissão – 0,60 euros;
Comissão de recuperação de valor em dívida – 646,40 euros; Imposto de selo sobre esta comissão – 25,86 euros;
São ainda devidos os juros de mora vincendos à taxa contratada e todos os encargos vincendos até cobrança integral do mútuo.
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Mútuo com o capital inicial de 80.000,00 euros.
31 – Por contrato celebrado em 29 de Janeiro de 2015, a requerente concedeu à requerida um financiamento de 80.000,00 euros, de que esta se confessou devedora e obrigou a reembolsar e remunerar nos termos do clausulado respectivo, cfr. docs. n.ºs 17 e 18 juntos com a p.i..
32 – O empréstimo foi concedido por 120 meses, com início em 29/01/2015, e o capital deveria ser reembolsado em prestações anuais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira, após um período de carência de 24 meses, a contar de 29/01/2015, e cada uma das restantes no dia correspondente de cada ano subsequente.
33 – Foi estipulado o vencimento anual das prestações de juros, vencendo-se a primeira no prazo de um ano a contar da celebração do contrato e cada uma das restantes no dia correspondente de cada ano subsequente.
34 – Relativamente a este contrato, a totalidade da dívida é de 86.095,25 euros, assim discriminada, cfr. doc. n.º 19:
Capital em dívida – 80.000,00 euros; Juros remuneratórios – 4.260,82 euros;
Imposto de selo sobre estes juros – 170,43 euros; Comissão – 1.600,00 euros;
Imposto de selo sobre esta comissão – 64,00 euros.
São ainda devidos os juros de mora vincendos à taxa contratada e todos os encargos vincendos até cobrança integral do mútuo.
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35 – Em 7 de Julho de 2011 e a pedido da requerida, a requerente emitiu uma garantia bancária no valor de 5.000,00 euros, em benefício de Automóveis Citroen, S.A., ainda não accionada, cfr. docs. n.ºs 20,21 e 22 juntos com a p.i..
36 – Em 26 de Outubro de 2006, requerente e requerida (e outros) outorgaram uma escritura notarial de hipoteca, fiança e mandato, cfr. doc. n.º 23 junto com a p.i..
37 – Por essa escritura a requerida constituiu hipoteca sobre diversos prédios, em favor da requerente, para garantia do bom e integral cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades até ao montante de dois milhões e quinhentos mil euros, perante ela (já) contraídas ou a contrair que derivem de qualquer operação de natureza bancária, entre as quais, designadamente, empréstimos, abertura de crédito ou de outras operações de crédito, garantias bancárias, descobertos em conta.
38 – Ficou ainda estipulado que a hipoteca permanecerá até integral cumprimento ou extinção de todas as responsabilidades garantidas, não tendo, até lá, a requerente a obrigação de cancelamento ou de redução da hipoteca.
39 – Por escritura notarial outorgada em 30 de Julho de 2010, a requerida constituiu outra hipoteca sobre diversos prédios, em benefício da requerente, para garantia do bom e integral cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades até ao montante de capital de duzentos e oito mil vinte e sete euros e noventa e quatro cêntimos, perante ela (já) contraídas ou a contrair que derivem de qualquer operação de natureza bancária, entre as quais, designadamente, empréstimos, abertura de crédito ou de outras operações de crédito, garantias bancárias, descobertos em conta, cfr. doc. n.º 24 junto com a p.i..
40 – Ficou ainda estipulado que esta hipoteca permanecerá até integral cumprimento ou extinção de todas as responsabilidades garantidas, não tendo, até lá, a requerente a obrigação de cancelamento ou de redução da hipoteca.
41 – Por escritura notarial outorgada em 17 de Janeiro de 2014, a requerida constituiu hipoteca sobre diversos prédios, em favor da requerente, para garantia do bom e integral cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades até ao montante de capital de duzentos e trinta mil euros, perante ela (já) contraídas ou a contrair que derivem de qualquer operação de natureza bancária, entre os quais, designadamente, empréstimos, abertura de crédito ou de outras operações de crédito, garantias bancárias, descobertos em conta, cfr. doc. n.º 25 junto com a p.i..
42 – Ficou ainda estipulado que esta hipoteca permanecerá até integral cumprimento ou extinção de todas as responsabilidades garantidas, não tendo, até lá, a requerente a obrigação de cancelamento ou de redução da hipoteca.
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43 – [artigo 43.º da Petição Inicial]: Provado que por escrituras de dação em cumprimento outorgadas em 29 de Junho de 2011, 30 de Julho de 2013, 29 de Janeiro de 2015 e 27 de Novembro de 2015, a requerida fez dação em cumprimento à requerente de todos os prédios por si hipotecados por via das escrituras acima identificadas, à excepção de dois, que se mantêm no seu património, cfr. docs. n.ºs 26, 27 e 28 juntos com a p.i. e documento junto aos autos no decurso da audiência final [a fls. 244 a 247].
44 – Presentemente apenas vigoram as hipotecas constituídas pela requerida em benefício da requerente, acima identificadas, sobre os seguintes imóveis, que são os únicos que existem no património da requerida:
a) descrição (…) – Freguesia de Tavira (Santa Maria), artigo matricial (…) da União das Freguesias de Tavira (Santa Maria e Santiago) – cfr. docs. n.ºs 29 e 30 juntos com a p.i..
b) descrição (…) – Freguesia de Tavira (Santa Maria), artigo matricial (…) da União das Freguesias de Tavira (Santa Maria e Santiago) – cfr. docs. n.ºs 31 e 32 juntos com a p.i..
45 – Relativamente ao prédio descrito com o número (…), que é terreno para construção urbana, com 1.880,9 m2, com o valor patrimonial actual de 247.894,90 euros, as hipotecas que garantem os créditos atrás identificados estão registadas sobre as apresentações número (…) de 2006/11/16 (capital – 2.500.000,00 euros), número (…) de 2010/07/30 (capital – 208.027,94 euros) e número (…) de 2012/11/30 (capital – 265.000,00 euros).
46 – Resultam as seguintes inscrições, relativamente a este prédio, de acordo com o registo predial:
a) penhora em favor da Fazenda Nacional (registada em 2012/04/13);
b) hipoteca voluntária a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (104.724,73 euros), registada em 2015/12/04;
c) penhora registada em 2016/11/03 para segurança da quantia exequenda de 15.454,53 euros, em favor do credor comum, (…).
47 – No que respeita ao prédio com a descrição (…) as hipotecas de que goza a requerente estão registadas sobre as apresentações e com as datas atrás referidas.
48 – Tal prédio corresponde a um edifício de três pisos, com a área total (coberta e descoberta) de 1.828,8 m2, com o valor patrimonial actual de 599.859,85 euros; sobre este prédio está registada hipoteca legal, com o capital de 90.536,34 euros, em favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, sendo que este Instituto também goza de hipoteca legal sobre prédio da requerida já dado em pagamento à requerente, como decorre da certidão respectiva (referido doc. n.º 37).
49 – Esta última hipoteca foi registada em 3 de Abril de 2013 para garantia de pagamento de contribuições em dívida à Segurança Social.
50 – Está também registada uma penhora a favor da Fazenda Nacional, que data de 29 de Março de 2012, sobre o prédio com a descrição (…).
51 – Cada uma das três atrás identificadas hipotecas, constituídas em favor da requerente, que oneram os prédios descritos com os números (…) e (…), garante a totalidade de todos e cada um dos créditos da requerente sobre a requerida, atrás também discriminados.
52 – Cada uma dessas hipotecas garante ainda, a título condicional, o crédito emergente da garantia bancária de 5.000,00 euros, caso esta venha a ser accionada.
53 – E garantem também os créditos emergentes dos descobertos nas contas de depósitos à ordem da requerida, bem como todas as demais dívidas da requerida à requerente, como resulta das três escrituras.
54 – Os docs. n.ºs 33, 34 e 35 correspondem aos extractos das três contas de depósitos à ordem da requerida domiciliadas junto da requerente, relativas ao período de 1 de Janeiro de 2017 a 28 de Setembro de 2017, apresentando uma delas saldo zero, outra saldo negativo de 343,91 euros e outra saldo positivo de 0,23 euros, ascendendo a 9.862,00 euros as despesas da requerente com processos judiciais, incluindo o presente, para cobrança dos seus créditos sobre a requerida, como resulta do doc. n.º 36.
55 – Os mútuos atrás discriminados, além de garantidos pelas referidas hipotecas, estão também garantidos pelas fianças pessoais identificadas nas três escrituras notariais e por livranças subscritas em branco pela requerida e com aval dado em branco, e assim entregues à requerente, obedecendo a estipulação constante dos mencionados contratos, cfr. docs. já atrás identificados.
56 – Atento o reiterado não cumprimento pontual das prestações emergentes dos vários mútuos, estes, de acordo com os respectivos clausulados, venceram-se antecipadamente, apresentando os totais em dívida atrás discriminados, que somam 3.698.423,98 euros.
57 – A requerida foi várias vezes interpelada para cumprir os mútuos, mediante envio de documentos escritos e por via de reuniões com o seu gerente, (…).
58 – [artigo 58.º da Petição Inicial] Provado apenas que, desde, pelo menos, o mês de Maio de 2017, a requerida tem vindo a dizer que tem novos projectos e novos investidores, que viriam injectar dinheiro na sociedade, o que lhe permitiria pagar as dívidas à requerente.
59 – [artigo 61.º da Petição Inicial] Provado apenas que em 22 de Maio de 2017, o gerente da requerida, (…), enviou à requerente a mensagem electrónica cuja cópia constitui o doc. n.º 38 junto com a p.i., tendo ainda, na mesma data, enviado uma proposta com o teor do doc. n.º 39 junto com a p.i., proposta esta que a requerente rejeitou.
60 – [artigo 62.º da Petição Inicial] Provado apenas o que consta da resposta ao artigo 61.º da Petição Inicial e ainda que até à data da propositura da presente acção e relativamente à sociedade ora requerida não ocorreu qualquer recapitalização nem a entrada de qualquer novo sócio.
61 – [artigos 59.º, 63.º, 64.º e 65.º da Petição Inicial] Provado apenas que:
- o gerente da requerida, (…), apresentou um alegado investidor à requerente, que, implicava, no entanto, da parte da requerente, ainda mais financiamento;
- no decurso do mês de Setembro de 2017, o gerente da requerida, (…), deu a conhecer à requerente o teor do doc. n.º 40 junto com a p.i.;
- a requerente veio a saber que o subscritor do referido email, cuja cópia constitui o doc. n.º 40 junto com a p.i., é o cidadão português (…), de quem a requerida forneceu o cartão de cidadão;
- o referido (…) é o titular de uma quota numa sociedade comercial de direito português com o capital social de apenas 5.000,00 euros, e cujo objecto nada tem que ver com a construção ou reparação e manutenção de carrocerias de automóveis de luxo;
- esta alegada intenção de investimento na empresa da requerida, por parte de terceiros e mencionada no doc. n.º 40 junto com a p.i., não foi concretizada nem em documentos nem na realidade.
62 – [artigo 66.º da Petição Inicial] Provado apenas que depois de várias reuniões entre os administradores da requerente e o gerente da requerida, em 22 de Setembro de 2017 a requerente enviou ao gerente da requerida, (…), a mensagem electrónica cuja cópia constitui o doc. n.º 44 junto com a p.i. onde, resumidamente, a requerente refere que estão esgotadas as possibilidades de a requerida reverter a sua falta de liquidez permanente e que não resta outra alternativa senão a de resolução do problema por via judicial.
63 – [artigo 69.º da Petição Inicial] Provado apenas que o montante da dívida da requerida à requerente, à data de 29 de Setembro de 2017, supera o activo da sociedade requerida, sendo o grosso do património desta constituído pelos dois imóveis atrás identificados.
64 – [artigo 70.º da Petição Inicial] Provado apenas o que consta do teor do doc. n.º 45 junto com a p.i., respeitante a consulta à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
65 – [artigos 74.º e 75.º da Petição Inicial] Provado apenas que:
- a actividade de reparação e manutenção de automóveis, pela requerida, não gera liquidez que se veja nas contas bancárias da mesma requerida junto da ora requerente;
- a requerida vende automóveis da marca (…), mas deste sector da actividade da requerida não resulta liquidez que permita pagar todas as suas dívidas, as mensais e correntes, e as anteriormente vencidas, dinheiro, aliás, que não se vê nas contas bancárias da requerida junto da ora requerente.
66 – [artigos 4.º e 5.º da Contestação] Provado apenas que a requerida desenvolve a sua actividade comercial há cerca de 50 anos, na zona do Algarve.
67 – [artigo 35. º da Contestação] Provado apenas que no que respeita à Autoridade Tributária e Aduaneira, a requerida, com excepção do débito de 951,58 euros mencionado no documento de fls. 227, tem a sua situação contributiva regularizada.
68 – [artigos 36.º a 38.º da Contestação] Provado apenas que:
- à data de 16 de Outubro de 2017, a requerida tinha um débito para com a Segurança Social, respeitante a quotizações e contribuições relativas ao período de Novembro de 2009 a agosto de 2017, no montante de 140.368,03 euros, cfr. doc. de fls.228;
- à data de 30 de Novembro de 2017, a requerida tinha um débito para com a Segurança Social, respeitante a quotizações e contribuições relativas ao período de Novembro de 2009 a Outubro de 2017, no montante de 141.874,43 euros, cfr. doc. de fls. 271 e 272;
- à data de 30 de Novembro de 2017, a requerida tinha já celebrado com a Segurança Social cinco planos prestacionais, conforme discriminado no doc. de fls. 271 e 272; o último destes planos respeita a dívidas vencidas até 04/2016;
- em 23 de Novembro de 2017, a requerida solicitou a celebração de novo plano prestacional, cfr. docs. de fls. 268 e 269;
- no decurso dos meses de Junho de 2017 a Outubro de 2017, a requerida realizou os pagamentos constantes dos docs. de fls. 292 verso a 298.
69 – [artigos 42.º e 43.º da Contestação] Provado apenas que:
- entre a requerente e a requerida foram celebrados os acordos de reestruturação da dívida desta última nos termos dos documentos juntos aos presentes autos e já atrás identificados;
- a requerida teve um decréscimo da sua facturação.
70 – [artigo 57.º da Contestação] Provado apenas o que consta da resposta ao Artigo 43.º da Petição Inicial.
71 – [artigos 69.º, 71.º e 72.º da Contestação] Provado apenas que em avaliações da responsabilidade da requerente foi atribuído ao conjunto dos identificados prédios urbanos, propriedade da requerida e descritos sob os n.ºs 692 e 693, sitos em Vale (…), freguesia de Santa Maria, Concelho de Tavira, os seguintes valores:
- € 1.516.000,00 (um milhão quinhentos e dezasseis mil euros), numa avaliação realizada em 03-09-2015;
- € 1.457.000,00 (um milhão quatrocentos e cinquenta e sete mil euros), numa avaliação realizada em 11-01-2017.
72 – [artigos 73.º e 74.º da Contestação] Provado apenas que o edifício existente nos identificados prédios urbanos, descritos sob os n.ºs (…) e (…), teve obras novas de ampliação nos primeiros anos de 2000, tendo estas obras sido concluídas em 2005 ou 2006.
73 – [artigos 80.º e 81.º da Contestação] Provado apenas o que consta da resposta aos Artigos 59.º, 63.º, 64.º e 65.º da Petição Inicial.
74 – A requerente nunca moveu qualquer acção executiva contra a requerida.
75 – A requerida não tem dívidas laborais aos seus trabalhadores. 76 – [artigo 133.º da Contestação] Provado apenas que:
- o valor actual do conjunto dos identificados prédios urbanos, propriedade da requerida e descritos sob os n.ºs (…) e (…), sitos em Vale (…), freguesia de Santa Maria, Concelho de Tavira, incluindo as edificações ali implantadas, ascende ao montante de € 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros).
77 – A requerida é ainda proprietária de diversos bens móveis não concretamente identificados, que utiliza no âmbito da sua actividade comercial.
78 – À data de propositura da presente acção [03/10/2017], não constava do registo comercial a prestação de contas da requerida respeitante ao ano de 2016; tal prestação de contas relativa ao ano de 2016 apenas foi levada ao registo comercial em 16 de Novembro de 2017.
*
3.2 – Factos não provados:
Da petição inicial: 60.º.
Da contestação: 6.º, 8.º, 40.º, 59.º, 67.º, 68.º, 79.º, 82.º, 83.º, 84.º, 87.º, 88.º, 89.º, 106.º, 108.º, 152.º, 153.º, 173.º, 179.º, 180.º e 181.º.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Das nulidades:
4.1.1 – Nulidade relativa à omissão de pronúncia:
De acordo com a primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Entende o recorrente que o Tribunal «a quo» violou a sobredita norma, porquanto «na contestação apresentada, defendeu a falta de fundamentação da petição inicial apresentada pela CCAM», não tendo o Tribunal tomado posição sobre a questão em causa.
A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando o acto decisório deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
É a violação daquele dever que torna nula a decisão e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz em denegação de justiça.
Coisa diferente são as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, as quais correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa estipulada no artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.
Na esteira do preconizado por Alberto dos Reis há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. Na realidade, «são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[2].
Amâncio Ferreira evidencia que se trata da nulidade mais invocada nos tribunais, «originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda»[3].
Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas[4] [5].
É jurisprudência consolidada e absolutamente pacífica que não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras[6].
E na hipótese vertente existe uma identidade absoluta entre as pretensões deduzidas pelas partes e a matéria solucionada pelo Tribunal e, por conseguinte, aquilo que se acabou de expressar é suficiente para concluir que não existe omissão de pronúncia.
E, além do mais, a declaração de insolvência consome claramente a questão da falta de requisitos da petição inicial, a qual, ao obter provimento, soluciona, em toda a linha, em sentido negatório, a referida falta de requisitos da petição inicial.
Neste enquadramento, não se está perante um cenário de nulidade por omissão de pronúncia.
*
4.1.2 – Nulidade por falta de fundamentação:
As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (artigo 154º, nº 1, do Código de Processo Civil, como corolário da injunção constitucional precipitada no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa).
É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil).
Seguindo em absoluto a lição de Alberto dos Reis, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto»[7]. No mesmo sentido se posicionam Antunes Varela[8] e Lebre de Freitas[9].
A falta de fundamentação só é causa de nulidade quando for absoluta e «o dever de fundamentação da sentença final não se confunde com o dever de motivação previsto no artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil» (versão anterior do CPC)[10].
A recorrente sustenta que a decisão da matéria de facto não explicita o processo de formação da sua convicção, «concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova foi valorado num sentido e outros não o foram».
No entanto, no caso em apreço, estão devidamente especificados os fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão recorrida, inexistindo assim, sem cuidar da bondade e validade dos mesmos, uma situação de falta absoluta de fundamentação.
Questão diversa é se aquilo que consta do corpo decisório representa a solução jurídica adequada ao caso concreto. Porém, essa operação de subsunção e de integração jurídica fica reservada para o local próprio, aquando da abordagem da eventual existência de erro sobre a apreciação da matéria de facto apurada e respectiva fundamentação.
Em face do exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade.
*
4.2 – Da impugnação da matéria de facto:
4.2.1 – Da falta de fundamentação da decisão de facto:
As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Para cumprir a exigência constitucional, a fundamentação há-de ser expressa, clara e coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão, os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos e a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão.
A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não impondo.
A prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzam a determinadas convicções reflictas na decisão de pontos de facto sob avaliação. Deve, ela, ainda ser considerada globalmente, conjugando todos os elementos disponíveis e atendíveis[11].
Embora referindo-se à jurisdição penal, tem aqui aplicabilidade a afirmação que «o sistema de livre apreciação da prova deve definir-se pelo seu significado positivo que se traduz na valoração racional e crítica que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos e assegurar pelo seu conteúdo as garantias procedimentais concedidas pela lei fundamental. É de salientar que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade»[12].
O núcleo essencial mínimo de motivação demanda que esta seja objectiva e clara e, bem assim, se estruture num raciocínio suficientemente abrangente em relação à apreciação dos problemas fundamentais e necessários à justa decisão da lide[13]. Efectivamente, o exame crítico consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou por outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica exterior ao processo com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção[14].
De facto, o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção»[15] [16].
A exigência legal impõe que se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes[17].
O dever de motivação das respostas tem como principais objectivos o de aprimorar, na medida do possível, e o de robustecer desse modo a força persuasiva do julgamento dos factos, junto das partes e seus patronos[18]. A fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça inerente ao acto jurisdicional[19].
Analisada a decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que a motivação segue um modelo generalista em que aposta essencialmente na descrição das prestações probatórias ouvidas e não faz a interligação individualizada entre os factos apurados e os meios de prova produzidos.
No entanto, além de não existir um método operativo único a prosseguir em matéria de fundamentação, o processo intelectivo impresso na decisão é suficiente para cumprir o dever de fundamentação e através das regras da ciência jurídica, da lógica e da experiência são facultados ao destinatário as razões psicológicas da convicção do juízo e o destinatário é convencido da correcção da decisão.
Feita a interligação entre a resposta do Tribunal às questões suscitadas na acção e a prova produzida, não se comunga do entendimento expresso que existem factos infundamentados e que a decisão em causa não se adequa às exigências impostas pelo nº4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.
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4.2.2 – Do erro na avaliação dos factos assentes:
Embora tenha inicialmente alocado a questão da discordância da matéria de facto à nulidade de falta de fundamentação, na realidade aquilo que a recorrente pretende é a modificação da factualidade apurada de harmonia com a disciplina inscrita no artigo 662º do Código de Processo Civil.
No fundo, a sociedade recorrente discorda da conclusão do julgador «a quo» quando afirma que o valor da dívida ascende a 3.698.423,98 € (três milhões, seiscentos e noventa e oito mil, quatrocentos e vinte e três euros e noventa e oito cêntimos) quando, na contestação apresentada, a agora recorrente defendeu que o montante em dívida é de 2.770.973,98 € (dois milhões, setecentos e setenta mil euros e noventa e oito cêntimos). E é este o valor que deveria ter ficado firmado na decisão de facto.
Da audição dos testemunhos prestados em audiência e da análise da prova documental que se reporta à situação financeira da Ré, à liquidez da mesma e da evolução da relação bancária mantida entre a requerida e a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL” não resulta claro que tenha existido um erro na imputação dos montantes em dívida e que o débito da “(…) – Auto, Náutica e Tractores, Lda.” se situe nos limites referidos pela insolvente. Neste ponto, apesar de ter sido chamado à colação pela sociedade recorrente, na avaliação global da prova gravada, o contributo prestado pela testemunha (…), analista de crédito, que mantém contrato de trabalho com a requerente, não viabiliza a tese proposta pela insolvente. Não existem assim dados que permitam nesta fase processual concluir que a imputação se tenha desviado da regra base estabelecida pelo artigo 785º[20] do Código Civil.
A recorrente repudia ainda que tivesse ficado consignado nos factos provados que, à data de 29 de Setembro de 2017, o montante da dívida da requerida à requerente, superasse o activo da sociedade requerida. Porém, é a própria recorrente que o admite nas suas próprias alegações, quando reconhece que o passivo regista um diferencial superior a um milhão de euros (ponto 47 das conclusões).
No entanto, da conciliação entre o relatório pericial junto aos autos e os esclarecimentos prestados pelo perito, da consulta documentada à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, da prestação probatória do técnico oficial de contas quando menciona a exploração deficitária da “(…), Lda.” torna-se transparente que a dívida da requerida à requerente supera o respectivo activo, ainda que fosse incluído nesta equação o valor proposto para a avaliação dos bens móveis.
O desacordo alarga-se ainda à questão das dívidas à segurança social, pois na visão da recorrente o Tribunal ignorou que a sociedade recorrente tinha já celebrado cinco planos prestacionais respeitantes à dívida vencida até Abril de 2016.
Todavia, tal como resulta da leitura da decisão de facto, o Juízo Central de Comércio considerou como provado que «à data de 30 de Novembro de 2017, a requerida tinha já celebrado com a Segurança Social cinco planos prestacionais, conforme discriminado no doc. de fls. 271-272; o último destes planos respeita a dívidas vencidas até 04/2016» (facto 68, 3º parágrafo).
Assim, a questão suscitada não se reporta a uma necessidade de alteração da decisão de facto mas antes à interpretação que estes factos tiveram no preenchimento positivo dos pressupostos indiciadores de uma situação de insolvência. Esse juízo prudencial corresponde a uma avaliação do mérito que não se confunde com um erro na determinação da factualidade assente.
Nesta ordem de ideias e repristinando tudo aquilo que atrás se deixou exarado, a prova produzida não impõe decisão diversa daquela que foi seleccionada pela Primeira Instância, à luz do comando incorporado no artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil. E, assim sendo, os pontos relacionados com a impugnação promovida pela recorrente não merece acolhimento em toda a sua extensão, podendo assim afirmar-se que a decisão de facto corresponde à realidade processualmente adquirida.
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4.3 – Do erro na aplicação do direito:
O processo de insolvência é uma execução colectiva ou universal. Nesta execução universal intervêm todos os credores do insolvente e na mesma é atingido, em princípio, todo o património deste devedor, tal como se retira da interpretação integrada dos artigos 1º[21], 47º[22], nºs 1 a 3, 128º[23], nºs 1 e 3 e 149º[24], nºs 1 e 2, do CIRE.
Em função disto, tal como decorre do estabelecido no nº 1 do artigo 3º do CIRE, perante a impossibilidade de assumir o cumprimento de todas as suas obrigações vencidas, todos os credores podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas.
Ao basear-se nesta ideia de impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas, o processo de insolvência está estruturado sob um prisma orientador de distribuição de perdas ou de sacrifícios ou de comunhão de riscos entre os credores, sem embargo de ser admitida a distinção entre reclamações preferenciais e pagamento de créditos comuns.
A declaração de insolvência do devedor, cujo processo se destina à satisfação da globalidade dos credores à custa do património daquele, o regime do artigo 88º, nº 1, tende a ser definitiva; só assim não sucederá quando o próprio processo de insolvência termine sem o esgotamento dos bens do devedor e, mesmo aí, apenas quando as providências adoptadas, nomeadamente no quadro de um plano de insolvência, sejam compatíveis com a retoma de acções executivas anteriores ou a propositura imediata de novas execuções[25].
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A sentença recorrida fez a valorização do património imobiliário da requerida e estabeleceu a relação entre o activo e passivo da “(…) – Auto, Náutica e Tractores, Lda.”, concluindo que a sociedade se encontra numa situação de insolvência.
Na óptica do Tribunal «a quo» encontram-se preenchidos os factos-índice constantes das alíneas a), b), g) ii e h) do nº 1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A avaliação de uma situação de insolvência deve ser balizada de acordo com o recorte normativo presente no artigo 20º[26] do referido diploma.
Será que o conspecto factual apurado revela (i) um quadro de suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, (ii) de falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações ou representa (iii) um incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas abrangidas pela esfera de protecção da alínea g) do nº 1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e (iv) um atraso relevante na aprovação das contas?
Os factos enunciados na norma do nº 1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas são indícios ou sintomas da situação de falência (factos-índice). É através deles que, normalmente a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer deles permite presumir a situação de insolvência do devedor mas o devedor pode sempre ilidir esta presunção, provando que, não obstante a ocorrência de um ou mais factos do tipo enunciado, a situação de insolvência não se verifica[27].
Carvalho Fernandes e João Labareda sublinham que aquilo que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Nesta linha de raciocínio «pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência actual»[28].
Na visão de Menezes Leitão a insolvência corresponde à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações, e não à mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa, uma vez que o recurso ao crédito pode permitir ao devedor suprir a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações[29].
Nesta ordem de ideias, à verificação do estado de insolvência está subjacente o conceito de solvabilidade, podendo acontecer que:
- o passivo é superior ao activo, mas não se verificar a situação de insolvência por existir facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias;
- o activo é superior ao passivo vencido, mas o devedor encontra-se em situação de insolvência por falta de liquidez do seu activo[30].
Assim, o que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
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Complementarmente, a lei equipara ainda a situação de insolvência iminente à situação de insolvência actual como fundamento de apresentação à insolvência, como ressalta da leitura do artigo 3º, nº 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A iminência da insolvência caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se situação de insolvência já actual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exactamente pela insuficiência do activo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível[31]. Ou, na formulação de Catarina Serra[32], a insolvência iminente é a situação em que o devedor antevê que estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações quando elas se vencerem, no futuro próximo.
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O Tribunal «a quo» considerou que «mesmo a existência de um activo contabilisticamente superior ao passivo, que nem sequer se verifica no caso concreto, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, só releva se ilustrar uma situação de viabilidade económica, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações assumidas no momento do seu vencimento; mesmo que o devedor seja titular de um conjunto de bens livres e disponíveis cujo valor seja superior ao valor do seu passivo, pode, mesmo assim, encontrar-se em situação de insolvência, já que esse activo não é líquido, ou seja, o devedor, com o activo de que dispõe, não consegue cumprir prontamente as suas obrigações».
Perscrutada a matéria de facto apurada verifica-se que, não obstante o esforço desenvolvido pela sociedade para liquidar parte do seu passivo – aqui evidenciada pela dação em pagamento de património imobiliário e a contratualização de acordos prestacionais relativamente às dívidas existentes para com a Segurança Social –, o quadro económico já ultrapassou a fronteira da iminência da insolvência.
Efectivamente, a situação de incumprimento perante a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), SA” indica claramente que existe um quadro de generalizado de inadimplemento de obrigações que se refere a vários débitos com fontes distintas.
Neste contexto, está consolidada a ideia que não interessa que o devedor ainda possa cumprir num momento futuro qualquer e eventualmente num contexto de remodelação da dívida, verificando-se a entrada em situação de insolvência a partir do momento em que comprovadamente não pode cumprir as obrigações vencidas, nem poderá fazê-lo num futuro próximo. Deste modo, se os meros atrasos no pagamento não justificam a declaração de insolvência, também não se exige que a impossibilidade seja duradoura, só obstando à declaração de insolvência a falta transitória de liquidez recuperável a curto prazo[33] [34].
Em concreto, não estamos perante um cenário de uma única dívida simbólica de montante economicamente suportável e torna-se evidente que a venda dos imóveis não consegue garantir o pagamento integral das dívidas já reconhecidas nestes autos. Em acréscimo, os rendimentos de exploração resultantes do exercício da actividade económica que constitui o respectivo objecto social não conseguem criar um fundo de maneio com susceptibilidade de proceder à regularização dos compromissos assumidos.
Efectivamente, a exploração da requerida é globalmente deficitária e as vendas realizadas e fluxos financeiros não são suficientes para garantir o pagamento do reembolso dos mútuos celebrados com a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL”.
E, noutra perspectiva, a avaliação do património imobiliário revelou que o mesmo não é suficiente para resolver definitivamente o passivo acumulado e os problemas estruturais de rentabilidade, sendo que existe ónus registados que virtualmente concedem preferência no pagamento a outras entidades.
Ainda que o património imobiliário e mobiliário fosse integralmente afecto ao pagamento da dívida, a liquidez gerada não era suficiente para lograr alcançar uma situação de sustentabilidade económica, além de que esse putativo fluxo não seria imediato e entretanto os encargos com a dívida bancária continuariam a acumular-se. E a alienação global desse património também teria efeitos negativos no prosseguimento da actividade económica desenvolvida.
Os factos apurados, segundo o parâmetro da experiência de vida, traduzem a insusceptibilidade prática de o devedor cumprir as suas obrigações. Trata-se, assim, de ocorrências prototípicas de uma situação de insolvência, tal como caracterizada no conceito-base consagrado no artigo 3º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que não afasta que a impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas ocorra fora daquelas facti species, assim como a ocorrência destas pode não corresponder em concreto àquela impossibilidade[35].
Em face da factualidade apurada é indiscutível que se está perante um quadro de insuficiência do activo líquido perante o passivo exigível. Posto isto, tendo a requerente feito prova dos factos constitutivos de uma situação de insolvência, a requerida não conseguiu demonstrar que o respectivo património gere fluxos financeiros ou tem um valor de mercado que possibilita ao(s) devedor(es) o cumprimento integral e pontual das suas obrigações.
Ao contrário do afirmado, a lei basta-se com a existência de um só devedor, desde que a relevância dos encargos seja susceptível de se integrar no conceito legal. Mas também não se está perante uma narrativa de um único credor.
Em abono da verdade, diga-se que não corresponde à realidade que no processo se está perante uma hipótese de incumprimento perante um único credor, pois, além das dívidas de natureza bancária, existe um quadro de incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas derivadas de contribuições e quotizações para a segurança social.
As dívidas à Segurança Social inscrevem-se assim na esfera de protecção do ponto ii da al. g) do nº 1 do artigo 20º, pois a dívida providencial não altera a sua natureza ou substância pela simples razão da contratualização de acordos de pagamento. E a celebração de planos prestacionais de pagamento não modifica a existência de um quadro de deficitário.
Deste modo, é perfeitamente legítima e válida a conclusão do Tribunal recorrido quando assevera que «a conjugação dos factores que se indicaram – nomeadamente, a falta de liquidez da requerida, a sua incapacidade de gerar proveitos suficientes e a existência de um passivo superior ao activo – indiciam fortemente a situação de insolvência da mesma requerida».
A terminar, a aprovação e o depósito de contas concretizam uma obrigação que se destina designadamente a permitir o conhecimento público da situação fiscal, contabilística e estatística de determinadas pessoas colectivas respeitante ao cumprimento das suas obrigações.
Ainda que existissem dúvidas quanto ao preenchimento da facti species inscrita na alínea h) do nº 1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por via da sua interligação com a disciplina estabelecida pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 8/2007, de 17 de Janeiro, a questão não seria decisiva para fundamentar autonomamente a procedência (ou a improcedência) da declaração de insolvência.
Mesmo que existisse um erro de integração da norma por parte do julgador, este item indiciário não poderia ser completamente separado de todo o contexto envolvente e a simples não subsunção a esta alínea não justificaria a modificação na sua integralidade do juízo efectuado pelo Juízo de Comércio de Olhão.
Por tudo isto, mantém-se a decisão que declarou a “(…) – Auto, Náutica e Tractores, Lda.” insolvente, com as demais consequências referidas no veredicto decisório recorrido.
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V – Sumário:
A insolvência traduz-se na insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento, evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, tendo em atenção o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
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Processei e revi.
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Évora, 10 de Maio de 2018
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário

__________________________________________________
[1] A numeração dos factos é introduzida pelo Tribunal da Relação de Évora, dado que a omissão de identificação é susceptível de criar dificuldades adicionais na compreensão de toda a situação.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Coimbra, 1981 (reimpressão), pág. 143.
[3] Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª Edição, pág. 57.
[4] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 141.
[5] A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 688.
[6] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23/06/2004 e 02/12/2013, in www.dgsi.pt.
[7] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil (Anotado), Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pág. 140.
[8] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição – Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 687.
[9] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2018.
[10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/05/2007, in www.dgsi.pt.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/07/2006, in www.dgsi.pt.
[12] José Manuel Tomé de Carvalho, Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português, Julgar 21, Setembro-Dezembro 2013, pág. 84.
[13] José Manuel Tomé de Carvalho, obra citada, pág. 83.
[14] José Manuel Tomé de Carvalho, obra citada, pág. 84.
[15] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/01/2006, in www.dgsi.pt.
[16] No mesmo sentido, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 2002, in www.dgsi.pt.
[17] Lebre de Freitas e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 628.
[18] Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 654.
[19] Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, pág. 281.
[20] Artigo 785º (Dívidas de juros, despesas e indemnização):
1. Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.
2. A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.
[21] Artigo 1º (Finalidade):
1 - O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
2 - Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, a empresa pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I.
3 - Tratando-se de devedor de qualquer outra natureza em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, este pode requerer ao tribunal processo especial para acordo de pagamento, previsto nos artigos 222.º-A a 222.º-I.
[22] Artigo 47º (Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência):
1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
2 - Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.
3 - São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo.
4 - Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:
a) ‘Garantidos’ e ‘privilegiados’ os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b) ‘Subordinados’ os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) ‘Comuns’ os demais créditos.
[23] Artigo 128º (Reclamação de créditos):
1 - Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem:
a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros;
b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas;
c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável;
d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes;
e) A taxa de juros moratórios aplicável.
2 - O requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 17.º
3 - Sempre que os credores da insolvência não estejam patrocinados, o requerimento de reclamação de créditos é apresentado no domicílio profissional do administrador da insolvência ou para aí remetido por correio electrónico ou por via postal registada, devendo o administrador, respectivamente, assinar no ato de entrega, ou enviar ao credor no prazo de três dias da recepção, comprovativo do recebimento, sendo o envio efectuado pela forma utilizada na reclamação.
4 - A reclamação de créditos prevista no n.º 1 pode efectuar-se através do formulário disponibilizado para o efeito no portal a definir por portaria do membro do governo responsável pela área da justiça ou através do formulário-tipo de reclamação de créditos previsto nos artigos 54.º e 55.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, nos casos em que aquele regulamento seja aplicável.
5 - A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
[24] Artigo 149º (Apreensão dos bens):
1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.
[25] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 160.
[26] Artigo 20º (Outros legitimados):
1 - A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de representação das entidades públicas nos termos do artigo 13.º
[27] Catarina Serra, «O Novo Regime Português da Insolvência», Uma Introdução, 3ª edição, pág. 25.
[28] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 71.
[29] Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 76.
[30] Neste sentido, vide Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência Almedina, Coimbra, 2016, págs. 19-30.
[31] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 87.
[32] Revitalização – a designação e o misterioso objecto designado. O Processo Homónimo (PER) e as suas ligações com a Insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, in I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 91.
[33] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/05/2013, in www.dgsi.pt.
[34] Este acórdão apela ao contributo de Manuel Requicha Ferreira, “Estado de Insolvência”, in “Direito da Insolvência. Estudos”, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 262-268, que apoiado na jurisprudência alemã remete para a regra dos 10% e das 3 semanas, segundo a qual o devedor não se presume insolvente se a sua incapacidade de cumprir for inferior a 10% do conjunto das suas responsabilidades durante um período de 3 semanas, tido por suficiente para que um credor, gozando de um mínimo de credibilidade creditícia, obtenha financiamento de terceiros para fazer face à sua situação de iliquidez.
[35] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/11/2007, in www.dgsi.pt.