Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
10/14.0GTEVR.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: CONDUÇÃO AUTOMÓVEL
ESTUPEFACIENTES
ERRO SOBRE A ILICITUDE
Data do Acordão: 07/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Estando o arguido habilitado a conduzir veículos automóveis, habilitação que supõe a aprovação em exame teórico-prático para o efeito, e, consequentemente, o conhecimento das regras estradais, entre as quais se inclui a proibição de conduzir veículos automóveis sob o efeito de substâncias estupefacientes, não faz qualquer sentido - de acordo com as regras da experiência comum e da lógica - considerar que o arguido, enquanto condutor habilitado a conduzir, não soubesse que é proibida a condução sob o efeito de substâncias estupefacientes.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal da Comarca de Évora (Reguengos de Monsaraz, Instância Local, Secção de Competência Genérica, J1) correu termos o Proc. Comum Singular n.º 10/14.0GTEVR, no qual foi julgado o arguido LCTB (…..), pela prática de um crime de condução sob o efeito de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, p. e p. pelos art.ºs 292 n.º 2 e 69 n.º 1 al.ª a), ambos do CP, com referência à Tabela I – C do DL 15/93, de 22.01, tendo – a final – sido condenado, pela prática do mencionado crime (um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes, p. e p. pelos art.ºs 292 n.º 2 e 69, ambos do CP), na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros, o que perfaz a multa global de 300,00 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de quatro meses.
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2. Recorreu o arguido de tal decisão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - O presente recurso tem como objeto toda a sentença, maxime:
- A insuficiência da prova;
- A não consideração do erro sobre a ilicitude;
- Errada determinação da medida concreta da pena.
2 – A sentença recorrida violou o disposto no art.º 292 n.º 2 do CP, por não se verificarem no caso todos os requisitos objetivos e subjetivos do crime em causa.
3 – Na verdade, os elementos integradores do crime em causa são:
- A condução de veículo (com motor ou sem motor) na via pública ou equiparada;
- Que o condutor se encontre sob a influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos análogos, perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica;
- Que, devido à influência dos produtos supra referidos, o condutor não esteja em condições de efetuar com segurança a condução;
- Que o arguido tenha atuado com dolo ou negligência.
4 – Tratando-se de um crime abstrato, que tutela o bem jurídico “segurança na circulação rodoviária”, com os elementos integradores (objetivos e subjetivos) já identificados e que só pode ser cometido mediante a verificação de um resultado típico e ilícito, salvo melhor opinião, para o preenchimento do crime “não basta a verificação da presença de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou de efeito análogo no corpo do condutor, sendo necessário que essas substâncias ou produtos sejam perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica do condutor, de modo a este não estar em condições de poder conduzir com segurança” (acórdão da RE de 05.06.2012, Proc. 886/08.0GTABF.E1, e da RC de 06.04.2011, Proc. 1017/08.2TAAVR.C2, ambos in www.dgsi.pt).
5 – E para tal se verificar é necessária a observação dos procedimentos legalmente previstos para o efeito (Lei n.º 18/2007, de 17.05, e Portaria n.º 902-B/2007, de 13.08).
6 – Assim, a citada Lei n.º 18/2007, de 17.05 (art.ºs 10 a 13), prevê um exame prévio de rasteio e, em caso de resultado positivo neste exame, a realização de um exame de confirmação, constando expressamente no n.º 12 do predito diploma legal que “só pode ser declarado influenciado por substâncias psicotrópicas o examinado que apresente resultado positivo no exame de confirmação”, sendo certo que “o exame de confirmação considera-se positivo sempre que revele a presença de qualquer substância psicotrópica prevista no quadro 1 do anexo V ou qualquer outra de efeito análogo capaz de perturbar a capacidade física, mental ou psicológica do examinado para o exercício da condução de veículo a motor com segurança, sendo que o quadro 2 prevê os valores de concentração para exame para rastreio de urina. Efetuado o exame, indicando a secção III como deve ser feito, o médico deve preencher o relatório do exame modelo anexo VII (exame médico para a avaliação do estado influenciado por substâncias psicotrópicas), respondendo aos itens de: Observação geral, Estado mental, Provas de equilíbrio, Coordenação dos movimentos, Reflexos, Sensibilidade e quaisquer outros dados que possam ter interesse para comprovar o estado do observado” (acórdãos acima identificados).
7. Concluindo o acórdão citado que “só o relatório médico com esses itens preenchidos permitirá ao tribunal concluir se o examinado estava em condições de fazer o exercício da condução em segurança”.
8. Ora, no caso sub judice o arguido não foi sujeito a exame médico com aquelas caraterísticas, não bastando por isso a simples alegação (genérica) feita na acusação e dada como provada na sentença recorrida para validamente se poder concluir pela incapacidade para a condução do arguido por estar influenciado por estupefacientes, pelo que a alegação que serviu de base à condenação do arguido, desacompanhada do exame a que se refere o supra art.º 9 não permite extrair a conclusão que se extraiu, sendo, pois, esta (conclusão), assim, irrelevante e devendo considerar-se como não escrita.
9. Ou seja, inexistindo o relatório médico, nos termos descritos e não tendo sido alegados factos concretos e objetivos consubstanciadores daquela conclusão, inexistem, também, os elementos tipificadores do crime em causa, impondo-se, por isso, a absolvição do arguido.
10. Na verdade, nas suas declarações o arguido, apesar de ter confessado que consumiu haxixe algumas horas antes de ter sido submetido ao respectivo teste, diz também nunca ter sido presente perante qualquer médico nem muito menos ter sido submetido aos teste a que se refere o supra aludido art.º 9 (cfr. CD 20150202145004_1253.033.33/04.59 até 04.44/04.59), o que, aliás, é também confirmado pela testemunha HD, que afirma que é o A. quem, regra geral, conduz a viatura em que se deslocam quando vão para qualquer evento festivo, porque, afirmam, o A. não consome bebidas alcoólicas e muito raramente consome estupefaciente ou substância psicotrópica e, nas raras vezes que consome, tal nunca lhe produz qualquer efeito, isto é, mantém intactas as suas faculdades físicas e psicológicas (cfr. CD 20150202150503_12353.01.04 até 02.03).
11. Assim, insiste-se, para a verificação do crime em causa tem de se provar a existência, no corpo do condutor, de estupefacientes, produtos psicotrópicos ou outros de efeito análogo, capazes de perturbar a sua aptidão física, mental ou psicológica, impeditivos da realização em segurança do exercício da condução; não se apurando tal facto apenas fica demonstrado que o A. consumiu estupefacientes, incorrendo este, assim, não na prática do crime por que vem acusado, mas simplesmente na prática da contra-ordenação a que alude o art.º 81 n.º 1 do Código da Estrada.
12. Refere também o A. que não obstante saber e ter consciência que não pode conduzir tendo ingerido determinada quantidade de bebidas alcoólicas, não tem, todavia, essa mesma consciência em relação ao consumo de estupefacientes.
13. Na verdade, não se compreende que, não conduzindo o A. sob o efeito do álcool (porque tem conhecimento dessa ilicitude), porque motivo conduziria sob o efeito de estupefacientes, tendo essa consciência da ilicitude?
14. Afigura-se-nos, com o devido respeito, que o A., ao decidir conduzir a sua viatura, não pretendeu afrontar a lei (na verdade, o seu comportamento sempre seguiu os ditames dessa lei), antes desconhecia a ilicitude do seu ato, encontrando-se a laborar em erro, facto, aliás, comprovado pela ausência de qualquer averbamento no seu registo criminal.
15. Ora, para ser penalmente censurado e legalmente punido o facto há-de ser típico, ilícito, culposo e punível.
16. Todavia, in casu, sem prejuízo do anteriormente alegado quanto à tipicidade, verifica-se que o A. laborou em erro (sobre a ilicitude, art.º 17 do CP) quanto à ilicitude do crime por que foi condenado, sendo que o erro quanto à ilicitude afasta a culpa (art.º 17 n.º 1 do CP).
17. Assim, verificando-se a cláusula de exclusão da culpabilidade (in casu, a prevista no art.º 17 n.º 1, erro sobre a ilicitude), não podia o A. ter sido condenado e punido como aconteceu na sentença recorrida (nulla poena sine culpa).
18. Finalmente, atendendo à própria letra da sentença, a pena acessória aplicada sempre deveria ter-se limitado ao mínimo legalmente previsto, isto é, à proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de três meses.
19. Deve a sentença recorrida ser substituída por outra que revogue a pena aplicada ao arguido ou, assim não se entendendo, que aplique ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de três meses.
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3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
1 – O recorrente não impugnou a matéria de facto com vista à modificação da sentença; face à matéria de facto dada como provada entende-se que se encontram preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes, p. e p. pelos art.º 292 n.º 2 e 69 n.º 1 al.ª a), ambos do CP.
2 – O tribunal, analisando a globalidade da prova produzida de acordo com as máximas do conhecimento científico, as regras da experiência e juízos lógico-dedutivos, formulou um juízo de aceitabilidade dos factos à luz dos resultados probatórios, tendo chegado às conclusões constantes da decisão sobre a matéria de facto, razão pela qual o excerto das declarações do arguido transcritos não podem ser analisados de forma avulsa, isolada, descontextualizada e desgarrada de toda a prova produzida.
3 – Na motivação a Mm.ª Juiz a quo considerou que o auto de exame pericial era suficientemente claro em como o arguido, após a ingestão da substância psicotrópica, tinha alterações de visão, perceção e diminuição dos reflexos e coordenação motora, e que não se encontrava em condições de conduzir e poderia provocar acidentes.
4 – O tribunal considerou que não se mostrava plausível a existência de erro sobre a ilicitude, não se divisando nem a existência de erro sobre a ilicitude nem a existência de qualquer causa de ausência de consciência do ilícito não censurável, razão pela qual nenhuma censura merece a douta sentença proferida.
5 - Foi efetuado exame de rastreio através da recolha de amostra biológica de saliva, com resultado positivo, novo exame de rastreio, mediante recolha de urina e um exame toxicológico de confirmação mediante recolha sanguínea.
6 – Na sequência de tal exame toxicológico foi ordenada a realização de exame pericial, que concluiu que o condutor com tal quantidade de produto estupefaciente no sangue não se encontra em condições de conduzir em segurança, por apresentar alterações de visão, perceção e diminuição dos reflexos e da coordenação motora.
7 – Nos termos do disposto no art.º 163 do CPP, o valor da prova pericial é acrescido em relação aos outros meios de prova.
8 – No que concerne à dosimetria da medida da pena acessória a Mm.ª Juiz a quo considerou a frequência com que este tipo de ilícito penal é praticado e o risco acrescido de tal conduta para a segurança do tráfego rodoviário, tal como o demonstram as estatísticas relativas à sinistralidade rodoviária.
9 – A pena acessória aplicada é adequada e proporcional ao caso concreto, revelando.se absolutamente necessária para a proteção da comunidade e para a estabilização contra fáctica das normas, razão pela qual não deve merecer provimento o recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
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4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).
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6. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1 - No dia 16 de outubro de 2013, pelas 2h00, na Estrada Nacional n.º 256, km 40, rotunda de Mourão, o arguido LCTB conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…..) com canabinóides presentes no sangue.
2 – Nestas exatas circunstâncias, os níveis 11 – nor – 9 – carboxi – D9 – tetrahidrocanbinol era de 10 ng/ml de sangue e de D9 – tetrahidrocanabinol era de 1,1 ng/ml de sangue.
3 – As quantidades das substâncias supra descritas no sangue provocam no arguido alterações da visão, perceção e diminuição dos reflexos e da coordenação motora, com risco acrescido de produção de acidente rodoviário, não se encontrando o arguido em condições de, em segurança, conduzir um veículo motorizado na via pública.
4 – O arguido previu e quis conduzir o veículo na via pública, apesar de saber que tinha consumido substâncias estupefacientes, designadamente, canabinóides, e que conduzia sob a influência das mesmas, tendo apresentado os valores supra referenciados por mililitro de sangue.
5 – O arguido tinha perfeito conhecimento dos princípios ativos, das caraterísticas químicas e psicotrópicas, natureza e efeitos das substâncias que consumiu, e que o respetivo consumo punha em causa a segurança no exercício da condução e, não obstante, decidiu agir conforme descrito.
6 – O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7 – Desconhecem-se anteriores condenações penais do arguido, constando do seu certificado de registo criminal que as não tem.
8 – O arguido vive com os pais e o seu irmão mais novo em casa própria daqueles, ganha cerca de 500,00 euros mensais, encontra-se a estudar informática em curso profissional, em Portel, e possui o 12.º ano de escolaridade.
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7. O tribunal formou a sua convicção – escreve-se na fundamentação – “com base na prova produzida em julgamento, apreciada de acordo com as regras da razoabilidade, experiência e bom senso.
Valorou-se essencialmente e prova documental junta aos autos, nomeadamente, a requisição, guia de entrega e exame de fol.ªs 33 a 35, a prova pericial, nomeadamente, o auto de exame pericial de fol.ªs 30 a 32 e 69 a 72, em conjunto com o depoimento da testemunha Jorge Miguel Mira e as próprias declarações do arguido, o qual confessou no essencial os factos que lhe vinham imputados, apenas negando que soubesse que a condução sob o efeito de estupefacientes fosse punida ou que se encontrasse afetado para a condução.
Relativamente às condições em que o arguido sencontrava, não obstante o mesmo ter declarado que se encontrava bem e que não fora afetado pela ingestão das substâncias aqui em causa, foi valorado o exame pericial, que responde com clareza que o mesmo, após a ingestão da substância psicotrópica, tinha alterações de visão, perceção e diminuição dos reflexos e coordenação motora, e que não se encontrava em condições de conduzir e poderia provocar acidente.
Quanto à afirmação do arguido de que não sabia que a condução naquelas condições fosse punível por lei, tal não apresenta qualquer credibilidade, uma vez que o próprio arguido reconhece que sabia que não podia conduzir com álcool. Ora, por maioria de razão, e sendo de conhecimento geral (que) os efeitos das substâncias psicotrópicas são tão prejudiciais ou mais que os do álcool… os elementos do dolo por parte do arguido foram dados como provados.
As testemunhas arroladas pelo arguido apenas permitiram ao tribunal alcançar a perceção de como o arguido é visto pelos que o rodeiam, nada tendo acrescentado quanto aos factos objetivos da acusação…”.
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8. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412 do Código de Processo Penal).
Tais conclusões devem ser claras e precisas, pois que se destinam a habilitar o tribunal superior a conhecer – sem margem para dúvidas - as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito, e são as questões nelas sintetizadas que delimitam o objeto do recurso (ver art.º 412 n.ºs 1 e 2 e 410 n.ºs 1 a 3, ambos do Código de Processo Penal, e, entre outros, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98).
Atentas estas considerações, e tendo em atenção as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo arguido, são as seguintes as questões colocadas pelo mesmo à apreciação deste tribunal:
1.ª – A insuficiência da prova (por não existir exame médico que confirme o estado de influenciado por substâncias psicotrópicas);
2.ª – Se o arguido agiu num estado de erro sobre a ilicitude;
3.ª – Se a pena acessória aplicada deve ser reduzida para o período mínimo legalmente aplicável.
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8.1. – 1.ª questão
Consta da matéria de facto dada como provada (além do mais que aqui não importa considerar) que “as quantidades das substâncias supra descritas no sangue provocam no arguido alterações da visão, perceção e diminuição dos reflexos e da coordenação motora, com risco acrescido de produção de acidente rodoviário, não se encontrando o arguido em condições de, em segurança, conduzir um veículo motorizado na via pública” (ponto 3 da matéria de facto dada como provada).
E fundamentou o tribunal a sua convicção, relativamente a tal facto, no exame pericial, o qual “responde com clareza que o mesmo, após a ingestão da substância psicotrópica, tinha alterações de visão, perceção e diminuição dos reflexos e coordenação motora, e que não se encontrava em condições de conduzir e poderia provocar acidente” (sic).
Por outro lado, consta dos autos:
- que o arguido foi fiscalizado, quando conduzia um veículo automóvel na EN n.º 256, km 40, e submetido, no local, a “exame de rastreio de influenciado sob substâncias psicotrópicas através de amostra biológica de saliva, por meio do equipamento de marca Branan, Mod. Oratec III, aprovado para o efeito através do Despacho n.º 20692/2007, da ANSR de 15.08, tendo o resultado deste teste sido positivo”;
- que o arguido foi conduzido ao Hospital do Espírito Santo, em Évora, onde foi efetuado novo rastreio no laboratório daquele hospital, “através de amostra biológica de urina, através do Imunoensaio Drug Test Sareen Bio Red, no qual o resultado foi positivo para Canabinóides”;
- que, nessa sequência, foi feita recolha de sangue e remetida amostra para o Instituto de Medicina Legal de Lisboa, que veio a confirmar “qualitativa e quantitativamente, a presença de canabinóides no sangue por LC/MS-MS (UPLC-TQD)”.
- que, perante tais resultados, o INML – Gabinete Médico-Legal e Forense do Alentejo Central veio emitir parecer nos seguintes termos:
1) As quantidades de estupefaciente detetadas no sangue (do arguido) provocam “alterações da visão, perceção e diminuição dos reflexos e da coordenação motora”;
2) Um condutor que apresente tais resultados “não” está em condições de conduzir um veículo motorizado na via pública em condições de segurança;
3) Tais substâncias, nas quantidades detectadas no sangue, apresentam o risco de “provocar um acidente de viação, com os inerentes riscos para o próprio e terceiros”.
O arguido não impugnou a matéria de facto, designadamente, os pontos 2 e 3, ou seja, que a quantidade das substâncias estupefaciente detetadas no sangue – pelo exame de confirmação - “provocam no arguido alterações da visão, perceção e diminuição dos reflexos e coordenação motora, com risco acrescido de produção de acidente rodoviário, não se encontrando o arguido em condições de, com segurança, conduzir um veículo automóvel na via pública”, pelo que tal matéria, dada como provada com base no relatório pericial junto aos autos, se tem como assente.
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Não obstante, não deixará de se acrescentar.
Alega o arguido que neste tipo de crime “não basta a verificação da presença de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou de efeito análogo no corpo do condutor, sendo necessário que essas substâncias ou produtos sejam perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica do condutor, de modo a este não estar em condições de poder conduzir com segurança” (acórdão da RE de 5.06.2013, Proc. 886/08.0GTABF.E1, e da RC de 6.04.2011, Proc. 1017/08.2TAAVR.C2).
Não sendo pacífico este entendimento, deve dizer-se que esta questão não se coloca, no caso concreto, pois que, como consta da decisão recorrida, a perturbação das aptidões do arguido para a condução em segurança está demonstrada pelo relatório pericial supra referido.
O arguido, que não questiona o exame e as conclusões do relatório pericial – subtraído à livre apreciação do tribunal - parece pretender que aquele relatório não é suficiente para o tribunal dar como provado tal facto, por – no seu entender - a lei impor um relatório mais completo, nos termos da Lei 18/2007, de 17.05, e Portaria 902-B/2007, de 13.08, concretamente, o art.º 25 da Portaria 902-B/2007, de 13.08, onde se estabelece que no “exame médico destinado a avaliar o estado de influenciado por substâncias psicotrópicas referido no n.º 1 do artigo 13 do Regulamento para a Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas deve ser observado o seguinte:
A – Observação geral:
…”.
Sem razão.
Esta exigência, quanto ao teor do relatório médico a que se refere o art.º 25 da Portaria 902-B/2007, de 13.08, só se verifica quando seja realizado o exame médico previsto no art.º 13 da Lei 18/2007, de 17.05, por remissão expressa desse preceito, ou seja, quando, “após repetidas tentativas de colheita, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente para a realização do teste, deve este ser submetido a exame médico para avaliação do estado de influenciação por substâncias psicotrópicas” (art.º 13 n.º 1 da citada portaria); nesse caso, quando não for possível realizar o teste “de confirmação” previsto no artigo anterior (art.º 12 da mencionada portaria), por não se lograr retirar uma amostra de sangue em quantidade suficiente para o efeito, então, sim, impõe-se a realização de exame médico, “destinado a avaliar o estado de influenciado por substâncias psicotrópicas…”, e a elaboração do relatório nos termos previstos no citado art.º 25 da referida portaria, devendo o médico preencher o relatório do exame do modelo do anexo VII (art.º 26 da referida portaria); o exame médico a realizar, nos termos do art.º 13 da Lei 18/2007, e subsequente relatório, nos termos do anexo VII à Portaria 902-B/2007, apresenta-se como alternativa ao exame sanguíneo – o exame de confirmação, após exame de rastreio com resultado positivo, previsto no art.º 12 da mencionada lei - quando não for possível a realização deste, admitindo-se, assim, uma equiparação ao exame sanguíneo de confirmação (neste sentido pode ver-se o acórdão deste tribunal de 11.07.2013, in www.dgsi.pt).
No caso em apreço não foi – nem tinha que ser – realizado o exame médico a que alude o citado art.º 13, pois que realizado o exame de rastreio (aliás, dois exames), foi realizado o exame a que alude o art.º 12 da citada lei (“exame de confirmação”), cujo resultado foi positivo, o que é bastante para concluir que o arguido conduzia “influenciado” pelos produtos/substâncias estupefacientes que havia consumido, na quantidade e natureza constante do relatório médico-legal (art.º 15 n.º 2 da citada lei), sendo certo que – no que respeita aos seus efeitos – o senhor perito esclareceu que tais substâncias (nas quantidades detectadas) provocam “alterações da visão, perceção e diminuição dos reflexos e da coordenação motora”, apresentam risco “provocar um acidente de viação, com os inerentes riscos para o próprio e terceiros” e, consequentemente, um condutor que apresente tais resultados “não” está em condições de conduzir um veículo motorizado na via pública em condições de segurança.
Improcede, por isso, a 1.ª questão supra enunciada.
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8.2. – 2.ª questão
Relativamente à alegada (pelo arguido) falta de consciência da ilicitude, o tribunal não deu credibilidade às suas declarações, pois que – escreve-se – “o próprio arguido reconhece que sabia que não podia conduzir com álcool… por maioria de razão, e sendo do conhecimento geral os efeitos das substâncias psicotrópicas são tão prejudiciais ou mais que os do álcool…”.
E assim é.
O arguido está habilitado a conduzir veículos automóveis, habilitação que supõe a aprovação em exame teórico-prático para o efeito e, consequentemente, o conhecimento das regras estradais, entre as quais se inclui a proibição de conduzir veículos automóveis sob o efeito de substâncias estupefacientes, pelo que não faz qualquer sentido – de acordo com as regras da experiência comum e da lógica – que o arguido, enquanto condutor habilitado a conduzir, não saiba que é proibida a condução sob o efeito de substâncias estupefacientes.
Sempre se dirá que, tendo tal facto sido dado como provado, o arguido não concretiza quaisquer provas ou razões que imponham decisão diversa, ou seja, que demonstrem que a convicção do tribunal – relativamente à prova de tal facto – não respeitou o princípio da livre apreciação da prova a que se encontra vinculado, ex vi art.º 127 do CPP (afinal, ele limita-se a tentar fazer valer as suas declarações, declarações que, pelo que acima se deixou dito, não fazem qualquer sentido, de acordo com as regras da experiência comum e os critérios da normalidade).
Improcede, por isso, a 2.ª questão supra enunciada.
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8.3. – 3.ª questão
O arguido foi condenado, para além da pena principal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de quatro meses (art.º 69 n.º 1 al.ª a) do CPP), sendo que a pena aplicável é de três meses a três anos.
Na determinação da pena ponderou o tribunal (sendo que a determinação da pena acessória obedece aos mesmos critérios da pena principal):
Por um lado, as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, “visto que crimes desta natureza vêm ocorrendo com extrema frequência na nossa sociedade, estando normalmente relacionados com graves acidentes de viação que ocorrem diariamente nas nossas estradas, constituindo, por isso, um autêntico «flagelo» nacional”;
Por outro, as circunstâncias que depõem contra o agente - o grau da ilicitude do facto (considerado não “muito elevado”, atento o nível de substância encontrada no sangue), e o dolo com que o arguido atuou (dolo direto) – e a seu favor: a ausência de antecedentes criminais e de infrações estradais e a integração social, familiar e profissional do arguido.
Ora, perante tais circunstâncias – que o tribunal ponderou na determinação da medida da pena concretamente aplicada, em medida bem próxima, aliás, do seu limite mínimo - não se vê que a sentença recorrida mereça, também nesta parte, qualquer censura.
De facto, perante as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir (e acima destacadas) e o grau elevado da culpa do arguido (veja-se que agiu com dolo direto, a modalidade mais intensa do dolo), uma pena inferior não só não daria satisfação às exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir – poderia até ser encarada pela comunidade como uma forma mitigada de desculpabilização, abalando as expectativas da comunidade na validade da norma violada e na eficácia do sistema jurídico-penal, efeito contrário ao que se visa com a punição – como não daria satisfação às exigências de prevenção especial que também se fazem sentir, pois que o arguido, não obstante a ausência de antecedentes criminais e de infracções estradais (o que por si pouco releva, atenta a idade do arguido), não revelou uma consciência crítica perante os factos, cuja gravidade não reconhece, circunstância que releva ao nível da necessidade da pena, que não pode deixar de se situar num período que, respeitando a medida da culpa (elevada), se revele adequado a prevenir a prática, no futuro, de idênticas infrações, em suma, a dissuadi-lo de conduzir sob o efeito de substâncias estupefacientes.
Carece de fundamento, por isso, a pretendida redução da pena acessória aplicada.
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9. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.ºs 523 e 514 do CPP e 8 n.º 5 e tabela III anexa do RCP).
Sem tributação.

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 14-07-2015

Alberto João Borges

Maria Fernanda Pereira Palma