Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2487/15.8T8STR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
VIOLAÇÃO DE DISPOSIÇÃO DE INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Data do Acordão: 04/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Enquanto o artigo 558.º do CT se reporta a uma situação de violação de lei, o artigo 521.º do mesmo compêndio legal refere-se especificamente à violação de disposição de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho;
II – E no artigo 521.º está em causa apenas uma contra-ordenação, em que, todavia, o valor da coima aplicável é determinado em função do número de trabalhadores abrangidos, enquanto no artigo 558.º está em causa uma pluralidade de contra-ordenações;
III – Por isso, estando em causa a violação de um instrumento de regulamentação colectiva, a situação enquadra-se no referido artigo 521.º, e tratando-se de um contra-ordenação leve, a coima aplicável é determinada em função do número de trabalhadores
IV – Daí que não seja de aplicar o disposto no artigo 558.º do CT, ou no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) quanto a concurso de contra-ordenações;
V – A interpretação do artigo 521.º do Código do Trabalho que determina o limite da coima aplicável em função do número de trabalhadores não viola os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2487/15.8T8STR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
B…, S.A. (…) e C…, como responsável solidário, impugnaram judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (Centro Local da Lezíria e Médio Tejo) que lhe aplicou a coima de € 7.600,00 por infracção ao disposto na cláusula 11.ª e 7.ª do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição e a FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e Outros (publicado no BTE n.º 22/2008, com alteração no BTE n.º 18/2010 e portaria de extensão publicada no BTE n.º 30/2010), sendo punida nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 521.º da Lei n.º 7/2009, de 12-023.
A infracção consistiu, em síntese, na violação por parte da arguida do instrumento de regulamentação colectiva em causa em relação as seus 37 trabalhadores e no que diz respeito à elaboração e afixação do mapa de horário de trabalho, não afixação das férias dos seus trabalhadores até ao dia 15 de Abril de 2012 e não classificação e retribuição dos trabalhadores de acordo com a correspondente tabela salarial.

Por sentença de 22 de Outubro de 2015, da Comarca de Santarém (Santarém – Instância Central – 1.ª Secção do Trabalho – J1) foi negado provimento ao recurso e, em consequência, mantida a decisão administrativa nos seus precisos termos.

De novo inconformados, os recorrentes interpuseram recurso para este Tribunal da Relação, tendo na respectiva motivação formulado as seguintes conclusões:
«a) Face á matéria de facto provada, é de afastar a aplicação do disposto no artigo 558º do CT, dado que não se encontram preenchidos os seus requisitos, nomeadamente o ínsito no seu numero 2 “situação concreta de perigo”
b) Em consequência de um concurso de contra-ordenações a coima única a aplicar nunca poderia exceder 10 UC por força do nº 2 e 3 do art.º 19.º do RGCO (mesmo atento o disposto no n.º3 do artigo 558 do CT, que de resto não será aplicável) e dos artigos 549º e 554º nº 2 alínea a), estes do CT, pois de acordo com o art.º 19.º do RGCO no seu nº 2. a coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.
c) O nº 3 do artgo 558º do CT é uma disposição equivalente à do nº 2 do artigo 19º do Regime Geral das Contra-ordenações, ao determinar que o limite máximo da coima única corresponde ao dobro da coima máxima aplicável em concreto, pois ambas delimitam o limite máximo da moldura da coima única
d) O legislador, ao reportar-se à coima máxima aplicável e não à coima máxima aplicada, apontou para limites abstractos e não para uma coima concreta, pelo que a coima máxima aplicável corresponderá de modo necessário ao dobro do limite máximo da moldura da coima parcelar mais elevada que integra o concurso de contra-ordenações, ou seja, de 10UC, sendo o limite intransponível da coima única.
e) Mesmo entendendo-se que por força do art.º 521.º do Código do Trabalho, o número de infracções corresponde ao número de trabalhadores concretamente afectados, nos termos e com os limites previstos em legislação especial, então, seria igualmente aplicável o limite ínsito no artigo 19º do RGCOC.
f) A aplicação do estatuído no nº 2 e 3 do artigo 521º do CT, tout cour, implicará que á Arguida pudesse ser aplicável coima no valor mínimo de (2 UC a 5 UC em caso de negligencia e 6 UC a 12 UC em caso de dolo X 37) 74 UC e máximo de 185 UC!! Ou seja, fulminando aqueles limites dado que só encontra similaridade no caso de Contra Ordenação Muito Grave, praticada com Dolo, por empresa com volume de negócios igual a 5.000.000€ e inferior a 10.000.000€
g) Tal normativo nessa interpretação, é Inconstitucional, porquanto, face aos factos que lhe são imputados, as coimas a aplicar são manifestamente desproporcionais, quer em razão dos fundamentos subjacentes á necessidade de punição de condutas similares, quer ainda em virtude da unicidade do ordenamento jurídico e sistema contra Ordenacional em matéria laboral, que prevê um limite mínimo e máximo em razão da gravidade da infracção (1º) e do Volume de Negócios (2º), mas que sai irremediavelmente prejudicada.
h) Trata-se uma norma ilícito-punitiva em branco, a ser preenchida pela vontade contratual de partes civis, violando o Principio da Tipicidade e da Determinabilidade da conduta ilícita.
i) O Legislador ao efectuar a agravação das coimas ali previstas em função do numero de trabalhadores da empresa, e a ACT ao interpretá-la dessa mesma forma, fazem-no de forma desproporcional ao fim a que se destina, violando desta forma o Principio da Proporcionalidade, plasmado nos artigos 18º nº 2 e 266º nº 2, ambos da Constituição da Republica Portuguesa, INCONSTITUCIONALIDADE que aqui expressamente se alega para os devidos e legais efeitos
j) Qualquer conduta contra Ordenacional é punível apenas quando existe Culpa, sendo esta Dolosa ou Negligente, tendo assim como limite o Grau dessa mesma Culpa, nas suas várias formas, devendo a Culpa ser a medida da Pena e nunca a Pena ser superior àquela
k) Atenta a redacção dos nº 2 e 3 do artigo 521º do Código do Trabalho, verifica-se que os mesmos extravasam tais limites, subvertendo os Princípios Basilares do Direito Penal e Contra Ordenacional, uma vez que o limite da Coima não é a Culpa do infractor, mas sim o numero de trabalhadores, que é variável de empresa para empresa
l) O mesmo facto, consubstanciador de igual contra ordenação, por duas empresas distintas, será punida de forma diferente, não em virtude da Culpa das mesmas no cometimento da contra-ordenação, mas sim pelo seu numero de trabalhadores, em clara violação do artº. 40º nº 2 do Código Penal e do Principio da Culpa, sendo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida (vide AC TRC de 24/03/2004).
m) No caso do artigo 521º do Código do Trabalho, duas empresas, cometendo a mesma contra ordenação (v.g. violando norma de CCT aplicável), apenas pelo facto de possuírem número de trabalhadores diferentes, são punidas de forma diferente, mesmo quando a sua facturação é muito superior, pois uma empresa que Factura 10 vezes mais que outra, mas tendo menos trabalhadores que aquela!
n) É clara e evidente a violação do Principio da Igualdade de Tratamento e não Descriminação, ínsito no artigo 13º da Constituição, Inconstitucionalidade essa que de igual forma se invoca, para os devidos e legais efeitos
o) Ao entender que a Arguida Recorrente cometeu a Contra-Ordenação nº 201301165, e não considerando como limite máximo da coima aplicável nos presentes autos as 10 UC, o Tribunal a Quo violou o disposto no artigo 19º do RCCOC, bem como os artigos 521º nº 2 e 3, artigos 549º, 554º nº 2 al. a), do Código do Trabalho, e ainda o artigo 40º nº 2, do Código Penal, o que desde já se alega, para os devidos e legais efeitos
p) Ao entender que a Arguida Recorrente cometeu a Contra-Ordenação nº 201301165, e mas não considerando a Atenuação Especial da Coima, o Tribunal a Quo violou o disposto no art. 9º, ex vi disposições conjugadas dos art. 17 nº 3 e 18 nº 3 do RGCOC e sobretudo ao disposto no artigo 72º do Código Penal, ex vie artigo32º do RGCOC
q) Ao entender ser proporcional a coima única de 7600€ aplicada pela ACT, o Tribunal a Quo violou o Principio da Proporcionalidade, plasmado nos artigos 18º nº 2 e 266º nº 2, ambos da Constituição da Republica Portuguesa,
r) A Arguida Recorrente considera que desta forma foram violadas as normas estatuídas no artigo 19º do RCCOC, bem como os artigos 521º nº 2 e 3, artigos 549º, 554º nº 2 al. a), do Código do Trabalho, e artigos 18º nº 2 e artigo 266º nº 2, estes da Constituição da Republica Portuguesa, e ainda o artigo 40º nº 2, do Código Penal, o que desde já se alega, para os devidos e legais efeitos
Termos em que deve ser revogada a sentença e substituída por outra que fazendo a melhor interpretação e aplicação da lei aos factos apurados, ABSOLVA os Recorrentes, ou quando assim se não entender, lhe aplique uma simples admoestação, ou reduza para o mínimo legal de 10UC a coima aplicada, ou, em ultima ratio, reduza para metade a coima aplicada, aplicando a Atenuação Especial, pelo que, nestes termos e nos demais de direito e sempre com o douto suprimento do muito omitido, deve conceder-se provimento ao presente recurso, como é da mais elementar JUSTIÇA.».

Por despacho da 1.ª instância de 25-11-2015 o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, atenta a caução prestada.

O Ministério Público na 1.ª instância respondeu ao recurso, tendo terminado a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões:
«1. O julgador na determinação da medida da pena deve, entre outros fatores, considerar o proveito económico que a conduta violadora da lei trouxe à infratora, o número de lesados que tal conduta afetou e a repercussão social da mesma. Ignorar tais fatores importaria a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade ínsitos na Constituição da República Portuguesa.
2. Face à matéria dada como provada pela douta decisão recorrida e pela sua fundamentação jurídica a mesma merece total confirmação porque nenhuma censura há que se possa fazer à mesma.
3. Nestes termos o recurso da recorrente deve ser julgado improcedente e a douta decisão recorrida merece total confirmação.».

Recebidos os autos neste tribunal, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Objecto do recurso
Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que os recorrentes extraem da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal e artigo 50.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Ao longo das conclusões da motivação de recurso, os recorrentes, não questionando o cometimento da contra-ordenação, sustentam, contudo, que a coima que foi aplicada à recorrente arguida (visto que o recorrente é apenas responsável solidário – artigo 551.º, n.º 3 do Código do Trabalho) se mostra desajustada ao caso, pois devia apenas ser-lhe aplicada uma admoestação, ou a coima não devia exceder 10 UC, ou então que devia ser reduzida para metade, não havendo lugar à aplicação do disposto no artigo 558.º do Código do Trabalho, e que a interpretação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 521.º do mesmo diploma legal que permite a coima fixada seja multiplicada pelo número de trabalhadores (da recorrente) é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade e da igualdade.
No entanto, termina pedindo a sua absolvição ou, caso assim se não entenda, a aplicação de uma simples admoestação, ou a redução da coima para 10 UC, ou ainda a redução da coima para metade.
Ora, aceitando a recorrente a prática da contra-ordenação, torna-se contraditório que peça a absolvição da contra-ordenação.
Por isso, entende-se que as questões a apreciar se centram apenas na alteração/redução da sanção a aplicar e, bem assim, na inconstitucionalidade da interpretação do artigo 521.º do Código do Trabalho feita na sentença recorrida.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. No dia 14-05-2012 foi efectuada uma visita inspectiva ao local de trabalho da arguida, sito na (…);
2. No decurso da visita inspectiva, foi possível identificar alguns dos trabalhadores que se encontravam a trabalhar, sob ordens e direcção da arguida, melhor identificados no auto de notícia;
3. No decurso da visita inspectiva, foi solicitada cópia do mapa de horário de trabalho que se encontrava afixado, do mapa de férias de 2012, assim como uma listagem dos trabalhadores ao serviço da arguida, com indicação dos que se encontravam à data da visita no local de trabalho referido;
4. O mapa de horário que a arguida tinha afixado, e que se manteve até à data do levantamento do auto, não tinha os requisitos legalmente exigidos, sendo apenas uma escala de turnos;
5. O mapa de horário que a arguida tinha afixado, não continha a firma ou denominação do empregador, a actividade exercida, a sede e local de trabalho dos trabalhadores a que o horário respeita, o início e termo do período de funcionamento e, se houver, dia de encerramento ou suspensão de funcionamento da empresa ou estabelecimento, o dia de descanso semanal obrigatório e descanso semanal complementar, mencionando apenas "folga", sem qualquer especificação, o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, e a escala de rotação dos turnos;
6. O mapa de horário que a arguida tinha afixado, apesar de conter as horas de início e termo dos períodos normais de trabalho, não continha em relação a alguns trabalhadores os intervalos de descanso previstos na cláusula 11.ª da CCT dada como violada, por exemplo dos trabalhadores (…) e (…), que têm o seguinte horário sem intervalo, 09h00 - 19h00 e 10h00 -21h00, respectivamente;
7. O mapa de férias que a arguida tinha afixado, e que se manteve até à data do levantamento do auto, apenas continha a marcação das férias dos seus trabalhadores em relação ao primeiro semestre de 2012;
8. A arguida foi filiada na ACES até 01-07-0212;
9. A CCT da APED aplica-se à arguida após 01-07-2012;
10. Apesar da CCT da APED se aplicar à arguida após 01-07-2012, esta apenas actualizou as categorias salariais e efectuou os correspondentes pagamentos em Setembro de 2012;
11. A arguida não classificou os seus trabalhadores de acordo com as funções efectivamente desempenhadas, e nas categorias, graus e escalões correspondentes, nem lhes pagou a correspondente retribuição, de acordo com a CCT da APED, pelo menos de 01-07-2012 a Setembro de 2012;
12. A arguida tinha em 2012, ano da verificação dos factos, existência desde 1996 e 37 trabalhadores;
13. A arguida tinha em 2011, ano de referência para a contra-ordenação, um volume de negócios de € 6 330 388,00;
14. A arguida não agiu com a diligência que lhe era devida, pois além de estar obrigada a classificar e remunerar os seus trabalhadores de acordo com as funções efectivamente desempenhadas, e nas categorias, graus e escalões correspondentes, por força da aplicação da nova convenção colectiva, não se aceita que não fosse capaz de cumprir esta mesma obrigação, tendo em conta que, à data da prática dos factos, era uma entidade empregadora com 37 trabalhadores e existência desde 1996, pelo que se pressupõe lá existir uma adequada organização interna, nomeadamente na gestão de recursos humanos.
IV. Fundamentação
Como se deixou afirmado, supra sob o n.º II, não resulta das conclusões da motivação de recurso que os recorrentes questionem o cometimento da contra-ordenação por parte da sociedade recorrente: o que eles questionam é a adequação da coima aplicada, sustentando que deve apenas ser aplicada à recorrente uma admoestação, ou então reduzir-se a coima para o mínimo de 10 UC ou ainda reduzi-la para metade face à atenuação especial.
Analisemos a referida questão.
Recorde-se que a recorrente violou, de forma negligente, o disposto na cláusula 11.ª e 7.ª do CCT do celebrado entre a APED e a FEPCES, o que traduzido em termos factuais significa, muito em síntese, que os horários de trabalho por ela organizados não continham os intervalos de descanso previstos na referida cláusula 11.ª, assim como não classificou e retribuiu os trabalhadores nos termos previstos na cláusula 7.ª.
De acordo com o disposto no artigo 48.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, excepcionalmente, se a infracção consistir em contra-ordenação considerada como leve e a reduzida culpa do arguido a justifique, pode o juiz proferir uma admoestação.
A aplicação desta medida pressupõe, pois, a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente.
Ora, estando em causa a lesão de interesses (não só patrimoniais, como até de natureza pessoal envolvendo o direito ao descanso) dos trabalhadores – parte habitualmente mais fraca na relação laboral – e tendo em conta o número de trabalhadores abrangidos (37), entende-se que no caso em apreço a aplicação de uma mera advertência seria de todo inadequada ao caso: não só a conduta assumida pela recorrente – com existência desde 1996 e com 37 trabalhadores, o que pressupõe uma significativa organização interna – impõe um sancionamento, que não de mera advertência, como até as necessidades de prevenção geral deste tipo de situações.
Daí que se reafirme que se mostra de todo desajustada ao caso a aplicação da admoestação, pelo que é de afastar a mesma.

Sob a epígrafe “Violação de disposição de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”, dispõe o artigo 521.º do Código do Trabalho:
«1 – A violação de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho respeitante a uma generalidade de trabalhadores constitui contra-ordenação grave.
2 – A violação de disposição de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho constitui, por cada trabalhador em relação ao qual se verifique a infracção, contra-ordenação leve.
3 – O disposto no n.º 1 não se aplica se, com base no n.º 2, forem aplicáveis ao empregador coimas em que o somatório dos valores mínimos seja igual ou superior ao quantitativo mínimo da coima aplicável de acordo com o n.º 1».
Assim, de acordo com a regra geral prevista no n.º 1, estando em causa a violação de instrumento de regulamentação colectiva respeitante a vários trabalhadores a contra-ordenação é de considerar como grave; porém, a violação de disposição de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho constitui, por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, contra-ordenação leve, desde que o somatório dos valores mínimos seja igual ou superior ao quantitativo da coima aplicável para a contra-ordenação grave.
Em tal situação o mínimo e máximo da coima aplicável obtém-se multiplicando o valor da mesma prevista no artigo 554.º para a contra-ordenação pelo número de trabalhadores afectados.
Ora, por força do disposto no artigo 554.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho, e tendo em conta que a recorrente teve no ano de 2011 um volume de negócios de € 6.330.388,00, tratando-se de contra-ordenação leve o limite da coima em caso de negligência varia entre 2 e 5 UC e em caso de dolo entre 6 e 9 UC; já em caso de contra-ordenação grave o limite da coima em caso de negligência varia entre 12 UC e 25 UC e entre 26 UC e 50 UC em caso de dolo (n.º 3, alínea d) do mesmo artigo).
Deste modo, e revertendo ao caso em apreço, tal significa que o valor mínimo da coima em caso de contra-ordenação grave e por negligência é de 12 UC; mas tratando-se de contra-ordenação leve e havendo necessidade de multiplicar a mesma pelo número de trabalhadores (37) o valor mínimo é de 74 UC (2 x 37).
Por isso, por força do normativo legal em apreço é de aplicar a coima prevista para a contra-ordenação leve.

Refira-se que na conclusão a) da motivação de recurso, os recorrentes sustentam a não aplicação ao caso do disposto no artigo 558.º do Código do Trabalho, entendimento que subscrevemos.
Todavia, se bem se interpreta, nas alíneas seguintes das conclusões parecem ter por pressuposto a aplicação do referido normativo legal.
Importa esclarecer esta matéria.
O referido artigo 558.º tem por epígrafe “Pluralidade de contra-ordenações”.
E o que dele resulta é que havendo violação da lei que afecte uma pluralidade de trabalhadores individualmente considerados, o número de contra-ordenações corresponde ao número de trabalhadores concretamente afectados (n.º 1 do artigo); e a pluralidade de infracções dá origem a um processo e as infracções são sancionadas com coima única que não pode exceder o dobro da coima máxima aplicável em concreto (n.º 3).
O que se extrai da referida norma é desde logo uma situação de violação de lei, enquanto no artigo 521.º se refere especificamente à violação de disposição de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho; além disso, e sobretudo por isto, no artigo 521.º está em causa apenas uma contra-ordenação, em que, todavia, o valor da coima aplicável é determinado em função do número de trabalhadores abrangidos, enquanto no artigo 558.º está em causa uma pluralidade de contra-ordenações.
Por isso, no caso que nos ocupa, como se disse e reafirma, estando em causa apenas uma contra-ordenação leve, cuja coima aplicável é determinada em função do número de trabalhadores, a situação enquadra-se no referido artigo 521.º, afastando-se a aplicação do disposto no artigo 558.º.
De igual modo, por estar em causa apenas uma contra-ordenação, terá que ser afastado o regime que decorre do disposto no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) quanto a concurso de contra-ordenações.
De resto, ainda que se entendesse que havia uma contra-ordenação leve por cada trabalhador, e, assim, um total de 37 contra-ordenações, face ao n.º 3 do artigo 521.º, conjugado com o n.º 3 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10, sempre o valor mínimo da coima única a aplicar teria que se fixar em 74 UCs.

E, pergunta-se: justifica-se a atenuação especial da coima?
Recorde-se que a autoridade administrativa, no que foi confirmado pela decisão recorrida, sancionou a arguida com uma coima de € 7.600,00 próximo do limite mínimo legal, que é de € 7.548,00 (€ 204,00 x 37).
De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10, quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos a metade.
A atenuação especial pode justificar-se se existirem circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao facto que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de sanção (cfr. artigo 72.º do Código Penal).
Como resulta da matéria de facto, o mapa de horário de trabalho apesar de conter as horas de início e termo dos períodos normais de trabalho não continha os intervalos de descanso previstos na cláusula 11.ª do CCT.
E quanto às categorias profissionais dos trabalhadores verifica-se que a arguida foi filiada na ACES até 01-07-2012, sendo-lhe aplicável até essa data o CCT do Comércio Retalhista de Santarém. E após tal data, por força da portaria de extensão publicada no BTE n.º 30/2010 passou a ser-lhe aplicável o CCT da APED.
No entanto, a arguida apenas actualizou as categorias salariais e efectuou os correspondentes pagamentos a partir de Setembro de 2012; isto é, a arguida não procedeu de imediato à actualização das categorias profissionais e retribuição dos seus trabalhadores tendo em conta o CCT que passou a ser-lhe aplicável, apenas o tendo feito cerca de dois meses depois.
Contudo, veio a cumprir voluntariamente o dever omitido.
Como se dá conta no auto de notícia, desenvolveram-se reuniões entre a ACT e a arguida tendentes, entre o mais, a tratar da questão atinente à convenção colectiva aplicável, uma vez que a arguida fazia uma aplicação simultânea da convenção colectiva do Comércio retalhista de Santarém e da Convenção da APED.
Ora, a circunstância de a arguida poder ter dúvidas sobre o IRCT não significa que a mesma não pudesse esclarecer e afastar as mesmas, designadamente junto das entidades oficiais competentes.
Como resulta do disposto no artigo 550.º do Código do Trabalho, a negligência nas contra-ordenações laborais é sempre punível.
A negligência consiste na violação de um dever objectivo de cuidado: no dizer da lei [artigo 15.º, a), do Código Penal] age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representar como possível a realização de um resultado típico, mas confia, podendo e devendo não confiar, em que o mesmo se não realiza.
Pois bem: a recorrente, por um lado, como empregadora sabia, ou tinha obrigação de saber, quais os seus deveres para com os trabalhadores; por outro, se tinha dúvidas sobre a interpretação a fazer, devia esclarecer-se, dissipar as mesmas e cumprir o determinado na lei e/ou em IRCT, e não adoptar o procedimento que mais lhe convinha.
Além disso, não pode olvidar-se que a premente necessidade de eficácia preventiva das coimas, desiderato que para ser atingido justifica que as mesmas assumam relevância na vida económica da empresa.
Por tudo isto, não se mostram verificados os pressupostos para a atenuação especial da coima.

A questão que ora se coloca consiste em saber se, como sustentam os recorrentes, a interpretação do artigo 521.º do Código do Trabalho que determina o limite da coima aplicável em função do número de trabalhadores é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade.
Assim não o entendemos.
Pela sua pertinência para o caso, importa desde logo citar o que se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 336/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), quanto às diferenças entre o ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social, maxime quanto ao princípio da culpa e da proporcionalidade:
«No plano infraconstitucional, à semelhança do que sucede em direito penal, o direito de mera ordenação social português também repudia a responsabilidade objectiva, pois, segundo o disposto no n.º 1, do artigo 1.º, do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), na redacção do Decreto-lei n.º 244/95, “constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima”.
Todavia, não obstante este ponto de contacto, existem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contra-ordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (vide FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 144-152, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).
A diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade.
É que “no caso dos crimes estamos perante condutas cujos elementos constitutivos, no seu conjunto, suportam imediatamente uma valoração – social, moral, cultural – na qual se contém já a valoração da ilicitude. No caso das contra-ordenações, pelo contrário, não se verifica uma correspondência imediata da conduta a uma valoração mais ampla daquele tipo; pelo que, se, não obstante ser assim, se verifica que o direito valora algumas destas condutas como ilícitas, tal só pode acontecer porque o substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal.” (FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit., pág. 146).
Não se trata aqui “de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finali­dades admonitórias da coima” (FIGUEIREDO DIAS em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in “Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, I, pág. 331, da ed. de 1983, do Centro de Estudos Judiciários).
E por isso, se o direito das contra-ordenações não deixa de ser um direito sancionatório de carácter punitivo, a verdade é que a sua sanção típica “se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal (…) A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à personalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contra-ordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas; e o que esta circunstância representa em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância. Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização.” (FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 150-151, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).
Daí que, em sede de direito de mera ordenação social, nunca há sanções privativas da liberdade. E mesmo o efeito da falta de pagamento da coima só pode ser a execução da soma devida, nos termos do artigo 89.º, do Decreto-lei n.º 433/82, e nunca a da sua conversão em prisão subsidiária, como normalmente sucede com a pena criminal de multa.
Por outro lado, para garantir a eficácia preventiva das coimas e a ordenação da vida económica em sectores em que as vantagens económicas proporcionadas aos agentes são elevadíssimas, o artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 433/82 (na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 244/95), permite que o limite máximo da coima seja elevado até ao montante do benefício económico retirado da infracção pelo agente, ainda que essa elevação não possa exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido, erigindo, assim, a compensação do benefício económico como fim específico das coimas.
Estas diferenças não são nada despiciendas e deverão obstar a qualquer tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social.»

Em relação ao princípio da igualdade, importa notar que, como o Tribunal Constitucional vem repetidamente afirmando, designadamente no acórdão n.º 113/01 (DR, II Série, n.º 96, de 24 de Abril de 2011), «[o] princípio da igualdade, como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito infraconstitucional impõe que situações materialmente semelhantes sejam objecto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por sua vez, tratamento diferenciado. Tal não significa, porém, que não exista uma certa margem de liberdade na conformação legislativa das várias soluções concretamente consagradas, e até que não se reconheça a possibilidade de o legislador consagrar, em face de uma dada categoria de situações, uma solução que se afaste da solução prevista para outras constelações de casos semelhantes. Isso só poderá acontecer, contudo, quando for identificável um outro valor, também ele com ressonância constitucional, que imponha, ou pelo menos justifique e torne razoável, a diferenciação».
Pois bem: se o montante mínimo e máximo da coima por violação de instrumento de regulamentação colectiva é fixado em função do número de trabalhadores abrangidos por essa violação, dir-se-á que não se vislumbra que se mostre violado tal princípio: é que se, por exemplo, estão em causa duas empresas com igual número de trabalhadores, o montante mínimo e máximo da coima é igual para ambas as empresas; já se, por exemplo, estiver em causa uma empresa em que a violação do instrumento de regulamentação colectiva abrangeu 10 trabalhadores e outra em que a essa violação abrangeu 20 trabalhadores, os montantes mínimos e máximos da coima em ambas as situações já será diferente.
Assim, para situações iguais – o mesmo é dizer, para dois arguidos em que a violação do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho abrangeu o mesmo número de trabalhadores – também iguais montantes mínimos e máximos das coimas; para situações diferentes –, o mesmo é dizer, para dois arguidos em que a violação do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho abrangeu diferente número de trabalhadores – também diferentes montantes mínimos e máximos das coimas.
Ou seja, situações iguais têm igual tratamento e situações diferentes têm diferente tratamento.
Daí que não se verifique a violação do analisado princípio da igualdade.

Em relação ao princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, ca CRP), como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 392-393), desdobra-se em 3 subprincípios: (a) princípio da adequação, no sentido de que as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, (b) princípio da exigibilidade, no sentido de que as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias, porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias, e (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, no sentido de que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”.
Relacionado com este princípio, importa deixar sublinhado que o Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de conformação no que concerne aos valores mínimos e máximos das coimas, cabendo ao tribunal apenas um juízo de censura quando estes valores se revelem manifesta e claramente desproporcionais à gravidade dos comportamentos.
Escreveu-se para tanto no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 360/2011 (Proc. n.º 140/11, disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«[O] legislador ordinário, na área do direito de mera ordenação social, goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, devendo o Tribunal Constitucional apenas emitir um juízo de censura, relativamente às soluções legislativas que cominem sanções que sejam manifesta e claramente desadequadas à gravidade dos comportamentos sancionados. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, neste campo, há-de gozar de uma confortável liberdade de conformação, ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade.».
O mesmo entendimento vem também afirmado, entre outros, nos Acórdãos do mesmo Tribunal n.ºs 67/2011, 132/2011 e 110/2012.
Assim, e regressando ao caso que nos ocupa, tendo em conta que está em causa a violação de instrumento de regulamentação colectiva em relação a diversos trabalhadores, não pode afirmar-se que a fixação do montante mínimo e máximo da coima em função desse número de trabalhadores, tendo presente até o benefício económico que a arguida obteria com tal violação (não pagamento das retribuições devidas aos mesmos trabalhadores) seja manifesta e claramente desproporcional à gravidade do comportamento da arguida e, assim, que viole os referidos princípios constitucionais.
Aqui chegados, só nos resta concluir pela improcedência das conclusões da motivação do recurso e, por consequência, pela improcedência deste.

Vencidos no recurso, deverão os recorrentes suportar o pagamento das custas respectivas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (artigo 59.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e artigo 8.º, n.ºs 7 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e respectiva tabela III anexa).

V. Decisão
Face ao exposto, os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar improcedente o recurso interposto por B…, S.A., bem como por C…, este como responsável solidário, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
(Documento elaborado pelo relator e integralmente revisto por quem o subscreve).
Évora, 14 de Abril de 2016
João Luís Nunes (relator)
José António Santos Feteira (adjunto)