Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
145/14.0T8VRS.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA
ANULAÇÃO DE TESTAMENTO
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se o testador sofreu um AVC em 1997 que o deixou prostrado e sem reação a estímulos exteriores, tendo recuperado para um nível de consciência que lhe permitia apenas responder a perguntas simples de sim e não, o que se manteve até ao seu falecimento, sem interrupção, é de presumir que, no momento da celebração do testamento, se encontrava incapacitado para entender o sentido das suas declarações.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc.º 145/14.0T8VRS.E1

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente:
(…)

Recorridos:
(…) e (…)
*
No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António – Juiz 2, o ora recorrente propôs ação declarativa com processo comum contra os recorridos, pedindo que seja decretada a anulação do testamento celebrado pelo de cujus a favor dos recorridos, com todas as subsequentes consequências legais.
Alega, para fundar a sua pretensão que, na data em que foi celebrado o referido testamento o testador não possuía total capacidade para entender o que declarava em tal ato.
Os recorridos contestaram defendendo a improcedência da ação e a absolvição do pedido.
Após julgamento, foi proferida a seguinte decisão:

Pelo exposto, julga-se a acção improcedente por não provada e, consequentemente, absolvem-se os réus do pedido.
Fixa-se à presente acção o valor de € 30.000,01 (trinta mil e um euros), nos termos do artigo 306º, n.º 2, do C.P.C.
Custas a cargo do autor.

*

Não se conformando com o decidido, o recorrente impugnou esta decisão formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso:

1. O Autor ora recorrente, intentou a presente acção declarativa peticionando a anulação do testamento celebrado pelo “de cujus” a favor dos Rés, com todas as subsequentes consequências legais.

2. Os Réus apresentaram contestação por impugnação e concluíram pela improcedência da acção.

3. Por sentença datada de 27-08-2018 foi a presente acção julgada improcedente por não provada e consequentemente os Réus foram absolvidos do pedido.

4. A ora recorrente não se conforma com a sentença recorrida porquanto resultam incorretamente julgados os factos dados como provados n.º 24, 25, 26, 27, 33, 35, 36, 37, 38, 39.

5. E os factos dados como não provados que infra se transcrevem:

“- na ocasião aludida em 7 e 8, foi diagnosticado ao de cujus perda da consciência, acompanhada da abolição das funções matrizes e/ou motoras;

- em virtude de fortes hemorragias cerebrais que sofreu, o “de cujus” ficou com a visão e a fala afectadas (artigo 14º da petição inicial e 15º da contestação);

- na ocasião aludida em 15, o motivo de internamento do de cujus no Hospital de Faro, foi alteração do estado de consciência (artigos 20º da petição inicial e 16º e 17º da contestação);

- à data da celebração do testamento aludido em 3, o de cujus estava acamado, totalmente dependente, devido ao seu grave estado de saúde derivado do AVC de que foi vítima em 1997, estado de saúde, esse, que se agravou, chegando mesmo o “de cujus” a perder o total discernimento da realidade (artigos 28º e 30º da petição inicial e 26º e 27º da contestação);

- à data em que o testamento aludido em 3 foi celebrado o de cujus não se encontrava no pleno uso das suas faculdades mentais, uma vez que e conforme resulta dos relatórios médicos juntos aos autos, o “de cujus” já não possuía o seu total discernimento (artigos 31º e 32º da petição inicial e 28º da contestação);

- à data em que o testamento aludido em 3 foi celebrado o de cujus tinha graves dificuldades ao nível da fala e da visão (artigos 33º da petição inicial e 33º, 36º e 46º da contestação);

- à data em que o testamento aludido em 3 foi celebrado o de cujus não possuía total capacidade para entender o que declarava em tal acto porque o AVC de que foi vítima afectou as suas capacidades de forma grave, bem como a sua vontade (artigos 34º, 35º e 36º da petição inicial e 46º da contestação);

- o “de cujus” sempre esteve consciente, mas era incapaz de fornecer qualquer dado com precisão, parando até por diversas vezes a meio do discurso (artigos 38º da petição inicial e 46º da contestação);

- no momento em que assina o seu testamento, o “de cujus” não tinha conhecimento do que fazia nem do que dizia e muito menos do que declarava ou assinava, por já não ser capaz de realizar um raciocínio lógico nem distinguir as situações, tendo até inúmeras dificuldades em reconhecer as pessoas (artigos 39º, 40º, 41º, 42º, 43º e 44º da petição inicial e 46º da contestação);

- o testamento aludido em 3, foi celebrado num momento em que o de cujus não se encontrava com capacidade de entender o sentindo das suas declarações, bem como não tinha o livre exercício da sua vontade (artigos 51º e 52º da petição inicial e 52º da contestação)”.

6. Tais factos encontram-se assim incorrectamente julgados e mal apreciados, dado que da motivação da decisão de facto não se retira em que prova se baseou o tribunal "a quo" para formar a sua convicção e para considerar os factos dados como provados e como não provados.

7. Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não podemos concluir como concluiu o tribunal “a quo”, desde logo porque não resulta sem qualquer dúvida ter o testamento de 27 de Fevereiro de 2008 sido celebrado por pessoa que se encontrava capaz, em pleno uso das suas faculdades mentais.

8. E a prova produzida impunha decisão diversa da recorrida desde logo das declarações de parte prestadas por (…), Ficheiro 20170420102054_3580640_2870884 e 20170420103918_3580640_2870884, aos minutos (5:45 – 6:30, (11:10 – 13:20), (4:50 – 5:35), (7:10 – 8:30, (8:40 – 9:55).

9. Mostrando-se assim incorrectamente dados como provados os factos n.º 24, 25, 26, 27, 33, dado que do depoimento supra transcrito resulta que o Autor visitava todos os fins-de-semana o seu falecido pai, não existindo nos autos nenhuma prova em contrário, assim como resulta deste depoimento que o falecido foi vítima de um AVC que lhe afectou as suas capacidades, não se encontrando à data da celebração do testamento no pleno das suas faculdades.

10. Exemplo disso mesmo é o depoimento prestado pela testemunha … (médico), que refere que o falecido respondia a perguntas simples, embora com muitas dificuldades, Ficheiro 20170706145639_3580640_2870884, aos minutos (2:20 – 3:50).

11. Daí que o tribunal “a quo” não possa ter concluído como concluiu nos factos dados como provados n.º 24, 25, 26, 27 com a certeza necessária de que à data do testamento o falecido se encontrava possuidor de todas as suas capacidades intelectuais e físicas.

12. Ao que acresce que não poderá ser valorizado o depoimento prestado por (…), atendendo a que afirma não se recordar de nada, Ficheiro 20180704152634_3580640_2870884, minutos (6:30 – 9:15), (19:30 – 20:25) e porquanto a testemunha que testemunhou o testamento e que aí estava com uma função em especial justamente a de assegurar os formalismos e a legalidade do acto, não se recorda de rigorosamente nada em concreto.

13. Ao que acresce que o depoimento prestado pela assistente social do lar (…) não foi correctamente valorizado, Ficheiro 20180704154918_3580640_2870884.

14. Não podendo ser valorado conforme foi o depoimento do Advogado da Família Dr. (…) na qualidade de testemunha do testamento, dado que não se trata de um terceiro imparcial, tendo o mesmo referido que era advogado da família, Ficheiro 20180228100954_3580640_2870884, minutos (2:20 – 3:45, (15:20 – 16:30).

15. Os depoimentos supra transcritos encontram-se assim mal julgados, mal apreciados e mal valorados e impõem assim decisão diversa da recorrida.

16. Andou mal o tribunal “a quo” ao valorar todos os depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento, atendendo a que há testemunhas hostis e quem nem todas as testemunhas prestaram depoimentos isentos e imparciais.

17. A sentença recorrida é omissa quanto à motivação de facto dos factos dados como não provados, apenas fazendo uma breve menção, um resumo das declarações prestadas pelas testemunhas.

18. Mais uma vez andou mal o tribunal “a quo” atendendo a que não resulta da prova testemunhal produzida e bem assim da prova documental que o “de cujus” estivesse nas suas plenas faculdades aquando da realização do testamento.

19. Face ao supra exposto e uma vez que a prova testemunhal supra elencada impõe decisão diversa da ora recorrida deverão os factos dados como provados n.º 24, 25, 26, 27, 33, 35, 36, 37, 38 e 39 serem dados como não provados e deverão os factos dados como não provados supra transcritos serem dados como provados.

20. Foram juntos aos autos prova documental clínica que demonstra perfeitamente o estado de saúde do falecido aquando da celebração do testamento, motivo pelo qual andou mal o tribunal “a quo” ao dar como provado que o falecido se encontrava nas suas plenas faculdade físicas e intelectuais.

21. Dado que estamos perante documentação emitida pelo Hospital Distrital de Faro tais documentos têm força probatória plena e encontram-se subtraídos à livre apreciação da prova do julgador.

22. Ao não apreciar e ao não valorar a prova documental junta aos autos a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 362.º e 371.º do Código Civil.

23. Motivos pelos quais deverão tais documentos ser valorados e consequentemente deverão ser dados como não provados os factos provados n.º 24, 25, 26 e 27.

24. Ou caso assim não se entenda deverá a sentença recorrida ser revogada por violação do disposto nos artigos 362.º e 371.º do Código Civil.

25. O tribunal “a quo” motivou a decisão da matéria de facto de forma bastante genérica apoiando-se em partes dos depoimentos das testemunhas e valorizando depoimentos que não poderia valorizar.

26. Daí que não se compreenda a motivação e quais os depoimentos em concreto nos quais o tribunal “a quo” se apoiou e se baseou para julgar os factos dados como não provados.

27. Existindo assim uma evidente contradição por parte do tribunal “a quo” no que respeita à motivação da decisão da matéria de facto.

28. O que significa que estamos claramente perante um erro de fundamentação e uma contradição insanável da decisão da matéria de facto, violando-se o disposto no artigo 607.º, n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil, o que determina um erro no dever de fundamentação da decisão conforme estabelece o artigo 154.º do Código de Processo Civil.

29. Termos em que deverá a sentença recorrida ser declarada nula nos termos do disposto no artigo 615.º, alínea c), do Código de Processo Civil.

30. Pese embora o tribunal tenha concluído, e mal em nosso entender, que o testador se encontrava nas suas plenas capacidade, o certo é que não ponderou que ao contrário, porém, do que sucede para os negócios jurídicos em geral (cfr. art. 257.º do Código Civil), não se exige para a anulação do testamento, a notoriedade ou o conhecimento da incapacidade.

31. Estamos assim perante uma questão de direito: que o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados e que deveria ter sido extraída e não foi pelo tribunal “a quo”.

32. Considerando-se assim que resulta provado que no momento da celebração do testamento, o testador se encontrava privado de uma vontade sã.

33. Tendo o tribunal “a quo” violado o disposto no artigo 2199.º do Código Civil.

34. Motivo pelo qual deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverão os presentes autos serem julgados procedentes por provados.


***

Os recorridos contra-alegaram formulando as seguintes conclusões:

a) Vem com o presente recurso o recorrente alegar que não se conforma com a sentença recorrida porquanto, em sua opinião, resultam incorretamente julgados os factos dados como provados n.º 24, 25, 26, 27, 33, 35, 36, 37, 38, 39.

b) Alega o recorrente que os factos encontram-se incorretamente julgados e mal apreciados, tudo,

c) Por entender que da motivação da decisão de facto não se retira em que prova se baseou o tribunal “a quo” para formar a sua convicção e para considerar os factos dados como provados e como não provados.

d) Para sustentar as suas alegações o recorrente, alega ainda que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não podemos concluir como concluiu o tribunal “a quo”, desde logo, porque não resulta sem qualquer dúvida ter o testamento de 27 de Fevereiro de 2008 sido celebrado por pessoa que se encontrava capaz, em pleno uso das suas faculdades mentais.

e) Alegando o recorrente que a prova produzida impunha decisão diversa da recorrida desde logo das declarações de parte prestadas por (…), as quais transcreveu.

f) A douta sentença recorrida não padece ou enferma de qualquer irregularidade em relação aos factos provados e não provados.

g) A douta decisão recorrida pronunciou-se sobre todas as questões que lhe foram submetidas pelas partes, decidindo-as, aplicando o direito aos factos e consequentemente decidindo todas as questões que lhe foram submetidas para sua apreciação, razão pela qual, a douta decisão recorrida, não merece qualquer reparo.

h) O recorrente considera que em face do seu depoimento os factos dados como provados nos artigos 24º, 25º, 26º, 26º, 27º, 33º, mostram-se incorretamente dados como provados.

i) Das declarações de parte do A. não há quaisquer factos relatados por si que não tenham sido apreciados e dessa forma, tidos em consideração pela Mm-.ª Juiz “a quo”,

j) Não nos merecendo qualquer censura que a douta decisão recorrida não tenha atendido e considerado na resposta à matéria de facto dado os factos que o recorrente, em sua opinião, como pretendia que fossem dados por provados e por não provados.

k) O recorrente afirma que o falecido à data da assinatura do testamento não se encontrava no pleno uso das suas faculdades, dando como exemplo o depoimento prestado pela testemunha … (médico).

l) Ora deste depoimento de tal testemunha resulta que o médico em causa constatou os factos que baseia o seu depoimento em data posterior à data em que foi efetuado e outorgado o testamento, em 20 de Junho de 2014, ou seja, mais de quatro anos depois da outorga do testamento,

m) Ora não pondo em causa as competências técnicas da testemunha … (médico), à data de 20 de Junho de 2014,

n) O que é certo é que tal médico desconhece e ignora por completo a situação clínica e de saúde do autor do testamento que aqui é posto em crise, por ter o mesmo sido outorgado quatro anos antes.

o) Razão pela qual, não pode o recorrente socorrer-se de tal testemunha e do seu depoimento, para considerar, em nossa opinião, mal, erradamente julgado e apreciado a matéria de facto, e consequentemente a aplicação do direito a tais factos.

p) (…) que foi testemunha presencial e outorgou o testamento aqui impugnado pelo recorrente, nessa qualidade, das suas declarações pretender extrair conclusivamente que o se depoimento não pode ser valorado ter esta testemunha afirmado não se recordar de nada.

q) O recorrente vem deturpar o sentido das declarações e depoimento prestado por tal testemunha, pois, esta questionada, afirmou não se lembrar de nada no que respeita ao conteúdo do testamento onde outorgou como testemunha. Contudo,

r) (…) recorda, lembra e depôs de forma isenta e precisou nas suas declarações referentes à pessoa do autor do testamento impugnado, afirmando e lembrando as circunstancias de tempo, modo e lugar onde falou e esteve presente com o autor do testamento, e o acompanhou nas suas declarações e outorga, dai não resultando, em sua opinião qualquer “incapacidade” do autor do testamento.

s) Não pode assim o recorrente alegar e fazer crer, como quer fazer crer o recorrente que esta testemunha (…), nada sabe.

t) A testemunha (…), contrariamente ao alegado pelo recorrente, tudo sabe quanto as aptidões físicas e psíquicas do testador e da sua capacidade para declarar e exprimir a sua vontade e dessa forma, conscientemente testar.

u) Pretende também o recorrente fazer crer que o depoimento prestado pela assistente social do lar (…), não foi corretamente valorizado.

v) O recorrente não concretiza os termos e factos pelos quais entende que tal depoimento não foi corretamente valorizado como afirma pela douta decisão recorrida.

w) A mera alegação do recorrente de que o depoimento da testemunha (…) não foi corretamente considerado e valorizado, está desprovido que sentido.

x) O recorrente, não especifica por quais os motivos e fundamento através dos quais considera que o depoimento de tal testemunha não foi corretamente valorizado pela decisão recorrida, tudo por os não ter ou possuir.

y) A douta decisão recorrida valorou corretamente o depoimento da testemunha (…), e considerou como deveria tal depoimento.

z) O recorrente, entende ainda que não pode ser valorado como o foi, o depoimento do advogado da família Dr. (…), que interveio na qualidade de testemunha do testamento, dado que não se trata de um terceiro imparcial. Não entendemos como entende o recorrente. Pois,

aa) A testemunha Dr. (…), além de poder ser advogado da família ao que aqui interessa teve intervenção como testemunha e outorgou nessa qualidade o testamento impugnado.

bb) Do depoimento de tal testemunha, transcrito nas alegações do recorrente, resulta exatamente o contrário do por si alegado.

cc) Nos autos não existe qualquer prova testemunhal, documental ou pericial que tenha sido mal apreciada ou incorretamente julgada, e que dessa forma, pudesse importar errada aplicação do direito aos factos.

dd) Não nos merecendo assim qualquer reparo a douta decisão recorrida.

ee) A douta decisão recorrida julgou assim corretamente a matéria de facto.

ff) A douta decisão recorrida não merece em nossa opinião qualquer reparo no que respeita ao julgamento da matéria de facto. E,

gg) Em nossa opinião a douta decisão recorrida fez correta aplicação do direito aos factos.

hh) Não existe assim em nossa opinião qualquer erro ou sequer contradição na motivação da matéria de facto.

ii) De toda a prova produzida, documental e testemunhal, salvo o devido respeito por opinião contrária, não resulta que se pudesse extrair outra decisão.

jj) O recorrente, sem mais, pretende fazer crer por recurso ao depoimento de testemunhas cuja transcrição parcial dos seus depoimentos faz constar nas suas alegações, as quais são apenas transcrições parciais dos depoimentos prestados e não a totalidade dos depoimentos prestados, para extrair daí conclusões de que a douta decisão recorrida errou na apreciação da prova produzida.

kk) A douta decisão recorrida, não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse conhecer ou apreciar, nem tomou conhecimento de questões de que não devesse ou pudesse tomar conhecimento.

ll) A prova dada por provada resultou da análise critica e da apreciação ponderada dos testemunhos ouvidos que deles fez boa apreciação, e da demais prova apreciada nos autos, razão pela qual em nossa opinião andou bem a douta decisão recorrida.

mm) Razão pela qual em nossa opinião andou e decidiu bem de facto e de direito a douta decisão recorrida.

nn) Devendo o presente recurso improceder, pugnando-se pela manutenção integral da douta decisão recorrida.


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Foram colhidos os vistos por via eletrónica.

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As questões que importa decidir são:
1.- Saber se procede a impugnação da matéria de facto;
2.- Saber se o de cujus se encontrava na posse das suas faculdades mentais no momento da declaração da vontade testamentária.
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A impugnação da matéria de facto.
Como enquadramento geral considera-se que, ao mesmo tempo que o sistema processual civil garante um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto (artº 640º do C.P.C.), garante também ao juiz da Relação o princípio da oralidade e da livre apreciação da prova (artº 607º/ 5 do mesmo diploma): “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”

Mas não lhe assiste o princípio da imediação por força da natureza das coisas, uma vez que a prova testemunhal e os depoimentos de parte são irrepetíveis na sua originalidade.

Por outro lado, deve tomar-se em consideração que a Relação não procede a um segundo julgamento da matéria de facto, uma vez que reaprecia apenas os pontos de facto enunciados pelos interessados.

Isto porque o sistema não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, cumprindo ao recorrente designar os pontos de facto que merecem uma resposta diversa e fazer a apreciação crítica dos meios de prova que determinam um resultado diverso, indicando-o.

Assim sendo, cabe ao juiz da Relação averiguar de que modo a 1ª instância formou a sua convicção, analisando se foram observadas as regras da lógica, da ciência e as máximas de experiência sempre no pressuposto de que a livre apreciação das provas, agora novamente analisadas, é a prerrogativa que assiste ao juiz da Relação.

O que nos remete para o que dispõe o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil ao permitir à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou documentos supervenientes impuserem outra decisão.

Mas, só em caso de manifesta desconformidade ou erro entre a prova produzida e os factos dados como provados em 1ª instância, deve o tribunal superior proceder à alteração da matéria de facto já fixada, desde logo porque à imediação só acedeu o tribunal a quo, sendo, por isso, este o melhor colocado para aferir da credibilidade das testemunhas.

Isto porque, não obstante o princípio da livre convicção, não se procura aqui proceder à formação de uma nova convicção, mas sim saber se a que fundamenta os factos provados encontra razoabilidade, seguiu as referidas máximas de experiência e um raciocínio lógico de tal forma que a prova testemunhal e todos os elementos probatórios tomados em consideração apenas podiam levar à formação da convicção expressa pelo tribunal a quo quanto aos factos provados e não provados.

Caso exista apenas uma contradição entre a convicção da 1ª instância e a da Relação, prevalece aquela, uma vez que só a grave desconformidade e o erro devem permitir a alteração dos factos provados e não provados pela Relação.

Isto porque, como se disse, a 1ª instância beneficia do princípio da imediação, encontrando-se, por isso, em posição privilegiada para aferir da credibilidade da prova que perante si foi produzida.

Tribunal que, finalmente, tem o poder/dever de renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.

Neste sentido, Ac. STJ de 07-09-2017, Procº 959/09.2TVLSB.L1.S1

“1. É hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.
2. No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.
3. Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal.
4. Também nada obsta a que o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luz da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam da prova produzida, em termos de caracterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, aliena b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida.
5. O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure.

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No caso dos autos estão em causa os factos provados 24º a 27º, 33º, 35º a 39º e os não provados sob os parágrafos 1º a 3, 6º a 11º e 13º.

Factos que o A. alega resultarem da prova produzida como não provados e provados, respetivamente, ao contrário do decidido na sentença sob recurso.

Vejamos.

Ouvida a prova gravada, designadamente o depoimento de parte do A., a testemunha (…), médico que assistiu o de cujus em 20-06-2014, (…), que interveio na celebração do testamento como testemunha, (…), técnica de serviço social no lar em que o de cujus esteve internado desde 2007 até ao falecimento, (…), advogado e também testemunha no testamento e (…), médica de medicina interna no Hospital de Faro, desde 1991 e que descreveu a sua participação no atendimento que efetuou ao de cujus e decifrou os documentos clínicos juntos aos autos.

Todos estes depoimentos foram também conjugados com o teor de todos os documentos juntos aos autos, maxime os relatórios clínicos existentes nos autos, designadamente de fls. 265 a 377 e ainda o testamento de fls. 159/160.

De todos este acervo probatório o tribunal conclui o seguinte:

(…), o de cujus, sofreu um AVC em 29-10-1997 que o levou ao Hospital de Faro e, nesse mesmo dia, a ser internado no Hospital de S. José em Lisboa (fls. 269).

Em 31-10-1997 o doente mantinha-se com discurso impercetível e aparentemente desorientando espácio-temporalmente (fls. 293v).

Em 30-10-1997 o doente estava “prostrado, pouco reativo a estímulos verbais”, fls. 295v.

Em 06-09-2001 deu entrada na Urgência do Hospital de Faro descrevendo a Observação clínica e Terapêutica “Doente com AVC há 3 anos com sequelas … hoje à noite teve … alterações de fala e visão …” (fls. 309).

Em 15-07-2002, deu novamente entrada nas Urgência do Hospital de Faro descrevendo a Observação Clínica e Terapêutica “... AVC … há 5 anos … refere falta de equilíbrio … tonturas”. (fls. 314).

Do depoimento de parte do Autor, que classificamos de congruente, credível, objetivo e isento, não obstante o seu interesse na causa (a que não é alheia a sua postura de pessoa simples) o seu pai vivia com a mãe, prestando ele auxílio no tratamento da horta e indo com a mãe às compras; era a mãe que tratava do pai desde que sofreu um AVC; em 2007 a mãe enforcou-se e, como ele não podia visitar os pais todos os dias, foi um sobrinho que deu com a avó três dias após o suicídio; nessa altura, o avô, que estava na casa ao cuidado da avó, não comia nem bebia água há três dias, apresentando-se bastante “sujo”.

Não sendo ao pai possível viver sem apoio e não lhe sendo possível a ele prestá-lo diariamente, ele e a irmã decidiram internar o pai num lar em Faro onde esteve três meses; após este período veio a saber que a sua irmã tinha mudado o pai para um outro lar em Vila Real de Santo António, sem nada lhe dizer.

Ora, este quadro é consentâneo com a evolução do estado clínico descrito nos relatórios médicos, ou seja: o de cujus não teve melhoras depois de ter sofrido o AVC em 1997, sendo um doente totalmente dependente de terceiros.

Só este estado explica a sua total falta de autonomia em 2007, quando a mulher se suicidou e ficou três dias completamente desamparado e incapaz de prover à sua sobrevivência mínima, chamando vizinhos, telefonando aos filhos, ou de qualquer forma procurar ajuda.

Como sabemos, a celebração do testamento ocorreu no ano seguinte.

E neste ato contamos com a descrição das duas testemunhas que assistiram ao ato por obrigação legal.

São as testemunhas (…), funcionária em escritório de advogados e (…), advogado da família, designadamente da irmã do Autor, a Ré (…).

Os depoimentos destas duas testemunhas têm a virtualidade de se descredibilizarem mutuamente.

A primeira, não obstante já ter testemunhado em atos semelhantes e trabalhar em escritório de advogados, o que implica ter uma noção mínima da importância do ato, não sabe se foi lido e explicado o testamento ao de cujus; se ele disse alguma frase mais para além de ter correspondido aos seu cumprimento; em que lugar o de cujus se encontrava em relação ao notário e em relação a ela própria; se foi o de cujus quem apresentou a sua identificação ao notário; em suma, não se recorda de nada do que ocorreu naquela cerimónia.

Por seu turno, a testemunha (…), descreveu uma longa e animada conversa que manteve com o de cujus, (não vista, ouvida ou assinalada pela anterior testemunha) pessoa que já conhecia anteriormente e cuja história recente, relacionada com a sua doença e internamento num lar, conhecia com alguma profundidade por lhe ter sido contada pela neta do de cujus e pela sua filha, sua cliente e beneficiária do testamento; nesta animada conversa o testador manifestou-lhe a sua mágoa por o seu filho (o A) não o visitar, mostrando-se mesmo muito emocionado; mas que era sua vontade compensar os seus outros dois filhos (os RR) uma vez que eram eles quem pagavam as despesas do lar e os medicamentos, apesar de tal situação o penalizar.

Ora, quer o primeiro testemunho quer o segundo mostram-se eivados de grande inverosimilhança.

Com efeito, não é crível que a primeira não se recorde de nada do que se passou naquele ato e apenas se lembre de que tinha pressa de ir embora.

A manifesta intenção de nada dizer de substancial ao tribunal poderá ter outro qualquer fundamento que desconhecemos, mas não a total amnésia do que se passou naquele ato; logo, se a testemunha não forneceu a descrição do que se passou naquele ato, fê-lo deliberadamente.

E também não é crível que o de cujus tenha mantido a conversa descrita pela testemunha (…), uma vez que, desde a ocorrência do AVC em 1997 não há registo de que o testador tenha alguma vez recuperado a capacidade de se manifestar com a desenvoltura descrita por esta testemunha.

Veja-se, em complemento das situações acima descritas que revelam que ao longo dos anos o estado do testador não teve evolução positiva, o depoimento da testemunha (…), técnica de serviço social no lar em que o de cujus esteve internado desde 2007 até ao falecimento.

Não obstante também este depoimento se mostrar muito esquivo, titubeante, receoso e indeciso, numa clara intenção de não se comprometer, sempre foi acrescentando que o paciente internado no lar não era autónomo quanto a cuidar da sua pessoa (a mesma incapacidade que existia no momento em que a mulher se suicidou) e quando em companhia de outros ocupantes do lar se mantinha sem reação (numa situação passiva), ou seja, não comunicava.

Em vários relatórios médicos foi sendo assinalado que o paciente respondia a questões simples, ao nível do sim e do não, mas que não ia além disso.

Desconhecemos de onde poderá ter surgido a eloquência descrita no ato em que foi celebrado o testamento, o que sabemos com segurança é que ela nunca existiu, em face de tudo o que vem sendo exposto; ou seja, o testador não era detentor das capacidades mínimas exigidas para, em consciência, saber que estava a celebrar um testamento.

É por todos estes motivos que a matéria de facto dada como provada e não provada tem de ser alterada, uma vez que a prova produzida e agora analisada não permite que se mantenha como na sentença.

Assim sendo, as conclusões do recorrente são procedentes, devendo os factos provados 24º a 27º, 33º e 35º a 39º ser incluídos na matéria de facto não provada.

E os factos não provados nos parágrafos 1º a 3º, 6º a 11º e 13º ser incluídos na matéria de facto provada.


*

Assim sendo, a matéria de facto provada e não provada é a seguinte:

1 - O autor é irmão dos réus.

2 – (…), pai do autor e dos réus, faleceu em 17-7-2014.
3 - O “de cujus” deixou um testamento datado de 27 de Fevereiro de 2008, que institui herdeiros da quota disponível de todos os seus bens e direitos seus filhos: (…) e (…), ora réus, apenas a favor dos ora réus, celebrado no Cartório Notarial, sito na Rua Cidade de Bolama, lote F, rés-do-chão esquerdo em Faro.
4 - O “de cujus” em 29-10-1997 foi vítima de um AVC e a partir dessa data surgiram-lhe inúmeras complicações e inúmeros episódios de urgências médicas.
5 - O “de cujus” aquando do AVC que sofreu foi transportado pelo INEM do SAP de Tavira para o Hospital Distrital de Faro - Serviço de Urgência.
6 - E posteriormente, devido ao seu grave estado de saúde chegou mesmo a ser transferido para o Hospital de S. José em Lisboa.
7 - Em 27-3-2001, passados três anos do AVC que o “de cujus” sofreu, este voltou a dar entrada no Hospital Distrital de Faro, por transferência do SAP de Tavira.
8 - Tendo-lhe sido diagnosticado lipotimia, acompanhado de tonturas e vómitos.
9 - Na ocasião aludida em 7, o de cujus efetuou inúmeros exames laboratoriais necessários ao diagnóstico e terapêutica, nomeadamente exames de hematologia, bioquímica e imunoproteinas.
10 - Em 6-9-2001, o de cujus voltou a dar entrada no Hospital Distrital de Faro, em virtude de transferência do SAP de Tavira, tendo-lhe sido diagnosticadas sequelas resultantes do AVC de que foi vítima.
11 – Na ocasião aludida em 10, o de cujus realizou novamente exames no serviço de patologia clínica, nomeadamente exames de hematologia, estudo da hemóstase e bioquímica.
12 - Em 15-7-2002, o ora de cujus voltou a dar entrada no Hospital Distrital de Faro queixando-se de falta de equilíbrio, tonturas e cefaleia.
13 – Na ocasião aludida em 12, o de cujus voltou a efetuar diversos exames no serviço de patologia clínica.
14 - Em 2-1-2003 surgiu-lhe mais um episódio de urgência, devido a vómitos alimentares, tendo-lhe sido diagnosticada uma gastroenterite.
15 - De 20-6-2014 a 4-7-2014, o de cujus permaneceu internado no Hospital de Faro, o motivo do internamento foi dispneia e febre.
16 - Foi-lhe diagnosticado metástases hepáticas múltiplas sem indicação para estudo complementar; pneumonia da comunidade com insuficiência respiratória global; síndrome de hiperosmolaridade; desidratação hipernatremica; hipokaliemia secundária; HTA; HBP; Acamado; Dependente; com sequelas de AVC isquémico (hemiparesia esq.).
17 - No quadro descritivo da evolução do doente internado é referido: “Paciente acamado, totalmente dependente, com sequelas de AVC – hemiparesia esquerda. Consciente mas incapaz de fornecer dados com precisão parando no meio do discurso. Em minha opinião este doente não tem condições para quimioterapia paliativa, se eventualmente se chegar a um diagnóstico etiológico das metástases pelo que, salvo melhor opinião, não se justifica investigação da etiologia das mesmas. Familiares não presentes, aliás, o doente referiu-me ser viúvo (?) e que tem 2 ou 3 filhos (?), algum deles no estrangeiro (?). Portanto só terá indicação para terapêutica de suporte, nomeadamente o controlo da dor abdominal, e ser avaliado pela equipa de Cuidados Paliativos.”
18 – Na ocasião aludida em 15, o de cujus realizou inúmeros exames no serviço de patologia clínica, bem como uma ecografia abdominal superior e uma ecografia pélvica por via supra púbica, cujo diagnóstico foi: “Observamos embora com bastante dificuldade por total ausência de colaboração, por parte do doente, a presença de numerosas formações nodulares que traduzem metástases hepáticas múltiplas algumas em alvo, podendo traduzir depósitos secundários com origem no tubo digestivo. Não existe dilatação das vias biliares nem observamos imagens de cálculos no interior da vesícula biliar. Pâncreas não visualizável. Baço sem aparentes alterações dimensionais ou ecoestruturais. Bexiga com regular capacidade de repleção sem sinais sugestivos de lesões vegetantes ou cálculos, com balão de algália normalmente posicionado. Na fossa ilíaca direita não conseguimos identificar imagens com expressão ecográfica. Ausência de ascite.”
19 - Em 20-6-2014, após a realização de um RX-Tórax foi diagnosticado ao de cujus hipotransparência na base pulmonar direita.
20 - Aquando da alta para serviço de internamento a 20-6-2014 foi-lhe diagnosticado diabetes mellitus com coma hiperosmolar, tipo II.
21 – Em data não concretamente apurada mas depois de Outubro de 2006 e antes de 27 de Fevereiro de 2008, o de cujus passou a ser residente interno no Lar de Vila Real de Santo António.
22 - O falecido (…), em 2006, procedeu à renovação do bilhete de identidade em 23-11-2006, após óbito da sua mulher.
23 - Em 26 de Março de 2010, o falecido (…), foi interveniente, participou e procedeu a outorga de Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros, Partilhas e Registos, com o n.º 532/2010, junto da Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de Vila Real de Santo António, onde juntamente com os demais herdeiros, partilharam entre si os bens deixados por óbito da herança aberta de (…), com o NIF da Herança (…).
24 - O falecido (…) foi residente interno no Lar de Vila Real de Santo António o que ocorreu após o ano de 2006, no decurso e em consequência do óbito da sua mulher (…) também conhecida por (…), ocorrido em 22-10-2006, mãe do autor e dos réus.
25 - O de cujus, (…), desde pelo menos o ano de 1995 até à morte da sua esposa (…), em finais de 2006, residiam ambos sozinhos.
26 - Sendo que qualquer necessidade sentida por ambos os membros do casal, pais do autor e dos réus, por motivos de doença ou outros, era sempre, sem exceção, o cônjuge não necessitado quem assistia e prestava auxílio e ajuda ao outro.
27 - Não resulta dos vários relatórios médicos juntos aos autos, que tenha sido o autor, residente em Portugal, mais perto e próximo dos seus pais, alguma vez que fosse, tivesse sido ele a acompanhar ou a prestar assistência aos seus pais, como acompanhante nos vários episódios médicos.
28 – Os réus residentes na Suíça, onde trabalham, mantinham com os seus pais contacto regular.
29 - Após a morte da sua mulher, (…), o falecido (…), por não puderem os réus, por habitarem e trabalharem na Suíça, olhar e cuidar do seu pai e prestar-lhe qualquer assistência que este necessitasse, os RR trataram de toda a burocracia e providenciaram por arranjar um lugar de residente no Lar de Vila Real de Santo António, o que efetivamente foi conseguido.
30 - Na ocasião aludida em 7 e 8, foi diagnosticado ao de cujus perda da consciência, acompanhada da abolição das funções matrizes e/ou motoras;
31 - Em virtude de fortes hemorragias cerebrais que sofreu, o de cujus ficou com a visão e a fala afetadas.
32 - Na ocasião aludida em 15, o motivo de internamento do de cujus no Hospital de Faro, foi alteração do estado de consciência.
33 -À data da celebração do testamento aludido em 3, o de cujus estava acamado, totalmente dependente, devido ao seu grave estado de saúde derivado do AVC de que foi vítima em 1997, estado de saúde, esse, que se agravou, chegando mesmo o de cujus a perder o total discernimento da realidade.
34 - À data em que o testamento aludido em 3 foi celebrado o de cujus não se encontrava no pleno uso das suas faculdades mentais, uma vez que e conforme resulta dos relatórios médicos juntos aos autos, o de cujus já não possuía o seu total discernimento.
35 - À data em que o testamento aludido em 3 foi celebrado o de cujus tinha graves dificuldades ao nível da fala e da visão.
36 - À data em que o testamento aludido em 3 foi celebrado o de cujus não possuía total capacidade para entender o que declarava em tal ato porque o AVC de que foi vítima afetou as suas capacidades de forma grave, bem como a sua vontade.
37 - O de cujus sempre esteve consciente, mas era incapaz de fornecer qualquer dado com precisão, parando até por diversas vezes a meio do discurso.
38 - No momento em que assina o seu testamento, o de cujus não tinha conhecimento do que fazia nem do que dizia e muito menos do que declarava ou assinava, por já não ser capaz de realizar um raciocínio lógico nem distinguir as situações.
39 - O testamento aludido em 3, foi celebrado num momento em que o de cujus não se encontrava com capacidade de entender o sentindo das suas declarações, bem como não tinha o livre exercício da sua vontade.

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Não se provou que:
1 - Em 26 de Março de 2010, o falecido (…), não padecia ou sofria também nessa data, como anteriormente, de qualquer enfermidade que lhe determinasse graves dificuldades ao nível da visão e fala, que o incapacitasse ao nível do entendimento das suas declarações e/ou ao nível da expressão e entendimento do sentido da sua declaração de vontade e transmissão da mesma, e bem assim o que fez por estar em pleno gozo das suas faculdades mentais, sem qualquer incapacidade, totalmente capacitado para entender o sentido da sua declaração de vontade.
2 – (…) nunca sofreu à data da celebração e outorga do testamento de qualquer falta de aptidão natural, decorrente de doença e do AVC que anteriormente sofreu, para entender o sentido da sua declaração de vontade que fez constar em testamento.
3 - Nem sofreu à data da celebração e outorga do testamento de qualquer falta de aptidão natural que não lhe permitisse o livre exercício do poder de dispor mortis causa dos próprios bens.
4 - Sendo assim, (…), à data do testamento, possuidor de todas as suas capacidades intelectuais e físicas para entender o sentido da sua declaração de vontade e era, também inteiramente capaz de entender o sentido e alcance da sua declaração de vontade, que foi produzida no testamento que outorgou, o que fez com a inteira e necessária liberdade de decisão para dispor dos bens que lhe pertenciam e de que podia livremente dispor mortis causa.
5 – O autor residente em Portugal, no concelho de Vila Real de Santo António, não visitava nem auxiliava os pais, e com estes pouco convivia.
6 - Foram sempre os réus, sem a contribuição do autor, quem sempre providenciavam pelo auxílio monetário no pagamento de todas as despesas que este tinha com o Lar, alimentação, higiene e despesas médicas e medicamentosas que este precisasse, em excesso do montante da sua pensão de velhice.
7 - E nessa sequência, por disso saber e ter integral e perfeito conhecimento o falecido (…) outorgou o testamento aludido em 3 da matéria de facto provada, instituindo herdeiros da sua quota disponível de todos os bens e direitos os aqui réus.
8 - O que fez porque à data de 27 de Fevereiro de 2008, (…), não estava incapacitado de entender o sentido da sua declaração testamentária, que produziu e fez constar de forma, livre deliberada e consciente, a sua vontade mortis causa no testamento que outorgou, aludido em 3.
9 - A sua vontade e/ou declaração que fez constar do referido testamento, não foi condicionada ou sofreu influência de quem quer que fosse.
10 – À data do testamento aludido em 3, (…) não sofria de qualquer incapacidade que lhe afetasse o entendimento do sentido das suas declarações ou o livre exercício de dispor dos seus bens e direitos, na parte disponível, mortis causa.
11 - O de cujus nunca foi muito chegado aos seus dois filhos, ora réus.
***
O Direito.
Está em causa nos autos aferir da validade de um testamento, que é definido pelo artº 2179º/1 do CC: Diz-se testamento o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles.
Sobre este ato jurídico pessoal, que não pode ser feito por representantes nem ficar ao arbítrio de outrem e que deve conter a clara expressão da vontade do seu autor, sendo anulável aquele em que a vontade apenas se encontre expressa por monossílabos ou sinais, em resposta a perguntas que lhe forem feitas, Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 396, refere, quanto à sua finalidade e interpretação, que:
“ O testamento é um negócio de cariz muito peculiar. Ao contrário dos negócios entre vivos, não tem por função vincular o seu autor, mas antes dispor sobre o destino do seu espólio para depois da sua morte. O respeito pela última vontade das pessoas é uma exigência de Direito Natural que implica, na interpretação do testamento, o respeito escrupuloso pela vontade real do testador em tudo aquilo que não seja contrário à Lei imperativa e à Moral ou não seja impossível. Nesta perspectiva, a interpretação dos testamentos deve ser subjectiva”.

No caso em apreço, não se trata de interpretar o testamento mas de saber se é valida a declaração de vontade do testador, se a sua vontade naquele momento, estava afetada por doença ou circunstância impeditiva de saber o que queria e de medir o alcance da sua vontade.

O art. 2188º do CC, que dispõe sobre a capacidade testamentária ativa: “Podem testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer”, dispondo o art. 2189º que “São incapazes de testar: a) os menores não emancipados; b) os interditos por anomalia psíquica.”, prevendo-se os prazo de caducidade da ação por nulidade e anulabilidade no artº 2308º/1 e 2 do CC.

Sobre a questão da anulabilidade deste negócio jurídico estipula o artº 2199º do CC, sob a epígrafe “Incapacidade acidental”: É anulável o testamento feito por quem se encontra incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória.
O regime da incapacidade acidental em sede de negócio testamentário não coincide com o previsto no artº 257º do CC, uma vez que neste se prevê uma declaração recetícia e no testamento a declaração é não recetícia – não é necessária uma aceitação para que o negócio fique perfeito, ou seja, atinja os seus efeitos.
Tal significa, desde logo, que a incapacidade acidental em sede testamentária não tem que ser conhecida do declaratário nem ser notória (bastando-se com a prova da existência de um estado de incapacidade natural que seja contemporânea do momento em que o declarante emite a declaração relativa à disposição dos seus bens post mortis), dado o caráter não recetivo da declaração e porque não está em causa a proteção das expectativas do declaratário.

No referido artº 2199º “o que se encara é a incapacidade acidental, isto é, aquela situação em que esteja afetada a capacidade de entender e de querer, quer por virtude de anomalia psíquica não declarada, quer por virtude de algum acesso de delírios, embriaguez, ou outra causa semelhante, como a sugestão hipnótica ou o sonambulismo” – Jacinto Rodrigues Bastos, in Direito das Sucessões, 1982, pág. 161.

Em comentário ao mesmo artigo, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. VI, pág. 323 afirmam que:
“A primeira destas regras específicas, constante do artigo 2199.°, refere-se à incapacidade, tomada a expressão no sentido rigoroso próprio da falta de aptidão natural para entender o sentido da declaração ou da falta do livre exercício do poder de dispor mortis causa dos próprios bens, por qualquer causa verificada no momento em que a disposição é lavrada.
A nulidade do testamento feito pelo interdito (hoje maior acompanhado) baseia-se na presunção do estado ou situação de incapacidade, juris et de jure, criada pela sentença, desde que é proferida até ao momento em que a interdição é levantada.
A anulação decretada, a requerimento do interessado, com base no artigo 2199º, assenta pelo contrário na falta alegada e comprovada de capacidade do testador, no preciso momento em que lavrou o testamento, fosse para entender o sentido e alcance da sua declaração, fosse para dispor, com a necessária liberdade de decisão, dos bens que lhe pertenciam.”
O estado de incapacidade acidental do testador deve existir no momento da feitura do testamento, incumbindo ao interessado na invalidade o ónus da prova dos factos reveladores de incapacidade acidental, como dispõe a regra geral sobre ónus da prova ínsita no art. 342º/1 do CC.
No caso dos autos, ficou demonstrado que o testador nunca mais recuperou totalmente de acidente vascular cerebral ocorrido em 1997, que o deixou prostrado e sem reação a estímulos exteriores, tendo recuperado para um nível de consciência que lhe permitia apenas responder a perguntas simples de sim e não, o que se manteve até ao seu falecimento.
O que leva a inferir com segurança estar demonstrado que, à data em que o testamento foi celebrado, o de cujus, apesar de se encontrar consciente, não possuía total capacidade para entender o que declarava em tal ato, porque o AVC de que foi vítima continuava a afetar as suas capacidades de forma grave, bem como a sua vontade.
Mais se provou que o de cujus se mantinha consciente, mas era incapaz de fornecer qualquer dado com precisão, parando até por diversas vezes a meio do discurso.
E que no momento em que assinou o seu testamento, o de cujus não tinha conhecimento do que fazia nem do que dizia e muito menos do que declarava ou assinava, por já não ser capaz de realizar um raciocínio lógico nem distinguir as situações.
De onde se conclui que foi feita prova da incapacidade volitiva e da ausência de apropriada representação das consequências e alcance das cláusulas testamentárias pelo testador, o que implica a declaração de anulabilidade do testamento em causa nos autos, com o que procedem as conclusões do recorrente também nesta parte.
Em consequência, deve a sentença ser revogada.


Em caso semelhante ao dos autos, decidiu o Ac. TRG de 4-10-2017, Pedro Damião e Cunha, Procº 1108/14.0TJVNF.G1:

I- Em princípio, o ónus da prova dos factos demonstrativos da incapacidade acidental do testador, no momento da feitura do testamento – cfr. art. 2199º do CC-, recai sobre o interessado na anulação do testamento, nos termos do artigo 342, n.º 1, do Código Civil;
II- No entanto, logrando o interessado na anulação do testamento provar que a testadora padecia de doença de alzheimer com anterioridade ao período que abrange o acto anulando – testamento –, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção.
III- Assim, se, á data do testamento, se mostra atestado medicamente que a Testadora sofria da referida doença de alzheimer, em contínua actividade e progressão, e que estava totalmente dependente de terceiros, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquela se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária;
IV- Nestes casos, provando-se a referida situação de demência, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do mesmo, apesar da referida doença de que sofria, a testadora não foi influenciada pelo concreto estado demencial em que se encontrava.”

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Sumário:

I.- O testamento é um ato jurídico pessoal, que não pode ser feito por representantes nem ficar ao arbítrio de outrem e que deve conter a clara expressão da vontade do seu autor – Artº 2179º/1 do CC.

II.- Estando demonstrado que o de cujus, no momento em que assinou o seu testamento, não tinha conhecimento do que fazia nem do que dizia e muito menos do que declarava ou assinava, por já não ser capaz de realizar um raciocínio lógico nem distinguir as situações, o testamento é anulável nos termos do artº 2199º do CC.
III.- Se o testador sofreu um AVC em 1997 que o deixou prostrado e sem reação a estímulos exteriores, tendo recuperado para um nível de consciência que lhe permitia apenas responder a perguntas simples de sim e não, o que se manteve até ao seu falecimento, sem interrupção, é de presumir que, no momento da celebração do testamento, se encontrava incapacitado para entender o sentido das suas declarações.

***

DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga procedente a apelação, revoga a sentença recorrida e declara anulado o testamento celebrado por (…), em 27-02-2008, no Cartório Notarial sito na Rua Cidade de Bolama, Lote F, rés-do-chão esquerdo, em Faro, exarado de fls. 18 a fls. 18 verso do Livro de Notas para Testamentos e Revogação de Testamentos número (…).


*

Custas pelos recorridos – Artº 527º C.P.C.
Notifique.
***
Évora, 14-03-2019

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura