Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
149/16.8IDFAR.E1
Relator: GILBERTO CUNHA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
FRAUDE FISCAL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - O limite de 15.000 euros consagrado no art.º 103.º, n.º 2 do RGIT, abaixo do qual os factos que integram o crime de fraude fiscal não são puníveis, é aplicável à fraude fiscal qualificada prevista no art.º 104.º do RGIT.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo comum nº149/16.8IDFAR procedente do Juízo Local Criminal de Portimão (juiz 1) do tribunal Judicial da Comarca de Faro, os arguidos R.,Lda, FM, VF Ldª, JG, RD, A & C, Ldª, RC e ZF, todos devidamente identificados nos autos, sob acusação deduzida pelo Ministério Público, foram submetidos a julgamento perante tribunal singular, vindo por sentença proferida em 09-04-2018, para o que aqui ora releva, a ser decidido o seguinte:

1. Absolver os arguidos R.,Lda, FM, VF Ldª, JG, RD, A & C, Ldª, RC e ZF da prática, por cada um, de um crime de fraude fiscal qualificada, pp. pelos arts.103º, nº1 e 104º, nºs 1 e2 al.) do RGIT.

2. Condenar o arguido FM, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos art.ºs 105.º n.ºs 1 e 4, todos do RGIT, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50 euros, num total de 1.375 euros (a que correspondem 166 dias de prisão subsidiária, caso o arguido não pague, voluntária ou coercivamente a multa aplicada).

3. Condenar a sociedade arguida “R.,Lda, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos art.ºs 105.º, n.ºs 1 e 4, todos do RGIT, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5 euros, num total de 1.250 euros.

Recurso.
Inconformado com essa decisão na parte em que absolveu todos os arguidos da prática do crime de fraude fiscal qualificada, pp. pelos arts.103º, nº1 e 104º, nºs 1 e 2 al.) do RGIT dela recorreu o Ministério Publico, pugnando no sentido de nessa parte a sentença ser revogada e substituída por outra que condene os arguidos pela prática desse crime, rematando a motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

1- A norma do art. 103 – nº 2 do RGIT é muito clara: os factos previstos nos números anteriores não são puníveis, se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a 15.000 €.

2 – Pela letra daquele preceito, torna-se claro que só se pretende abranger nesta despenalização o crime de fraude fiscal simples p. e p. pelo art. 103º.

3- O crime previsto e punido no artigo 104 º do RGIT é um novo ilícito penal e aí não se encontra previsto nenhum número idêntico ao do nº 2 do art. 103º;

4- Pelo que concluímos que o valor da vantagem patrimonial não releva para efeitos de despenalização, quando se trata daquele ilícito.

5- Se o legislador tivesse pretendido desqualificar o crime ou despenalizar uma conduta, tê-lo-ia esclarecido expressamente, como o fez, por exemplo quanto à desqualificação prevista no art. 204º – nº 4 do Código Penal.

6- No mesmo sentido do pugnado neste recurso, Acórdão da Relação de Guimarães de 18/05/2009, proferido no P. 352/02.8IDBRG-G1, in www.dgsi.pt:

“São realidades de gravidade distintas: uma coisa é a fraude consistir unicamente na comunicação da existência de um negócio simulado. Outra, bem mais grave, é forjar documentos para convencer que o negócio efectivamente existiu, tornando mais difícil a descoberta do crime. Foi apenas o primeiro comportamento que o legislador pretendeu beneficiar com a norma do art. 103º – nº 2 do RGIT”.

7 – Em sentido contrário, vai o Acórdão da Relação do Porto de 23/03/2011, proferido no P. 70/05.5IDAVR.P1, in www.dgsi.pt, sendo que a interpretação da norma vertida no Acórdão do TRG nos parece a que melhor respeita o espírito e a própria letra da lei.

8- Assim, a douta sentença violou o disposto nos artigos 104º do RGIT, ao considerar que a conduta em apreço não configura a prática do crime de fraude fiscal qualificada.

Nestes termos, procedendo sempre o recurso quanto à questão de direito suscitada, entendemos dever ser revogada a sentença proferida nestes autos, que deverá ser substituída por outra que, tendo por base a fundamentação expendida, condene os arguidos pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art.ºs 103.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 1 e 2 al, a) do RGIT.

Contra motivaram os arguidos RC, A & C, Ldª e ZF, pugnando pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da sentença recorrida que absolveu os arguidos, concluindo os recorrentes RC e A & C, Ldª com as seguintes conclusões:

I- A presente Resposta ao Recurso do M.P. é motivada pela total discordância com o conteúdo do mesmo.

II- O M.P. defende que “ao crime de fraude fiscal qualificada não se aplica o limite de € 15.000,00 previsto no art. 103º, n.º 2 do RGIT.”.

III- Tendo formulado no seu pedido a condenação dos “ arguidos pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art.ºs 103.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 1 e 2 al, a) do RGIT”.

IV- A interpretação dada pelo Ministério Público aos artigos 103.º e 104.º do RGIT, não encontra fundamento na letra da lei, nem no espírito das normas invocadas.

V- À luz do estatuído no n.º 1 do art. 104.º do RGIT o crime de fraude fiscal qualificada tem como base os factos previstos no crime de fraude fiscal.

VI- Assim, para que haja crime de fraude fiscal qualificada, será necessário que haja um crime de fraude fiscal nos termos do previsto no artigo 103.º.

VII- A qualificação do crime de fraude fiscal não tem como consequência o afastamento do n.º 2 do artigo 103.º do RGIT que exclui a punibilidade dos crimes de fraude fiscal nos casos em que a vantagem patrimonial ilegítima é inferior a €15000.

VIII- Na Douta sentença recorrida, o Tribunal “a quo”, seguindo o entendimento adoptado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08/01/2013, defende que “os factos que consubstanciam uma vantagem ilegítima inferior a 15.000 euros não realizam, materialmente, nem o crime de fraude fiscal, simples ou agravado, nem a falsificação ou a burla do Código Penal.”.

IX- No mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/11/2011; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 03/07/2012, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21/05/2014, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

X- Tem sido ponto assente na Doutrina que, relativamente ao crime de fraude fiscal “esse limite de € 15.000, em nossa opinião, é sempre exigível para a criminalização da fraude fiscal, tanto no tipo base como no tipo qualificado (neste sentido se tem pronunciado a doutrina, Isabel Marques da Silva, em RGIT, Cadernos IDEF, 5, 2ª Edição, pág. 164”.

XI- A vantagem patrimonial ilegítima nos presentes autos é inferior a €15000, pelo que, não se verifica o preenchimento dos elementos constitutivos do crime.

XII- Assim, andou bem o Tribunal “a quo” quando, na douta sentença, absolveu o Arguido da prática do crime de fraude fiscal qualificada.

XIII- Pelo que, não deve ser dado provimento ao Recurso interposto pelo M.P., mantendo-se assim a sentença recorrida que absolveu o Arguido da prática do crime de fraude fiscal qualificada.

Por seu lado o arguido ZF terminou a sua resposta com a formulação das seguintes conclusões:

i. O presente Recurso está centrado na impugnação sobre a matéria de facto e de direito que o Arguido praticou um crime de um crime de fraude fiscal qualificada., o qual foi dado como não provado.

ii. Ora, salvo o devido e merecido respeito pelo MP, a decisão do tribunal a quo não merece qualquer reparo, uma vez que toda a prova produzida demostrou que o Arguido, não praticou, nem foi sua intenção, nem os valores em divida, consubstanciaram de facto e de direito, a prática de um crime fiscal de tal natureza.

iii. O Ministério Público, ora Recorrente, sustenta o presente recurso, e bem como a anterior acusação, em indícios, que não se provaram por nunca terem existido, e se terem baseado numa construção abstrata de facto e intenções, que nunca estiveram na mente do Arguido ZF.

iv. Pelo exposto decidiu bem, de forma coerente e objetiva, o tribunal a quo, dando-se como não provado que o Arguido tenha praticado um crime de fraude fiscal qualificada, p.p pelos artigos 7º, n.º1s e 3, 103º n.º 1 e 104º todos do RGIT.

Nesta Relação o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto sufraga a argumentação expendida pelo Ministério Público na 1ª Instância, pelo que também é de parecer que deve ser concedido provimento ao recurso e a decisão absolutória ser revogada e substituída por outra que condene os arguidos pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, pp. pelos arts.103º, nº1 e 104º, nºs 1 e 2 al.a) do RGIT.

Observado o disposto no nº2 do art417º, do CPP, não houve resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.

Poderes de cognição deste tribunal. Objecto do recurso. Questão a examinar.

Os poderes cognitivos deste Tribunal conformam-se à revisão da matéria de direito, quer por que também não se alega nem ex officio se vislumbra qualquer dos vícios elencados no nº2 do art.410º, do CPP, quer por que o recorrente também centra a sua dissidência relativamente ao julgado em matéria de direito, assim demarcando o objecto do recurso (art.412º, nº1, do CPP), tendo-se por definitiva a decisão proferida na 1ª Instância sobre a matéria de facto.

Nestes termos, e tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação, sintetizando-as, a questão que delas emergem e que reclama solução consiste em saber se em face dos factos sedimentados e dados como provados na sentença recorrida todos os arguidos devem ser condenados pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art.ºs 103.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 1 e 2 al, a) do RGIT, ou seja, se o valor mínimo de € 15.000,00 previsto no nº2 do art.103º do RGIT é ou não aplicável na situação do nº2, al.a) do art.104º do mesmo diploma legal.

Vejamos.
O Tribunal recorrido deu como provada a seguinte factualidade:
«Com relevância para a boa decisão da causa, apuraram-se os seguintes factos:

FACTOS PROVADOS:

1. A arguida R.,Ldª., com sede …, em Portimão, é uma sociedade por quotas que tem por objecto a construção civil, exercendo a actividade de construção de edifícios, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral relativamente ao IVA.

2. O arguido FM era, no exercício de 2014, o seu gerente efectivo.

3. A sociedade VF, Ldª., com sede na Urbanização…, em Portimão, é uma sociedade por quotas que tem por objecto, para além do mais, o comércio, importação, exportação e instalação de produtos, equipamentos, máquinas e acessórios na área da construção civil e serviços de construção civil, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral relativamente ao IVA.

4. Os arguidos JG e RD eram, no exercício de 2014, os seus gerentes efectivos.

5. A sociedade A &C Ldª., com sede na Quinta…, em Portimão, é uma sociedade por quotas que tem por objecto o comércio de restaurantes, snack-bar e similares, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral relativamente ao IVA.

6. O arguido RC era, no exercício de 2014, o seu gerente efectivo.

7. Com o propósito de obterem proveitos económicos à custa da Fazenda Nacional e aos quais sabiam não ter direito, decidiram os arguidos JG e RD, por si e em representação da sociedade VF, de que eram sócios-gerentes, e RC, por si e em representação da sociedade A & C da qual era sócio-gerente, contabilizar facturas da sociedade R., Ldª, entregues pelo arguido FM, mediante contrapartida monetária, para essa finalidade, documentando vendas de materiais e serviços de construção civil que a mesma não vendeu nem prestou, a fim de aumentarem o valor do IVA dedutível, reduzindo, em consequência, o IVA a entregar ao Estado, com isso diminuindo as receitas tributárias.

Assim,
quanto à VF:
8. O arguido FM, em representação da sociedade R., Ldª, emitiu, mediante o recebimento de contrapartida monetária, as seguintes facturas, titulando vendas de materiais à sociedade VF:

- factura n.º 885, de 06.06.2014, no valor de 21.776,80 euros, acrescido de IVA, no valor de 5.008,66 euros;
- factura n.º 887, de 20.06.2014, no valor de 25.265,40 euros, acrescido de IVA, no valor de 5.811,04 euros;
- factura n.º 891, de 15.09.2014, no valor de 12.949,04 euros, acrescida de IVA, no valor de 2.978,28 euros;
- factura n.º 892, de 29.09.2014, no valor de 8.974,45 euros, acrescida de IVA, no valor de 2.064,12 euros;
- factura n.º 917, de 27.12.2014, no valor de 19.991,04 euros, acrescida de IVA, no valor de 4.597,94 euros.

9. Sucede que a R., Ldª não vendeu a totalidade dos materiais, naqueles valores, tal como descritos nas ditas facturas, à VF.

10. A VF, por sua vez, utilizou aquelas facturas nos documentos contabilísticos e nas declarações remetidas à administração fiscal, deduzindo indevidamente o IVA liquidado naquelas facturas falsas, cujo pagamento não suportou, correspondente a 10.819,70 euros, quanto ao 2.º trimestre de 2014 (facturas 885 e 887); a 5.042,40 euros, quanto ao 3.º trimestre de 2014 (facturas 891 e 892); e 4.597,94 euros, quanto ao 4.º trimestre de 2014 (factura 917), assim obtendo o correspondente benefício, traduzido na diminuição do valor de imposto a entregar ao Estado.

11. Os arguidos agiram em comum acordo e na execução de plano comum, agindo com o propósito de induzir a Administração Fiscal em erro e, por este meio, à custa do Estado e dos contribuintes, pretendiam obter benefícios fiscais indevidos e lesivos do erário público, contabilizando custos com a aquisição bens e serviços não prestados nem pagos, e deduzindo o IVA correspondente, nos períodos indicados, que não fora efectivamente suportado.

12. Ao actuar da forma supra descrita, agiram os arguidos, por si e em representação das sociedades comerciais arguidas, utilizando as facturas na sua contabilidade por forma a alterar os valores constantes das declarações de IVA, causando a diminuição das receitas tributárias e prejudicando a Fazenda Nacional no valor correspondente, obtendo um benefício a que sabiam não ter direito.

13. Agiram de forma livre, deliberada e consciente.

quanto à A & C:

14. O arguido FM, em representação da sociedade R., Ldª, emitiu, mediante o recebimento de 3.105 euros, a seguinte factura, titulando vendas de materiais à sociedade A & C:

- factura n.º 809, de 26.03.2014, no valor de 27.000 euros, acrescido de IVA, no valor de 6.210 euros.

15. Sucede que a R., Ldª não vendeu materiais à A & C.

16. A A & C, por sua vez, utilizou aquela factura nos documentos contabilísticos e na declaração remetida à administração fiscal, deduzindo indevidamente o IVA liquidado naquela factura falsa, cujo pagamento não suportou, correspondente a 6.210 euros, quanto ao 1.º trimestre de 2014, assim obtendo o correspondente benefício, traduzido na diminuição do valor de imposto a entregar ao Estado.

17. Os arguidos agiram em comum acordo e na execução de plano comum, agindo com o propósito de induzir a Administração Fiscal em erro e, por este meio, à custa do Estado e dos contribuintes, pretendiam obter benefícios fiscais indevidos e lesivos do erário público, contabilizando custos com a aquisição bens e serviços não prestados nem pagos, e deduzindo o IVA correspondente, nos períodos indicados, que não fora efectivamente suportado.

18. Ao actuar da forma supra descrita, agiram os arguidos, por si e em representação das sociedades comerciais arguidas, utilizando as facturas na sua contabilidade por forma a alterar os valores constantes das declarações de IVA, que serviriam de base à determinação da matéria colectável, causando a diminuição das receitas tributárias e prejudicando a Fazenda Nacional no valor correspondente, obtendo um benefício a que sabiam não ter direito.

19. Agiram de forma livre, deliberada e consciente.

20. Os arguidos já regularizaram esta situação junto das Finanças.

21. Foram ainda emitidas pela R., Ldª as facturas n.º 827, 866 e 869 à Associação de Proprietários Vila Maraquiche (APVMA), referentes a serviços prestados.

22. Sucede que a R., Ldª não prestou quaisquer serviços à APVMA.

23. Antes foi o arguido ZF que prestou os serviços mencionados nas facturas e que recebeu o valor facturado, incluindo o IVA, no montante de 517,73 euros, mas por ter a sua actividade cessada, pediu ao arguido FM que lhe cedesse aquelas facturas para poder receber pelos referidos serviços, ao que o mesmo acedeu.

24. O arguido ZF, que por ter a sua actividade cessada, não declarou aquele montante à Administração Fiscal, entregou ao arguido FM o valor do IVA recebido, para que esta pudesse, depois, entregar às Finanças, o que este, porém, não fez.

25. O arguido ZF, já regularizou esta situação junto das Finanças.

26. No exercício da sua actividade, a R., Ldª e o arguido FM, na qualidade de sócio gerente e em sua representação, estavam obrigados a liquidar IVA nas facturas emitidas aos seus clientes, pelos serviços prestados, e a entregar à Autoridade Tributária, as respectivas declarações periódicas, com a indicação do IVA devido, acompanhado do meio de pagamento, até ao décimo quinto dia do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações tributárias.

27. Porém, tendo recebido pelos serviços prestados a IM, o respectivo IVA, num total de 8.050 euros, correspondente ao 2.º trimestre de 2014, e de 12.075 euros, correspondente ao 3.º trimestre de 2014, o arguido FM não apresentou as respectivas declarações periódicas, pelo que não declarou aqueles valores, efectivamente recebidos, a título de IVA, que também não entregou ao Estado, nem nos prazos legais, nem nos 90 dias subsequentes ao respectivo termo.

28. O arguido FM, por si e enquanto legal representante da R., Ldª, ao não entregar nos cofres do Estado o IVA, por si liquidado e recebido de IM, integrou na sua esfera patrimonial a prestação tributária deduzida nos termos da lei durante os períodos supra referidos, bem sabendo que, deste modo, recebia benefícios patrimoniais a que não tinha direito e que, como tal, causava ao Estado um prejuízo de valor equivalente.

29. Agiram de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

30. A sociedade arguida “R.,LDª” já não exerce actividade laboral.

31. A sociedade arguida já foi condenada:
- por sentença proferida em 20.06.2013, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 350 dias de multa, à taxa diária de 10 euros (por factos praticados em 2009);
- por sentença proferida em 09.12.2014, pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 10 euros (por factos praticados em 20.12.2012);
- por sentença proferida em 11.03.2015, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 8 euros (por factos praticados em 2007);
- por sentença proferida em 11.07.2016, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 450 dias de multa, à taxa diária de 7 euros (por factos praticados em 15.02.2012);

32. O arguido FM dedica-se agora ao aluguer de materiais de cofragem, auferindo cerca de 700 euros mensais; vive em casa arrendada, pagando a renda mensal de 250 euros; tem dois filhos a cargo (com 18 e 9 anos de idade, ambos estudantes); a sua mulher está desempregada; tem o 12.º ano de escolaridade.

33. O arguido FM já foi condenado:
- por sentença proferida em 20.06.2013, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 7 euros (por factos praticados em 2009);
- por sentença proferida em 09.12.2014, pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6 euros (por factos praticados em 20.12.2012);
- por sentença proferida em 11.03.2015, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na pena de 270 dias de multa, à taxa diária de 7 euros (por factos praticados em 2007);
- por sentença proferida em 11.07.2016, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 6 euros (por factos praticados em 15.02.2012).».

Perante esta materialidade e relativamente ao crime de fraude fiscal qualificada, pp. pelos arts. pelos arts.103º, nº1 e 104º, nºs 1 e 2 al.) do RGIT, que aqui está em causa, de que os arguido foram acusados pelo MºPº mas que vieram a ser absolvidos pela sentença recorrida por em qualquer dos factos apurados a vantagem ilegítima obtida ou o beneficio indevido ser inferior a € 15.000,00 e ter sido entendido na esteira de alguma jurisprudência e doutrina nela citada que esse é o valor mínimo para o preenchimento do tipo.

Ao invés o recorrente/MºPº aderindo à outra posição doutrinal e jurisprudencial conhecida apoiando-se nela através dos acórdãos que cita na peça recursiva, entende não ser aplicável à fraude fiscal qualificada, mormente quando a execução do crime passa pela utilização de facturas falsas, como é aqui o caso – nº2 do art.104º do RGIT, o limite de € 15.000,00 previsto no nº2 do art.103º do mesmo diploma legal, pelo que em sua opinião os arguidos devem ser condenados pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, pp. pelos arts. pelos arts.103º, nº1 e 104º, nºs 1 e2 al.) do RGIT.

É esta a questão que aqui importa resolver.

Se se optar pela solução adoptada na sentença recorrida o recurso terá de improceder mantendo-se a absolvição nela proclamada relativamente ao crime de fraude fiscal.

Ao invés se vingar a posição preconizada pelo recorrente o recurso terá de proceder, impondo-se em consequência a condenação dos arguidos pela prática do mencionado crime de fraude fiscal.

São por demais conhecidos os argumentos aduzidos em abono de uma e outra das posições em confronto, que se encontram devidamente explanadas por um lado na sentença recorrida, nas respostas apresentadas pelos arguidos RC, A & C, Ldª e ZF e, por outro na peça recursiva.

Temos para nós, com o devido respeito pela opinião contrária, que a posição adoptada na sentença recorrida é que melhor se adequa e afeiçoa às regras da hermenêutica interpretativa que, por isso, sufragamos, pelo que entendemos também que o valor de € 15.000,00 previsto no art.103º, nº2 do RGIT integra o tipo de ilícito e estende-se ao tipo qualificado do art.104ºdo mesmo diploma, que não prevê um tipo autónomo mas um conjunto de circunstâncias qualificadoras do ilícito base.

Assim, merece a nossa adesão a argumentação em que se alicerça essa posição, que está exaustivamente explanada na sentença recorrida e que vamos seguir de perto nesta breve exposição.

Vejamos.
Nos termos do disposto no art.º 103.º, n.º 1 do RGIT, que incrimina a fraude fiscal, dispõe-se que:

«1. Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou pena de multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

a) ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

b) ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;

c) celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

2. Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15.000.

3. Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.»

Mais se prevê, no art.º 104.º do RGIT, onde se tipifica a fraude qualificada, que:

«1. Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
(…)
2. A mesma pena é aplicável quando:
a) a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou

b) a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50.000.
(…)».
Como se diz na sentença recorrida acerca da aplicabilidade do limite mínimo de 15.000 para a vantagem patrimonial ilegítima, expressamente previsto para a fraude fiscal simples, também à fraude fiscal qualificada, citando a este respeito, Isabel Marques da Silva (in “Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n.º 5, 3.ª edição, Almedina, págs. 212/213) que a exigência daquele valor mínimo de vantagem patrimonial ilegítima terá que valer também para a fraude qualificada, «sendo essa exigência decorrente da própria definição do crime como de “fraude qualificada”, ou seja como mera qualificação do crime fiscal base de fraude, exigindo pois a verificação de todos os elementos deste e ainda de circunstâncias especiais, que têm por efeito a agravação da penalidade aplicável».

Neste mesmo sentido o defendem também, entre outros, Germano Marques da Silva (in ob. cit., pág 237) e Susana Aires de Sousa (in “Os Crimes Fiscais – Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador”, da Coimbra Editora, 2009, pág. 114/115 e 118/119), onde escreve que «o tipo objectivo da Fraude Qualificada contém necessariamente os elementos que compõem o tipo matricial de Fraude mas também contempla, como é óbvio, elementos que vão para além daquele tipo legal e que, por isso, fundamentam não só a agravação da punição como conferem àquela norma uma natureza de especialidade. O n.º 1 do art.º 104.º prevê estas circunstâncias qualificadoras. Todavia, para que a fraude seja qualificada não é suficiente a ocorrência de uma daquelas circunstâncias. O legislador exige que se verifique a “acumulação” de mais de um daqueles elementos, criando assim uma técnica original de qualificação por adição ou acumulação. A Fraude Qualificada realiza-se então quando duas ou mais circunstâncias previstas no art.º 104.º se acrescentam às condutas ilegítimas tipificadas no art.º 103.º (…). O n.º 2 do artigo 104.º refere-se expressamente à utilização de facturas ou documentos equivalentes forjados. Estes casos foram autonomizados pelo legislador e fundamentam por si só uma qualificação da fraude fiscal, sem necessidade de realização cumulativa com qualquer outra circunstância. O legislador classifica em três categorias as facturas falsificadas: facturas ou documentos equivalentes relativos a operações inexistentes; facturas ou documentos equivalentes que referem valores diferentes dos valores reais; facturas ou documentos equivalentes que sugerem a intervenção de pessoas ou entidades diversas das envolvidas na operação subjacentes. Todavia, entendemos que as facturas forjadas utilizadas têm que ser idóneas para diminuir as receitas tributárias. Só assim se pode considerar preenchido o tipo de ilícito da Fraude fiscal, enquanto crime de aptidão. Uma outra questão importante é a de saber se o n.º 2 do artigo 103.º que estabelece a não punibilidade das condutas fraudulentas quando a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a 7.500 euros (à data, era este o valor da vantagem patrimonial consagrado na lei) vale nos casos em que a fraude é qualificada. A nosso ver a resposta só pode ser no sentido da validade, no âmbito do artigo 104.º daquele limite. A Fraude Qualificada só assume dignidade penal quando a vantagem patrimonial ilegítima, conseguida pelo agente em detrimento do património do Estado for igual ou superior àquele montante.»

Apoia-se ainda a sentença recorrida na jurisprudência nele a este propósito convocada como sejam o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19.11.2011 (relatado por Pilar de Oliveira); o acórdão do Tribunal de Relação de Guimarães, de 03.07.2012 (relatado por Maria Luísa Arantes); o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08.01.2013 (relatado por Ana Barata Brito) e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21.05.2014 (relatado por Pedro Vaz Pato), todos acessíveis in www.dgsi.pt.

E citando com toda a propriedade o acórdão desta Relação de 08-01-2013 acrescenta “que aquele valor de 15.000 euros que está previsto no art.º 103.º, n.º 2 do RGIT, integra o tipo de ilícito e estende-se ao tipo qualificado do art.º 104.º do RGIT, que não prevê um tipo autónomo mas um conjunto de circunstâncias qualificadoras do tipo base. Assim, os factos que consubstanciem uma vantagem ilegítima inferior a 15.000 euros não realizam, materialmente, nem o crime de fraude fiscal, simples ou agravado, nem a falsificação ou a burla do Código Penal.

Com efeito, ante a argumentação ali expendida, e à qual aqui se adere, o valor de 15.000 euros consagrado para o crime de fraude, constitui o patamar de punibilidade, quer para o tipo de ilícito base (o crime de fraude fiscal simples), quer para o crime qualificado do art.º 104.º do RGIT (o crime de fraude fiscal qualificada).

Na verdade, como ali se explica, «o art.º 103.º do RGIT incrimina como fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no artigo, que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. Essas condutas modais encontram-se descritas nas als. a) a c) do n.º 1. E o n.º 2 prescreve que “os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem ilegítima for inferior a 15.000 euros”. Por seu turno, o art.º 104.º do RGIT prevê a fraude qualificada, com elevação da moldura abstracta quando, ao que ora interessa, “a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes, por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente”. Trata-se de um preceito que prevê circunstâncias que qualificam o tipo de crime base, que é o do art.º 103.º. O crime de fraude fiscal do art.º 103.º configura, aliás, o ilícito basilar ou básico das infracções tributárias (…).

Os crimes tributários tutelam o património fiscal (…), bem jurídico político de referência, mas prosseguem também a verdade e a fiabilidade no tráfico jurídico fiscal, a transparência na relação do sujeito passivo com a administração fiscal (…), os quais se apresentam como bem jurídico instrumental do primeiro.

A fraude fiscal materializa-se numa defraudação, que visa a obtenção de benefício (fiscal) ou a causação de prejuízo (ao fisco).

O valor de 15.000 euros previsto declaradamente no art.º 103.º, n.º 2 do RGIT constitui um limiar mínimo de punição. Consubstancia uma fronteira de relevância típica, ou seja, um limite mínimo de dignidade penal. Integra, assim, o tipo de ilícito. Não configura uma simples condição de punibilidade, o que pressuporia que o tipo já estivesse realizado só havendo punição se a condição se verificasse; representa, sim, um elemento do próprio tipo de ilícito, sem o qual este não se realiza (…). Ao integrar o tipo de ilícito base não pode deixar de se estender ao tipo qualificado do art.º 104.º do RGIT, contaminando-o. É que este preceito não prevê um tipo de ilícito autónomo, mas um conjunto de circunstâncias qualificadoras do ilícito base. Configura uma forma qualificada de crime – de fraude fiscal-, com o sentido e as implicações que daí derivam. Assim, as condutas – todas as condutas – adequadas a causar diminuição de receita tributária inferior a 15.000 euros, não serão puníveis. E não o serão, mesmo que configurem uma das modalidades agravadas, previstas no art.º 104.º do RGIT. Abaixo daquele valor (“vantagem ilegítima inferior a 15.000 euros”), a acção não atinge dignidade penal.»

Tudo para se concluir que o limite de 15.000 euros consagrado no art.º 103.º, n.º 2 do RGIT, abaixo do qual os factos que integram o crime de fraude fiscal não são puníveis, é aplicável à fraude fiscal qualificada prevista no art.º 104.º do RGIT.

Assim, aplicando-se este entendimento interpretativo aos factos dados como provados na sentença recorrida temos que em todas as situações apuradas a vantagem patrimonial ilegítima ou indevida é inferior a € 15.000,00, pelo que a falta desse elemento constitutivo daquele crime determinou e, a nosso ver, bem a absolvição dos arguidos da prática desse crime.

Na verdade, como bem é referido na sentença recorrida e tal resulta da materialidade definitivamente sedimentada que o arguido FM, enquanto legal representante da sociedade arguida R., Ldª, acordou com os arguidos JG e RD, que agiram em nome e em representação da sociedade VF, no seguinte: mediante contrapartida monetária, aquele emitir-lhes-ia facturas que incluiriam a venda de materiais de construção civil que não lhes forneceria, com a indicação dos respectivos valores (que, portanto, não seriam pagos), sobre os quais discriminaria a incidência de IVA às taxas legais, a fim de poderem estes usar de tais facturas, para abaterem, no IVA a entregar ao Estado, aquele IVA, como se tivesse sido efectivamente suportado, assim reduzindo o valor da prestação tributária a cargo destes, diminuindo as receitas tributárias.

Em conformidade com o plano acordado entre todos, o arguido FM emitiu e entregou àqueles as facturas 885, 887, 891, 892 e 917, onde fez constar a venda de diversos materiais de construção civil, os respectivos valores de venda e os valores do respectivo IVA, as quais foram depois contabilizadas nas declarações periódicas de IVA da VF, como IVA a deduzir ao IVA a entregar ao Estado, obtendo esta e os seus legais representantes a correspondente vantagem patrimonial. Vantagem, essa, manifestamente ilegítima, dado que tais facturas não correspondiam às transacções efectivamente celebradas. Ou seja, na medida em que aquelas facturas não titulavam as vendas efectivamente feitas, mas antes, na sua maioria, operações que não foram realizadas, tratavam-se de facturas falsas, cuja utilização deu lugar à dedução indevida de valores de Imposto que não foram suportados pela VF e, portanto, não podiam ter sido deduzidos.

Ao assim agirem, obtiveram estes a vantagem correspondente à diminuição da prestação tributária devida que, não fosse aquela dedução, seria necessariamente superior, assim lesando o Estado nessa diferença.

Sucede que tais facturas não foram emitidas nem consideradas nas declarações periódicas de uma só vez. Antes resultou apurado que tais facturas terão sido consideradas em trimestres diversos, estando a VF enquadrada, para efeitos fiscais, no regime trimestral. Ou seja, em cada trimestre em que foram contabilizadas aquelas facturas falsas, a VF beneficiou de sucessivas vantagens patrimoniais ilegítimas.

Assim, as facturas 885 e 887, foram contabilizadas na declaração periódica de IVA respeitante ao 2.º trimestre de 2014 (datam de Junho de 2014), e ascendem a um total de 10.819,70 euros. As facturas 891 e 892, foram contabilizadas na declaração periódica de IVA respeitante ao 3.º trimestre de 2014 (datam de Setembro de 2014), e ascendem a um total de 5.042,40 euros. E a factura 917 foi contabilizada na declaração periódica de IVA respeitante ao 4.º trimestre de 2014 (data de Dezembro de 2014), e ascende a um total de 4.597,94 euros (sendo que o que releva, nos termos do art.º 103.º, n.º 3 do RGIT são os valores que devam constar de cada declaração).

Mais se apurou que o arguido FM, enquanto legal representante da sociedade arguida R., Ldª, acordou com o arguido RC, que agiu em nome e em representação da sociedade A & C, no seguinte: mediante contrapartida monetária, aquele emitir-lhe-ia uma factura, pela venda de materiais de construção civil que não lhe forneceria, com a indicação dos respectivos valores (que, portanto, não seriam pagos), sobre os quais discriminaria a incidência de IVA às taxas legais, a fim de poder este usar de tal factura, para abater, no IVA a entregar ao Estado, aquele IVA, como se tivesse sido efectivamente suportado, assim reduzindo o valor da prestação tributária a cargo deste, diminuindo as receitas tributárias.
Em conformidade com o plano acordado entre ambos, o arguido FM emitiu e entregou àquele a factura 809, onde fez constar a venda de diversos materiais de construção civil, os respectivos valores de venda e os valores do respectivo IVA, a qual foi depois contabilizada na respectiva declaração periódica de IVA da A & C, como IVA a deduzir ao IVA a entregar ao Estado, obtendo esta e o seu legal representante a correspondente vantagem patrimonial. Vantagem, essa, ilegítima, dado que tal factura não correspondia a qualquer transacção efectivamente celebrada, pelo que, não titulando qualquer operação de venda efectivamente feita, tratava-se de factura falsa, cuja utilização deu lugar à dedução indevida de valores de Imposto que não foram suportados pela sociedade A & C e, portanto, não podiam ter sido deduzidos. Ao assim agir, obteve este a vantagem correspondente à diminuição da prestação tributária devida que, não fosse aquela dedução, seria necessariamente superior, assim lesando o Estado nessa diferença.

Trata-se de uma factura, no valor de 6.210 euros, a qual foi considerada na respectiva declaração periódica, pelo que o valor da vantagem patrimonial auferida é inferior a 15.000 euros.

Como assim, não obstante os factos apurados evidenciem que os arguidos FM, por si e em representação da R., Ldª, e RC, por si e em representação da A & C, agindo de comum acordo e na execução de um plano comum, e visando a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, tivessem utilizado uma factura falsa, por uma operação inexistente, o valor da vantagem patrimonial ilegítima auferida pela utilização da dita factura não ultrapassa o limiar de punibilidade dos 15.000 euros.

Do exposto resulta que, pese embora os factos apurados evidenciem que os arguidos FM, por si e em representação da R., Ldª, e JG e RD, por si e em representação da VF, agindo de comum acordo e na execução de um plano comum, e visando a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, tivessem utilizado facturas, incluindo operações inexistentes, nenhum dos valores correspondentes às vantagens patrimoniais ilegítimas auferidas pela utilização das ditas facturas ultrapassa o limiar de punibilidade dos 15.000 euros exigidos para o crime de fraude fiscal (simples ou qualificada).

Sendo, como acima se referiu, o valor em evidência elemento constitutivo do ilícito imputado aos arguidos, verifica-se que a conduta não assume dignidade penal.

Por outro lado, não obstante os factos apurados evidenciem que os arguidos FM, por si e em representação da R., Ldª, e RC, por si e em representação da A & C, agindo de comum acordo e na execução de um plano comum, e visando a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, tivessem utilizado uma factura falsa, por uma operação inexistente, o valor da vantagem patrimonial ilegítima auferida pela utilização da dita factura não ultrapassa o limiar de punibilidade dos 15.000 euros.

Sendo, como acima se referiu, o valor em evidência elemento constitutivo do ilícito imputado aos arguidos, verifica-se que a conduta não assume dignidade penal.

Nestes termos, não se verificando o preenchimento de todos os elementos constitutivos do crime, impõe-se a absolvição dos arguidos pela sua prática do crime de fraude fiscal qualificado.

Apurou-se ainda, no que concerne ao arguido ZF, que o mesmo exerceu a sua actividade profissional na área da construção civil, tendo-se colectado nas Finanças. Porém, em 10.01.2014 cessou a actividade, porquanto, ante a crise do sector, não conseguiu fazer face às despesas com a sua actividade. Sucede que surgiu a oportunidade de realizar umas obras para a APVMA, porém, tendo a actividade cessada, não podia já emitir facturas próprias e os serviços só lhe seriam pagos mediante a emissão de factura. Então, o que decide o arguido fazer: conhecendo o arguido FM, que operava na mesma área que a sua, pediu-lhe “emprestadas” umas facturas, para que o mesmo as pudesse entregar à APVMA e receber, em contrapartida, o valor dos serviços prestados. O arguido FM acedeu ao pedido e entregou-lhe três facturas da sua sociedade (facturas 827, 866 e 869), pese embora a sua sociedade não tivesse qualquer participação nas ditas obras. Realizados os trabalhos contratados ao arguido ZF, e feito o respectivo pagamento, acrescido de IVA, entregou este arguido ao outro o valor do IVA recebido (517,73 euros) a fim de poder este cumprir a obrigação fiscal que ficara documentada nas facturas que aquele usara.

Ora, da factualidade acima exposta, tal como apurada, é de excluir que tal conduta preencha todos os elementos constitutivos do tipo criminal que lhe foi imputado, já que, pese embora tivesse usado facturas da sociedade R., Ldª, as quais se destinavam a comprovar os serviços prestados e cobrados por esta sociedade, serviços, esses, que a mesma não prestou à APVMA, nem cujo pagamento recebeu (nessa medida, tratam-se de facturas emitidas por entidade diversa da operação subjacente), não ficou demonstrado que com aquela conduta visasse o arguido a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária devida. Tal como não se demonstrou que tivesse agido de modo doloso com aquela específica intenção.

Acresce a quanto exposto, que, também aqui o valor do IVA em evidência, que corresponderia ao da vantagem patrimonial ilegítima (517,73 euros), no caso, auferida pela R. Ldª, que pôde contabilizar tais facturas e deduzir o IVA nelas exarado, sem que tivesse prestado qualquer serviço, não ascende aos 15.000 euros exigidos por lei.

Ante o exposto, por não se mostrarem preenchidos os elementos constitutivos do crime, importa absolver os arguidos da sua prática.

Assim, sendo nenhum reparo ou censura nos merece a absolvição dos arguidos da prática do crime de fraude fiscal qualificada, declarada na sentença recorrida, que por isso mantemos.

Nesta conformidade e sem mais desenvolvidas considerações por supérfluas, o recurso deve improceder, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida, que não afronta nem posterga nenhum dos princípios e preceitos legais invocados pelo recorrente.

DECISÃO.
Nestes termos e com tais fundamentos negamos provimento ao recurso, mantendo integralmente a sentença recorrida.

Sem custas por delas estar isento recorrente/MºPº (art.522º, do CPP).

Évora, 20 de Dezembro de 2018.

(Elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Gilberto Cunha

João Martinho de Sousa Cardoso