Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
208/17.0PBEVR.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: HOMICÍDIO TENTADO
DESISTÊNCIA
SILÊNCIO
ARREPENDIMENTO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I. Tendo resultado provados os factos que consubstanciam “actos de execução” do crime de homicídio e os factos que realizam o “dolo” de homicídio, para haver punição por crime de homicídio tentado (e, não apenas por crime de ofensa à integridade física consumada), não basta acrescentar apenas (como “facto” provado) que “a morte não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do arguido”;

II Esta afirmação final é estritamente conclusiva e tem de ser retirada de outros factos, que se têm de estar especificados na acusação, demonstrados no julgamento, e descritos finalmente nos factos provados do acórdão; Querendo o agente matar a vítima e ficando sem se saber por que razão não o fez, não é suficiente a (não) explicação que se reduz ao referido enunciado linguístico, estritamente conclusivo; pois é sempre factualmente que a resposta tem de ser dada.

III. Na ausência factual dessa resposta, várias hipóteses permanecem em aberto: o arguido não prossegue a execução do crime por se convencer de que a vítima já está morta ou que vai morrer seguramente? Não prossegue devido à intervenção de terceiros? Ou não prossegue porque desiste de matar?

IV. Nestas circunstâncias, e revelando-se essa resposta factual essencial à boa decisão da causa, pode configurar-se o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410º, nº 2, al. a), do CPP) resolúvel por via do reenvio para novo julgamento a fim de se apurarem os factos em falta, ou a absolvição do arguido do crime (mais grave) tentado e a consequente condenação pelo crime (menos grave) consumado.

V. Mas pode a matéria de facto provada, apesar das insuficiências referidas, consentir logo a condenação do arguido pelo crime de homicídio tentado, quando resultou demonstrado que o arguido actuou com dolo de homicídio, que praticou actos de execução do crime que decidiu cometer e que os demais factos provados permitem ainda afastar a desistência e a ponderação da aplicação do art. 23º do CP;

VI. Assim sucede quando fica provado que o arguido apertou o pescoço de sua mãe, que bateu com a cabeça desta por diversas vezes na cama de ferro, que colocou e apertou um cinto à volta do pescoço da mãe impedindo de respirar (ou seja, que praticou actos de execução do crime que decidiu cometer, enquadráveis na al. b), no mínimo na al. c), do nº 2, do art. 22º, do CP) e que ao aperceber-se de que a vítima se encontrava prostrada no chão, inanimada, a perder sangue pelos ouvidos, cabeça e boca, se dirigiu ao seu quarto e se deitou na cama a descansar; pois pode concluir-se que, independentemente de se ter dado ou não como provado que o arguido pensava que a mãe já estaria morta, independentemente de este saber, ou não, se a mãe iria morrer, não deixou de agir revelando ser-lhe indiferente se a vítima morreria em resultado das ofensas que lhe infligiu;

VII. E podendo concluir-se, no contexto global dos factos provados, que o arguido não pode deixar de admitir, tem de admitir, a possibilidade de a vítima morrer na sequência dos actos que praticou sobre ela, existe seguramente conformação com a morte, e é quanto basta para se configurar a tentativa punível de crime de homicídio.

VIII. Associar directamente o silêncio de arguido a uma indiferença sua perante o crime cometido pode comportar uma violação do direito ao silêncio, pois, em abstracto, não pode entender-se que o exercício do direito ao silêncio pelo arguido comporta em si, como se de uma colagem se tratasse, a demonstração da sua indiferença perante o crime praticado.

IX. A ausência de exteriorização de arrependimento não leva sem mais e necessariamente à conclusão de uma insensibilidade face aos factos, mas se a insensibilidade do agente não se retira por si só do seu silêncio, outras circunstâncias podem confluir em concreto com esse silêncio e permitir considerar que o agente revelou de facto essa insensibilidade.

X. Pois se o silêncio não pode desfavorecer, sobretudo no que respeita à demonstração dos factos criminosos imputados (no sentido de que quem cala não consente), ele também não beneficia em certos casos (por exemplo, no sentido de não levar a vislumbrar a exteriorização de arrependimento).

XI. O comprovado comportamento do arguido após a prática dos actos de execução do crime - indo-se deitar a dormir, abandonando a vítima no chão da sala, indiferente a ela, às lesões sofridas por ela e infligidas por si, aliado à ausência de manifestação de qualquer arrependimento justifica a ponderação concreta da “insensibilidade face aos factos” feita no acórdão.

Sumariado pela relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No processo comum coletivo n.º 208/17.0PBEVR, da Comarca de Évora, foi proferido acórdão a condenar o arguido AA como autor de um crime tentado de homicídio qualificado, dos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e 2, als. a) e e), 22.º, 23.º e 73.º, do CP, na pena de 8 (oito) anos de prisão, e a absolvê-lo de um crime de ofensa à integridade física qualificada, dos arts. 143.º, n.º1, 145.º, n.º1, al. a) e n.º2, e 132.º, n.º1, al. a), do CP.

Inconformado, recorreu o arguido, concluindo:

“1º O ora recorrente, encontra-se condenado pelo tribunal recorrido, como autor material na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº 1 e 2, alíneas a) e e), 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão.

2º Tal condenação não é sustentada por toda a prova existente nos autos, bem como aquela que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

3º Antes, toda a prova a que o tribunal teve acesso para fundamentar a douta decisão, permite concluir pela existência de factos tendentes à prática pelo arguido de um crime de ofensa à integridade física qualificada, por ser a ofendida sua mãe.

4º A qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido, apenas permite concluir pela existência de um crime de ofensa à integridade física qualificada, nunca, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.

5º Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4-Fev-2015/proc. 42/13.6GCMBR.C1 (INÁCIO MONTEIRO), acessível, nomeadamente, em www.dgsi.pt/trc: “há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade”. “Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada”.

6º O tribunal recorrido violou o previsto no Art.º 410º nº 2 c) do CPP, ao dar como provados os seguintes factos:- facto 9 “o arguido AA pegou num cinto de nylon, de cor encarnada, colocou o mesmo à volta do pescoço de sua mãe, MM e, fazendo força, apertou-o, impedindo esta de respirar”

- E, facto 13 “lesões adequadas a provocar a sua morte”. Em violação pelas regras da experiência comum.

7º Tal conclusão não se encontra estribada em qualquer prova, pelo que deve ser dado como não provado.

8º O hematoma vermelho com forma regular e circular na zona do pescoço é consequência directa e necessária do facto 8: “o arguido AA colocou as mãos no pescoço de sua mãe, MM, e, fazendo força, bateu com a cabeça da mesma, por diversas vezes, na cama de ferro, onde tinha estado a dormir”.

9º Pelo facto de o cinto haver sido encontrado na mesa de cabeceira do arguido, não pode o tribunal recorrido, sem prova que o sustente, concluir que este o tenha colocado à volta do pescoço da mãe.

10º Até porque, se o cinto tivesse sido colocado e apertado com força à volta do pescoço de MM, não existiria qualquer dúvida de que os vestígios hemáticos lhe pertenciam, certeza que não foi atingida pela perícia efectuada.

11º Em face da análise aos vestígios hemáticos, a fls. 234 dos autos, a que alude o douto acórdão recorrido, no seu parágrafo quinto “Motivação da decisão de facto”, relativamente ao facto 9, dado como provado, não poderia concluir, com a necessária certeza, que tais vestígios pertenciam à ofendida.

12º No douto acórdão, a decisão é contra a lógica normal da vida, já que as provas apontam em sentido contrário ao que foi extraído.

13º Perante factos incertos, a dúvida não pode desfavorecer o arguido, pelo que o tribunal a quo, deveria ter tomado decisão a favor deste.

14º Neste sentido Ac. STJ de 4-12-2008: “VII. O princípio in dubio pro reo estabelece que, perante a persistência de uma dúvida razoável, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido.

Não tendo o tribunal a quo, manifestado sequer a sua dúvida, ocorreu a violação do disposto no artigo 32º CRP.” Ac. STJ de 12.03.2009, “III- O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.

(…) V- Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.”

15º Mostra-se amplamente violado, no douto acórdão recorrido, o princípio in dúbio pro reo.

16º No douto acórdão recorrido, é dado como provado: “em consequência directa e necessária da descrita conduta de AA, MM sofreu de traumatismo crânio-encefálico com perda de consciência, de hematoma frontal lateral direito, de traumatismo da face, de traumatismo maxilo-facial, com fractura do dente 21 e fractura cominutiva do ângulo e ramo mandibular esquerdos, de limitação de abertura da boca a cerca de 2,5 centímetros, de edema exuberante da hemiface esquerda, de traumatismo de pescoço, traumatismo do cotovelo esquerdo, com luxação posterior e fractura da tacícula radial (marginal), de cicatriz linear na região ântero-auricular esquerda, heterocrómica, oblíqua para baixo e para a frente, com 2 centímetros de comprimento, de cicatriz linear no pavilhão auricular esquerdo, hipercrómica, com 0,2 centímetros, de cicatriz na região zigomática esquerda, com 0,5 centímetros de diâmetro, de assimetria facial por tumefacção de consistência dura do ramo horizontal esquerdo da mandíbula, de limitação de abertura máxima da boca de 4 centímetros, de dores físicas, de ansiedade, de vertigens postural, de alterações da memória recente, de stress pós-traumático, de receio e de mal-estar psicológico, lesões adequadas a provocar a sua morte”.

17º Porém, tal conclusão demonstra erro notório na apreciação da prova, ao considerar provado que tais lesões são adequadas a provocar a morte da ofendida.

18º Do relatório da perícia de avaliação do dano corporal, fls. 185 do apenso, contraria essa possibilidade, na medida em que refere que as consequências permanentes descritas e que resultam do evento, não atingem um grau de gravidade tal, pelo que não se verifica qualquer dos efeitos previstos nas alíneas do artigo 144º do Código Penal vigente.

19º As lesões não têm a gravidade correspondente ao crime de ofensa à integridade física grave, não se vislumbrando nenhuma fundamentação para a condenação do arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.

20º “Efectivamente, na Lei nº 43/86, de 26-09 - Lei de autorização legislativa de que emergiu o CPP1987 - artigo 2º, nº 2, alínea 31), foi indicada a necessidade de “definição, em matéria do valor probatório das perícias, de uma regra pela qual se presume subtraído à livre convicção do magistrado o juízo técnico, científico e artístico inerente às perícias, com obrigação de fundamentação de eventual divergência”.

Assim, veio o n.º 1 do artigo 163.º do Código de Processo Penal a estabelecer, que «o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador». E o n.º 2 estabelece que «sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência».

Para Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1999, II, pág. 178, «a presunção que o art. 163º, nº 1, consagra não é uma verdadeira presunção, no sentido de ilação, o que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido; o que a lei verdadeiramente dispõe é que salvo com fundamento numa crítica material da mesma natureza, isto é, científica, técnica ou artística, o relatório pericial se impõe ao julgador. Não é necessária uma contraprova, basta a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são fundamento do juízo pericial»” (acórdão STJ 1-Out-2008/proc. 08P2035 (RAÚL BORGES)), acessível, nomeadamente, em www.dgsi.pt/stj.

21º O tribunal recorrido não fundamenta a divergência em relação às conclusões do relatório da perícia médico-legal, violando grosseiramente o previsto no artigo 163º, nº 1 e 2 do C. P. P..

22º Pelo que o tribunal recorrido, não podia dar como provado o facto 13, considerando que inexistem os danos adequados a provocar a morte da lesada, porque a perícia médico-legal afasta essa possibilidade.

23º O silêncio não pode desfavorecer o arguido, e porque este em nenhum momento prestou declarações, o facto 19 considerado provado pelo tribunal a quo, não o poderia ter sido.

24º Tal decisão, viola a proibição de valoração de prova, mormente atento o previsto no art 343º/1, do CPP.

25º Não se mostra aceitável, nomeadamente com recurso às regras da experiência comum, na perspectiva do homem médio pressuposto pelo direito, que o arguido haja configurado a possibilidade de tirar a vida à ofendida.

26º A condenação do arguido, somente pode ser estribada à luz do previsto no artigo 145º, nº 1, a) do C. P..

27º Consta no douto acórdão recorrido: “os actos materiais praticados pelo arguido em relação à ofendida MM, sua mãe, consubstanciam assim actos de execução de um crime de homicídio, por serem, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, de natureza a fazer esperar que se lhes sigam outros idóneos a produzir o resultado típico, neste caso a morte da ofendida”.

28º E neste, também foi dado como provado: “ao aperceber-se de que MM se encontrava prostrada no chão, inanimada, a perder sangue pelos ouvidos, cabeça e boca, AA dirigiu-se ao seu quarto, levando o cinto, que colocou sobre a mesa-de-cabeceira, e deitou-se na cama”.

29º Sendo possível concluir que o arguido cessou a prática dos factos por vontade própria, havendo-se deitado na cama, não se seguindo actos idóneos a produzir a morte, por circunstâncias imprevisíveis que também não aconteceram.

30ºPor acórdão do TRC de 15-Out-2014/proc. 497/10.0GBOBR.C1 (MARIA JOSÉ NOGUEIRA), acessível, nomeadamente, em www.dgsi.pt/trc, foi o arguido neste condenado pela prática de crime de ofensas à integridade física grave, em pena de 4 (quatro) anos de prisão.

31º Entende o arguido AA, que a sua condenação nunca poderá ser pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.

32º Face ao amplamente exposto, o arguido apenas pode ser condenado pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, em pena de prisão situada na mediana da pena abstractamente prevista no Artigo 145º/1-a) do Código Penal.

33º O douto acórdão do tribunal recorrido violou o artigo 71º do Código Penal, porque decide aplicar uma pena totalmente desajustada em face da culpa aferível ao arguido, bem como às exigências de prevenção.

34º Igualmente, o Tribunal a quo não sopesa adequadamente, o facto de o arguido ser primário.

35º Em todo o caso, mesmo que VV. Ex.as venham a entender que o enquadramento jurídico se mostra adequado, o que o ora recorrente apenas admite como mera hipótese académica, sempre terá de ser entendido que a pena extravasa amplamente a medida da culpa aferível ao arguido.

36º Pelo que a douta decisão do tribunal a quo, embora já amplamente alegado, ultrapassa o previsto, pelo menos, no art.º 40º do Código Penal.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, com o douto suprimento de VV. Ex.as, deve ser reformado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que decida:

1 – Haver o arguido praticado factos legalmente enquadráveis no crime de ofensas à integridade física, qualificado por haver sido na pessoa de sua Mãe.

2 – Condenar o arguido na pena de prisão, em medida não superior à mediana abstractamente prevista no Artigo 145º/1-a) do Código Penal.

3 – Suspender a execução de tal pena por idêntico período, embora, eventualmente, sujeita a regime de prova.

Ou;
4 – A manter-se o enquadramento jurídico dos factos, a pena não se deve situar em medida superior a quatro anos de prisão, a qual deve ser suspensa na sua execução por igual período, sujeita, eventualmente, a regime de prova.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

“1. O Acórdão também não incorre no vício de erro notório na apreciação da prova, previsto nas al. c), do nº 2, do artº 410º, do C.P.P., nomeadamente quanto aos factos descritos nos nºs. 9 e 13, pois é manifesto, face ao seu teor, que não foi dado como provado algo que notoriamente está errado.

2. Analisada a prova produzida no decurso do julgamento não subsistem dúvidas quanto ao acerto da decisão do Tribunal Colectivo em julgar provados os factos descritos nos nºs. 9 da matéria assente, porquanto

3.- o cinto vermelho foi encontrado na cabeceira da cama do arguido –cfr. auto de fls. 40 vº e declarações do Guarda NM, aos 05’.40 segs do seu testemunho (encontramos cabelos … no cinto, que se encontrava em cima da cabeceira da cama);

4.- nesse cinto vieram a ser encontrados vestígios hemáticos, de dois dadores, dos quais não foi excluída a vítima MM –cfr. relatório de perícia de fls. 233 e 234- apesar da vítima não se deslocar a essa casa há cerca de um mês, como referiu aos 11’.00” e segs. das suas declarações;

5.- como a vítima MM referiu, ficou com uma lesão no pescoço, em concreto «um hematoma vermelho, com forma regular e circular na zona do pescoço», quer de um lado do pescoço quer do outro, que permaneceu durante cerca de um mês, que não lhe pareceu que fossem marcas de dedos, porque eram regulares, à volta do pescoço, como a testemunha referiu aos 19’.00” das suas declarações.

6. a parte do corpo de MM que embateu na parte da cama não foi o pescoço mas a cabeça, conforme julgado provado, pelo que o hematoma que a vítima apresentava no pescoço não foi produzido por esses embates.

7. não se verifica qualquer dúvida quanto à pertença à vítima MM dos vestígios hemáticos encontrados no cinto, estavam sim misturados com vestígios de outro dador, pelo que não existem dúvidas que no dia 09.02.2017 o arguido utilizou o cinto para agredir a sua mãe;

8. após o arguido ter embatido com a cabeça da sua mãe na travessa em ferro da parte lateral da cama esta caiu ao chão nesse local e perdeu os sentidos (como refere aos 24’.00” das suas declarações mas quando a testemunha AL chegou ao local ela estava caída em frente ao louceiro, numa poça de sangue, na sala, como a testemunha referiu aos 04’.00” das suas declarações e se encontra documentado na foto de fls. 4, o que demonstra que o seu corpo foi removido do quarto do arguido, onde caiu sem sentidos, para a sala da habitação onde foi encontrado.

9. Articulando todos estes elementos dúvidas não existem da prática pelo arguido dos factos julgados provados sob o nº 9, da matéria assente no Acórdão não existindo qualquer dúvida razoável quanto a tais factos que imponha o recurso ao princípio legal e constitucionalmente consagrado do «in dubio pro reo»

10. No que tange à adequação das lesões descritas sob o nº 13 da matéria julgada assente para causar a morte, como considerado provado na parte final desse número afigura-se que assiste razão ao arguido. Com efeito,

11. Nenhum dos exames médicos realizados nos autos se pronúncia no sentido de que as lesões ali descritas eram idóneas a alcançar tal desiderato, nem se tratam de lesões que, pela sua especial gravidade, à luz de critérios de experiência comum, revelem que poderiam causar o óbito da vítima.

12. Pelo que o trecho final dos factos julgados provados no nº 13 da matéria jugada provada “lesões adequadas a causar a morte” deverá ser removido e acrescentado aos factos “não provados”.

13. No que concerne ao facto julgado provado no nº 19, da matéria assente verifica-se que o mesmo se encontra estribado no relatório social elaborado pela equipa do Baixo Alentejo da DGRSP, junto a fls. 488 e 489, como resulta da fundamentação do Acórdão, sendo ainda certo que as conclusões do relatório de Perícia Médico-Legal, realizada ao arguido, junto a fls. 385 a 388, apontam em sentido semelhante, pelo que é claro que tal deverá manter-se no acervo dos factos provados.

14. A expressão dirigida pelo arguido à ofendida logo que esta entrou no quarto daquele e o abordou “eu vou-te matar, não sais daqui viva”;

15. Acto contínuo, de surpresa, o arguido colocou as mãos no pescoço de sua mãe, MM, e, fazendo força, bateu com a cabeça da mesma, por diversas vezes, na cama de ferro, produzindo-lhe as lesões descritas no nº 13, da factualidade julgada provada, entre as quais diversas fracturas o que demonstra a força empegue pelo arguido;

16. E, de seguida, pegou num cinto de nylon, que colocou à volta do pescoço de sua mãe e, fazendo força, apertou-o, impedindo esta de respirar;

17. Tendo, então, MM pedido à sua mãe que lhe acudisse, tendo esta, de imediato ido procurar ajuda, enquanto o arguido continuava a apertar o cinto à volta do pescoço da vítima, só deixando de o fazer quando a verificou que MM se encontrava prostrada no chão, inanimada, a perder sangue pelos ouvidos, cabeça e boca;

18. Após o que o arguido retirou o cinto do pescoço de MM e foi refugiar-se no seu quarto, sem cuidar do estado da vítima;

19. As regiões do corpo da queixosa atingidas pelos golpes desferidos pelo arguido, que procurou, primeiro a cabeça, que fez embater violentamente na travessa em ferro da cama, meio apto a provocar-lhe fracturas na colete craniana e subsequentes lesões no cérebro e, depois, o pescoço, que apertou fortemente com um cinto, até que a vítima ficou inanimada no chão, o que se constitui como meio apto a sufocar uma pessoa e, consequentemente, a provocar-lhe a morte;

20. A circunstância do arguido só ter cessado de apertar o pescoço da sua mãe com o cinto depois de AB ter saído de casa para pedir ajuda, no caso à testemunha AL;

21. Forçoso é concluir, de acordo com os aludidos critérios de normalidade da vida e as regas da experiência comum, que o arguido quis por dois meios diferentes e sucessivos tirar a vida à sua mãe MM, que agiu com o propósito de a matar.

22. Consequentemente, não merece reparo a factualidade objectiva descrita no Acórdão e, atento quanto se deixa dito quanto aos elementos subjectivos do tipo deve a matéria a estes concernente julgar-se igualmente provada e, consequentemente, ser proferida decisão que mantenha o decidido no Acórdão recorrido nos nºs. 14 e 15 dos factos provados, por conforme à prova produzida e às regras da experiência comum, pois estas permitem sustentar que um homem de 38 anos que anuncia a uma mulher de 69 anos que vai matá-la e, acto contínuo agarra-a pelo pescoço com as mãos, mantendo-a assim presa faz embater por diversas vezes a cabeça desta contra a travessa da cama, em ferro, após o que lhe coloca um cinto ao pescoço e aperta até que a vítima fica caída e inanimada no chão, a sangrar dos ouvidos, cabeça e boca, quis efectivamente tirar a vida à vítima.

23. Factualidade que preenche todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 26º, 73º, 131º, 132º, nºs 1 e 2, al. a) e e), do Código Penal, pelo que deve essa decisão ser mantida nos seus precisos termos.

24. No que concerne à pena concreta aplicada ao arguido no Acórdão recorrido, para além destas circunstâncias enunciadas no Acórdão afigura-se que importa ainda considerar,

25. O grau de ilicitude muito elevado, expresso na utilização sucessiva de dois meios contra a ofendida, na intensidade do dolo, que se afigura de grau muito elevado e directo, pois provou-se que era propósito efectivo e anunciado do arguido matar a sua mãe e não apenas feri-la;

26. A culpa, também de grau muito elevado: o arguido agiu com as próprias mãos, contra a pessoa que o gerou, completamente de surpresa sem lhe dar qualquer hipótese de defesa;

27. A forte necessidade de prevenção geral deste tipo de condutas, gravemente atentatórias de direitos fundamentais e que geram forte repulsa na comunidade em geral. O aumento significativo deste tipo de crimes que se vem registando, ou pelo menos conhecendo, impõe que se desencoraje a sua prática, assim se repondo a confiança da comunidade na eficácia do ordenamento jurídico;

28. A conduta anterior aos factos: o arguido não tem antecedentes criminais registados, circunstância que não podendo traduzir qualquer prémio, posto que é dever de qualquer cidadão manter uma conduta conforme com o direito, não será aqui de desconsiderar totalmente, atenta a sua idade à data da prática dos factos.

29. A conduta posterior aos factos e as necessidades de prevenção especial: a assunção pelo arguido da indiferença perante a sua insensibilidade face aos factos que praticou, não evidenciando sequer, por qualquer forma, reprovação por actos desta natureza, situação que impõe que se acautele a prática futura de ilícitos criminais de idêntica natureza.

30. Sopesando as circunstâncias indicadas, donde ressalta à evidência a preponderância das de cariz agravante aceita-se a aplicação ao arguido de uma pena um pouco abaixo do meio da moldura penal como realizado no Acórdão recorrido.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer acompanhando a resposta do Ministério Público em primeira instância.

Não houve resposta ao parecer e, colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. No acórdão, consideraram-se os seguintes factos provados:
“1) O arguido AA, nascido a 19 de Janeiro de 1979, de 38 anos de idade, é filho de MM e de LL.

2) O arguido AA reside com a avó materna, AB, nascida no dia 2 de Outubro de 1925, na Rua..., em Évora.

3) O arguido AA não exercia qualquer profissão remunerada, sendo sustentado pelo seu pai e avó materna.

4) Entre o dia 5 e o dia 9 de Fevereiro, o arguido AA permaneceu no interior da habitação, deitado na cama, de onde não saiu nem para tomar refeições nem para cuidar da sua higiene.

5) Preocupada, no dia 9 de Fevereiro de 2017, MM dirigiu-se a Évora a fim de apurar o que se passava com o filho, o arguido AA.

6) Já em Évora, pelas 12H00, no interior da residência, depois de cumprimentar a mãe, MM dirigiu-se ao quarto onde o filho, o arguido AA, se encontrava deitado a dormir e, depois de o acordar, disse “AA o que se passa? Não sais da cama?”.

7) De imediato, sem que nada o fizesse prever ou justificasse, o arguido AA disse a sua mãe “eu vou-te matar, não sais daqui viva”.

8) Acto contínuo, o arguido AA colocou as mãos no pescoço de sua mãe, MM, e, fazendo força, bateu com a cabeça da mesma, por diversas vezes, na cama de ferro, onde tinha estado a dormir.

9) De seguida, o arguido AA pegou num cinto de nylon, de cor encarnada, colocou o mesmo à volta do pescoço de sua mãe, MM e, fazendo força, apertou-o, impedindo esta de respirar.

10) Entretanto, MM gritou “ai mãe acuda-me, mãe acuda-me”, “mãe, mãe, socorro” e caiu ao chão.

11) De seguida, AB dirigiu-se à rua para pedir ajuda.

12) Entretanto, ao aperceber-se de que MM se encontrava prostrada no chão, inanimada, a perder sangue pelos ouvidos, cabeça e boca, AA dirigiu-se ao seu quarto, levando o cinto, que colocou sobre a mesa-de-cabeceira, e deitou-se na cama.

13) Em consequência directa e necessária da descrita conduta de AA, MM sofreu de traumatismo crânio-encefálico com perda de consciência, de hematoma frontal lateral direito, de traumatismo da face, de traumatismo maxilo-facial, com fractura do dente 21 e fractura cominutiva do ângulo e ramo mandibular esquerdos, de limitação de abertura da boca a cerca de 2,5 centímetros, de edema exuberante da hemiface esquerda, de traumatismo de pescoço, traumatismo do cotovelo esquerdo, com luxação posterior e fractura da tacícula radial (marginal), de cicatriz linear na região ântero-auricular esquerda, heterocrómica, oblíqua para baixo e para a frente, com 2 centímetros de comprimento, de cicatriz linear no pavilhão auricular esquerdo, hipercrómica, com 0,2 centímetros, de cicatriz na região zigomática esquerda, com 0,5 centímetros de diâmetro, de assimetria facial por tumefacção de consistência dura do ramo horizontal esquerdo da mandíbula, de limitação de abertura máxima da boca de 4 centímetros, de dores físicas, de ansiedade, de vertigens postural, de alterações da memória recente, de stress pós traumático, de receio e de mal-estar psicológico, lesões adequadas a provocar a sua morte.

14) Ao agir do modo descrito, com indiferença e insensibilidade, o arguido AA agiu com o propósito de retirar a vida a sua mãe, MM, e de causar grande sofrimento físico e psíquico à mesma enquanto o fazia, resultado que não logrou alcançar por motivos alheios à sua vontade.

15) O arguido AA agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

16) O arguido não tem antecedentes criminais.

17) O arguido frequentou o ensino superior na Universidade Lusófona, inicialmente no curso de psicologia de que desistiu e posteriormente no curso de radiologia, o qual se encontra por concluir.

18) O arguido tem uma relação de proximidade com a sua avó AB, apoiando-a na realização de algumas tarefas.

19) O arguido assume com indiferença a sua insensibilidade.”

Foram dados como não provados os factos seguintes:
“A) Aproveitando-se do facto da mãe, MM, se encontrar prostrada no chão, o arguido AA desferiu, fazendo força muscular, vários pontapés na cabeça e corpo da mesma.

B) Simultaneamente, o arguido AA, com as mãos, mantinha o cinto apertado à volta do pescoço da mãe, MM, que arrastou até à sala de estar.

C) Surpreendida pelos gritos, AB, de 91 anos de idade, dirigiu-se à sala de estar onde se encontravam a filha e o neto e, aí chegada, ao aperceber-se do que este se encontrava a fazer, disse ao mesmo “oh AA, pelo amor de Deus, o que estás a fazer?, “tem piedade”.

D) Indiferente às súplicas da avó e ao sofrimento da mãe, AA continuou a desferir pontapés na cabeça e no corpo de MM, apertando simultaneamente o pescoço da mesma com o cinto, enquanto dizia “ela vai morrer, ela já não sai daqui, ela hoje vai morrer, ela hoje já não sai daqui que eu vou matá-la.”

E) Desesperada, AB tentou impedir que o neto continuasse a agredir sua filha, tendo-se colocado à frente do mesmo.

F) De imediato, AA colocou uma das mãos sobre o corpo de sua avó, AB, e, fazendo força, empurrou a mesma, fazendo-a cair ao chão.

G) Em consequência directa e necessária da conduta de AA, AB sofreu de hematoma na mão esquerda, de dores físicas, de receio e mal-estar psicológico.

H) Ao empurrar a avó, Antónia Bilro, AA agiu com o propósito de a afastar, bem sabendo que a mesma tem 91 anos de idade e dificuldades de locomoção e que ao empurra-la provocaria a queda e lesões à mesma, como, aliás, aconteceu, o que também pretendeu e fez.”

E a motivação da decisão de facto foi a que segue:
“A formação da convicção do Tribunal teve por base, quanto aos factos descritos na douta acusação, a análise crítica da globalidade da prova, analisada à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.

Assim, teve o tribunal em conta, designadamente o auto de notícia e o aditamento de fls. 2 e ss. e 11, as fotografias de fls. 4 e ss., os autos de apreensão de fls. 12, 44 e 48 e ss., o episódio de urgência de fls. 19 e ss., a certidão de nascimento de fls. 32, a informação clinica de fls. 84 e ss., 159 e ss., 167 e ss., 267 e ss., 307 e ss., 340, os relatórios de perícia de avaliação do dano corporal de fls. 203 e ss., 405 e ss. e 183 e ss. do apenso, o relatório de exame pericial das recolhas dos vestígios biológicos de fls. 226 e ss., os relatórios de perícia médico legal de fls. 281 e ss., 362 e ss. e 498 e ss., para a prova dos factos 1), 4) a 10), 12) a 15).

No que diz respeito aos factos 4) a 10), o tribunal considerou relevante o depoimento da ofendida MM que de uma forma calma e coerente e, por isso, credível, relatou ao tribunal ter vindo a Évora porque a sua mãe no dia 08 de Fevereiro ligou-lhe devido ao facto do arguido não sair de casa, estar na cama e não se alimentar, relatando os factos em consonância com o exposto na acusação, referindo no entanto que após o arguido lhe agarrar no pescoço e bater com a sua cabeça na cama de ferro não se recorda de mais nada para além de chamar pela sua mãe.

Não obstante a vitima não se recordar do que terá ocorrido posteriormente, o tribunal não tem dúvidas de que o arguido após bater com a cabeça da ofendida na cama, colocou um cinto de nylon à volta do seu pescoço, fazendo força e impedindo-a de respirar, na medida em que aquela mencionou por um lado ter ficado com um hematoma vermelho, com forma regular e circular na zona do pescoço, e por outro lado recordar-se de ver um cinto vermelho na mesa de cabeceira do arguido – facto 9).

Acresce o facto de ter sido recolhida uma mistura de vestígios hemáticos do referido item proveniente de mais do que um individuo, da qual não foi excluída como dadora a ofendida (fls. 234), o que conciliado com as declarações da ofendida, acima referida, leva o tribunal a concluir com segurança pela utilização do cinto pelo arguido da forma descrita na acusação – facto 9).

O relato da ofendida acerca do tipo de agressão que sofreu teve arrimo no relatório de urgência, nas informações clinicas e nos relatórios de avaliação de dano corporal – acima discriminados - que relatam as inúmeras lesões e estabelecem o nexo de causalidade entre as mesmas e a actuação do arguido – factos 4) a 9) e 13).
No que diz respeito à forma como a ofendida MM ficou e à actuação do arguido após a agressão o tribunal atendeu às fotografias de fls. 4 e ss., cujo teor foi confirmado quer pelo depoimento da testemunha AL – que se pautou pela coerência e detalhe - que relatou ter-se deslocado ao interior da residência de AB e ter encontrado a ofendida caída no chão com a cabeça junto ao degrau de acesso ao quarto e ao wc a sangrar, quer pelo depoimento de NM (agente da P.S.P.) que foi ao local e viu o arguido no quarto tapado com as mantas, bem como o cinto com a respectiva fivela solta – facto 12).

A testemunha AL relatou ainda que foi a avó do arguido AB que veio para a rua pedir ajuda, bem como que foi a própria que telefonou às autoridades, o que motivou o teor do facto 11).

Quanto aos factos 2) a 3) e 17) a 19) o tribunal considerou o relatório social de fls. 487 e ss. cujo teor acabou por ser corroborado pelas testemunhas arroladas pelo arguido, MG, MT e MS, que relataram a relação de proximidade do arguido com a sua avó AB, facto que foi considerado pelo tribunal. No que tange ao sustento do arguido, o tribunal considerou quer o relatório social que confirmou a actual situação de inactividade do arguido, quer o relato da ofendida sua mãe que confirmou que o mesmo recebia dinheiro do pai e da avó.

Todos os depoimentos testemunhais acima referidos não foram contrariados por qualquer outro meio de prova, mostrando-se devidamente corroborados pelos elementos de prova constantes dos autos acima discriminadamente mencionados.
No que diz respeito ao depoimento de AM o mesmo apenas relevou para a confirmação do teor do aditamento ao auto de notícia e auto de apreensão acima mencionados, na medida em que foi este agente da PSP que procedeu à recolha das roupas do arguido, sendo que quanto ao mais não demonstrou qualquer conhecimento directo.

No que diz respeito ao elemento subjectivo o tribunal recorreu aos demais factos concatenados com as regras de experiência comum.

O certificado de registo criminal do arguido junto a fls. 460 foi atendido quanto aos seus antecedentes criminais.

Por fim, no que tange aos factos não provados os mesmos deveram-se à total ausência de prova. Cumpre mencionar que não obstante as fotografias de fls. 8 e 9 não foi possível ao tribunal concluir com certeza que as lesões sofridas por AB ocorreram da forma descrita na acusação, na medida em que a mesma legitimamente recusou prestar depoimento, inexistindo qualquer outro testemunho directo acerca desses factos.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são o erro notório na apreciação da prova, o erro de subsunção e a medida da pena.

Do erro notório na apreciação da prova
O recorrente impugna a matéria de facto por via da invocação do erro notório na apreciação da prova, vício da sentença previsto no art. 410º, nº 2, al. c), do CPP.

Trata-se, como pacificamente tem sido considerado, de um erro (ignorância ou falsa representação da realidade) evidente, facilmente detectado, e resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum. Consiste em considerar-se provado algo notoriamente errado, que não poderia ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador das regras da experiência comum. É uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si (…) Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se respeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis(Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 74).

Da leitura do “acórdão de facto” (composto pelos factos provados, pelos factos não provados e pelo exame crítico das provas) resulta logo claro que todos os factos provados se encontram exaustiva e coerentemente justificados, inexistindo erro de julgamento na vertente do erro de facto.

Cumpre, no entanto, concretizar esta constatação, no confronto das razões do recurso.

Assim, o recorrente argumenta que “o tribunal violou o previsto no art.º 410º, nº 2, al. c), do CPP, ao dar como provados os seguintes factos: facto 9 “o arguido AA pegou num cinto de nylon, de cor encarnada, colocou o mesmo à volta do pescoço de sua mãe, MM e, fazendo força, apertou-o, impedindo esta de respirar” e facto 13 “lesões adequadas a provocar a sua morte” por “tal conclusão não se encontrar estribada em qualquer prova, pelo que deve ser dado como não provado”. Impugna também a demonstração dos factos relativos ao dolo de homicídio. E são estes três os pontos de facto que coloca em crise, por via da invocação de um erro notório na apreciação da prova.

Relativamente ao primeiro, argumenta que “pelo facto de o cinto haver sido encontrado na mesa de cabeceira do arguido, não pode o tribunal recorrido, sem prova que o sustente, concluir que este o tenha colocado à volta do pescoço da mãe”, “se o cinto tivesse sido colocado e apertado com força à volta do pescoço de MM, não existiria qualquer dúvida de que os vestígios hemáticos lhe pertenciam, certeza que não foi atingida pela perícia efectuada” e “o hematoma vermelho com forma regular e circular na zona do pescoço é consequência directa e necessária do facto 8: “o arguido AA colocou as mãos no pescoço de sua mãe, MM, e, fazendo força, bateu com a cabeça da mesma, por diversas vezes, na cama de ferro, onde tinha estado a dormir”.

Relativamente ao segundo, defende que no acórdão recorrido é dado como provado que “em consequência directa e necessária da descrita conduta de AA, MM sofreu (…), lesões adequadas a provocar a sua morte”, mas “o relatório da perícia de avaliação do dano corporal contraria essa possibilidade, na medida em que refere que as consequências permanentes descritas e que resultam do evento, não atingem um grau de gravidade tal, pelo que não se verifica qualquer dos efeitos previstos nas alíneas do artigo 144º do Código Penal vigente”.

Por último, a não demonstração dos factos do dolo retirar-se-ia da ausência de prova dos factos que interessam ao tipo objectivo do homicídio (agravado tentado).

Para além da sustentação da decisão de per si (e é o acórdão que tem de resistir, e resiste, à impugnação do recorrente), do contraditório do recurso resulta que muitas das respostas à impugnação da matéria de facto (no sentido da sustentação do acórdão) se encontram dadas na resposta ao recurso.

Assim, no que respeita ao ponto de facto provado em 9., o Ministério Público referiu, “o Tribunal esclareceu na fundamentação de facto do Acórdão:

i) - o cinto vermelho foi encontrado na cabeceira da cama do arguido –cfr. auto de fls. 40 vº e declarações do Guarda NM, aos 05’.40 segs do seu testemunho (encontramos cabelos … no cinto, que se encontrava em cima da cabeceira da cama);

ii) - nesse cinto vieram a ser encontrados vestígios hemáticos, de dois dadores, dos quais não foi excluída a vítima MM –cfr. relatório de perícia de fls. 233 e 234- apesar da vítima não se deslocar a essa casa há cerca de um mês, como referiu aos 11’.00” e segs. das suas declarações;

iii) - como a vítima MM, ficou com uma lesão no pescoço, em concreto «um hematoma vermelho, com forma regular e circular na zona do pescoço», quer de um lado do pescoço quer do outro, que permaneceram durante cerca de um mês, que não lhe pareceu que fossem marcas de dedos, porque eram regulares, à volta do pescoço, como a testemunha referiu aos 19’.00” das suas declarações.

iv) a parte do corpo de MM que embateu na parte da cama não foi o pescoço mas a cabeça, conforme julgado provado, pelo que o hematoma que a vítima apresentava no pescoço não foi produzido por esses embates.

v) não se verifica qualquer dúvida quanto à pertença à vítima MM dos vestígios hemáticos encontrados no cinto, estavam sim misturados com vestígios de outro dador, pelo que não existem dúvidas que no dia 09.02.2017 o arguido utilizou o cinto para agredir a sua mãe;

vi) após o arguido ter embatido com a cabeça da sua mãe na travessa em ferro da parte lateral da cama esta caiu ao chão nesse local e perdeu os sentidos (como refere aos 24’.00” das suas declarações mas quando a testemunha AL chegou ao local ela estava caída em frente ao louceiro, numa poça de sangue, na sala, como a testemunha referiu aos 04’.00” das suas declarações e se encontra documentado na foto de fls. 4, o que demonstra que o seu corpo foi removido do quarto do arguido, onde caiu sem sentidos, para a sala da habitação onde foi encontrado.

Articulando todos estes elementos dúvidas inexistem da prática pelo arguido dos factos julgados provados sob o nº 9 da matéria assente no Acórdão, não existindo qualquer dúvida razoável quanto a tais factos que imponha o recurso ao princípio legal e constitucionalmente consagrado do «in dubio pro reo»”.

Nada se oferece acrescentar aqui.

Já a sustentação do ponto de facto (provado) descrito em 13. exige uma explicação mais desenvolvida, para além da que se encontra na resposta ao recurso. Mas ela ainda se consegue retirar do acórdão, apesar de algumas fragilidades da decisão, nesta parte.

No segmento final do ponto de facto 13., ficou a constar (como provado) que as lesões causadas pelo arguido à vítima eram “adequadas a provocar a sua morte”. E no relatório de perícia corporal consta efectivamente que as lesões sofridas pela vítima não preenchem qualquer das als. do artº 144º, do CP (v. fls. 514). Sugere o Ministério Público que esta expressão seja retirada dos factos provados, corrigindo-se o acórdão. No entanto, e embora a Relação o pudesse fazer (e sempre sem qualquer alteração na decisão de direito), tal não se afigura concretamente necessário.

Na verdade, inexiste uma real oposição entre o facto provado e a prova pericial em causa, pois esta está a pronunciar-se sobre uma questão não coincidente com a conhecida no facto provado. Uma coisa é o saber se as lesões causadas foram de tal modo graves que determinaram um perigo efectivo para a vida da vítima (num juízo ex post) – e foi sobre isto que a perícia se pronunciou na expressão polémica, tendo afastado tal conclusão –, outra, a referida nos factos provados do acórdão, o saber se as lesões causadas (no sentido de actos lesivos praticados) eram adequadas a causar a morte da vítima, apesar de em concreto não ter ocorrido esse perigo efectivo de vida num juízo ex ante). São dois momentos diferentes na avaliação, momentos naturalmente impostos no processo de decisão sobre a imputação objectiva.

Admite-se que, se observado isolada e descontextualizadamente, este segmento de facto pode parecer contraditório com a prova. Merecer até uma melhor precisão no acórdão. Precisão desde logo no sentido de se referir ali que, não as lesões a se, mas a acção lesiva do arguido era adequada a causar a morte da vítima.

No entanto, no contexto geral dos factos provados e na descrição de todo o episódio de vida em apreciação, sempre observados necessariamente à luz do direito que servem e de todas as soluções de direito possíveis, resulta inequívoco que é neste sentido que se encontra especificado o facto provado, no sentido de acção lesiva adequada a causar a morte da vítima.

Este juízo – de adequação à causação da morte - é sempre conclusivo. Ele interessa à matéria da imputação objectiva e, no presente caso e em concreto, retira-se dos restantes factos provados em análise. Ou seja, ele resulta inequívoco da matéria de facto provada, independentemente do sentido mais dúbio da (redacção da) expressão em crise.

No que respeita à imputação objectiva e à adequação de determinada conduta lesiva para provocar a morte, trata-se sempre da formulação de um juízo ex ante, como se disse. Este juízo é independente de a morte vir ou não a ocorrer e de a lesão causada colocar ou não, efectivamente, em risco a vida da pessoa (juízo ex post).

Assim, a adequação (de toda a conduta lesiva praticada pelo arguido) a causar o resultado morte, adequação que releva para a imputação objectiva, não é posta em causa no confronto das conclusões da perícia referidas pelo recorrente.

E sendo os recursos tão só remédios jurídicos, não se destinam ao mero aprimoramento de decisões.

Assim, as eventuais melhorias ou aperfeiçoamentos na descrição dos factos provados, melhorias que em nada se repercutam na decisão de direito já tomada na sentença, podem não justificar a intervenção correctiva do tribunal superior. E é o que sucede quanto a este segmento do facto.13, cuja interpretação se deixou clarificada aqui. E esta clarificação afigura-se suficiente para a compreensão uniforme da matéria de facto do acórdão, tal como se encontra.

Em suma, inexiste a apontada “divergência em relação às conclusões do relatório da perícia médico-legal”, não se mostra violado o art. 163º, nº 1 e 2 do CPP, e independentemente das lesões causadas (não) terem colocado efectivamente em risco a vida da ofendida, toda a acção lesiva praticada pelo arguido (e descrita nos factos provados) foi manifestamente adequada a provocar a morte.

Por último, no que respeita ao derradeiro ponto impugnado - demonstração da intenção de matar -, relembre-se que, na ausência de confissão (em que o agente confessa ter querido e sabido todos os actos externos, que objectivamente praticou) a prova do dolo faz-se sempre através de provas indirectas, de ilações a retirar de outros provas e de outras circunstâncias, de acordo com regras de normalidade, de racionalidade e de lógica. Já que se trata da demonstração de um facto interno, não directamente observável por terceiros.

O juízo sobre a prova é necessariamente um juízo global, no sentido de que a convicção se forma no escrutínio rigoroso e cuidado de cada uma das provas, individualmente consideradas, e depois de todas elas no seu conjunto. A convicção formar-se-á sempre a final, ou seja, avaliada cada prova e todas as provas.

A prova tem de ser avaliada também aqui, ou sobretudo aqui, na sua globalidade, atenta a especificidade da factualidade em apreço (demonstração de factos internos, que não se provam directamente), justificando-se o apelo às inferências e presunções, conjugando-se as provas directas e as provas indirectas, assim se formando, num quadro de regras lógicas e no saber dado pela experiência comum, a convicção.

Mas mais uma vez, de uma forma singela mas mais não se justificaria em concreto, encontra-se na motivação da matéria de facto a justificação da demonstração da intenção dada como provada. E mais uma vez, também o Ministério Público, concretizadamente e de um modo conforme à verdade processual, contra-argumentou com a exaustão que justifica a transcrição:

“No caso dos autos, em face da factualidade objectiva provada, designadamente:

- A expressão dirigida pelo arguido à ofendida logo que esta entrou no quarto daquele e o abordou “eu vou-te matar, não sais daqui viva”.

- Acto contínuo, de surpresa, o arguido colocou as mãos no pescoço de sua mãe, e, fazendo força, bateu com a cabeça da mesma, por diversas vezes, na cama de ferro, produzindo-lhe as lesões descritas no nº 13, da factualidade julgada provada, entre as quais diversas fracturas o que demonstra a força empregue pelo arguido;

- E, de seguida, pegou num cinto de nylon, que colocou à volta do pescoço de sua mãe e, fazendo força, apertou-o, impedindo esta de respirar;

- Tendo, então, MM pedido à sua mãe que lhe acudisse, tendo esta, de imediato ido procurar ajuda, enquanto o arguido continuava a apertar o cinto à volta do pescoço da vítima, só deixando de o fazer quando a verificou que MM se encontrava prostrada no chão, inanimada, a perder sangue pelos ouvidos, cabeça e boca;

- Após o que o arguido retirou o cinto do pescoço de MM e foi refugiar-se no seu quarto, sem cuidar do estado da vítima;

- As regiões do corpo da queixosa atingidas pelos golpes desferidos pelo arguido, que procurou, primeiro a cabeça, que fez embater violentamente na travessa em ferro da cama, meio apto a provocar-lhe fracturas na calote craniana e subsequentes lesões no cérebro e, depois, o pescoço, que apertou fortemente com um cinto, até que a vítima ficou inanimada no chão, o que se constitui como meio apto a sufocar uma pessoa e, consequentemente, a provocar-lhe a morte;

- A circunstância do arguido só ter cessado de apertar o pescoço da sua mãe com o cinto depois de AB ter saído de casa para pedir ajuda, no caso à testemunha AL;

Forçoso é concluir, de acordo com os aludidos critérios de normalidade da vida e as regas da experiência comum, que o arguido quis por dois meios diferentes e sucessivos tirar a vida à sua mãe, que agiu com o propósito de a matar.”

Sempre seguindo a resposta, e sempre de acordo com a verdade dos factos externos, “como se provou, foi o próprio arguido quem lhe anunciou essa sua vontade seguido do cometimento de actos de execução desse propósito que só não se verificou porque o arguido, apesar de haver atingido zonas do corpo da vítima onde se situam órgãos vitais acabou por não os atingir com intensidade suficiente para alcançar esse seu propósito”.

Por tudo se conclui, que o acórdão não enferma de qualquer erro notório na apreciação da prova, encontrando-se toda a “decisão de facto” suficientemente explicada e a convicção do colectivo de juízes devidamente objectivada.

Do enquadramento jurídico dos factos provados
O recorrente pugna pela sua absolvição do crime de homicídio qualificado tentado, defendendo antes a condenação pelo crime consumado de ofensa à integridade física qualificada. Fê-lo em parte na decorrência da impugnação em matéria de facto, mas não deixou de proceder também à invocação do erro de subsunção.

Nesta vertente (de invocação do erro de qualificação jurídica) argumenta que foi dado como provado que “ao aperceber-se de que MM se encontrava prostrada no chão, inanimada, a perder sangue pelos ouvidos, cabeça e boca, AA dirigiu-se ao seu quarto, levando o cinto, que colocou sobre a mesa-de-cabeceira, e deitou-se na cama” e que deste facto provado se retiraria, sempre na sua argumentação, que “o arguido cessou a prática dos factos por vontade própria, havendo-se deitado na cama e não se seguindo actos idóneos a produzir a morte, por circunstâncias imprevisíveis que também não aconteceram”.

Conclui então que “a sua condenação nunca poderá ser pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada” e que “apenas pode ser condenado pelo crime de ofensa à integridade física qualificada”.

A questão encontra-se correctamente colocada, pois uma primeira (e mais superficial) leitura dos factos provados poderia parecer consentir a configuração jurídica duma desistência relevante na tentativa (de homicídio qualificado). E, nesta hipótese, restaria punir o agente pelo crime consumado (de ofensa à integridade física qualificada).

Efetivamente, querendo o agente matar a vítima (como se comprovou) ficou sem se saber por que razão não o fez então, não sendo suficiente a (não) explicação constante dos factos provados e ali reduzida ao enunciado linguístico estritamente conclusivo “a morte não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do arguido”.

Que circunstâncias alheias à vontade do arguido foram estas (a afirmação é estritamente conclusiva, repete-se) a matéria de facto não esclarece. E seria sempre factualmente que a resposta teria de ser dada.

Assim, várias hipóteses permanecem agora em aberto: o arguido não prosseguiu a execução do crime por se ter convencido de que a sua mãe já estaria morta ou que iria morrer seguramente? Não prosseguiu devido à intervenção da avó? Ou não prosseguiu porque desistiu de matar? A matéria de facto do acórdão não o esclarece.

Nestas circunstâncias, e caso a resposta factual, que o acórdão não dá directamente, se revelasse essencial à boa decisão da causa, poder-se-ia configurar (no texto do acórdão) um vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410º, nº 2, al. a), do CPP), resolúvel por via do reenvio para novo julgamento a fim de se apurarem os factos em falta, (e caso a tal não obstasse o art. 409º do CPP, que consagra a proibição da reformatio in pejus, e visto tratar-se aqui de um recurso interposto pelo arguido). Ou poder-se-ia tão só proferir decisão no sentido proposto pelo recorrente: absolvição do crime (mais grave) tentado e condenação pelo crime (menos grave) consumado.

No entanto, apesar da fragilidade sinalizada, a matéria de facto provada na sua globalidade ainda consente a conclusão de direito a que se chegou no acórdão, em termos de enquadramento jurídico dos factos provados. Ou seja, apesar das insuficiências, a matéria de facto mostra-se ainda suficiente para justificar factualmente a decisão jurídica tomada em primeira instância.

A confirmação da decisão de direito exige, contudo, sustentação jurídica acrescida, para além da que se encontra no acórdão.

Assim, na sequência do já referido no ponto anterior (relativo à impugnação da matéria de facto) resultou demonstrado que o arguido actuou “livre, voluntária e conscientemente” e “com o propósito de retirar a vida a sua mãe”. É inquestionável que actuou com um dolo de homicídio, que sabia e queria todos os actos (adequados a causar a morte) que objectivamente praticou. E, independentemente de as lesões efectivamente causadas terem ou não criado em concreto um perigo para a vida (a esta questão voltaremos), o certo é que dos factos provados resulta a realização do tipo subjectivo de crime (homicídio tentado).

A punição da “tentativa” funda-se em razões “de perigo” e o dolo de homicídio tentado traduz a perigosidade manifestada na intenção. Mas, num direito penal do facto, a perigosidade tem de manifestar-se também no facto e não apenas na intenção.

Como ensina Fernanda Palma, “a grande fronteira que o Direito Penal não pode ultrapassar é, sem dúvida, a da não punição, em si e por si, de meros pensamentos, intenções, resoluções e atitudes” (Da Tentativa Possível em Direito Penal, 2006, p. 35). “Não podemos prescindir de qualquer facto externo significativo (activo ou omissivo). Como decorrência de princípios constitucionais, o Direito Penal reclama que o ilícito se construa a partir do confronto com a Ordem Jurídica de modificações da realidade operadas pela livre vontade e não apenas de puras manifestações de vontade. “A culpa, a censurabilidade pessoal e a ideia imanente de liberdade exigem uma noção de acção voluntária constitutiva da realidade que se confronta com a norma. Por isso, uma análise do acontecimento e das suas consequências é não só apoio da compreensão da acção mas também objecto do juízo de imputação” (Fernanda Palma, loc. cit., p. 40).

Na previsão do art. 22º, nº 1, do CP, “há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.

No nº 2 definem-se actos de execução como “os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime” (al. a)), “os que forem idóneos a produzir o resultado típico (al. b)), ou os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, foram de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores” (al. c)).

Sendo de excluir uma punição da mera intenção, há que proceder à avaliação da conduta externa do agente e determinar se essa conduta consubstancia “acto(s) de execução” do crime que esse agente decidiu cometer. Fernanda Palma chama a atenção para a complexidade que os comportamentos podem assumir, referindo que “a complexidade da descrição dos comportamentos pode tornar difícil discernir se não se pune, afinal, apenas uma intenção”. “O problema surge”, continua a autora, “desde logo com comportamentos cuja identificação enquanto acção de uma certa espécie é equívoca no plano externo-objectivo e que só adquirem significado específico através da compreensão da intenção” (loc. cit. p. 36). Fernanda Palma nota que “na delimitação dos actos de execução de um crime emerge de imediato a questão de saber quando, como e porque um comportamento susceptível de punição se torna um comportamento de certo tipo” (loc. cit. p. 42).

No presente caso, apresenta-se inequívoco que há dolo e também que há actos de execução, tendo em conta, designadamente, as zonas do corpo da vítima procuradas pelo arguido e atingidas por ele, e a concreta actividade desenvolvida sobre as mesmas.

Tendo ficado provado que o arguido colocou as mãos no pescoço de sua mãe, fazendo força, bateu com a cabeça desta por diversas vezes na cama de ferro, pegou num cinto de nylon, colocou-o à volta do pescoço e, fazendo força, apertou-o, impedindo a mãe de respirar, resulta incontroverso que o arguido praticou actos de execução (do crime que decidiu cometer), actos ainda enquadráveis na al. b), mas no mínimo, ou muito seguramente, actos da categoria prevista na al. c), do nº 2, do art. 22º, do CP. Pois o arguido, através do comportamento executado, pôs realmente em marcha um processo causal para levar ao resultado morte.

Mas resta apreciar se os factos provados permitem configurar uma situação de desistência, como defende o recorrente, e a eventual ponderação de aplicação do art. 23º do CP face às ausências factualmente explicativas nos factos provados, a que se fez referência.

A resposta é negativa. Para além da matéria de facto agora mencionada, e apesar das “insuficiências de facto” aludidas de início, ficou ainda provado que “ao aperceber-se de que MM se encontrava prostrada no chão, inanimada, a perder sangue pelos ouvidos, cabeça e boca, AA dirigiu-se ao seu quarto, (…) e deitou-se na cama”.

Estes factos permitem concluir que, independentemente de se ter dado ou não como provado que o arguido pensava que a mãe já estaria morta, independentemente de o arguido saber, ou não, se a mãe iria morrer, o certo é que se provou que não deixou de agir revelando ser-lhe indiferente se a vítima morreria em resultado das ofensas que lhe infligiu (e revejam-se as fotografias juntas ao processo, elucidativas do estado bem visivelmente muito grave em que se encontrava nesse momento).

Ou seja, no contexto global dos factos provados tem de concluir-se que o agente não pode deixar de admitir, tem de admitir, essa possibilidade, isto é, a possibilidade de a vítima morrer na sequência dos actos que praticou sobre ela. Existe no mínimo, seguramente, conformação com a morte, e é quanto basta para se configurar uma tentativa punível e a condenação proferida no acórdão.

Para terminar, reitera-se a desnecessidade de qualquer alteração na matéria de facto provada (mormente a retirada do segmento relativo às “lesões adequadas a provocar a morte”, proposta pelo Ministério Público na resposta ao recurso), pois, face às explicações agora desenvolvidas, sempre seria juridicamente inconsequente no que respeita à realização da tentativa do crime de homicídio (qualificado). A ocorrência de lesões causadoras de perigo concreto para a vida nunca seria juridicamente exigível, na medida em que nem o é a própria causação de lesão física (pense-se, por exemplo, na tentativa de homicídio com utilização de arma de fogo em que o agente falha o alvo).

Da medida da pena e da sua efectividade
O arguido recorreu da pena, fazendo-o em primeira linha na decorrência da impugnação da matéria de facto e na sequência da procedência da pretensão de enquadramento jurídico-penal da sua conduta no tipo legal de ofensa à integridade física qualificada.

O desatendimento desta primeira pretensão esvazia, em parte, o recurso da pena e a sindicância da decisão da pena, pela Relação, mas não totalmente.

Em recurso, o arguido argumentou também que “a manter-se o enquadramento jurídico dos factos, a pena não se deve situar em medida superior a quatro anos de prisão, a qual deve ser suspensa na sua execução por igual período, sujeita, eventualmente, a regime de prova”.

Como fundamento desta asserção referiu, no essencial, que não pode ser desfavorecido por ter optado por permanecer silencioso em julgamento, não podendo o tribunal computar negativamente a (efectivamente valorada) insensibilidade pelos factos praticados e que os tribunais têm fixado penas inferiores em situações semelhantes à presente.

A ilustrar esta última afirmação cita o acórdão do TRC de 15-10-2014, em que, pela prática de um crime alegadamente semelhante ao presente, foi confirmada (em recurso interposto pelo arguido) uma pena de quatro anos de prisão.

Começando por este argumento, e sabendo-se embora que cada caso transporta consigo a sua natureza de “único” e “irrepetível”, é de reconhecer a importância do referente jurisprudencial na actividade, sempre judicialmente vinculada (na expressão impressiva utilizada por Figueiredo Dias e por Anabela Rodrigues), de determinação da pena.

A preocupação com o referente jurisprudencial contribui assim, em muito, para a atenuação/erradicação de eventuais disparidades na aplicação prática dos critérios legais de determinação de pena.

No entanto, o recorrente não consegue sustentar a afirmação que faz, no sentido de a pena aqui aplicada contrariar esse referente jurisprudencial. E a Relação, oficiosamente, também nada detecta que possa levar ao reconhecimento de que a pena concretamente proferida se desenquadra das penas aplicadas em casos idênticos ao presente.

Desde logo, o único acórdão que é citado em apoio da afirmação leva até a concluir o contrário do pretendido, ou seja, conduz ao reconhecimento de que a pena aqui aplicada em nada colide com a decisão sobre a pena proferida naquele processo, compreendendo-se muito bem as duas penas e o resultado diverso alcançado.

Na verdade, independentemente de se tratar ali, também, de um agressor (filho) que infligiu ofensas físicas no corpo da vítima (mãe) com algumas semelhanças com a agressão aqui em análise, muitas diferenças se detectam nos demais pressupostos factuais que devem estar presentes no processo de determinação da pena. Mas a estas nenhuma referência faz o recorrente, argumentando sempre como se o nº. 2 do art. 71º do CP tivesse apenas uma al. a). O recorrente desconsidera totalmente o disposto nas als. b) a f), do nº. 2 do art. 71º do CP, que estatuem elementos a que se deve atender também na determinação da pena, e que, em concreto, em muito divergem aqui dos apreciados ali.

Assim, e só para enunciar as disparidades mais gritantes, no processo apreciado no da Relação de Coimbra, o arguido fora condenado por um crime de ofensa à integridade física grave, e não de homicídio qualificado tentado, e nesse processo, discutira-se a (in)imputabilidade do arguido e ficou demonstrada e foi considerada a imputabilidade diminuída, tendo, mesmo assim, a Relação confirmado a efectividade da pena de quatro anos de prisão, na improcedência do recurso do arguido.

No sumário do acórdão pode ler-se:

“I - A imputabilidade diminuída do arguido não conduz necessariamente à atenuação especial da pena, podendo mesmo, dependente das qualidades pessoais do agente reflectidas no acto, levar à respectiva agravação.

II - Não obstante a imputabilidade do arguido se revelar diminuída, perante o acervo factual dado como provado, evidenciando: um grau muito elevado de ilicitude, quer em função do modo de execução do crime - ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, al. b), do CP -, traduzido em pancadas com um ferro [de 1,50 metros] no corpo da vítima, designadamente na cabeça, que persistiram mesmo após esta já se mostrar caída no chão, quer em virtude das muito expressivas consequências ao nível das lesões provocadas - as quais determinaram a necessidade de intervenções cirúrgicas - e que, até 30.10.2012, demandaram um período de doença fixável em 723 dias, com afectação da capacidade para o trabalho geral, com as inerentes dores; a inevitável superioridade em função da diferença de idades entre ofendida e arguido, o qual não se mostrou minimamente sensível ao facto de a vítima ser sua mãe, tão pouco num momento em que a mesma já estava prostrada no solo - logo com uma capacidade de defesa fortemente afectada -, a imagem global dos factos é de tal modo grave - patenteando o arguido qualidades altamente desvaliosas face ao direito -, que não consente um juízo de especial atenuação da pena.”

Também não colhe o outro argumento, de que a insensibilidade do arguido perante os factos não pode resultar demonstrada quando este opta por não prestar declarações em julgamento.

Se bem o entendemos, o recorrente pretende defender que associar directamente o silêncio de arguido a uma indiferença sua perante o crime cometido violaria o direito ao silêncio. E esta situação, a verificar-se assim sem mais, poderia efectivamente configurar uma afronta ao direito fundamental do arguido, em causa. Pois, em abstracto, não pode entender-se que o exercício do direito ao silêncio comporta em si, como se de uma colagem se tratasse, a demonstração duma indiferença do arguido perante os factos (e crime) que praticou. Ora, a ausência de exteriorização de arrependimento sem mais, não leva (não permite levar) à conclusão de uma “insensibilidade face aos factos”. E na fundamentação da pena no acórdão pode efectivamente ler-se que o tribunal teve em conta que o arguido “demonstrou insensibilidade face aos factos”.

Mas da leitura do acórdão, de todo o acórdão (o que inclui o “acórdão de factos”, ou seja, os factos provados e a sua justificação) não resulta violação do direito ao silêncio. Ou seja, nada ali permite concluir que, na avaliação do tribunal, o silêncio, por si, desfavoreceu o arguido no sentido agora pretendido por ele.

Na verdade, nem expressa, nem tacitamente, qualquer referência negativa é feita ao exercício do direito ao silêncio. E se é certo que a insensibilidade do agente não se retira por si só do silêncio de arguido, no caso presente outras circunstâncias confluíram com esse silêncio que permitem considerar que o recorrente revelou de facto essa insensibilidade. Pois se é certo que o silêncio não pode desfavorecer, sobretudo no que respeita à demonstração dos factos criminosos imputados (no sentido de que quem cala não consente), em certos casos ele também não beneficia (por exemplo, no sentido de não permitir vislumbrar a exteriorização de um arrependimento).

Assim, reveja-se o comprovado comportamento do arguido após a prática dos actos de execução do crime. Abandonando a vítima, sua mãe, no chão da sala, indiferente a ela e às lesões sofridas por ela e infligidas por si (revejam-se as fotografias da vítima juntas ao processo), o arguido foi-se deitar. Este comportamento aliado a uma ausência de manifestação de arrependimento justifica a ponderação de “insensibilidade face aos factos”, feita no acórdão e agora colocada em crise.

Afastada a pertinência da argumentação desenvolvida no recurso do arguido, resta sindicar a pena nos termos gerais. E como temos repetido em inúmeras decisões, conforme jurisprudência pacífica e a melhor doutrina, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.

Assim, a Relação intervém na pena, alterando-a, apenas quando detecta incorrecções ou distorções no respectivo processo aplicativo, na interpretação e emprego das normas legais e constitucionais que regem em matéria de pena. Não procede como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de 1ª instância.

A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197)”.

Resta, pois, olhar a decisão à luz do entendimento referido. E a fundamentação da pena no acórdão foi a que segue:

“O crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto nos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e e), e 22.º, 23.º e 73.º todos do Código Penal é punido com pena de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias até 16 anos e 8 meses, pelo que, sendo apenas aplicável pena privativa da liberdade não há lugar à escolha da pena.

b) Da medida concreta da pena

Neste domínio tem aplicação o principio “nulla poena sine culpa” expressamente consagrado no artigo 40º, n.º2 do Código Penal, quando estabelece que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

Este preceito terá de ser conjugado com o que dispõe o artigo 71º, n.º1 do Código Penal, quando prescreve que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».

Assim, na operação de determinação da medida concreta da pena, deve conferir-se supremacia à culpa do agente e às exigências de prevenção especial, as quais, no caso concreto, revestem relevância.

Termos em que, visando a conciliação das finalidades da punição com a exigência de medir a pena em função da culpa, se deverá fixar, em princípio, a pena no ponto da escala correspondente à culpa que melhor sirva as exigências de prevenção especial.

Assim, a pena deverá ser estabelecida entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à mesma, funcionando entre ambos os fins de prevenção geral e especial.

A determinação da medida concreta da pena deverá ocorrer entre estes dois vectores fundamentais previstos nos artigos 40º, n.º2 e 71º, n.º1 do Código Penal – culpa do agente e exigências de prevenção -, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), depuserem a favor do agente ou contra ele (artigo 71º, n.º2, alíneas a) a f) do Código Penal).

O crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto nos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e e), e 22.º, 23.º e 73.º todos do Código Penal é punido com pena de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias até 16 anos e 8 meses.

A favor do arguido abonam as seguintes circunstâncias:

- A inserção pessoal do arguido, que à data dos factos vivia com a sua avó materna.

- A inexistência de condenações anteriores por crime de idêntica natureza.

E depõem as seguintes contra o arguido:
- A ilicitude dos factos que é elevada, considerando as circunstâncias e o modo global da acção, em particular pelo facto de ter actuado de forma totalmente imprevisível para a vítima, não tendo esta qualquer hipótese de defesa.

- As consequências do acto criminoso preconizado pelo arguido foram graves, traduzindo-se nas lesões sofridas pela vítima que se caracterizam por serem graves e algumas por terem caracter definitivo.

- A intensidade do dolo que se reputa alta, porquanto directo.

- As necessidades de prevenção geral mostram-se elevadas, considerando o bem jurídico violado pelo arguido, bem como o alarme e sentimento de insegurança que este tipo de condutas causam na comunidade e que por isso exigem que na fixação da medida concreta da pena, se tenha em consideração a necessidade de repor a tranquilidade e a confiança da colectividade na validade e eficácia das normas violadas.

- As necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas. Com efeito, não obstante o arguido não possuir antecedentes criminais, o mesmo não possui actividade profissional estável e demonstrou insensibilidade face aos factos.

Em face dos factores e das considerações descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao ora arguido, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, de uma pena de 8 (oito) anos de prisão.

Não há lugar a suspensão da pena de prisão aplicada, em face do disposto no artigo 50.º, n.º1, do Código Penal.”

Na margem de actuação da segunda instância a que referimos, e independentemente da manifesta fragilidade argumentativa do próprio recurso já analisada, não deixa de se consignar o total acerto do processo aplicativo da pena desenvolvido no acórdão.

Na verdade, este traduz uma correcta compreensão do quadro constitucional e legal punitivo e uma exacta concretização, na aplicação e graduação da prisão.

Procedeu-se a correcta selecção dos elementos factuais elegíveis, identificação das normas legais aplicáveis, ponderação dos critérios legalmente atendíveis, justificando-se por tudo, de facto e de direito, a pena fixada.

Na moldura abstracta acima transcrita, as exigências de prevenção geral e especial (ambas concluem aqui no mesmo sentido) nunca consentiriam a fixação de uma pena abaixo do ponto fixado no acórdão.

Para terminar, e como o Ministério Público sustentou também na resposta ao recurso, o grau de ilicitude muito elevado, expresso na utilização sucessiva de dois meios contra a ofendida, na intensidade do dolo, directo e intenso, a forte necessidade de prevenção geral e as necessidades de prevenção especial, revelando o arguido insensibilidade face aos factos e não evidenciando, por qualquer meio, reprovação por actos desta natureza, justifica-se a aplicação de uma pena que se situa, aliás, um pouco abaixo do meio da moldura penal.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão.

Custas pelo recorrente que se fixam em 5UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).

Évora, 12.07.2018

(Ana Maria Barata de Brito)

(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)