Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
42/11.0GDSTC.E1
Relator: ANA BARATA DE BRITO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRESTAÇÃO DE TRABALHO
REGIME DE PROVA
Data do Acordão: 02/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Legislação Nacional: ARTS. 18º, Nº 2, 29º, NºS 1 E 2 E 30º, 1 A 3 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ARTS.50º A 57º E ARTS 58º E 59º DO CP.
Sumário: Não é juridicamente admissível condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à prestação de trabalho, no âmbito de um regime de prova ou fora dele, mesmo que em instituições de solidariedade social e ainda que dispondo do consentimento do condenado.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal:
1. No Processo nº 42/11.0GDSTC do Juízo Instância Criminal, Juiz 1, da Comarca do AL, foi proferida decisão revogatória da suspensão da execução da pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão aplicada ao arguido BDTA, suspensão que se encontrava subordinada a regime de prova com prestação de 150 (cento e cinquenta) horas de trabalho a favor da comunidade.
Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:
“1. O Recorrente, tendo sido julgado em Processo Comum com intervenção de Tribunal Colectivo, veio a ser condenado por Douto Acórdão, como co-autor material de um crime de roubo na forma agravada, p. e p. pelo art. 210º do C.Penal, na pena de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, sujeita a regime de prova assente em plano de reinserção social com o apoio e vigilância da DGRSP.
2. Sucede porém, que por decisão do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.
3. Ora, não pode obviamente por razões de justeza o Recorrente concordar com esta decisão, bem como com a sua – salvo o devido respeito – parca fundamentação apresentada, uma vez que entende, que não se encontram preenchidos os pressupostos para que tal revogação suceda, nomeadamente os preceituados no art. 56º do Código Penal.
4. De facto, foi-lhe determinado no âmbito do respectivo plano de reinserção, a prestação do período de 150 horas de trabalho, sendo que dessas 150 horas, cumpriu com 124 horas e 30 minutos de modo exemplar e zeloso.
5. Só não tendo concluído essa obrigação/ conduta por lhe ter sido aplicada no dia 13/09/2013 a medida de prisão preventiva no âmbito do proc. 1059/13.6PBSXL que corre termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal de Comarca do Seixal.
6. No entanto, tal circunstância, trata-se de uma mera medida de coacção e não de uma condenação – tendo inclusive sido já requerida a sua substituição.
7. Sendo que, obviamente o Recorrente goza ainda – ao abrigo dos Princípios Constitucionalmente consagrados - da presunção de inocência até ao transito em julgado nesses autos de processo, não se podendo excluir a sua absolvição ou porventura a verificação de factores de exclusão de ilicitude, como por exemplo o instituto da legítima defesa.
8. Do mesmo modo, também não poderá pesar a reprensão disciplinar escrita ou o alegado absentismo (com o qual o Recorrente discorda) à frequência de curso durante a sua clausura.
9. Assim e face ao supra exposto, não se encontram verificados os pressupostos previstos no art. 56º do C.Penal, uma vez que por parte do Recorrente, não ocorreu qualquer infração grosseira ou repetida ou sequer uma conduta voluntária/negligente que levasse ao alegado incumprimento; e não foi condenado pelo cometimento de novo crime durante o período da suspensão.
10. Subsistindo ainda uma forte e séria expectativa favorável de actuação futura do Recorrente no sentido de vir a ter a sua vida ordenada, não estando definitivamente afastado, um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro.
11. Pelo que no nosso entender, in casu e salvo o devido respeito, a douta decisão em apreço no presente recurso, violou e não ponderou correctamente o estipulado no art. 56º do Código Penal, uma vez que os pressupostos da revogação da suspensão não se verificam.
12. Pelo que, deve ser mantida a suspensão da pena de prisão aplicada ao Recorrente e nos termos do disposto na al. d) do art. 55º do Código Penal, ser esse período de suspensão prorrogado por um mínimo de um ano.
13. Até porque desse modo será possível aferir do desenlace do processo-crime em que o Recorrente se encontra em prisão preventiva, o qual já tem julgamento agendado para o dia 16/09/2014.”
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência e concluindo por seu turno:
“1 – A pena de 2 anos e 4 meses de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos foi suspensa na respectiva execução, por igual período, com regime de prova.
2 – Regime de prova aquele relativo ao qual foi elaborado o devido Plano de Reinserção, homologado pelo Tribunal, no qual se impunham ao arguido, além do mais, a prestação de 150 horas de trabalho comunitário e a frequência de um curso de educação e formação de adultos.
3 – Todavia o arguido não cumpriu integralmente as horas de trabalho referidas, bem como revelou completo absentismo à frequência do curso aludido.
4 – Por sua vez, no decurso do período da suspensão, num outro processo, foi imposta ao arguido a medida de coação de prisão preventiva.
5 - Factos estes que se deparam bem reveladores de que o arguido evidenciou uma postura desmerecedora do juízo de prognose favorável inicialmente formulado e que levou à suspensão da execução da pena.
6 - Com os fundamentos invocados depara-se-nos como legítimo concluir pela ineficácia das restantes medidas previstas no art.º 55.º do Código Penal para se alcançarem, ainda em liberdade, as finalidades da punição.
7 - Donde resulta como correcta a posição assumida quanto à revogação da suspensão da execução da pena.
8 – Termos em que deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.”
Neste Tribunal, o Sr. Procuradora-geral Adjunto emitiu parecer também no sentido da improcedência, demarcando-se, embora, das conclusões 4ª e 5ª formuladas pelo Ministério Público de 1ª instância.
Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão suscitada respeita à apreciação dos fundamentos da decisão de revogação da suspensão da pena (de 2 anos e 4 meses de prisão), condicionada a regime de prova com prestação de 150 horas de trabalho a favor da comunidade.
Considera o recorrente, conforme razões que coerentemente desenvolve, que os factos processuais que relevaram na decisão recorrida não seriam determinantes da revogação da suspensão da prisão e que, no limite, justificariam apenas uma prorrogação do período de suspensão.
O Ministério Público opôs-se, nas duas instâncias, à pretensão do arguido, na primeira, com adesão total aos fundamentos do despacho em crise, na segunda, com adesão parcial.
Adiantamos que o recurso procederá, em parte pelos motivos que nele se desenvolvem, mas ainda por outras razões.
Os factos processuais relevantes para a decisão, e que no despacho recorrido se consideraram como tendo sido determinantes da revogação, são os seguinte:
Por acórdão de 28 de Junho de 2012, o arguido foi condenado na pena de 2 anos e 4 meses de prisão suspensa na execução e subordinada a regime de prova com prestação de 150 horas de trabalho comunitário.
Determinou-se explicitamente no acórdão que o regime de prova assentaria “num plano de reinserção social que será executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social e que conterá os objectivos de ressocialização a atingir, as actividades que estes devem desenvolver, o respectivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adoptar pelos referidos serviços, devendo esse plano de reinserção social conter obrigatoriamente os seguintes deveres: 150 horas de trabalho a favor da comunidade, em beneficiário a indicar pela DGRS; frequência de programa de formação ou manutenção de actividade profissional, não abandonando o programa de formação ou a actividade profissional sem justo motivo, mantendo-se inscritos no centro de emprego enquanto não obtiverem emprego; responder ás convocatórias do técnico de reinserção social e prestar-lhe os esclarecimentos necessários ao acompanhamento da execução do plano de reinserção social; informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência”.
Foi homologado o plano de reinserção social determinando que o arguido cumprisse as 150 horas de trabalho a favor da comunidade.
No decurso do período da suspensão, foi junto aos autos relatório de incumprimento do PIR, datado de 02.10.2013, a informar que o arguido cumpriu apenas 124 horas e 30 minutos de trabalho comunitário.
Ouvido presencialmente em tribunal, não quis prestar declarações sobre as razões do incumprimento.
A 13/09/2013, o arguido foi sujeito a prisão preventiva no processo nº 1059/13.6PBSXL do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Comarca do S, encontrando-se actualmente nessa situação.
Na sequência destes factos processuais (e nenhum outro se encontra disponibilizado na certidão de recurso) concluiu-se no despacho recorrido:
“Analisando os factos acima sintetizados, verifica-se que BDTA não prestou na íntegra o trabalho comunitário que fora determinado como condição de suspensão da execução da pena de prisão a que fora condenado.
Por outro lado, a sua estadia em prisão preventiva revela uma repreensão disciplinar escrita e completo absentismo à frequência do EFA B3 – curso de educação e formação de adultos, que lhe poderia permitir equivalência ao 9º ano de escolaridade.
Assim, estatui o art. 56º, nº 1 do Código Penal (…).
Com efeito, e na senda dos ensinamentos de Figueiredo Dias, a revogação da suspensão de uma pena de prisão deve ser a única forma de se lograrem as finalidades da punição.
Atentas as considerações acima expostas, constata-se que efectivamente o condenado não revelou ser merecedor do juízo de prognose favorável que levou à suspensão da execução da pena de prisão nos presentes autos, pelo que as finalidades da punição apenas se alcançam com a efectiva execução da pena aplicada nos presentes autos.
Assim, e ao abrigo do disposto no art. 56º, nº1, alínea a) e 2 do Código Penal, determina-se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado BDTA, devendo o mesmo cumprir a pena de dois anos e quatro meses de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos.”
Como se vê, e como o recorrente destaca em recurso, determinantes para a revogação foram o incumprimento (parcial) da obrigação de prestação de trabalho comunitário, a repreensão disciplinar escrita e o absentismo à frequência de curso, no estabelecimento prisional.
No despacho alude-se também à situação de prisão preventiva em que o arguido se encontra, mas não se explicita claramente que esta situação, a se, tenha relevado na prolação da decisão impugnada.
No entanto, valorar a conduta de um detido desenvolvida no âmbito de uma prisão preventiva, valorá-la externamente ao processo em que é aplicada e (sobretudo) em sede de pena nesse outro processo, poderá igualmente configurar uma abusiva extrapolação das consequências jurídicas do decretamento da prisão preventiva contra o arguido.
O que, a suceder, configura violação do princípio constitucional da presunção da inocência (art. 32º, nº2 da Constituição da República Portuguesa), que é um dos direitos fundamentais do cidadão também reconhecido internacionalmente (art. 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 6º, nº2 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos e Liberdades Fundamentais e art. 14º, nº2 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos);
O princípio da presunção da inocência protege as pessoas que são objecto de suspeita, garantindo que não serão julgadas culpadas enquanto não se demonstrarem os factos imputados, através de prova inequívoca. No processo, o encargo de destruir a presunção de inocência recairá sempre sobre o acusador e inexiste um ónus do acusado sobre a prova da sua inocência.
Mas essa garantia alarga-se para lá do processo, ou seja, o princípio protege o arguido no processo-crime e fora dele.
Assim, a prisão preventiva, à semelhança de todas as outras, é uma medida de coacção aplicada a “presumíveis inocentes”. Serve finalidades de medida de coacção (exclusivamente cautelares e processuais) e, não, de pena (exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial).
No limite, admite-se que a prisão preventiva aplicada a arguido num processo possa, concretamente, ser sopesada noutro processo, mas sempre para efeitos de aplicação de medidas de coacção nesses processos, e nunca na ponderação sobre a pena.
As finalidades da pena e as finalidades das medidas de coacção não se confundem nem se comunicam.
Seria, por tudo, logo discutível a legalidade de uma avaliação contra o arguido e para efeitos de pena, de um seu comportamento em meio prisional no âmbito de prisão preventiva. O que traduziria, repete-se, numa mistura abusiva de dois institutos que não se confundem nem se comunicam e, concretamente, numa violação do princípio da presunção de inocência.
Mas a interpretação seguida no despacho é ainda violadora do princípio da legalidade (da pena), embora esta violação decorra do próprio acórdão condenatório, que contaminou o despacho recorrido nesta parte.
A pena proferida no acórdão – já transitado em julgado e que não cumpre, enquanto tal, apreciar – foi a de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na execução e subordinada a regime de prova com prestação de 150 horas de trabalho a favor da comunidade.
A suspensão com regime de prova está prevista no art. 53º do Código Penal, cujo nº 1 prevê que o tribunal possa determinar que a suspensão seja acompanhada de um regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.
Nos termos do nº 2, o regime de prova assentará num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo da suspensão, dos serviços de reinserção social.
Este plano, nos termos do art. 54º, nº 1 do Código Penal, conterá os objectivos de ressocialização a atingir pelos arguidos, as actividades que este deve desenvolver, o respectivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adoptar pelos referidos serviços.
O nº 3 do art. 54º preceitua que o tribunal pode impor os deveres e regras de conduta referidos nos arts. 51º e 52º e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado, exemplificando-se nas als. a) a d) algumas dessas obrigações, nas quais não se inclui a prestação de trabalho comunitário.
O art. 52º nº 1 do Código Penal, prevê a imposição ao condenado, pelo tempo de duração da suspensão, do cumprimento de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade.
Complementarmente, o nº 2 prevê a imposição de outras regras.
O regime de prova, bem como a suspensão condicionada a outras regras, visam a reintegração social do condenado fora da prisão, apostando, o primeiro, ainda no acompanhamento do condenado por técnico da DGRS que o ajude no processo de ressocialização.
A suspensão condicionada, em qualquer das suas modalidades, é sempre um “meio razoável e flexível para exercer uma influência ressocializadora sobre o agente, sem privação da liberdade”. A sua vantagem “reside na possibilidade de adaptar a sanção às circunstâncias e necessidades do agente” (JeschecK, Weigend, Tratado de Derecho Penal, 2002, p. 898-899).
Permite potenciar largamente as virtualidades do instituto da suspensão da execução da pena, que não se limita assim a descansar na “ideia da ameaça da pena e do seu efeito intimidativo”, sendo antes integrado pela imposição ao agente de deveres e regras de conduta que reforçam tanto a socialização do delinquente como a reparação das consequências do crime (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005 reimp., p.339).
As regras de conduta ligam-se “ao cerne socializador da pena de suspensão de execução da prisão” (Figueiredo Dias, loc. cit. p. 349), socialização que, no entanto, não deve ser alcançável a qualquer preço, devendo ser “de negar a legitimidade da imposição de deveres que representem uma limitação de direitos fundamentais de qualquer espécie” (loc. cit. p. 351).
A regra de conduta imposta – “de 150 horas de trabalho a favor da comunidade” – apresenta-se fixada no acórdão ao abrigo do nº 3 do art. 53º do Código Penal (“O regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade…”) sendo esta a única norma legal ali invocada para imposição do trabalho. Mas as normas legais convocáveis para a elaboração do plano de reinserção social seriam também, pelo menos, os arts 54º nº 3 e 51º e 52º, por via daquele.
Estas normas prevêem a possibilidade de imposição do cumprimento de determinadas obrigações ao condenado, como se disse.
Mas o aditamento de regras de conduta à suspensão da prisão, seja por via do regime de prova, seja por via da suspensão condicionada fora dele, justifica-se apenas quando a suspensão, por si só, não garanta as finalidades da punição. Os princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso mantêm-se como referentes em todo o processo de decisão sobre as consequências do crime (arts. 18º, nº 2 e 30º, 1 a 3 da Constituição da República Portuguesa). Daí que a imposição de regras que reforcem a suspensão da pena devam ser sempre concretamente justificadas na decisão condenatória.
Não se cura agora de apreciar se o acórdão explicitou ou não as razões que justificaram, no caso concreto, o reforço da suspensão com imposição de trabalho comunitário, sendo certo que a “contribuição para a socialização”, concretamente fundamentada, seria sempre condição da submissão do condenado a uma regra de conduta.
Uma apreciação agora sobre a fundamentação da pena efectuada no acórdão extrapolaria o objecto do recurso, desde logo porque o acórdão transitou em julgado.
Trata-se apenas de decidir, aqui, se o incumprimento (no caso, parcial) da condição concretamente imposta ao condenado pode justificar agora a revogação da suspensão. E a resposta será negativa.
Na verdade, não se apresenta como jurídico-penalmente admissível condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à prestação de trabalho, no âmbito de um regime de prova ou fora dele, “mesmo que em instituições de solidariedade social e ainda que dispondo do consentimento do condenado” (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 354).
As consequências jurídicas do crime encontram-se submetidas ao princípio da legalidade e da tipicidade (art. 29º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e art. 1º do Código Penal) que abrange a definição das penas, as condições da sua aplicação, o controlo das fontes, a proibição da retroactividade, a proibição da analogia contra reo.
A “suspensão da execução da prisão” (simples, com imposição de condições ou com regime de prova) e a “prestação de trabalho a favor da comunidade” são duas penas de substituição de diferente natureza, que o Código Penal prevê e trata, respectivamente nos arts 50º a 57º e nos arts 58º e 59º.
Condicionar a suspensão da prisão a uma prestação de trabalho comunitário redundaria numa “mistura arbitrária – e violadora, por conseguinte, do princípio da legalidade da pena – de duas diferentes penas de substituição, cada qual com o seu sentido e os seus pressupostos próprios” (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 354).
As normas que disciplinam o regime de prova, incluindo as que tratam da elaboração do plano de reintegração social, não prevêem expressamente a possibilidade de imposição ao condenado de uma prestação de trabalho comunitário, nem essa oportunidade se retira do elenco das possibilidades de imposições ali previstas. De tudo resulta que a violação desta obrigação (indevidamente) imposta no acórdão condenatório (transitado em julgado) não pode agora fundamentar a decisão sobre a revogação da suspensão.
Em face do exposto, há que concluir que falecem os fundamentos que levaram à prolação do despacho de revogação da suspensão proferido ainda no decurso do período de suspensão, que deve ser, assim, substituído por outro, a proferir ao abrigo dos arts 56º a 57º do Código Penal, findo o período de suspensão da pena decretada nos autos e de acordo com os (outros) elementos que o caso proporcione.

3. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar procedente o recurso, embora não exactamente pelos mesmos fundamentos, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se que os autos prossigam ulteriores termos, no modo explicitado.
Sem custas.
Évora, 03.02.2015
(Ana Maria Barata de Brito)
(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)