Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
428/21.2PBSTB.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: CRITÉRIO DE ESCOLHA DA PENA
PENA DE PRISÃO
PENA DE MULTA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O critério de orientação geral no referente à escolha entre a pena de prisão e a pena de multa, enquanto pena principal e alternativa, conducente à preferência pela pena de multa, vem definido no artigo 70.º do CP e é o da suficiência e adequação dessa pena à realização das finalidades da punição, quais seja, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cf. artigo 40º, n.º 1, do CP).
II - No tocante à pena de multa de substituição, de acordo com o critério estabelecido no artigo 45º, n.º 1, do Código Penal, a mesma – ou outra ou outra pena não privativa da liberdade aplicável – apenas será afastada se a execução da pena de prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, ou seja, se as necessidades de prevenção especial ou de prevenção geral exigirem a execução da pena principal de prisão.
III - São, pois, distintos os critérios que conduzem à preferência pela pena de multa principal e os que levam à escolha da pena de multa de substituição. No primeiro caso, o critério é o da conveniência ou da maior adequação da pena, enquanto que no segundo o critério é o da necessidade da pena.
IV - Daí que, o tribunal possa, numa primeira operação, escolher a pena de prisão em detrimento da pena de multa, como pena e venha depois a substituir a pena de prisão, por pena de multa.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum, n.º 428/21...., do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., foram as arguidas AA e BB, melhor identificadas nos autos, submetidas a julgamento, com a intervenção do tribunal singular, estando acusadas da prática, em coautoria, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal.
1.2. Realizado o julgamento foi proferida sentença, em 26/09/2022, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:
«(...) julga-se totalmente procedente a Douta Acusação Pública, nos termos sobreditos e, em consequência,
a) Condena-se a Arguida AA pela prática, em co-autoria de um crime de Furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
b) Suspende-se a execução da pena de prisão aplicada à Arguida AA pelo período de 1 (um) ano, assente num plano de reinserção social, a elaborar pela DGRSP (cf. artigos 50.º, 53.º e 54.º todos do Código Penal e 494.º, n.º 3 do Código de Processo Penal);
c) Condena-se a Arguida BB pela prática, em co-autoria de um crime de Furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;

d) Suspende-se a execução da pena de prisão aplicada à Arguida BB pelo período de 1 (um) ano, assente num plano de reinserção social, a elaborar pela DGRSP (cf. artigos 50.º, 53.º e 54.º todos do Código Penal e 494.º, n.º 3 do Código de Processo Penal);
e) Condena-se a Arguida AA e a Arguida BB nas custas do processo (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, artigo 8.º, n.º 9 e tabela iii do Regulamento Das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro), fixando-se as mesmas em 2 UC a taxa de justiça, a cada uma, a reduzir a metade, atendendo à confissão integral e sem reservas (artigo 344.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal), e sem prejuízo do apoio judiciário de que possam vir a beneficiar.
(...).»
1.3. Inconformadas com o assim decidido, recorreram as arguidas para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação do recurso que respetivamente apresentaram, as seguintes conclusões:
1.3.1. Conclusões do recurso da arguida AA:
a) O presente recurso emerge da discordância em relação à sentença tirada nos autos que condenou a recorrente pela prática co-autoria de um crime de furto simples p. e p. artº 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.
b) As razões de discordância com a douta decisão sob recurso prendem-se com a determinação da sanção, seja quanto à escolha da pena, seja quanto à eventual substituição da mesma e, bem assim, com o entendimento de que a sentença contém contradição insanável na sua fundamentação (410º, nº 2 al. b) do C.P.P.). A saber:
i. A sentença é errada quanto à opção que fez pela pena de prisão, podendo e devendo, ainda, optar-se por uma pena de multa, pois esta é susceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, eventualmente substituída por trabalho a favor da comunidade;
ii. Mesmo que assim se não entenda, o que só concebe como mero exercício de raciocínio, feita a opção pela pena de prisão, tal como foi decidido na sentença em crise, a pena em questão podia e devia ter sido substituída por multa ou por trabalho a favor da comunidade, pois estas são susceptíveis de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
iii. De todo o modo, a sentença contém contradição insanável na sua fundamentação quanto ao juízo de prognose que relativamente ao futuro cometimento de crimes por parte da arguida, pois concluiu por um juízo desfavorável para afastar a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, ao passo que formulou um juízo de prognose favorável quando concluiu pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
c) Com efeito, a arguida confessou os factos integralmente e sem reservas, manifestou arrependimento, apresenta-se inserida familiarmente, vive com dois filhos menores, de 9 e 6 anos de idade, em casa arrendada, pela qual paga € 350,00 de renda;
d) tem o 12º ano de escolaridade, encontrando-se desempregada, não tendo qualquer rendimento;
e) Os bens objecto de furto foram todos recuperados, pelo que não resultou qualquer dano ilegítimo de terceiro.
f) A arguida averba no seu CRC as condenações que constam do facto provado sob o nº 14, quatro delas por crime de furto, o último dos quais cometido já há 6 anos;
g) Não se lhe conhecendo a prática de outros crimes desde então.
h) Erradamente, o tribunal a quo entendeu afastar a aplicação à arguida de uma pena não privativa da liberdade, por haver concluído que ela não satisfaz de forma adequada as finalidades da punição, concluindo mesmo que não é possível realizar qualquer juízo de prognose favorável no sentido de que a arguida não cometerá ulteriores crimes.
i) O que constitui contradição insanável da fundamentação, pois, após, na decisão em crise, veio a ser feito juízo de prognose oposto a propósito da opção feita pela suspensão da execução da pena.
j) A verdade é que este último é o correcto e como tal deverá operar em primeira linha quanto à opção pela aplicação de pena não privativa da liberdade à arguida.
k) Com efeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e a melhor subsunção da mesma ao direito, permite concluir que uma pena não privativa da liberdade, concretamente a de multa, eventualmente substituída por trabalho a favor da comunidade, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
l) Quando assim se não entenda, a verdade é que a pena de prisão aplicada deve ser substituída por pena de multa, ou por trabalho a favor da comunidade, pois estas são susceptíveis de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
m) Tal, é o que resulta de uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 45º, 47º, 48º, 58º, 70º, 71º e 203º, nº 1, do Código Penal e artigo 127º do C.P.P., coisa que o douto Tribunal a quo não fez.
A sentença violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas seguintes disposições legais supra citadas.
Em suma:
- deve revogar-se a sentença recorrida e substituir-se por acórdão que:
. condene a arguida em pena de multa, que será susceptível de substituição por trabalho a favor da comunidade que ela mesma requererá se for o caso;
ou, quando assim se não entenda, por cautela e sem prescindir;
. a condene em pena de prisão, substituída por multa ou por trabalho a favor da comunidade, pois estas são susceptíveis de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim é de JUTIÇA!».
13.2. Conclusões do recurso da arguida BB:
«a) O presente recurso emerge da discordância em relação à sentença tirada nos autos, que condenou a recorrente pela prática co-autoria de um crime de furto simples p. e p. artº 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.
b) As razões de discordância com a douta decisão sob recurso prendem-se com a determinação da sanção, seja quanto à escolha da pena, seja quanto à eventual substituição da mesma e, bem assim, com o entendimento de que a sentença contém contradição insanável na sua fundamentação (410º, nº 2 al. b) do C.P.P.). A saber:
i. A sentença é errada quanto à opção que fez pela pena de prisão, podendo e devendo, ainda, optar-se por uma pena de multa, pois esta é susceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, eventualmente substituída por trabalho a favor da comunidade;
ii. Mesmo que assim se não entenda, o que só concebe como mero exercício de raciocínio, feita a opção pela pena de prisão, tal como foi decidido na sentença em crise, a pena em questão podia e devia ter sido substituída por multa ou por trabalho a favor da comunidade, pois estas são susceptíveis de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
iii. De todo o modo, a sentença contém contradição insanável na sua fundamentação quanto ao juízo de prognose que relativamente ao futuro cometimento de crimes por parte da arguida, pois concluiu por um juízo desfavorável para afastar a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, ao passo que formulou um juízo de prognose favorável quando concluiu pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
c) Com efeito, a arguida confessou os factos integralmente e sem reservas, manifestou arrependimento, apresenta-se inserida familiarmente, vive com dois filhos menores, um com 6 anos e outro com 8 meses de idade, em casa arrendada, pela qual paga €300,00 de renda;
d) tem o 9º ano de escolaridade, encontrando-se desempregada, não tendo qualquer rendimento;
e) Os bens objecto de furto foram todos recuperados, pelo que não resultou qualquer dano ilegítimo de terceiro.
f) A arguida averba no seu CRC as condenações que constam do facto provado sob o nº 21, quatro delas por crime de furto, o último dos quais cometido já há 5 anos;
g) Não se lhe conhecendo a prática de outros crimes desde então.
h) Erradamente, o tribunal a quo entendeu afastar a aplicação à arguida de uma pena não privativa da liberdade, por haver concluído que ela não satisfaz de forma adequada as finalidades da punição, concluindo mesmo aquelas reacções penais se revelaram insuficientes para impedir a arguida de voltar a delinquir, que por isso denota propensão para a prática de crimes de diversa natureza e gravidade.
i) O que constitui contradição insanável da fundamentação, pois, após, na decisão em crise, veio a ser feito juízo de prognose oposto a propósito da opção feita pela suspensão da execução da pena.
j) A verdade é que este último é o correcto e como tal deverá operar em primeira linha quanto à opção pela aplicação de pena não privativa da liberdade à arguida.
k) Com efeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e a melhor subsunção da mesma ao direito, permite concluir que uma pena não privativa da liberdade, concretamente a de multa, eventualmente substituída por trabalho a favor da comunidade, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
l) Quando assim se não entenda, a verdade é que a pena de prisão aplicada deve ser substituída por pena de multa, ou por trabalho a favor da comunidade, pois estas são susceptíveis de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
m) Tal, é o que resulta de uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 45º, 47º, 48º, 58º, 70º, 71º e 203º, nº 1, do Código Penal e artigo 127º do C.P.P., coisa que o douto Tribunal a quo não fez.
A sentença violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas seguintes disposições legais supra citadas.
Em suma:
- deve revogar-se a sentença recorrida e substituir-se por acórdão que:
. condene a arguida em pena de multa, que será susceptível de substituição por trabalho a favor da comunidade que ela mesma requererá se for o caso;
ou, quando assim se não entenda, por cautela e sem prescindir;
. a condene em pena de prisão, substituída por multa ou por trabalho a favor da comunidade, pois estas são susceptíveis de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim é de JUTIÇA!».
1.4. Os recursos foram regularmente admitidos.
1.5. O Ministério Público, junto da 1.ª Instância, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento aos recursos e confirmada a sentença recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1.5.1. Na resposta ao recurso da arguida AA:
«1. A arguida AA foi condenada pela prática, em coautoria de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, assente num plano de reinserção social, a elaborar pela DGRSP (cf. artigos 50.º, 53.º e 54.º todos do Código Penal e 494.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
2. Na determinação da medida concreta da pena, importa considerar, contra a arguida:
c) - O grau de ilicitude do facto – que apenas se considera médico porquanto os objetos foram recuperados, ainda que com a intervenção de terceiros;
d) - A intensidade do dolo – que é direto;
d) - as exigências de prevenção geral - elevadas dada a frequência com que este tipo de condutas ocorre sobretudo nas grandes superfícies comerciais;
e) – as exigências de prevenção especial – são elevadas já que a arguida já sofreu várias condenações por crime da mesma natureza, a saber:
- Por sentença de 20.03.2014, transitada em julgado em 13.05.2014, a Arguida foi condenada pela prática, em 05.03.2014, de um crime de Furto, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00€, substituída por trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento em 26.07.2016;
- Por sentença de 12.03.2015, transitada em julgado em 10.04.2015, a Arguida foi condenada pela prática, em 06.06.2014, de um crime de Furto, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00€, extinta pelo cumprimento em 09.07.2018;
- Por sentença de 18.06.2015, transitada em julgado em 11.09.2015, a Arguida foi condenada pela prática, em 15.05.2015, de um crime de Furto, na pena de 360 dias de multa à taxa diária de 5,00€, extinta pelo cumprimento em 28.09.2019;
- Por sentença de 05.07.2017, transitada em julgado em 20.09.2017, a Arguida foi condenada pela prática, em 17.11.2016, de um crime de Furto, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5,00€, extinta pelo cumprimento em 13.04.2018.
E a favor da arguida a confissão dos factos e a sua inserção familiar.
3. Face aos antecedentes criminais da arguida é obvio que a opção do tribunal só podia ser a de aplicar à arguida uma pena de prisão.
4. A substituição da pena de prisão por pena de multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade não assegura as finalidades da punição.
5. Tendo a arguida confessado os factos e tendo-se provado a sua inserção social, ainda se crê que a censura do facto e a ameaça da prisão realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Deste modo, entendemos que a douta sentença não merece censura devendo ser mantida na integra.
Termos em que, julgando improcedente o recurso, vossas Excelências farão, como sempre, a acostumada Justiça!».
1.5.2. Na resposta ao recurso da arguida BB:
«1. A arguida BB foi condenada pela prática, em coautoria de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, assente num plano de reinserção social, a elaborar pela DGRSP (cf. artigos 50.º, 53.º e 54.º todos do Código Penal e 494.º, n.º 3 do Código de Processo Penal
2. Na determinação da medida concreta da pena, importa considerar, contra a arguida:
- O grau de ilicitude do facto – que apenas se considera médio porquanto os objetos foram recuperados, ainda que com a intervenção de terceiros
- A intensidade do dolo – que é direto;
d) - as exigências de prevenção geral - elevadas dada a frequência com que este tipo de condutas ocorre sobretudo nas grandes superfícies comerciais;
e) – as exigências de prevenção especial – são elevadas já que a arguida já sofreu várias condenações por crime da mesma natureza, a saber:
- Por sentença de 20.03.2014, transitada em julgado em 13.05.2014, a arguida foi condenada pela prática, em 05.03.2014, de um crime de Furto, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00€, substituída por trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento em 26.07.2016;
- Por sentença de 16.10.2018, transitada em julgado em 15.11.2018, a arguida foi condenada pela prática, em 05.09.2017, de um crime de Furto na forma tentada, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5,00€, extinta pelo cumprimento em 25.02.2019;
- Por sentença de 06.12.2018, transitada em julgado em 18.01.2019, a arguida foi condenada pela prática, em 08.09.2016, de um crime de Tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, na pena de um ano e cinco meses de prisão, suspensa por igual período, extinta em 18.06.2020;
- Por sentença de 04.07.2019 transitada em julgado em 26.09.2019, a arguida foi condenada pela prática, em 03.09.2017, de um crime de Furto, na pena de seis meses de prião suspensa pelo período de um ano.
3. E a favor da arguida a confissão dos factos, o arrependimento e a sua inserção familiar.
4. Face aos antecedentes criminais da arguida é obvio que a opção do tribunal só podia ser a de aplicar à arguida uma pena de prisão.
5. A substituição da pena de prisão por pena de multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade não assegura as finalidades da punição.
6. Tendo a arguida confessado os factos e tendo-se provado a sua inserção social, ainda se crê que a censura do facto e a ameaça da prisão realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Deste modo, entendemos que a douta sentença não merece censura devendo ser mantida na íntegra.
Termos em que, julgando improcedente o recurso, vossas Excelências farão, como sempre, a acostumada Justiça!».
1.6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de os recursos deverem ser julgados improcedentes, aderindo à fundamentação expendida pelo Ministério Público junto da 1.ª instância, nas respostas que o mesmo ofereceu.
1.7. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, sem resposta das recorrentes.
1.8. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cf. artigo 428º do CPP.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do CPP.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do n.º 2 do artigo 410º do CPP, mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ n.º 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, em face das conclusões extraídas pelas recorrentes da motivação do recurso que, respetivamente, apresentaram, ambas suscitam as mesmas questões, a saber:
- Contradição insanável na fundamentação da sentença recorrida;
- Escolha da pena: Opção pela pena de multa ao invés da pena de prisão;
- Substituição da pena de prisão, por pena de multa ou de prestação de trabalho a favor da comunidade.

2.2. A sentença recorrida é do seguinte teor:
«(…)
II - Fundamentação
A) Factos Provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1) No dia 07 de Maio de 2021, em hora não concretamente apurada, mas antes das 17:50 horas, as Arguidas AA e BB contrataram um serviço de transporte desde .../... até ao Centro Comercial ..., sito em ....
2) Chegadas ao Centro Comercial ..., as Arguidas pediram ao motorista para aguardar no carro, uma vez que não iam demorar muito tempo, o que este fez.
3) Seguidamente, pelas 17:50 horas, as Arguidas dirigiram-se ao estabelecimento comercial H..., localizado no interior do Centro Comercial ..., e mediante um plano previamente delineado, decidiram apropriar-se de 9 vestidos, no valor unitário 14,99€, 6 vestidos, no valor unitário de 24,99€, 3 conjuntos de t-shirts e calção, no valor unitário de 14,99€, 2 vestidos, no valor unitário de 9,99€, 2 t-shirts, no valor unitário de 7,99€ e 3 vestidos, no valor unitário de 29,99€.
4) Acto contínuo as Arguidas colocaram as peças de vestuário no interior de diversos sacos, inclusivamente num saco que se encontrava forrado com várias camadas de folhas de papel de alumínio, e saíram do referido estabelecimento sem efectuar o respectivo pagamento, colocando-se em fuga, em passo de corrida.
5) As Arguidas vieram a ser interceptadas no exterior do estabelecimento comercial, na zona de parqueamento, junto ao veículo que fez o transporte, tendo os bens referidos em 3) sido recuperados.
6) As Arguidas actuaram em comunhão de esforços, mediante um plano previamente acordado, com a intenção concretizada de se apropriar, e de fazer suas as peças de vestuário referidas em 3), que sabiam não lhes pertencer, sabendo também que deveriam proceder ao respectivo pagamento, o que não fizeram, agindo, assim, sem o conhecimento e consentimento do seu legítimo proprietário.
7) As Arguidas agiram livre, voluntaria, e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou,
8) A Arguida AA confessou os factos antecedentes.
9) A Arguida AA demonstrou arrependimento.
10) A Arguida AA encontra-se desempregada, não tendo qualquer rendimento.
11) Reside em casa arrendada pela qual paga 350,00€ mensais.
12) Vive com um filho de 9 anos e outro de 6 meses de idade.
13) A Arguida AA tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade.
14) A Arguida AA regista os seguintes antecedentes criminais:
i. Por sentença de 20.03.2014, transitada em julgado em 13.05.2014, a Arguida foi condenada pela prática, em 05.03.2014, de um crime de Furto, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00€, substituída por trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento em 26.07.2016;
ii. Por sentença de 12.03.2015, transitada em julgado em 10.04.2015, a Arguida foi condenada pela prática, em 06.06.2014, de um crime de Furto, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00€, extinta pelo cumprimento em 09.07.2018;
iii. Por sentença de 18.06.2015, transitada em julgado em 11.09.2015, a Arguida foi condenada pela prática, em 15.05.2015, de um crime de Furto, na pena de 360 dias de multa à taxa diária de 5,00€, extinta pelo cumprimento em 28.09.2019;
iv. Por sentença de 23.11.2016 transitada em julgado em 13.02.2019, a Arguida foi condenada pela prática, em 24.12.2014, de um crime de Ameaça Agravada, na pena de 270 dias de multa à taxa diária de 6,00€, convertida em prisão subsidiária, extinta pelo pagamento da multa em 23.06.2020;

v. Por sentença de 05.07.2017, transitada em julgado em 20.09.2017, a Arguida foi condenada pela prática, em 17.11.2016, de um crime de Furto, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5,00€, extinta pelo cumprimento em 13.04.2018.
15) A Arguida BB confessou os factos descritos de 1) a 7).
16) A Arguida BB demonstrou arrependimento.
17) A Arguida BB encontra-se desempregada, não tendo qualquer rendimento.
18) Reside em casa arrendada pela qual paga 300,00€ mensais.
19) Vive com dois filhos, um de 6 anos e outro de 8 meses de idade.
20) A Arguida BB tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.
21) A Arguida BB regista os seguintes antecedentes criminais:
i. Por sentença de 20.03.2014, transitada em julgado em 13.05.2014, a Arguida foi condenada pela prática, em 05.03.2014, de um crime de Furto, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00€, substituída por trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento em 26.07.2016;
ii. Por sentença de 16.10.2018, transitada em julgado em 15.11.2018, a Arguida foi condenada pela prática, em 05.09.2017, de um crime de Furto na forma tentada, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5,00€, extinta pelo cumprimento em 25.02.2019;
iii. Por sentença de 06.12.2018, transitada em julgado em 18.01.2019, a Arguida foi condenada pela prática, em 08.09.2016, de um crime de Tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, na pena de um ano e cinco meses de prisão, suspensa por igual período, extinta em 18.06.2020;
iv. Por sentença de 04.07.2019 transitada em julgado em 26.09.2019, a Arguida foi condenada pela prática, em 03.09.2017, de um crime de Furto, na pena de seis meses de prião suspensa pelo período de um ano.

B) Factos Não Provados
Inexistem factos por provar com relevância para a boa decisão da causa.

*

Consigna-se que não foram reconduzidas aos factos provados, nem aos não provados, as afirmações de cariz jurídico ou meramente conclusivo, nem as referentes a meios de prova, nem as que consubstanciam factualidade supérflua e irrelevante por se revelarem improfícuas para a decisão.

C) Fundamentação de Facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto a todos os factos conjugando os vários meios de prova disponíveis, os quais foram analisados à luz as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, mormente as declarações das Co-Arguidas e a prova documental junta aos autos, tudo em obediência ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Em processo penal são admissíveis todas as provas não proibidas por lei, sendo que havendo vários arguidos e não se verificando a confissão integral e coerente de todos eles “o Tribunal decide em sua livre convicção se deve ou não ter lugar e em que medida a produção de outras provas quanto aos factos confessados”.
Portanto, as declarações do co-arguido constituem meio de prova válido ainda que “o seu valor quanto aos co-arguidos ... exija uma especial ponderação pelo julgador”. (1) cf. Marques da Silva, Germano. Curso de Processo Penal. Ed. Verbo. 3ª ed.. II vol., p. 191
No caso vertente as Co-Arguidas, confessaram de forma livre, integral e sem reservas, de forma que se reputou coerente.
Assim sendo, no que respeita aos factos provados 1) a 5) foi considerada a confissão livre, integral e coerente das Arguidas, bem como foi valorada a prova documental dos autos, mormente, auto de notícia de fls. 2 a 4. Auto de apreensão de fls. 21 a 22, termo de entrega de fls. 23 e 23v, talões de fls. 26, imagens de vídeo vigilância de fls. 101, junta com a Acusação Pública.
Face à confissão integral e sem reservas, revelou-se despiciendo considerar a prova testemunhal.
Quanto aos factos provados 6) e 7) a sua prova resulta da conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum, pois qualquer cidadão, que corresponde ao padrão do homem médio, agindo como agiram as Arguidas, revela intenção directa de praticar os factos como efectivamente estas fizeram. Ainda assim, as Arguidas também confessaram de forma coerente o elemento subjectivo do crime em questão.
O que se escreveu em 8) e 9), 15) e 16) resulta da postura assumida pelas Arguidas em juízo.
As condições sócias económicas das Arguidas referidas nos factos provados 10) a 13 e 17) a 20, assim resultaram provadas, porquanto foram valoradas as declarações das próprias, as quais se mostraram plausíveis e sinceras.
Quanto aos antecedentes criminais das Arguidas atentou-se no certificado de registo criminal de fls. 187 a 193 e 194 a 197v.

III - Enquadramento jurídico-penal
Às Arguidas vem imputada, em co-autoria material, a prática de um crime de furto, previsto e punido nos termos do artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal.
Pratica tal crime “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios.”
O bem jurídico protegido pela norma é a propriedade, conforme facilmente se extrai do enquadramento sistemático inserido pelo Legislador - Capítulo II do Título II "Dos crimes contra a propriedade".
O conceito civil de coisa não esgota todos os interesses tutelados no crime de furto, assim o conceito penal de propriedade, mais complexo, abarca o conjunto “de relações jurídicas encabeçadas por um sujeito que tem por objecto último coisas dotadas de utilidade, isto é, de capacidade de satisfazer as necessidades humanas, materiais ou espirituais”. – (2) Costa, Faria (1999). Comentário 16 ao artigo. 203º. Comentário Conimbricense ao Código Penal II. Dir. Jorge Figueiredo Dias. Coimbra Editora. Coimbra. p. 29
Como elementos objectivos do tipo temos:
- A subtracção - que impõe um poder de facto de disposição sobre a coisa alheia e, concomitantemente, a perda dessa disposição pelo seu possuidor ou proprietário.
- De coisa móvel – a subtracção há-de referir-se apenas a coisas móveis e não a coisas imóveis, posto é que a coisa móvel seja susceptível de apropriação, que possa ser deslocada e retirada do local onde estava.
- Alheia - que não pertence ao autor do furto, ou seja, é alheia “toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção”.- (3) Costa, Faria (1999). Comentário 49 ao artigo. 203º. Comentário Conimbricense ao Código Penal II. Dir. Jorge Figueiredo Dias. Coimbra Editora. Coimbra. p. 41.
Quanto à consumação deste tipo de crime, poder-se-á entender que basta a consumação formal ou jurídica, não se exigindo que a meta almejada pelo agente tenha sucesso, sendo que a consumação material representaria apenas uma fase ulterior da consumação (exaurimento).
Outro entendimento, vertido no Acórdão de STJ de 16.01.2002, CJ 2002, tomo I, pág. 170 – (4) Com dois votos de vencido, um deles defendendo a posição da consumação instantânea, será o de que, enquanto a coisa não está na posse do agente não parece que possa haver consumação. Mais, no Colendo Acórdão, a que se faz referência, afirma-se que tem de haver um mínimo de tempo que permita dizer que um efectivo domínio de facto sobre a coisa é levado a cabo pelo agente, mas sem defender que tal domínio se opere “em pleno sossego ou em estado de tranquilidade” por parte do sujeito infractor.
Considera-se que a consumação ocorre quando a coisa saiu da posse do seu dono ou detentor legítimo e entrou no domínio de facto do agente da infracção, domínio esse que deve incluir um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa.
Aos elementos objectivos do tipo de furto, acrescem os dois elementos subjectivos o dolo, conhecimento e vontade de que a coisa móvel que se está a subtrair é alheia e na vontade de a subtrair, ou seja, exige-se a prática da acção com dolo, admitido em qualquer das suas modalidades (cf. artigo 14.º do Código Penal), e a intenção de ilegítima apropriação para si ou para outrem como elemento subjectivo especial ou específico, agindo com animus domini, isto é, com o propósito de integrar esse bem na sua esfera patrimonial ou na de outrem. Exige-se assim “a vontade intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des)apropriar terceiro. No entanto, se, em termos lógicos, somos capazes de estabelecer este primeiro momento, é também indispensável que se verifique, por consequência, na determinação global do elemento um animus sibi rem habendi.”- (5) Costa, Faria (1999). Comentário 27 ao artigo. 203º. Comentário Conimbricense ao Código Penal II. Dir. Jorge Figueiredo Dias. Coimbra Editora. Coimbra. p. 33.
No que concerne à co-autoria, dispõe o artigo 26.º, do Código Penal, “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.”
Quando alguém age sozinho, realizando pessoalmente e por inteiro a conduta típica, a eventual atribuição da responsabilidade penal só a essa pessoa diz respeito. Mas, o agente não actua sempre sozinho, fá-lo, frequentemente, em conjunto com outro ou outros, ou seja, em comparticipação. – (6) O termo “comparticipação” emprega-o o Código penal, por ex., nas epígrafes dos artigos 25.º (desistência em caso de comparticipação), 28.º (ilicitude na comparticipação) e 29.º (culpa na comparticipação).
É de reter que ao mesmo indivíduo pode ser imputada a autoria material, imediata e singular, se executar o facto "por si mesmo" (artigo 26º, 1ª alternativa), sem a intervenção de outro ou outros, já se o fizer por intermédio de outrem (artigo 26º, 2ª alternativa), é de autoria mediata que se trata. Assim, conclui-se que várias pessoas podem ser co-autores, tomando parte directa na execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros. Dir-se-á que a distinção entre a autoria singular imediata e a co-autoria, radica no facto de que o autor singular executa o facto por si mesmo, enquanto o co-autor toma parte directa na sua execução do crime por acordo ou juntamente com outro ou outros. É indispensável uma decisão conjunta e uma execução conjunta da decisão.
Donde, a co-autoria pressupõe quer um elemento subjectivo (o acordo, a concertação de vontades que pode ser prévio ou concomitante à execução, expresso ou tácito, para a realização de determinada acção típica), quer um elemento objectivo (que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução). Já no que concerne à execução conjunta, cumpre ter presente que não se exige que todos os agentes intervenham em todos os actos, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, sendo que nenhum dos co-autores será responsável pelos excessos do(s) outro(s), respondendo apenas até onde vai o acordo recíproco.
In casu, é indubitável, face à matéria de facto dada como provada, que as Arguidas AA e BB no dia 07 de Maio de 2021, em hora não concretamente apurada, mas antes das 17:50 horas, contrataram um serviço de transporte desde .../... até ao Centro Comercial ..., sito em ... e aí chegadas, pelas 17:50 horas, dirigiram-se ao estabelecimento comercial H..., sendo que mediante um plano previamente delineado, decidiram apropriar-se de 9 vestidos, no valor unitário 14,99€, 6 vestidos, no valor unitário de 24,99€, 3 conjuntos de t-shirts e calção, no valor unitário de 14,99€, 2 vestidos, no valor unitário de 9,99€, 2 t-shirts, no valor unitário de 7,99€ e 3 vestidos, no valor unitário de 29,99€, perfazendo, conclui-se, o valor global de 455,75€.
Sedimentou-se ainda que as Arguidas colocaram as peças de vestuário aludidas no interior de diversos sacos, inclusivamente num saco que se encontrava forrado com várias camadas de folhas de papel de alumínio, e saíram do referido estabelecimento sem efectuar o respectivo pagamento, colocando-se em fuga, em passo de corrida, tendo alcançado o veículo que as tinha transportado ao centro comercial.
Mais se apurou que as Arguidas agiram livre, voluntária, e conscientemente, em comunhão de esforços, mediante um plano previamente acordado, com a intenção concretizada de se apropriar, e de fazer seus as diversas peças de vestuário, que sabiam não lhes pertencer, sabendo também que deveriam proceder ao respectivo pagamento, o que não fizeram, agindo, assim, sem o conhecimento e consentimento do seu legítimo proprietário.
Donde, agiram as Arguidas com dolo directo, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal, sendo também manifesta a sua ilegítima intenção de apropriação de bens que sabiam ser alheios.
Decorre do aduzido que se mostram preenchidos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime em apreço.
Sedimentou-se ainda que as Arguidas agiram, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Termos em que, inexistindo qualquer causa que exclua a ilicitude ou a culpa, cometeram as Arguidas, em co-autoria, o crime de Furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, pelo que deverão ser condenadas.

IV - Da determinação da sanção
a) Da operação da escolha da pena
O crime de furto é punível, em alternativa, com pena de prisão ou multa, pelo que importa em primeiro lugar proceder à escolha da pena a aplicar às Arguidas.
Fazendo apelo ao disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, que estatui que “a aplicação das penas (…) visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade”, ou seja, subjazem à aplicação das penas fins de prevenção geral (prevenção positiva, com vista a dissuadir o agente da prática de futuros crimes) e fins de prevenção especial (vertente intimidativa da consciência da seriedade da ameaça penal no agente).
Nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal, a culpa é um pressuposto irrenunciável e um limite inultrapassável da aplicação de uma pena, se assim não fosse colocar-se-ia em causa a Dignidade Humana, princípio fundamental de um Estado de Direito Democrático.
Cumprir-se-á o disposto no artigo 70.º do Código Penal, que consagra uma preferência de política criminal em relação à pena não detentiva sempre que esta realizar de forma adequada as finalidades da punição assinaladas no artigo 40.º do Código Penal, nomeadamente de prevenção geral - sem perder de vista a reacção necessária contra a prática do crime, a consciencialização do infractor e a necessidade de reafirmação da norma perante comunidade - e especial.
Ora, no caso em apreço apresentam-se como acentuadas as exigências de prevenção geral, em virtude de a sociedade se mostrar receosa perante condutas atentatórias da propriedade e à frequência com que este tipo de condutas ocorre.
No que concerne às exigências de prevenção especial, considera-se que as mesmas são elevadas, relativamente a ambas as Arguidas, porquanto ambas registam no seu certificado de registo Criminal várias condenações, por crime diverso e também idêntico ao dos autos.
No que respeita à Arguida AA não se pode olvidar que esta foi condenada pela prática de 4 crimes de furto simples, em pena de multa, sendo que ainda assim esta persiste na sua conduta, pois voltou a cometer crime de idêntica natureza. Esta circunstância afigura-se-nos suficiente para afastar a pena não privativa da liberdade, dadas as elevadas necessidades de prevenção geral que se fazem sentir em casos como dos autos, bem como as de prevenção especial, denotando a Arguida uma total ausência de consciencialização da necessidade de conformar a sua conduta com as normas jurídicas, reveladora de uma personalidade anti-jurídica. Julga-se assim que a opção por uma pena não privativa da liberdade não satisfaz de forma adequada as finalidades da punição, não sendo aliás possível realizar qualquer juízo de prognose favorável no sentido de que a Arguida não cometerá ulteriores crimes.
Assim, será de aplicar à Arguida AA pena privativa da liberdade.

Relativamente à Arguida BB pondera-se a existência de antecedentes criminais, sua variedade e grau de reacções penais que lhe foram aplicadas, nomeadamente pena de prisão suspensa na sua execução, pela prática de crimes de natureza diversa e idêntica à dos autos. Ora as várias reacções penais revelaram-se insuficientes para impedir a Arguida de voltar a delinquir, o que denota propensão para a prática de crimes de diversa natureza e gravidade.
Por assim ser, considera-se que o cumprimento das exigências de prevenção, em qualquer uma das suas vertentes, não mais se compadece com a opção pela aplicação à Arguida BB de pena não privativa da liberdade, antes se optando pela aplicação de pena de prisão.

b) Medida Concreta da Pena
Escolhida a aplicação de pena privativa da liberdade, relativamente a ambas as Arguidas, importa determinar o seu quantum.
Resulta do artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos preceitos legais, far-se-á em função da culpa (a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa - artigo 40.º n.º 2 Código Penal) e das exigências de prevenção geral e especial do agente, determinando o n.º 2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do Arguido, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio da dupla incriminação uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstracta).
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena”- Cf. Dias, Figueiredo. Direito Penal Português – As Consequências do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, pág.s 230 e 231
Assim, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência da comunidade é a finalidade que se quer alcançar. Para tanto, dentro da moldura penal abstracta, encontra-se o limite máximo em que as expectativas comunitárias serão reabilitadas (de integração positiva das normas e valores), e o limite mínimo abaixo do qual qualquer pena seria incapaz de cumprir a sua função de prevenção geral positiva (manutenção, reafirmação, ou mesmo, reforço das expectativas comunitárias na validade da norma violada). Entre estes limites, encontrar-se-á o ponto óptimo da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente. À culpa como corolário do princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana cabe determinar o limite máximo e inultrapassável da pena.
Por outro lado, como dispõe o n.º 2 do artigo 70.º do Código Penal, deverão ainda ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude do facto, a intensidade do dolo e a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como as suas condições pessoais e a sua situação económica.
O crime de furto simples previsto no artigo 203.º n.º 1 do Código Penal é punido com pena de prisão de 30 dias até 3 anos (cf. artigo 41.º do Código Penal).
Assim, no caso vertente atender-se-á ao disposto no artigo 71.º, n.º 2 Código Penal.

*
Da Arguida AA
Assim, importam a favor da Arguida AA:
- A confissão dos factos;
- A atitude contrita manifestada;
- A sua inserção familiar.
Militam contra a Arguida:
- O grau de ilicitude dos factos, que se afigura, apesar de tudo, mediano, atento o bem jurídico violado, o valor dos bens em causa e o facto de estes terem sido recuperados;
- O dolo intenso, porquanto directo;
- Os antecedentes criminais da Arguida que já foi condenada pela prática de quatro crimes de furto, na forma simples em penas de multa.
Ponderadas estas circunstâncias e, bem assim, o limite máximo consentido pelo grau de culpa e os princípios político-criminais da proporcionalidade e necessidade, considera-se adequado e ajustado fixar, a pena a aplicar à Arguida AA em 6 (seis) meses de prisão.
*
Da eventual substituição da pena de prisão aplicada à Arguida AA
Considerando a pena concreta de prisão fixada, coloca-se o problema da sua substituição por alguma das penas de substituição previstas no Código Penal.
Ora, à aplicação de uma pena de substituição e escolha entre as referidas penas presidirão apenas e tão só razões de prevenção geral positiva, apenas no indispensável à defesa do ordenamento jurídico, e, prevalecentemente, de prevenção especial de socialização, sem considerações de culpa, que já tiveram lugar aquando da aplicação da pena principal .
A ideia que subjaz às penas de substituição passa no fundo por manter o Arguido em liberdade porque, objectivamente, se decide correr esse risco, crendo que a ameaça da pena de prisão efectiva o inibirá de cometer novos crimes.
*
Perfilha-se o entendimento de que a opção do Legislador por aplicação de penas de substituição, estando em causa a aplicação de penas de prisão de curta duração, teve subjacente a ideia de manter o Arguido em liberdade, ora tratando-se o Regime de Permanência na Habitação, previsto no artigo 43.º do Código Penal, uma pena de substituição detentiva, em sentido impróprio, entende-se ser a mesma de afastar.
*
No que respeita à substituição da pena de prisão aplicada por pena de multa, nos termos previstos no artigo 45.º do Código Penal, entende-se não ser a mesma aplicável no caso presente, uma vez que a Arguida AA já foi condenada múltiplas vezes em penas de multa a título de pena principal pela prática de crime de igual natureza, não se abstendo de praticar o crime pelo qual vem acusada nos presentes autos. Assim, entende-se que a repetição da conduta infractora merece censura acrescida, não se coadunando com a aplicação de uma pena de multa, ainda que a título de pena de substitutiva.
*
Cuidando do artigo 58.º do Código Penal, que prevê a substituição da pena principal de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre com respeito pelas necessidades decorrentes da prevenção geral e especial e pela factualidade supra referida a propósito da medida da pena, entende-se que no caso vertente as necessidades de prevenção já não se compadecem com a aplicação à Arguida de uma pena substitutiva de trabalho, sendo que a personalidade desta se revela propensa à prática de crime, não sendo possível efectuar um juízo de prognose relativamente ao sucesso de aplicação desta pena substitutiva, e de que esta não voltará a cometer crimes no futuro, concluindo-se que este meio não realiza de forma adequada as finalidades de punição, não se mostrando susceptível de apelar a um sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica, sendo por isso de afastar a sua aplicação.
*
Quanto à suspensão da execução da pena de prisão, o artigo 50.º nº 1, do Código Penal, permite ao Tribunal suspender a “(…) execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.
Como refere Anabela Miranda Rodrigues, o artigo 70.º do Código Penal, consubstancia um critério de prevenção especial como aquele que deve estar na base da escolha da espécie de pena pelo Juiz, sendo igualmente um critério de prevenção - agora geral positiva ou de integração - o único que poderá obstar à aplicação da pena de prisão.
O Tribunal deverá optar por uma pena de cariz não detentivo, sempre que razões de prevenção especial, ligadas à socialização do Agente, no sentido de evitar a reincidência, o aconselhem, no entanto, a pena não detentiva não poderá ser entendida pela comunidade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência.
Deverá, portanto, assegurar-se que não seja posto em causa o limite mínimo da prevenção geral, no sentido da “defesa do ordenamento jurídico”.
No caso concreto, a Arguida mostra-se inserida familiarmente, confessou os factos, demonstrou atitude contrita, pelo que se entende que a necessidade especial de socialização assume primazia sobre a necessidade de reeducação da Arguida em ambiente prisional, sendo ainda aconselhável a suspensão da execução da pena de prisão, crendo-se que a censura do facto e a ameaça da prisão ainda realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Pelo que, nos termos do artigo 50.º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, entende-se ser de suspender a execução da pena de prisão ora aplicada pelo período de 1 (um) ano.
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Nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 50.º do Código Penal, “O Tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.” e o n. º 3 prevê que “os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.”
De harmonia com o disposto no artigo 53.º, do Código Penal, “O Tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade” .
De facto, através da elaboração de um plano individual de readaptação e do acompanhamento por técnicos especializados, imprime-se à pena em que o Arguido é condenado “um cunho profundamente educativo e correctivo”.
Entendendo-se ser adequado e conveniente promover a reintegração da Arguida CC na sociedade e que importa consciencializar aquela para a necessidade de viver de acordo com o direito.
Destarte, a suspensão da execução da pena de prisão, aplicada à Arguida será acompanhada de Regime de prova a elaborar pela DGRSP (cf. artigos 50.º, n.º 2, 53.º e 54.º todos do Código Penal e 494.º, n.º 3 do Código de Processo Penal).
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Da Arguida BB
Assim, importam a favor da Arguida BB:
- A confissão dos factos;
- A atitude contrita manifestada;
- A sua inserção familiar.
Militam contra a Arguida:
- O grau de ilicitude dos factos, que se afigura, apesar de tudo, mediano, atento o bem jurídico violado, o valor dos bens em causa e o facto de estes terem sido recuperados;
- O dolo intenso, porquanto directo;
- Os antecedentes criminais da Arguida que já foi condenada pela prática de um crime de furto na forma tentada e dois crimes de furto simples, quer em penas de multa, quer de prisão suspensa na sua execução.
Ponderadas estas circunstâncias e, bem assim, o limite máximo consentido pelo grau de culpa e os princípios político-criminais da proporcionalidade e necessidade, considera-se adequado e ajustado fixar, a pena a aplicar à Arguida BB em 8 (oito) meses de prisão.
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Da eventual substituição da pena de prisão aplicada à Arguida BB
Considerando a pena concreta de prisão fixada, coloca-se o problema da sua substituição por alguma das penas de substituição previstas no Código Penal.
Ora, à aplicação de uma pena de substituição e escolha entre as referidas penas presidirão apenas e tão só razões de prevenção geral positiva, apenas no indispensável à defesa do ordenamento jurídico, e, prevalecentemente, de prevenção especial de socialização, sem considerações de culpa, que já tiveram lugar aquando da aplicação da pena principal.
A ideia que subjaz às penas de substituição passa no fundo por manter o Arguido em liberdade porque, objectivamente, se decide correr esse risco, crendo que a ameaça da pena de prisão efectiva o inibirá de cometer novos crimes.
*
Perfilha-se o entendimento de que a opção do Legislador por aplicação de penas de substituição, estando em causa a aplicação de penas de prisão de curta duração, teve subjacente a ideia de manter o Arguido em liberdade, ora tratando-se o Regime de Permanência na Habitação, previsto no artigo 43.º do Código Penal, uma pena de substituição detentiva, em sentido impróprio, entende-se ser a mesma de afastar.
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No que respeita à substituição da pena de prisão aplicada por pena de multa, nos termos previstos no artigo 45.º do Código Penal, entende-se não ser a mesma aplicável no caso presente, uma vez que a Arguida BB já foi condenada em penas de multa a título de pena principal pela prática de crime de igual natureza, não se abstendo de praticar o crime pelo qual vem acusada nos presentes autos, considera-se que a repetição da conduta infractora merece censura acrescida, não se coadunando com a aplicação de uma pena de multa, ainda que a título de pena de substitutiva.
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Cuidando do artigo 58.º do Código Penal, que prevê a substituição da pena principal de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, entende-se que, no caso concreto, as necessidades de prevenção já não se compadecem com a aplicação à Arguida BB de uma pena substitutiva de trabalho, na medida em que considerando a existência de antecedentes criminais por parte desta, sua variedade e grau de reacções penais que lhe foram aplicadas, as circunstâncias sociais da Arguida e a restante factualidade enunciada supra a propósito da medida da pena, entende-se que a substituição da pena principal de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade é inadequada para assegurar as finalidades de punição, mormente não é adequada a evitar o cometimento de ulteriores crimes (prevenção geral), nem a motivar a Arguida a repensar e a reajustar a sua conduta às exigências da vida em sociedade.
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Quanto à suspensão da execução da pena de prisão, o artigo 50.º nº 1, do Código Penal, permite ao Tribunal suspender a “(…) execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.
Como refere Anabela Miranda Rodrigues, o artigo 70.º do Código Penal, consubstancia um critério de prevenção especial como aquele que deve estar na base da escolha da espécie de pena pelo Juiz, sendo igualmente um critério de prevenção - agora geral positiva ou de integração - o único que poderá obstar à aplicação da pena de prisão.
O Tribunal deverá optar por uma pena de cariz não detentivo, sempre que razões de prevenção especial, ligadas à socialização do Agente, no sentido de evitar a reincidência, o aconselhem, no entanto, a pena não detentiva não poderá ser entendida pela comunidade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência.
Deverá, portanto, assegurar-se que não seja posto em causa o limite mínimo da prevenção geral, no sentido da “defesa do ordenamento jurídico”.
No caso concreto, a Arguida mostra-se inserida familiarmente, confessou os factos e demonstrou atitude contrita.
Importa avaliar se às finalidades da punição não se opõe a suspensão da pena de prisão, sem todavia ser necessário alcançar uma certeza isenta de dúvidas ou um alto grau de probabilidade de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.
Sopesando os motivos supra-referidos, o Tribunal considera que ainda assim deve ser dada uma oportunidade à Arguida, afigurando-se ainda viável ainda que não isento de riscos e sem alto grau de probabilidade de sucesso, a conciliação entre as necessidades de reinserção social do Arguido e a protecção dos bens jurídicos em causa.
Crê-se que a censura do facto e a ameaça da prisão ainda realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, maxime a ressocialização da Arguida, que assume primazia sobre a necessidade de reeducação desta em ambiente prisional.
Pelo que, nos termos do artigo 50.º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, entende-se ser de suspender a execução da pena de prisão ora aplicada pelo período de 1 (um) ano.
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Nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 50.º do Código Penal, “O Tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.” e o n. º 3 prevê que “os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.”
De harmonia com o disposto no artigo 53.º, do Código Penal, “O Tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.
De facto, através da elaboração de um plano individual de readaptação e do acompanhamento por técnicos especializados, imprime-se à pena em que o Arguido é condenado “um cunho profundamente educativo e correctivo”.
Entendendo-se ser adequado e conveniente promover a reintegração da Arguida BB na sociedade e que importa consciencializar aquele para a necessidade de viver de acordo com o direito.
Destarte, a suspensão da execução da pena de prisão, aplicada à Arguida será acompanhada de Regime de prova a elaborar pela DGRSP (cf. artigos 50.º, n.º 2, 53.º e 54.º todos do Código Penal e 494.º, n.º 3 do Código de Processo Penal).
(...).»

2.3. Conhecimento do mérito dos recursos
2.3.1. Da contradição insanável na fundamentação da sentença recorrida
Invocam as arguidas/recorrentes que a sentença recorrida enferma do vício da contradição insanável na fundamentação, quanto ao juízo de prognose efetuado relativamente ao cometimento de futuros crimes por parte das ora recorrentes.
Nesse enfoque aduzem as recorrentes que o Tribunal a quo formulou um juízo de prognose desfavorável, para afastar a aplicação de pena não privativa da liberdade, como pena principal, mas esse mesmo juízo já foi favorável, quando concluiu pela suspensão da execução da pena de prisão.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não assistir razão às recorrentes.
Apreciando:
Constitui entendimento pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência, de que há contradição insanável da fundamentação da sentença, quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados[1].
No presente caso, tendo em conta os contornos do vício da contradição insanável na fundamentação, lida a sentença recorrida, supra transcrita, designadamente, os segmentos assinalados pelas recorrentes, entendemos isento de dúvida que não enferma do invocado vício decisório.
Os critérios que presidem à escolha da pena principal, definidos no artigo 70º do Código Penal e aqueles a atender na substituição da pena de prisão por pena não privativa da liberdade, de entre as previstas nos artigos 45º e ss. do Código Penal, não são inteiramente coincidentes.
Embora, em ambas as situações, conforme entendimento maioritariamente defendido na doutrina e jurisprudência[2], devam ser tidas em conta apenas considerações de prevenção geral e especial, é distinta a forma como estas se interrelacionam, num e noutro dos casos.
Assim:
O critério de orientação geral no referente à escolha entre a pena de prisão e a pena de multa, enquanto pena principal e alternativa, conducente à preferência pela pena de multa, vem definido no artigo 70º do CP e é o da suficiência e adequação dessa pena à realização das finalidades da punição, quais seja, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cf. artigo 40º, n.º 1, do CP).
A aludida proteção de bens jurídicos, como se refere no Ac. da RC de 13/12/2017[3] «implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.».
Como escreve o Prof. Figueiredo Dias[4]: «A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida».
Dos ensinamentos do mesmo Professor[5], colhe-se que é inteiramente distinta a função que, no contexto da escolha da pena, exercem as exigências de prevenção geral e de prevenção especial. A estas últimas não pode deixar de ser atribuída uma prevalência decisiva, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta conta a pena de prisão. Por seu lado, a prevenção geral surge aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização.
No tocante à aplicação das penas de substituição da pena de prisão, conforme se decidiu no Acórdão desta RE de 02/07/2019[6], «de acordo com a norma especial agora contida no n.º 1 do art. 45º e antes no n.º 1 do art. 43º, do C. Penal, a opção regra do legislador pela pena de multa de substituição ou outra pena não privativa da liberdade, apenas será excecionalmente afastada se razões de prevenção especial ou de prevenção geral exigirem a execução da pena principal de prisão, ainda que a escolha entre as penas de substituição aplicáveis deva fazer-se à luz do critério geral da adequação e suficiência afirmado no art. 70º do C. Penal e nas disposições especiais que estabelecem os pressupostos formais e materiais das diversas penas de substituição (...).
Impõe-se, pois, ao intérprete um verdadeiro dever no sentido da aplicação de pena de substituição em sentido próprio, salvos casos excecionais devidamente fundamentados.».
Deste modo, como se faz notar no Ac. desta RE de 08/04/2014[7], «no nosso modelo de escolha e determinação da pena, a opção pela pena principal privativa da liberdade nos casos em que o tipo legal prevê em alternativa pena principal de multa, não implica o cumprimento ou execução da pena privativa da liberdade concretamente determinada, uma vez que mesmo nesses casos a lei penal impõe como regra a opção por pena de substituição em sentido próprio (multa de substituição, PTFC e suspensão da execução da pena), sempre que esta for admissível em função da medida concreta da pena e o tribunal concluir que a pena de substituição realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – cf. artigos 43º[8], 50.º e 58.º.».
No mesmo sentido, reportando-se à pena de multa, escreve Maria João Antunes[9] «São (...), distintos os critérios que conduzem à preferência pela pena de multa principal e os que levam à escolha da pena de multa de substituição. No primeiro caso, o critério é o da conveniência ou da maior adequação da pena, enquanto que no segundo o critério é o da necessidade da pena. Assim se compreende que o tribunal possa, numa primeira operação, escolher a pena de prisão em detrimento da pena de multa (principal) e acabe por escolher a pena de multa (de substituição) na última operação. Para além disso, a opção pela pena de prisão, em detrimento da multa alternativa (multa principal), pode revelar-se mais vantajosa do ponto de vista preventivo-especial, uma vez que fazendo esta opção o tribunal poderá ter depois, em sede de substituição da pena de prisão não superior a 5 anos, um leque alargado de penas não privativas da liberdade».
Também o Prof. Figueiredo Dias[10], se manifesta no mesmo sentido, escrevendo «...uma coisa é a aplicação da pena de multa ser preferível à da prisão, outra diversa, e muito mais estrita, é que a execução da prisão seja exigida por razões de prevenção; além temos um critério de conveniência e de maior ou menor adequação, aqui um critério estrito de necessidade: é necessário – e o tribunal tem de o demonstrar, sob pena de erro de direito inescapável – que só a execução da prisão permita dar resposta às exigências de prevenção.»
Neste quadro, no caso dos autos, o facto de se ter concluído, em sede de escolha da pena principal, que a pena de multa não se revelava suficiente para assegurar as finalidades da punição, designadamente, de prevenção especial, prevenindo a prática pelas arguidas, ora recorrente, de futuros crimes, não é contraditório com o juízo de prognose favorável ao comportamento futuro das arguidas, recorrentes, formulado pelo Tribunal a quo, em termos de ameaça da pena de prisão ser suficiente para as inibir de cometer novos crimes.
Improcede, assim, este fundamento dos recursos.

2.3.2. Da escolha da pena: Opção pela pena de multa ao invés da pena de prisão
Pugnam as recorrentes, em primeira linha, pela aplicação de pena de multa, como pena principal, em vez de pena de prisão, como decidido pelo Tribunal a quo, por entenderem, que a pena de multa se revela suficiente e adequada a atingir as finalidades da punição, tendo em conta que confessaram integralmente os factos, manifestaram, arrependimento, mostram-se familiarmente inseridas, tendo filho menores a seu cargo, encontrando-se desempregadas, não auferindo quaisquer rendimentos, os bens furtados foram recuperados, pelo que não resultou qualquer dano ilegítimo de terceiro e o tempo já decorrido desde as condenações registadas no respetivo CRC.
O Ministério Público, em ambas as instâncias, pronuncia-se pela manutenção das penas aplicadas às recorrentes.
Apreciando:
O crime de furto simples, por cuja prática as arguidas, ora recorrentes, vão condenadas nos autos, em coautoria, é abstratamente punível com pena de prisão até de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa de 10 até 360 dias (cf. artigo 203º, n.º 1, 41º, n.º 1 e 47º, n.º 1, todos do Código Penal).
De harmonia com o disposto no artigo 70º do Código Penal, o Tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade "sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (exigências de reprovação e de prevenção do crime – cf. artigo 40º, n.º 1, do CP).
Na sentença recorrida, o tribunal a quo optou pela aplicação de pena de prisão, afastando a aplicação de pena de multa, o que fundamentou da seguinte forma:
«(…)
Cumprir-se-á o disposto no artigo 70.º do Código Penal, que consagra uma preferência de política criminal em relação à pena não detentiva sempre que esta realizar de forma adequada as finalidades da punição assinaladas no artigo 40.º do Código Penal, nomeadamente de prevenção geral - sem perder de vista a reacção necessária contra a prática do crime, a consciencialização do infractor e a necessidade de reafirmação da norma perante comunidade - e especial.
Ora, no caso em apreço apresentam-se como acentuadas as exigências de prevenção geral, em virtude de a sociedade se mostrar receosa perante condutas atentatórias da propriedade e à frequência com que este tipo de condutas ocorre.
No que concerne às exigências de prevenção especial, considera-se que as mesmas são elevadas, relativamente a ambas as Arguidas, porquanto ambas registam no seu certificado de registo Criminal várias condenações, por crime diverso e também idêntico ao dos autos.
No que respeita à Arguida AA não se pode olvidar que esta foi condenada pela prática de 4 crimes de furto simples, em pena de multa, sendo que ainda assim esta persiste na sua conduta, pois voltou a cometer crime de idêntica natureza. Esta circunstância afigura-se-nos suficiente para afastar a pena não privativa da liberdade, dadas as elevadas necessidades de prevenção geral que se fazem sentir em casos como dos autos, bem como as de prevenção especial, denotando a Arguida uma total ausência de consciencialização da necessidade de conformar a sua conduta com as normas jurídicas, reveladora de uma personalidade anti-jurídica. Julga-se assim que a opção por uma pena não privativa da liberdade não satisfaz de forma adequada as finalidades da punição, não sendo aliás possível realizar qualquer juízo de prognose favorável no sentido de que a Arguida não cometerá ulteriores crimes.
Assim, será de aplicar à Arguida AA pena privativa da liberdade.
Relativamente à Arguida BB pondera-se a existência de antecedentes criminais, sua variedade e grau de reacções penais que lhe foram aplicadas, nomeadamente pena de prisão suspensa na sua execução, pela prática de crimes de natureza diversa e idêntica à dos autos. Ora as várias reacções penais revelaram-se insuficientes para impedir a Arguida de voltar a delinquir, o que denota propensão para a prática de crimes de diversa natureza e gravidade.
Por assim ser, considera-se que o cumprimento das exigências de prevenção, em qualquer uma das suas vertentes, não mais se compadece com a opção pela aplicação à Arguida BB de pena não privativa da liberdade antes se optando pela aplicação de pena de prisão
Esta opção do Tribunal a quo não nos merece qualquer reparo.
Com efeito, atendendo aos antecedentes criminais que as arguidas registam, designadamente, pela prática de crimes de furto [a arguida AA já sofreu quatro condenações por esse tipo legal de crime, em penas de multa, a última das quais por factos praticados em 32/11/2016, pena essa declarada extinta em 13/04/2018. Por sua vez a arguida BB já foi, por três vezes, condenada pela prática de crimes de furto, a última das quais por factos praticados em 03/09/2017, decisão transitada em julgado em 26/09/2019, sendo cominada na pena de seis meses de prisão suspensa na respetiva execução, pelo período de um ano], ao reiterarem a prática do crime de furto, revelam falta de interiorização do desvalor e censurabilidade da conduta assumida e indiferença perante as condenações anteriormente sofridas, não se abstendo de voltar a delinquir.
Neste contexto, entendemos que a pena de multa não se mostra suficiente para assegurar as finalidades da punição, particularmente as exigências de prevenção especial, pelo que, concluímos ser correta a opção do Tribunal a quo pela aplicação de pena de prisão às arguidas, que, por isso, se mantém.
Improcedem, pois, também nesta vertente, os recursos.

2.3.3. Da Substituição da pena de prisão, por pena de multa ou prestação de trabalho a favor da comunidade
Pretendem as recorrentes que a pena de prisão, em que, respetivamente, foram condenadas, na sentença recorrida, seja substituída por pena de multa – artigo 45º, n.º 1, do CP – ou prestação de trabalho a favor da comunidade – artigo 58º do CP –, ao invés de ser decretada a suspensão da respetiva execução.
Vejamos:
Independentemente da orientação que se preconize, sobre se existe ou não uma hierarquia legal – não formal, mas material – das penas de substituição, tratando-se esta de uma questão controvertida[11], é consensual que de entre as penas de substituição passíveis de aplicação, na concreta situação, o tribunal deve optar por aquela que se revele mais adequada à realização das exigências de prevenção que no caso se façam sentir[12], dando preferência às penas de substituição em sentido próprio, não privativas da liberdade, sobre a em sentido impróprio, atualmente apenas a OPHVE.
Na sentença recorrida, o Tribunal a quo equacionou a substituição das penas de prisão, respetivamente aplicadas a cada uma das arguidas, por pena de multa ou por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, arredando-as, o que fundamentou, nos seguintes termos:
Relativamente à arguida AA:
«No que respeita à substituição da pena de prisão aplicada por pena de multa, nos termos previstos no artigo 45.º do Código Penal, entende-se não ser a mesma aplicável no caso presente, uma vez que a Arguida AA já foi condenada múltiplas vezes em penas de multa a título de pena principal pela prática de crime de igual natureza, não se abstendo de praticar o crime pelo qual vem acusada nos presentes autos. Assim, entende-se que a repetição da conduta infractora merece censura acrescida, não se coadunando com a aplicação de uma pena de multa, ainda que a título de pena de substitutiva.
Cuidando do artigo 58.º do Código Penal, que prevê a substituição da pena principal de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre com respeito pelas necessidades decorrentes da prevenção geral e especial e pela factualidade supra referida a propósito da medida da pena, entende-se que no caso vertente as necessidades de prevenção já não se compadecem com a aplicação à Arguida de uma pena substitutiva de trabalho, sendo que a personalidade desta se revela propensa à prática de crime, não sendo possível efectuar um juízo de prognose relativamente ao sucesso de aplicação desta pena substitutiva, e de que esta não voltará a cometer crimes no futuro, concluindo-se que este meio não realiza de forma adequada as finalidades de punição, não se mostrando susceptível de apelar a um sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica, sendo por isso de afastar a sua aplicação.»
No tocante à arguida BB:
«No que respeita à substituição da pena de prisão aplicada por pena de multa, nos termos previstos no artigo 45.º do Código Penal, entende-se não ser a mesma aplicável no caso presente, uma vez que a Arguida BB já foi condenada em penas de multa a título de pena principal pela prática de crime de igual natureza, não se abstendo de praticar o crime pelo qual vem acusada nos presentes autos, considera-se que a repetição da conduta infractora merece censura acrescida, não se coadunando com a aplicação de uma pena de multa, ainda que a título de pena de substitutiva.
Cuidando do artigo 58.º do Código Penal, que prevê a substituição da pena principal de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, entende-se que, no caso concreto, as necessidades de prevenção já não se compadecem com a aplicação à Arguida BB de uma pena substitutiva de trabalho, na medida em que considerando a existência de antecedentes criminais por parte desta, sua variedade e grau de reacções penais que lhe foram aplicadas, as circunstâncias sociais da Arguida e a restante factualidade enunciada supra a propósito da medida da pena, entende-se que a substituição da pena principal de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade é inadequada para assegurar as finalidades de punição, mormente não é adequada a evitar o cometimento de ulteriores crimes (prevenção geral), nem a motivar a Arguida a repensar e a reajustar a sua conduta às exigências da vida em sociedade.».
Merece-nos concordância o entendimento do Tribunal a quo de que a substituição da pena de prisão por pena de multa ou prestação de trabalho a favor da comunidade não satisfaz as necessidades de prevenção, particularmente as de prevenção especial que, no caso, se fazem sentir, relativamente a ambas as arguidas.
Explicitando:
Relativamente à substituição da prisão por multa, dispõe o artigo 45º, n.º 1, do Código Penal: «A pena de multa aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da pena de prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…)».
A propósito do critério da necessidade de execução da pena de prisão, estabelecido na citada norma legal – correspondendo anteriormente ao artigo 43º, n.º 1, do CP –, o que está em causa, como ensina o Prof. Figueiredo Dias[13], «é exclusivamente, a profilaxia criminal, na dupla vertente da influência concreta sobre o agente (prevenção especial de socialização) e da influência sobre a comunidade (prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico). Só quando, pelo menos, uma destas finalidades da pena o exigir, pode o tribunal ordenar a execução de uma pena de prisão superior a 6 meses», na atual versão do artigo 45º, n.º 1, do CP, superior a um ano.
Quanto à pena substitutiva de prestação de prestação de trabalho a favor da comunidade, tal como resulta do disposto no artigo 58º, n.º 1, do Código Penal, a respetiva aplicação, para além da verificação dos requisitos formais, exige um pressuposto material, qual seja, o de que essa pena se revele adequada e suficiente a satisfazer as finalidades da punição.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias[14], «Pressuposto material da aplicação da PTFC é, (...), que ela se revele (...), susceptível de, no caso, facilitar - e, no limite, alcançar - a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico».
Ora, no caso vertente, pelas razões expendidas, na sentença recorrida, entendemos que, nem a pena de multa, nem a de prestação de trabalho a favor da comunidade, em substituição da prisão, se revelam adequadas e suficientes para assegurar as exigências de prevenção especial que, no caso de fazem sentir.
Com efeito, tendo as arguidas sido já anteriormente condenadas, pela prática de crimes de furto, em penas de multa – ainda que como pena principal – e tendo-lhes sido, numa das situações, aplicada a pena de prestação de trabalho a favor de comunidade – cf. pontos 14-i) e 21-i) da matéria factual provada –, as respetivas condutas posteriores à aplicação de tais penas, ao reiterarem, a prática do mesmo tipo de crime, evidencia a incapacidade das arguidas/recorrentes, interiorizarem a censurabilidade do seu comportamento delituoso e em aproveitar a oportunidade de ressocialização, proporcionada pela aplicação de tais penas, pelo que, é de concluir que as mesmas não se revelam suficientes e adequadas a assegurar as finalidades da punição, particularmente as exigências de prevenção especial, que, no caso se fazem sentir, e a afastar as recorrentes da prática de futuros crimes.
Conclui-se, assim, que bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela suspensão da execução das penas de prisão, respetivamente, aplicadas às arguidas, acompanhada de regime de prova.
O despacho recorrido não violou as normas legais invocadas pelas recorrentes.
Os recursos, são, pois, improcedentes.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação ... em negar provimento aos recursos interpostos pelas arguidas AA e BB e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelas arguidas/recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida por cada uma delas, em 3 (três) UC (art. 513º, nºs 1 e 3, do CPP e art. 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

Notifique.

Évora, 28 de março de 2023

Fátima Bernardes (Relatora)
Fernando Pina
Beatriz Marques Borges

___________________________________
[1] Cf., entre outros, na doutrina, Cons. Simas Santos, in Recursos em Processo Penal, 5ª edição, Rei dos Livros, págs. 63 e 64 e, na jurisprudência, Acórdãos do STJ de 14/03/2013, proc. 1759/07.0TALRA.C1.S1e de 24/02/2016, proc. 502/08.0GEALR.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[2] Sobre esta temática, vide, entre outros, na doutrina, Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas - Editorial Notícias, pág. 331 a 333 e André Lamas Leite, “O (eventual) papel da culpa no juízo de prognose nas penas de substituição”, in Revista do CEJ, n.º 2, (2º. semestre 2018), págs. 115ª 141 e na jurisprudência, Acórdãos da RC de 27/01/2016, proc. 108/15.8GBTCS.C1 e de 13/12/2017, proc. 357/14.6 TAMGR.C1 e Ac. da RG de 21/05/2018, proc. 151/17.2GAVFL.G1, in www.dgsi.pt.
[3] Proferido no proc. 357/14.6 TAMGR.C1, in www.dgsi.pt.
[4] In Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, Coimbra Editora, 2011, pág. 815.
[5] In ob. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime e loc. cit., referenciados no também citado Ac. da RG de 21/05/2018.
[6] Proferido no proc. 553/08.5GFLLE.E2
[7] Proferido no proc. 1318/13.8APTM.E1, in www.dgsi.pt.
[8] Que na atual versão do CP, corresponde ao artigo 45º.
[9] In Consequências Jurídicas do Crime, 2ª edição, 2015, Coimbra Editora, pág. 82.
[10] In ob. cit., Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, pág. 363.
[11] Sobre esta matéria, vide, entre outros, André Lamas Leite, “As penas de Substituição e Figuras Afins: Traços distintivos”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal – Ano 30.º – N.º 2 (maio-agosto de 2020), pág. 344 a 347.
[12] Cf., Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 365 e Ac. da RC de 07/04/2016, proc. 205/15.0PTCBR.C1, in www.dgsi.pt.
[13] In ob. cit., pág. 364.
[14] In ob. cit., pág. 378.