Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4477/13.6TBPTM-B.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: VENDA EXECUTIVA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
DEPÓSITO DO PREÇO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O depósito da totalidade de preço não é condição do exercício do direito de preferência na venda em leilão electrónico, condição do exercício deste direito é a apresentação, como caução, dum cheque visado, à ordem do agente de execução, no montante correspondente a 5% do valor anunciado para a venda.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 4477/13.6TBPTM-B.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório.
1. (…), solteira, maior, residente na Rua (…), nº 14, Sitio da (…), (…), Alvor, na qualidade de arrendatária do prédio urbano sito em (…), Rua (…), nº 1, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvor sob o nº (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob nº (…)/20010601, objeto de venda em leilão eletrónico, na execução com processo sumário em que é exequente Banque (…), Sucursal em Portugal e executado (…), veio requer: (i) a sua admissão nos autos como interessada, na qualidade de arrendatária e preferente na venda, (ii) que seja considerada nula a sua citação para exercer o direito de preferência, por manifesta insuficiência de endereço, (iii) que seja considerada nula a venda judicial e, caso assim não se entenda, (iv) seja admitida a exercer o direito de preferência, devendo o agente de execução dar cumprimento à notificação para a mesma depositar o remanescente do preço, bem como para dar cumprimento às obrigações fiscais inerentes à transação, no prazo legal.

Juntou cheque visado à ordem do Sr. agente de execução, no montante de € 6.618,26.

2. Seguiu-se o seguinte despacho:

“Ao contrário do pretendido pela Requerente, na qualidade de arrendatária do imóvel arrematado em leilão eletrónico, a mesma foi devidamente notificada quer da colocação do imóvel em leilão, quer do resultado deste.

Assim o confirmam os documentos apresentados pelo Sr. Agente de Execução cartas de fls. 432 e 436.

As notificações em causa só não foram recebidas pela Requerente porque, em primeiro lugar, esta não atendeu o funcionário dos CTT (repare-se no carimbo dos CTT de fls. 435 e 441); em segundo lugar, porque nem sequer se deslocou ao balcão dos CTT, em data posterior, para proceder ao levantamento da correspondência (cfr. fls. 435 e 441), acabando estas devolvidas ao remetente.

Nem pretenda a Requerente dizer que "a citação é nula por ter sido enviada para morada errada ou incompleta". É que o funcionário dos CTT, por duas vezes, bateu-lhe à porta para, pessoalmente, a notificar, nunca tendo lavrado nos autos informação de "morada insuficiente" ou "morada desconhecida".

A notificação é plenamente eficaz – artigo 224.º, n.º 2, do Código Civil.

Não são de prover, por isso, as requeridas declarações de nulidade da sua notificação como preferente e da venda judicial realizadas.

Quanto ao exercício do direito de preferência:

A notificação do resultado do leilão teve lugar a 06 de Julho de 2017.

Em 13 de Julho, ou seja, nos 15 dias subsequentes, a Requerente veio apresentar-se a exercer o direito de preferência.

Todavia, e olvidando o cumprimento do disposto no artigo 824.º, nº 2, do Código de Processo Civil, não procedeu ao depósito da quantia oferecida pela arrematação.

O depósito é simultâneo com o requerimento. A Requerente demonstrou pleno conhecimento dos autos, bem como a sua Ilustre Mandatária.

Não o tendo feito, mostra-se precludida, nesta sede, a possibilidade de preferir.

Pelo que se indefere liminarmente o exercício do direito de preferência.

Em suma, indeferem-se as pretensões da Requerente.

Notifique-se.”

3. A Requerente recorre desta decisão e conclui assim a motivação do recurso:

“1. Entende a recorrente, face aos elementos que foram trazidos ao conhecimento do Tribunal “a quo”, deveria o tribunal a “ quo “ ter considerado nula a notificação efetuada em conformidade, com os factos peticionados no requerimento a que se alude supra, e consequentemente condenar o senhor agente de execução a notificar a ora recorrente para o exercício do direito de preferência nos termos do Artº 823º, nº 1, artº 1091º do Código Civil e remissões;

2. Considerou o Tribunal “a quo” que a notificação é plena e eficaz artº 224º, nº 2, do Código Civil.

3. A recorrente discorda em absoluto, a ora recorrente com tal entendimento:

4. A Recorrente demonstrou, no seu requerimento, que nunca foi notificada, e ainda, que tal omissão de notificação se deveria ao facto de a comunicação enviada pelo Senhor Agente de Execução ser endereçada com uma morada incompleta, tendo sido enviada para “Rua (…), nº 14, R/C, 8500-000 Alvor”,

5. Acresce que, em momento algum nos autos existe menção à morada “Rua (…), nº 14, R/C, 8500-000 Alvor”, razão pela qual se desconhece terem sido enviadas para a mesma as comunicações pelo Sr. Agente de Execução.

6. Na verdade, a menção do local "(…)” ou “(…)”, ou o código postal completo é essencial para a correta localização do imóvel, uma vez que no Município de Portimão, e concretamente na freguesia de Alvor, existem várias Ruas com o nome “Rua (…)”.

7. Referiu ainda a Recorrente nunca ter recebido qualquer comunicação por parte do Sr. Agente de Execução;

8. No requerimento por si apresentado, a Recorrente juntou, como doc. nº 2, uma carta endereçada para a morada utilizada pelo senhor Agente de Execução, carta essa que é endereçada a um imóvel completamente distinto e com proprietários diferentes, não correspondendo ao imóvel sobre o qual incide o direito de preferência da arrendatária, ora Recorrente.

9. Deste modo, naturalmente, a comunicação à ora recorrente nunca chegou à sua posse ou conhecimento por manifestamente incompleta, tendo sido direcionada para outra rua em Alvor com o mesmo nome e nº de porta, acabando por ser devolvida.

10. Do mesmo modo, à ora Recorrente não chegou qualquer notificação com a certidão do encerramento do leilão eletrónico para os efeitos no disposto nos artigos 823º do C.P.C. e 1091º do Código Civil,

11. Pelo que a notificação deveria ter sido considerada ineficaz, a carta não foi recebida pela requerente por culpa do senhor agente de execução, deveria ter o Tribunal considerado que a mesma não produziu efeitos, pois que não foi remetida para residência da recorrente, morada que consta nos autos de penhora, no contrato de arrendamento, no próprio anúncio do leilão, até porque a recorrente juntou no requerimento de fls. e objeto de resposta no despacho que ora se recorre, o documento, no qual explicite e prova que existe a mesma morada mas para um imóvel diferente e um destinatário diferente, a recorrente ao ilidir a presunção da notificação, nos termos e com os fundamentos que invocou deveria o Tribunal “a quo” se ter pronunciado de forma diferente, nomeadamente declarando a notificação ineficaz, nula.

12. Violou, assim, o Tribunal os artigos 224.º, n.º 2, artº 228.º, artº 231.º, artº 191.º, nº 1 e artº 195.º, nº 1, do C.P.Civil.

13. Deve a decisão ora revogada substituída por outra que considere que o ato de notificação é ineficaz, e declarar nulo todo o processado subsequente.

14. Quanto ao exercício do direito de preferência discorda a requerente do entendimento do Tribunal “a quo”,

15. O Tribunal “a quo” após a receção do requerimento apresentado pela requerente, objeto do despacho ora requerido, notificou o Sr. Agente de Execução para juntar aos autos o comprovativo da notificação dessas notificações ou informar se não o fez sob a Ref. 10 92 25 210, no dia 20 de Abril de 2018.

16. O Sr. Agente de execução, pronunciou – se sobre a notificação, no dia 3 de Maio de 2018, sob a referência 5543296, dando – se aqui por reproduzido o seu teor.

17. Verifica-se nas referidas notificações que a morada não é a correta.

18. Mais verifica-se que as declarações prestadas pelo senhor agente de execução, não correspondem à verdade, pelo que se impugnam, pese embora a data de elaboração da certidão de encerramento do respetivo leilão tenha ocorrido no dia 6 de Julho de 2017, a verdade é que a mesma só foi remetida no dia 11 de Julho de 2017, conforme documento de registo dos CTT que se junta aos autos, estando a mesma só disponível para levantamento no dia 13 de Julho de 2017, conforme documento que ora se junta.

19. A Meritíssima Juiz “a quo” ao considerar que a notificação do resultado do leilão teve lugar no dia 6 de julho de 2017, laborou em erro, pois conforme se alegou a notificação só foi remetida no dia 11 de Julho de 2017.

20. Mais verificamos que o teor da notificação com data de elaboração no dia 6 de Julho de 2017, e que se encontra junto aos autos pelo senhor agente de execução, não corresponde a qualquer citação para a recorrente exercer o direito de preferência em conformidade com o artº 823.º, nº 1, do Código de Processo Civil.

21. Ora, do teor que se transcreveu supra, não restam dúvidas que a recorrente não foi interpelada para exercer o seu direito de preferência.

22. Ora, resulta da lei objetiva e subjetiva que o agente de execução para além da obrigação de notificar o preferente do resultado do leilão eletrónico, deverá notificar os preferentes do direito de preferência, dispondo do prazo de 8 dias para exercer tal direito (artigo 416.º e artigo 1091.º do Código Civil),

23. Uma vez exercido o referido direito, o Sr. Agente de Execução nos termos do artº 824º deveria notificar o preferente para no prazo de 15 dias depositar o preço, acrescido das obrigações fiscais, mais o valor de pagamento do registo.

24. Nos autos não se encontra nenhuma prova de que a ora recorrente tenha sido notificada para exercer o direito de preferência.

25. Até porque a existir deveria revestir a forma de citação e observar os trâmites previstos nos artºs 228º e 231º do C.P.Civil.

26. A falta da notificação do titular do direito de preferência na alienação dos bens penhorados, configura uma nulidade processual prevista no art.º 201º, nº 1, do CPC, enquanto constitui «omissão de formalidade e de ato prescrito na lei, o que é suscetível de “influir no exame ou na decisão da causa”, uma vez que se pretende que seja definido na execução, em princípio, algum eventual direito de preferência, e esse objetivo fica prejudicado com tal omissão;

27. Nulidade que ora se de arguiu.

28. Assim sendo, o Tribunal “a quo” perante a documentação junta pelo senhor agente de execução deveria ter considerado que existiu falta de notificação do titular do direito de preferência e considerado que houve preterição do exercício do direito de preferência, consequentemente declarar a nulidade processual de todos os atos a seguir ao leilão eletrónico, e notificá-lo para dar cumprimento ao disposto no artº 823º do C.P.Civil.

29. Não o fazendo violou de forma expressa essa mesma disposição legal, pelo que a decisão de que ora se recorre deve ser substituída por outra que declare nulos todos os atos subsequentes ao leilão e notificar o agente de execução para dar cumprimento ao estatuído no artº 823º do Cód. Processo Civil.

30. Salvo o devido respeito laborou o Tribunal “a quo” em erro ao considerar que em 13 de Julho, ou seja 15 dias subsequentes veio a requerente a apresentar-se a exercer o direito de preferência, e que olvidando o cumprimento do disposto no artº 824º, nº 2, do Código Processo Civil não procedeu ao depósito da quantia oferecida pela arrematação, mais considerando que o depósito é simultâneo.

31. A recorrente no requerimento apresentado a fls. de que foi objeto de apreciação do despacho de que se recorre, à cautela, e em caso de improcedência das nulidades arguidas, expressou a vontade de preferir na venda, e para ficar em igualdade com o proponente da compra depositou a caução prevista no nº 1 do artº 824º do C.P.Civil;

32. Uma vez aceite o exercício do direito de preferência pelo solicitador de execução, nos termos das disposições legais, seria a recorrente notificada para liquidar a totalidade do preço em falta, o valor dos impostos e o valor do registo nº 2 do artº 824º do Código de Processo Civil, notificação que requereu no requerimento que apresentou em Tribunal.

33. A recorrente ao depositar o preço total nos termos do decidido e com o fundamento no despacho de que ora se recorre seria um contra senso, estaria a ora recorrente em desigualdade de circunstâncias com o propoente comprador apresentado em leilão, que não liquidou de forma imediata o preço da venda do imóvel, ora tal entendimento é uma violação expressa do direito de preferência, o qual deverá ser exercido em igualdade de circunstâncias;

34. Violou o Tribunal “a quo” os artigos 416.º e 1091.º do Código Civil e os artigos 823.º e 824.º do Código de Processo Civil.

35. Na verdade, a apreciação dos meios probatórios juntos aos autos impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de fato que a recorrente manifesta a sua discordância.

36. Assim sendo, deve o despacho ora recorrido ser substituído por outro que considere que a não notificação do direito de preferência pelo agente de execução à recorrente, e que á cautela a requerente comunicou da intenção de preferir e para isso observou os formalismos legais, e notificar o senhor agente para notificar a recorrente para os termos do disposto no artº 834º, nº 2, para depositar o remanescente do preço, o valor das obrigações fiscais inerentes à transação.

Só assim se fará justiça!”

Não houve lugar a resposta.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da motivação do recurso, enquanto corolário lógico-jurídico da fundamentação expressa na alegação, sem prejuízo das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio e do conhecimento de alguma das questões suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).

As conclusões da motivação do recurso colocam as seguintes questões: (i) a nulidade do procedimento por falta de notificação da Apelante para exercer o direito de preferência, (ii) se a Apelante deve ser admitida a exercer o direito de preferência.

III. Fundamentação.
1. Factos.
Relevam os factos que resultam do relatório supra.

2. Direito
2.1. Se a Apelante deve ser admitida a exercer o direito de preferência
O reconhecimento das nulidades suscitadas pela Apelante têm como propósito a sua notificação para exercer o direito de preferência [v.g. cclºs 13ª e 28º] por isto que, caso se lhe reconheça o direito de exercer tal preferência (2ª questão colocada), a determinação da sua regular notificação para a prática do ato, tornar-se-á desnecessária.
A procedência da segunda questão colocada no recurso prejudica o conhecimento da primeira e é por ela que iniciaremos.
Terminado o leilão eletrónico para a venda do prédio urbano sito em (…), Rua (…), nº 1, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvor sob o nº (…) e descrito na Conservatória do registo Predial de Portimão sob nº (…)/20010601, do qual a Apelante é, reconhecidamente, arrendatária veio esta requerer, designadamente, a sua admissão a preferir, juntando cheque visado, à ordem do agente de execução, no montante correspondente a 5% da oferta do maior valor obtido no decurso do leilão.
A decisão recorrida, não obstante haver reconhecido a tempestividade do requerimento, não admitiu o exercício da preferência por haver considerado que a ora Apelante “não procedeu ao depósito da quantia oferecida pela arrematação” e que tal “depósito é simultâneo com o requerimento”.

A Apelante insurge-se contra este segmento da decisão e, a nosso ver, com razão.

Segundo o nº 2 do artº 811º do Código de Processo Civil (CPC), o regime para o exercício do direito de preferência na venda mediante propostas em carta fechada (artºs 819º a 823º, do CPC) é aplicável à venda em leilão eletrónico.

E deste regime decorre que aceite alguma proposta, o preferente que pretenda exercer o seu direito deve apresentar, como caução, um cheque visado, à ordem do agente de execução, no montante correspondente a 5% do valor anunciado para a venda ou garantia bancária no mesmo valor (artº 823º, nº 3 e 824º, nº 1, do CPC) e só depois de aceite a sua pretensão terá lugar a sua notificação para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução, a totalidade ou a parte do preço em falta (artº 824º, nº 2, do CPC).

O depósito da totalidade de preço não é condição do exercício do direito de preferência na venda em leilão eletrónico, condição do exercício deste direito é apresentação, como caução, dum cheque visado, à ordem do agente de execução, no montante correspondente a 5% do valor anunciado para a venda.

Nem sempre foi assim; antes da reforma da ação executiva introduzida pelo D.L. nº 226/2008, de 20/11, o artº 896º, nº 3, do CPC previa que os preferentes que pretendessem exercer o seu direito deveriam depositar logo a totalidade do preço, mas com a referida reforma o regime foi alterado com a adoção da solução hoje vigente (artº 896º, nº 3 e 897º, nº 1, do CPC na redação do D.L. nº 226/2008).

Os autos subiram em separado e neles não existe informação segura quanto à data da sua instauração; seguro, porém, se antolha afirmar que ainda que instaurados em data anterior a 1/9/2013, é-lhes aplicável o CPC vigente (artºs 6º, nºs 1 e 3 e 8º da Lei nº 41/2013, de 26/6) e, assim, não é exigível ao preferente que pretenda exercer o seu direito que deposite logo a totalidade do preço, bastando que apresente, como caução, um cheque visado, à ordem do agente de execução, no montante correspondente a 5% do valor anunciado para a venda.

A Apelante observou este procedimento e, assim, deverá ser admitida a exercer o seu direito de preferência, com a sua subsequente notificação para, no prazo a que se reporta o artº 824º, nº 2, do CPC, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução a parte do preço em falta a determinar por este.

Com este alcance, procede o recurso, mostrando-se prejudicado o conhecimento das nulidades suscitadas porquanto destinado a permitir à Apelante exercer o direito que ora se lhe reconhece.

IV. Dispositivo.
Delibera-se, pelo exposto, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra que admita a Apelante a exercer o direito de preferência, nos termos supra expostos.
Custas pelo vencido a final.
Évora, 11/7/2019
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário