Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
237/14.5T8OLH-X.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ADMINISTRADOR DE FALÊNCIA
REMUNERAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A remuneração devida ao Administrador da Falência nomeado no ano de 1997 pela diligência de liquidação operada no ano de 2003 no âmbito do processo iniciado no ano de 1984 é calculada nos termos do artigo 34.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo DL n.º 224-A/96, de 26 de novembro.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente: Ministério Público
Recorrido / Liquidatário Judicial: (…)

No âmbito da prestação de contas que corre termos por apenso ao processo de falência em que foi declarada falida a sociedade (…), Lda., o Liquidatário Judicial apresentou as contas finais, reclamando o pagamento de € 8.000 a título de remuneração nos termos do disposto no artigo 34.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais.[1]
Para tanto, faz menção de ter sido nomeado liquidatário a 7 de março de 1997, tendo apenas realizado uma operação de liquidação, a saber, a venda do prédio urbano devidamente identificado nos autos através da escritura outorgada a 22 de agosto de 2003, pelo valor de € 160.000,00. Mais relacionou despesas a reembolsar.
O Ministério Público teve vista do processo. Sustentou que, tendo as contas sido apresentadas nos termos do artigo 1261.º do CPC, aprovado pelo DL n.º 44129, de 28 de dezembro de 1961 e por estar em causa um processo de falência instaurado no ano de 1984 (antes, portanto, do início de vigência do CPEREF aprovado pelo DL n.º 132/93 cuja norma transitória inserta no artigo 8.º, n.º 3, estabelece que o respetivo regime não se aplica às ações pendentes à data da sua entrada em vigor), a remuneração devida ao Administrador da Falência não deverá exceder 1% do valor do ativo liquidado, conforme estabelece o artigo 8.º do DL n.º 49213, de 29 de agosto de 1969 (diploma que, apesar de revogado, continuou em vigor para os processos instaurados antes da entrada em vigor do CPEREF).
Determinada que foi a notificação do Administrador da Falência para se pronunciar, este apresentou-se a sustentar ser devida a remuneração de € 8.000,00. Faz apelo ao regime inserto no artigo 34.º do CPEREF, sem embargo de, na nota de despesas honorários retificada, se mostrar exarado o artigo 34.º, n.º 1, alínea 3), do CCJ como fundamento para pagamento daquela verba.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Aderindo à posição jurídica expendida pelo Senhor Liquidatário, que se dá por reproduzida, o Tribunal considera que, atendendo à atividade processual desenvolvida e ao resultado da liquidação, e à luz dos princípios da equidade, justiça material e unidade do sistema jurídico, que é adequado, proporcional e justo fixar a remuneração do Senhor Liquidatário em € 10.000,00.»
Inconformada, a Digna Magistrada do Ministério Público apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine o cálculo da remuneração a pagar ao Administrador da Falência de acordo com o disposto no artigo 8.º do DL n.º 49213, de 29 de agosto de 1969. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«1. Nos processos de falência instaurados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril, a remuneração do Administrador da Falência deve ser fixada em conformidade com o disposto no artigo 8º, n.º do Decreto-Lei n.º 49213, de 29 de agosto de 1969.
2. Apesar de expressamente revogada pelo artigo 5.º do DL 254/93 de 15 de julho, aquela disposição continuou em vigor para os ditos processos, atenta a norma de direito transitório do n.º 3 do artigo 8.º do DL n.º 132/93, de 23 de Abril.
3. Aplicando o critério do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 49213, de 29 de agosto de 1969, (1% do valor do ativo liquidado, quando este exceda o valor de 2000000$00) e considerando que na liquidação dos bens obteve-se uma receita de € 160.000,00, a remuneração devida ao Sr. Administrador da Falência deverá ser fixada no montante de € 1.600,00.
4. Ao não aplicar ao cálculo da remuneração do Administrador da Falência o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 49213, de 29 de agosto de 1969, mas antes o disposto no artigo 34.º do CPEREF, o tribunal errou na escolha do direito aplicável aos presentes autos.»
Em contra-alegações, o Recorrido pugna pela manutenção da decisão recorrida, que não merece reparo, atento o regime conjugado dos artigos 5.º do DL n.º 254/93, de 15 de julho e 34.º do CPEREF.

Cumpre apreciar qual a remuneração devida ao Administrador da Falência pela operação de liquidação.

III – Fundamentos

A – Dados a considerar:
- o presente processo foi instaurado em 1984;
- o Administrador da Falência foi nomeado em 1997;
- o Administrador realizou uma só operação de liquidação, a venda do imóvel pelo valor de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros).

B – O Direito
Está em causa a fixação da remuneração devida ao Administrador da Falência pela operação de venda do imóvel pelo preço de € 160.000,00.
Na verdade, tendo sido apresentada nota de despesas e honorários cujo valor ascende a € 14.325,02, IVA incluído, onde são reclamados 5% do valor da venda (€ 8.000,00), o M.º P.º contestou esta verba, pugnando pela atribuição de 1% desse valor. Questão que foi dirimida em 1.ª Instância pela fixação de € 10.000,00 a título de remuneração “adequada, proporcional e justa”.
Ora vejamos.
Nos termos do artigo 8.º do DL n.º 49213, de 29/08/1969 (diploma que reviu o Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto Lei 44329, de 8 de maio de 1962), a administração e a liquidação da massa são remuneradas por montante que não exceda 1% do valor do ativo liquidado, quando este exceda 2000000$00 ou equivalente.
A 01/01/1997, porém, entrou em vigor o Código das Custas Judicias aprovado pelo DL n.º 224-A/96, de 26/11. Nos termos do artigo 2.º do citado DL, são revogados o Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44329, de 8 de março de 1962, e o DL n.º 49213, de 29 de agosto de 1969. O artigo 4.º, n.º 1, por sua vez, determina que o Código das Custas Judiciais aplica-se aos processos pendentes, salvo no que respeita à determinação da taxa de justiça, custas e multas decorrentes de decisões transitadas em julgado e aos prazos de pagamento de preparos, custas ou multas que estejam em curso.
O artigo 34.º, n.º 1, alínea e), do referido CCJ estipula que os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial percebem o que for fixado pelo tribunal, até 5% do valor da causa, ou dos bens vendidos ou administrados se este for inferior.
O CCJ aprovado pelo DL n.º 224-A/96, de 26/11 vem a ser revogado pelo Regulamento das Custas Judiciais aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26/02, (cfr. artigo 25.º, n.º 2, alínea a)), sendo certo, porém, que se aplica aos processos iniciados após 01/08/2008 (cfr. artigo 26.º). Donde, aos processos pendentes, continua a aplicar-se o regime revogado, designadamente o artigo 34.º, n.º 1, alínea e), do CCJ, aprovado pelo DL n.º 224-A796, de 26/11.
Importa ainda considerar que, pelo DL n.º 132/93, de 23/04, foi aprovado o CPEREF, cujo artigo 34.º regula a remuneração do gestor judicial (figura que passa a substituir o administrador judicial). Porém, o artigo 8.º, n.º 3, do referido DL determina que o regime nele aprovado não se aplica às ações pendentes à data da sua entrada em vigor.
Já o DL n.º 254/93, de 15/07, determinou que a remuneração do liquidatário judicial é fixada pelo juiz, nos termos previstos no CPEREF para a fixação da remuneração do gestor judicial – cfr. artigo 5.º, n.º 1. Mais revogou o artigo 8.º do DL n.º 49213, de 29/08 – cfr. artigo 11.º. Porém, uma vez que o CPEREF só é aplicável aos processos instaurados após a respetiva entrada em vigor (cfr. artigo 8.º, n.º 3, do DL n.º 132/93), resultam os processos então pendentes sujeitos à disciplina que o antecede quanto à matéria atinente à remuneração do gestor / administrador / liquidatário judicial.
Seguiu-se a Lei n.º 32/2004, de 27/07, que regula o Estatuto do Administrador Judicial. Embora revogue o DL n.º 254/93, de 15/07 (cfr. artigo 29.º), determina que os liquidatários que exerçam funções em processos de falência após o início de vigência do CIRE ficam sujeitos à disciplina do DL n.º 254/93.
Em vigor está a Lei n.º 22/2013, de 26/02, cujo artigo 33.º revogou a Lei n.º 32/2004, de 27/07, cujas disposições transitórias não definem o regime aplicável aos processos pendentes.
Dado que o presente processo foi instaurado no ano de 1984, que o Administrador da Falência foi nomeado em 1997 e que o único ato de liquidação foi praticado em 2003, afigura-se que a remuneração devida pela realização desse mesmo ato deve ser apurada de acordo com o regime do CCJ aprovado pelo DL n.º 224-A/96, de 26/11.
Não se deixou de ponderar a jurisprudência em que o Recorrente ancora a sua alegação (cfr. Ac. TRP de 13/01/2000 relatado por Mário Fernandes, Acs. TRL de 30/03/2006 e de 19/06/2008, relatados por Fátima Galante, e de 07/12/2010 relatado por António Santos; Ac. TRC de 13/05/2008, relatado por Ferreira de Barros; Acs. STJ de 15/03/2001, relatado por Moitinho de Almeida, e de 30/03/2006, relatado por Pereira da Silva), nos termos da qual nos processos de falência instaurados antes da entrada em vigor do regime aprovado pelo DL n.º 132/93, de 23/04, a remuneração do liquidatário judicial deve ser fixada em conformidade com o disposto no artigo 8.º, n.º 1, do DL 49213, de 29 de agosto de 1969, pois, apesar de expressamente revogada pelo artigo 5.º do DL 254/93, de 15 de Julho, aquela disposição continuou em vigor para os ditos processos, atenta a norma do direito transitório do artigo 8.º, n.º 3, do DL n.º 132/93.[2]
Concordamos com a inaplicabilidade do CPEREF aos processos instaurados antes da respetiva entrada em vigor. No entanto, uma vez que o DL n.º 224-A/96, de 26/11 revogou o Código das Custas Judiciais aprovado pelo DL n.º 49213, de 29 de agosto de 1969, aprovando o CCJ que entrou em vigor a 01/01/1997 e cujo regime se aplica aos processos então pendentes (cfr. artigo 4.º, n.º 1), mais considerando que o Regulamento das Custas Judiciais aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26/02, (cujo artigo 25.º, n.º 2, alínea a), revoga o CCJ) apenas se aplica aos processos iniciados após 01/08/2008 (cfr. artigo 26.º), aos processos pendentes, continua a aplicar-se o regime revogado, designadamente o artigo 34.º, n.º 1, alínea e), do CCJ, aprovado pelo DL n.º 224-A796, de 26/11.
Donde, a remuneração devida ao liquidatário judicial pela operação de liquidação corresponde ao que for fixado pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior – artigo 34.º, n.º 1, alínea e), do CCJ, aprovado pelo DL n.º 224-A/96, de 26/11.
O que implica na verba de € 8.000,00 (oito mil euros), tal como reclamado pelo Liquidatário Judicial na nota de honorários e despesas que apresentou, fazendo a devida menção ao artigo 34.º, n.º 1, alínea e), do CCJ.[3]

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, fixando-se em € 8.000,00 (oito mil euros) a remuneração devida ao Administrador da Falência pela operação de liquidação.

Sem custas, que não são devidas.

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Évora, 12 de janeiro de 2023

Isabel de Matos Peixoto Imaginário

Maria Domingas Simões

Ana Margarida Leite


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[1] Tal normativo determina que os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial percebem o que for fixado pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
[2] Sumário do Ac. do STJ citado, replicada nos sumários dos demais acórdãos mencionados.
[3] Cfr. fls. 5 dos autos.