Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1812/17.1PBBRR.E1
Relator: MARIA DE FÁTIMA BERNARDES
Descritores: JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
LEITURA DA SENTENÇA
Data do Acordão: 07/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - A realização da audiência de julgamento, na ausência do arguido, pressupõe sempre que este esteja regular e devidamente notificado para nela comparecer. Tal decorre, desde logo, do direito que o arguido tem de estar presente em todos os atos processuais que diretamente lhe disserem respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência.

II - Na situação em que o julgamento tenha inicio na ausência do arguido, na data para que foi notificado, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 333º do CPP, caso seja(m) designada(s) nova(s) data(s) para a sua continuação, o arguido tem de ser notificado dessa(s) nova(s) data(s), sem o que, se impediria, na prática, a materialização, daqueles direitos.

III – Não tendo o arguido sido convocado para as sessões da audiência em que foram produzidas alegações orais e se procedeu à leitura da sentença, foi cometida uma nulidade insanável.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1 – RELATÓRIO
Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 1812/17.1PBBRR.E1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Setúbal, foi submetido a julgamento o arguido AT, melhor identificado nos autos, acusado da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 26/02/2019, depositada nessa mesma data, decidindo:

«(…) decide-se julgar a acusação deduzida pelo Ministério Público procedente, por provada e, em consequência:

a) Condenar o arguido AT pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido nos termos do artigo 3.º n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão.

b) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 2 UC.
(…).»
Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando a respetiva motivação e formulando, a final, as conclusões que seguidamente se transcrevem:

I. O aqui recorrente/arguido, foi condenado na douta sentença ora aqui recorrida, a 1 ano e 4 meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.

II. Não tendo a 1ª data sido adiada e tendo o Tribunal a quo considerado que o julgamento podia decorrer sem a presença do arguido, foi dado início à audiência.

III. Como o julgamento não ficou concluído, na 1ª data, foi agendada uma 2ª data e posteriormente uma 3ª para a leitura da sentença.

IV. Ora, o arguido não foi notificado da data da leitura da sentença, que ocorreu numa 3ª sessão, isto é, 26/02/2019.

V. Ao arguido é sempre conferido o direito de estar presente no dia da leitura da sentença mesmo não tendo assistido a nenhuma das audiências de julgamento.

VI. O douto Ac. do TRG de 11/0712013, refere que: A realização da sessão da audiência onde se procede à leitura da sentença sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito, constitui nulidade insanável tipificada na al. c) do art. 119 do CPP.

VII. Ficou assim o arguido privado do direito de estar presento no dia da leitura da sentença, tendo sido preterido um direito essencial deverá ser anulado o julgamento com a subsequente repetição.

VIII. Além do mais, estando perante um caso em que a presença do arguido é obrigatória e tendo como vimos ocorrido mais 2 sessões de julgamento o Tribunal tinha o dever de tomar todas as diligências necessárias para assegurar a comparência do arguido, nem que a mesma ocorresse só na leitura da douta sentença.

IX. Ora, não só o arguido não foi notificado da data da leitura, como também nenhuma medida foi tomada nesse sentido. (Vide douto Acórdão de 24-10-2007 do STJ): Assim, tendo-se realizado o julgamento do arguido - do qual saiu condenado - na sua ausência, apesar de estar notificado da data da audiência e a esta ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, é nula a audiência de julgamento, efectuada na ausência do arguido sem que o juiz presidente tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.

X. É que no seguimento do artigo 32° da CRP, o arguido é titular de vários direitos fundamentais, nos quais se deve incluir o direito de ser ouvido pelo tribunal, tais direitos encontram-se concretizados nos artigos 61° n° 1 al. b) do e 333° n° 3 2 ambos do CPP.

XI. E ao não ter tomado todas as diligências necessárias para assegurar a presença do arguido no julgamento, o Tribunal a quo cometeu uma nulidade insanável, conforme referido no artigo 119°, nº 1 al. c) do CPP.

XII. Tal nulidade implica a invalidade das sessões de julgamento e a própria sentença recorrida, devendo o tribunal proceder às respectivas repetições, (cfr artigo 122.° n.ºs 1e 2 do Código do Processo Penal).

XIII. Caso não seja determinado a repetição do julgamento, o que só por mera hipótese se admite, deverá a pena de prisão efectiva ser convertida em pena suspensa ou em alternativa ser substituída por trabalho a favor da comunidade.

XIV. Entende-se que as finalidades da pena seriam perfeitamente atingidas por uma condenação a pena suspensa ou pela substituição da pena pela, prestação de trabalho a favor da comunidade conforme alude o artigo 58° do CP.

XV. Não podemos olvidar que a condução sem habilitação legal dentro do ordenamento jurídico repressivo, representa um caso de criminalidade bagatelar.

XVI. E este tipo de criminalidade salvo melhor opinião não se combate com a aplicação da sanção mais gravosa do nosso ordenamento jurídico, isto é a prisão efectiva.

XVII. A pena de prisão deve ser encarada como a ultima ratio. Alias é perfeitamente explicito na exposição dos motivos do D.L 48/95 de 5 de Março, no seu nº 4 e dando origem ao artigo 70° do CP. "Devendo a pena de prisão ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente a criminalidade violenta e ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes, necessário se torna conferir às medidas alternativas a eficácia que lhes tem faltado.
XVIII. E estando o arguido inserido profissionalmente, ao condená-lo a pena de prisão efectiva, a qual tem na sua essência, a ressocialização do agente, irá produzir o efeito inverso.

XIX. Poi e conforme é referido no relatório social, o arguido trabalha. É a principal fonte de rendimento do agregado familiar, composto por 2 filhos menores, 1 enteada e mais outra menor sua filha à qual também deve dar sustento.

XX. A sua privação da liberdade, irá provavelmente ditar o seu despedimento, causando assim transtornos para os que deles dependem e para a sociedade.

XXI. Da última condenação em 2017 por factos posteriores aos dos presentes autos, resultou a sujeição a um regime de prova, O que permitiria ao Tribunal a quo a formular um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, permitindo-lhe assim interiorizar a censura do facto e a ameaça de prisão, como refere o nº 1 do artigo 50º do CP in fine.

XXII. E como bem refere o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-03-2015, o juízo de prognose favorável consubstancia-se na convicção que o arguido não cometerá novos crimes.

XXIII. Aquele regime de prova deveria ter permitido ao Tribunal a quo, optar por uma condenação a uma pena de prisão suspensa na sua execução ou a substituição por trabalho a favor da comunidade.

XXIV. O Tribunal a quo violou assim os artigos 50°, 58°, 70º e 71°, todos do C.P. e os artigos 32° da CRP, 61° nº 1 al. b), 112° nºs 1 e 2, 119º nº 1 al. c.) e 333° nº 3, todos do CPP.

XXV. Deverão assim os Venerandos Juízes Desembargadores, dar provimento ao presente recurso e ordenar a repetição do julgamento, e caso assim não o entendam o que só por mera hipótese se admite decretar a suspensão da execução da pena de prisão ou a condenação em trabalho a favor da comunidade.

Em suma, deverá ser ordenada a repetição do julgamento por o arguido não ter sido informada da data da leitura da sentença e não ter tomado o Tribunal todas as diligências necessárias para assegurar a presença do mesmo. Caso isso não suceda entende-se que o Tribunal a quo em face dos pressupostos elencados pelo artigo 50° do CP, deveria ter formulado um juízo de prognose favorável ao arguido, pois a condenação a prisão efectiva deve ser reservada a crimes mais graves e não para a criminalidade bagatelar, sendo que as finalidades da punição, as necessidades de prevenção geral e especial, seriam perfeitamente alcançadas com a simples ameaça da prisão efectiva ou o trabalho a favor da comunidade.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá ser dado provimento ao recurso, fazendo-se assim a habitual e costumada ... JUSTIÇA!

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso pugnando pela respetiva improcedência e manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:

1. O arguido foi notificado para a morada constante do termo de identidade e residência para a data em que se iniciou o julgamento, conforme fls. 125 dos autos.

2. O tribunal não tem de diligenciar pela comparência do arguido em juízo, conforme tem sido entendimento, já constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2012, disponível para consulta em www.dgsi.pt, e cujo resumo ora transcrevemos: “Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmos artigo”.

3. Como se percebe do conteúdo das duas actas, constantes de fls. 126 e 141 dos autos, o defensor do arguido nada requereu.

4. A sentença não enferma de qualquer nulidade, devendo, em consequência, manter-se a mesma.

5. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habitação legal, previsto e punido nos termos do artigo 3.º, n.º 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão efectiva, o que não se mostra excessivo.

6. Porque a escolha da pena deve ser encontrada com aplicação dos critérios constantes dos artigos 40.º, n.º 1 e 70.º, ambos do Código Penal e deve ter em atenção que o arguido conta já com mais 5 condenações pela prática de crime de igual natureza no seu certificado de registo criminal.

7. A última condenação aconteceu por factos datados de 30 de Agosto de 2017, na qual o arguido foi sentenciado a 6 meses de prisão, suspensa por 1 não e com regime de prova, pelo que não pode o tribunal fazer um juízo de prognose favorável de que o arguido não cometerá novamente este tipo de crime.

8. A pena de 1 ano e 4 meses de prisão efectiva é a única capaz de fazer perceber ao arguido que tais comportamentos não podem voltar a suceder.

Termos em que negando provimento ao recurso e mantendo a douta sentença recorrida, V.ªs Ex.ªs farão Justiça.

Neste Tribunal, o Exm.º Procurador da República emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente, aderindo à fundamentação expendida pelo Ministério Público, na 1ª instância, na resposta ao recurso,

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, sem resposta do recorrente.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:

O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. artigo 428º do C.P.P.

As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigo 412º, n.s 1 e 2, do C.P.P.

Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.

No caso vertente, considerando os fundamentos do recurso interposto pelo arguido são as seguintes as questões suscitadas:

- Nulidade, por falta de notificação do arguido da data designada para a leitura da sentença;

- Aplicação de pena de substituição: Suspensão da execução da pena de prisão ou trabalho a favor da comunidade.

2.2. Com relevância para a apreciação da questão da nulidade suscitada, colhem-se nos autos, os seguintes elementos/ocorrências processuais:

a) No dia 23/08/2018, o ora recorrente foi constituído arguido nos presentes autos e prestou Termo de Identidade e Residência, indicando como morada para efeito de notificações: Avenida Santa Marta (Casal de Cambra), n.º … CASAL DE CAMBRA (cf. fls. 80);

b) Seguindo o processo os seus trâmites legais, foram designadas datas para a realização da audiência de discussão e julgamento: O dia 25/01/2019, pelas 10h:30m; e, em caso de adiamento, nos termos do artigo 333º, n.º 1, «ou para aução da arguida a requerimento do seu defensor nos termos do artigo 333º do Código de Processo Penal», e como segunda data, o dia 01/02/2019, pelas 09h:30m (cf. fls. 108 a 110);

c) O arguido foi regularmente notificado, por via postal simples, na morada que indicou no TIR, das datas designadas para a realização da audiência de discussão (cf. fls. 111 e 125);

d) No dia 25/01/2019, o arguido/recorrente não compareceu à audiência de discussão e julgamento, tendo a sua falta sido julgada injustificada e considerando-se não ser a sua presença, desde o início da audiência, indispensável para a descoberta da verdade, a Sr.ª Juiz que à mesma presidiu, determinou que a audiência se iniciasse na ausência do arguido, sendo o mesmo para todos os efeitos representado pela sua defensora. Produzida a prova, sendo determinada a elaboração de relatório social, nos termos do disposto no artigo 370º, n.º 1, do CPP, decidiu a Sr.ª Juiz não haver necessidade de o arguido comparecer na próxima sessão da audiência de julgamento, tendo, designado, para a continuação da audiência o dia 20/02/2019, pelas 14:00 horas (cf. ata de fls. 126 a 128);

e) Junto aos autos o Relatório Social referente ao arguido/recorrente, teve lugar a sessão da audiência de julgamento designada para o dia 20/02/2019, à qual o arguido não compareceu, não tendo sido notificado dessa data, por o Tribunal a quo ter decidido não haver necessidade da sua comparência, sendo designada a data de 26/02/2019, para a continuação da audiência, com a leitura da sentença (cf. fls. 141);

f) A sentença foi lida no dia 26/02/2019, não tendo o arguido/recorrente comparecido, por não ter sido notificado dessa data (cf. fls. 149).

2.3. Sentença recorrida

Transcrevem-se os segmentos da sentença recorrida, com relevância para a apreciação da 2ª questão suscitada:
«(…)
III. DOS FACTOS
a) Factos Provados
Com relevância para a decisão da causa deram-se como provados os seguintes factos:

1. No 23 de Outubro de 2016, pelas 4 horas e 10 m, na Avenida da Bela Vista, Setúbal, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, Ford Fiesta, com matrícula ---OA.

2. O arguido não é titular de carta de condução, ou de qualquer outro título, que o habilite a conduzir veículos motorizados da referida categoria ou de qualquer outra.

3. O arguido bem sabia que para o exercício da condução era necessário possuir habilitação legal válida, a qual só é emitida pela autoridade competente após a sujeição a aulas de código e condução, bem como a aprovação em exame.

4. O arguido conduziu veículo motorizado, conhecendo as características do veículo que conduzia e da via em que seguia, bem sabendo que não possuía habilitação legal para o exercício de tal atividade.

5. Ao agir da forma descrita o arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.

Mais se provou que,
6. O arguido é natural da Guiné.

7. O arguido reside com a companheira, dois enteados, de 10 e 16 anos de idade e com uma filha, de 6 anos de idade.

8. O arguido reside, juntamente com o seu agregado familiar, num apartamento camarário de duas assoalhadas, subarrendado à sua companheira.

9. O arguido exerce funções no MARL – Mercado Abastecedor de Lisboa, desde o ano de 2012, detendo, atualmente, a função de chefe de armazém.

10. O arguido aufere mensalmente a quantia de EUR 995,00.

11. A companheira do arguido exerce funções, igualmente, no local referido em 9., auferindo o salário mínimo nacional.

12. O arguido não demonstra sentido crítico perante o tipo de crime em análise nos autos e demonstra um quadro de irresponsabilidade e ausência de pensamento consequencial.

13. O arguido possui o 12.º ano de escolaridade.

14. O arguido não apresentou documentos que atestassem pela legalidade do contrato de eletricidade e do fornecimento de tal serviço, na habitação onde reside.

15. O arguido regista as seguintes condenações:

a) Por Acórdão de 30/07/2009, transitado em julgado em 22/04/2010, no 2.º Juízo de competência Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, no âmbito dos autos de processo comum com o n.º --/08.6TALLE, por factos praticados a 01/09/2008, foi o arguido condenado na pena de 4 anos e dois meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

b) Por Sentença de 27/05/2010, transitada em julgado em 28/06/2010, no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Silves, no âmbito dos autos de processo comum com o n.º ---/08.9GTBJA, por factos praticados a 14/08/2008, foi o arguido condenado na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de EUR 5,00, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

c) Por Sentença de 17/05/2011, transitada em julgado em 06/06/2011, no Juízo de Média Instância Criminal, Sintra, 1.ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, no âmbito dos autos de processo comum com o n.º ---/10.1PEAMD, por factos praticados a 09/06/2010, foi o arguido condenado na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de EUR 5,00, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

d) Por Sentença de 17/02/2017, transitada em julgado em 12/03/2012, no 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Moita, no âmbito dos autos de processo comum com o n.º ---/07.3GBMTA, por factos praticados a 09/06/2010, foi o arguido condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de EUR 5,00, pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples.

e) Por Sentença de 10/05/2012, transitada em julgado em 04/04/2013, no Juízo de Pequena Instância Criminal da Amadora, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, no âmbito dos autos de processo abreviado com o n.º ---/11.7PDAMD, por factos praticados a 28/12/2011, foi o arguido condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

f) Por Sentença de 15/09/2017, transitada em julgado em 16/10/2017, no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra, Juiz 1, no âmbito dos autos de processo sumário com o n.º ---/17.9PASNT, por factos praticados a 30/08/2017, foi o arguido condenado na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.
*
b) Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa, não se deram como não provados quaisquer factos.

b) Motivação da matéria de facto
(…)
*
IV. DO DIREITO
a) Enquadramento jurídico-penal
Tendo por base os factos dados como provados, cumpre ora proceder ao respetivo enquadramento jurídico-penal, importando analisar a tipicidade da infração e assim, ajuizar sobre a qualificação penal da conduta do arguido.

O arguido vem acusado da prática de condução sem habilitação legal, previsto e punido nos termos do artigo 3º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro.

O bem jurídico protegido neste tipo de crime é segurança de circulação rodoviária, sendo que, e indiretamente, com esta incriminação se protegem ainda bens jurídicos como a vida, a integridade física e os património.

Dispõe o referido artigo que, “1 - Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido (…). 2 - Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel (…)”.

É premente, nesta sede, referir assim, que o artigo 3.º, comporta 2 crimes distintos, consoante o sujeito se encontre a conduzir veículo a motor ou, por outro lado, motociclo ou automóvel. Assim, no que respeita ao tipo objetivo, comete o crime previsto nos termos do n.º 1, quem, i) conduzir, ii) veículo a motor, iii) na via pública ou equiparada e iv) não se encontrando para tal habilitado nos termos do Código da Estrada; e bem assim, comete o crime previsto no n.º 2, quem se encontrar a conduzir motociclo ou automóvel, nos termos do número descritos no n.º 1.

Por outro lado, o tipo subjetivo de ambos os tipos de crime é doloso, em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal (doravante CP), aplicável por remissão operada nos termos do artigo 8.º do CP.

Ora, resulta dos factos provados que no 23 de Outubro de 2016, pelas 4 horas e 10 m, na via pública sita na Avenida da Bela Vista, Setúbal, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, Ford Fiesta, com matrícula ---AO, não se encontrando para tal habilitado.

Neste sentido, resulta, à saciedade, o preenchimento de todos os elementos deste tipo de crime, nos termos do artigo supra disposto.

Quanto ao tipo subjetivo, e atenta a factualidade provada, verifica-se que com a conduta descrita, o arguido quis conduzir o veículo automóvel, conforme acima descrito, bem sabendo que não o podia fazer, pois não detinha a respetiva habilitação para que pudesse conduzi-lo. Agiu assim de modo consciente, voluntário e livre, bem sabendo que a sua conduta era censurável e punida legalmente, tendo a liberdade necessária para se conformar com a sua atuação, ainda assim prosseguindo com a mesma.

Agiu assim com dolo direto, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do CP.

Inexistem quaisquer causas que excluam a ilicitude e a culpa do arguido. De facto, a atuação do arguido foi culposa, por censurável, pois era de se lhe exigir comportamento de acordo com o direito, manifestando com a sua atuação uma atitude contrária à ordem jurídica portuguesa.

Assim, preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime e inexistindo causas de exclusão ou diminuição da culpa ou ilicitude, conclui-se que o arguido praticou um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido nos termos do artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2 /98 de 3 de Janeiro, impondo-se, nestes termos, a condenação do mesmo.

a) Das consequências jurídicas do crime
Importa ora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.

Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2 /98 de 3 de Janeiro, quem praticar o crime ali previsto será punido com a pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

Nos termos do artigo 40.º do CP, a aplicação de penas e medidas de segurança visam a proteção dos bens jurídicos – entendida como a tutela da confiança da comunidade na ordem jurídica penal – e a reintegração do agente na sociedade, sendo que a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa.

Constituem fundamento da pena, quer os pressupostos de prevenção geral, que visam toda a comunidade em geral, tendo a pena como finalidades a de interiorização de bens jurídicos e o restabelecimento da confiança da comunidade na tutela dos mesmos e, quer os de prevenção especial, visando o arguido, em si mesmo, a sua reintegração e a prevenção da reincidência, com o intuito de evitar a prática de novos crimes.

No nosso ordenamento jurídico, a função da culpa é a de estabelecer o máximo da pena concreta aplicável, surgindo como fundamento da mesma.

A medida pena concreta é determinada em função das exigências de prevenção especial – condicionada pela prevenção geral e culpa do agente – atendendo-se, nos termos do artigo 71.º, e 2 do CP, às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, agravem ou atenuem a pena.

Mais se refira que, tendo em conta o princípio da proibição da dupla valoração, há que atender a que não se pode recorrer às circunstâncias que fazem parte do tipo de crime quando se passa a considerar o disposto no artigo 71.º do CP, na medida em que as mesmas já foram anteriormente valoradas pela lei aquando da determinação da moldura.

Nos termos do artigo 41.º do CP, a pena de prisão tem, em regra, a duração mínima de um mês e a duração máxima de vinte anos, não podendo ultrapassar os 25 anos, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

Por outro lado, mais refere o artigo 70.º do Código Penal que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – isto é, nos termos do já referido artigo 40.º, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Atento o exposto, e considerando os artigos 40.º e 70.º do CP, a lei prevê alternativa à pena de prisão, no que respeita ao crime em crise, pelo que, a conduta praticada é punida com pena de prisão ou pena de multa.

Vejamos assim, se a pena de prisão se impõe ou não ao arguido.

No caso dos autos, e no que respeita aos critérios de prevenção geral, são os mesmos elevados, considerando os bens jurídicos que se protegem com a incriminação em crise, e, em particular, a segurança na circulação rodoviária, diretamente afetada com a prática deste tipo de ilícito – ainda para mais numa Comarca como a de Setúbal, onde a sua prática é frequente - existindo um sentimento geral de impunidade em relação a este tipo de crime, sendo que a comunidade dificilmente conseguiria ser atingida pelas finalidades de prevenção especial se quem, como o arguido, conduz um veículo sem habilitação legal, saísse impune da mesma, pelo que se conclui por uma elevada necessidade de prevenção geral.

E já no que respeita aos critérios de prevenção especial, cumpre referir que os mesmos são, nesta sede, igualmente elevados, sendo certo que esta é já a quinta condenação do arguido, pela prática deste tipo de crime, a última das quais punida já com pena de prisão, embora suspensa na sua execução – e não olvidando, é certo, o tribunal, que existe igualmente registo da prática e condenação do arguido, pelo mesmo tipo de crime, porém por factos posteriores ao dos autos, tendo, inclusivamente, esta última condenação ficado sujeita a regime de prova – podendo-se concluir que as penas aplicadas ao arguido não surtiram o pretendido efeito, insistindo o mesmo na reiteração da prática daquele tipo de ilícito.

De facto, mais se refira que, pese embora os factos em análise nos autos remontem ao ano de 2016, a verdade é que a última condenação do arguido na prática deste tipo de crime remonta ao ano de 2017, e assim, sendo a mesma, como se referiu, posterior aos factos em análise, porém sendo tal facto igualmente demonstrativo da facilidade com que o arguido olvida as sanções que lhe são aplicadas, pois que, não se abstendo de incorrer na prática de crimes, e sendo tal, igualmente demonstrativo da parca adesão do arguido ao direito, não adequando a sua conduta à vida em sociedade.

Ainda assim, há que aplicar-se ao arguido uma pena privativa da liberdade.

De facto, a pena não privativa de liberdade não realiza de forma adequada as finalidades da punição, pelo que, a pena de multa não é a adequada às necessidades de prevenção geral e de ressocialização do arguido, impondo-se como tal a aplicação de uma pena de prisão para assegurar as finalidades das penas que no caso concreto se exige.

Impõe-se ora a determinação do quantum da pena, que ao arguido irá ser aplicada.

Vejamos então os fatores que relevam para a determinação da medida concreta da pena, à luz do artigo 71.º do CP – sendo que, a determinação da medida concreta deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial.

Por outro lado, mais refere o n.º 2 do mesmo artigo que, deverão ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o agente.

Ora, no caso concreto, a pena de prisão a considerar, em abstrato, no que respeita ao crime de condução de veículo sem habilitação legal, situa-se entre 1 mês e 2 anos de prisão, tendo em conta o disposto no artigo 41.º, do CP, e ainda no artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2 /98 de 3 de Janeiro.

Assim, considerando o supra referido e ainda o que ora se refere, atente-se, em primeiro lugar, no que respeita a circunstâncias agravantes, à ilicitude da conduta praticada, a qual se considera elevada, consubstanciada na reiteração do arguido na prática deste tipo de crime, devendo tal reiteração ser, assim, considerada na moldura concreta da pena, a desfavor do arguido.

Mais se refira que, quanto ao critério da culpa, há que considerar, no sentido de agravar a conduta do arguido, o dolo direto com que o mesmo praticou o crime, pois que bem sabia que era punida tal conduta e, ainda assim, tendo procedido da maneira descrita, violando um normativo legal e colocando em perigo os bens jurídicos protegidos.

Refira-se ainda que, a desfavor do arguido, resultou provado que o mesmo não demonstra sentido crítico perante o tipo de crime em análise nos autos e demonstra um quadro de irresponsabilidade e ausência de pensamento consequencial.

Não obstante, há ainda que ter em atenção que, apesar de tudo o referido, o arguido se encontra familiar e profissionalmente inserido.

Pelo exposto, considerando as circunstâncias que impõem a aplicação da pena ao arguido, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, considera-se justa e adequada a aplicação de uma pena de 1 ano e 4 meses de prisão.

Tendo em conta a moldura penal concretamente aplicada ao arguido, não se vislumbra a possibilidade de substituição da pena de prisão por pena de multa.

Por outro lado, dispõe o artigo 58.º do CP que, se ao agente dever ser aplicada uma pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que, por este meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No caso dos autos, entende-se tal substituição não ser adequada às finalidades de prevenção geral, bastante elevadas, atentos os bens jurídicos protegidos e a desconsideração reiterada do arguido pelos mesmos, sentindo-se necessidades prementes de revalidação da norma violada.

Cumpre ainda ponderar, em harmonia com o disposto no n.º 1, do artigo 50.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ao arguido, na medida em que esta é inferior a cinco anos de prisão.

Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do CP “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Destarte, é um poder-dever do tribunal suspender a execução da pena de prisão sempre que, através de um juízo de prognose, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão são suficientes para cumprir as exigências de prevenção geral e especial das penas.

Ora, a pena de prisão aplicada ao arguido é inferior a cinco anos, considerando o tribunal que a suspensão da pena realiza de forma eficaz as finalidades da punição.

Senão vejamos.
Entende o tribunal, tendo em conta que, na decisão que ora cumpre tomar, se deve dar prevalência à ressocialização do arguido – surgindo ora, os critérios de prevenção geral minorados, tendo em conta que, importa pois aferir se a censura do facto e a ameaça de prisão cumprem as finalidades da punição, funcionando diretamente sobre o arguido e o afastamento do mesmo da prática de crimes, deste e de qualquer natureza – que não é mais possível considerar que a simples ameaça de prisão cumprirá as finalidade da punição, não se podendo elaborar qualquer prognose que permita concluir que tal permitirá afastar o arguido da prática de crimes.

Como se referiu supra, não só o arguido conta com algumas condenações no seu Certificado de Registo Criminal, quer em pena de prisão quer em pena de multa, entre as quais, cinco relativas a crimes de condução sem habilitação legal (e uma outra condenação, pela prática do mesmo crime, por factos posteriores aos factos em análise nos autos) – mais se referindo que o mesmo beneficiou já do instituto da suspensão da pena de prisão, pelo que, nenhum efeito surtiu em concreto, a aplicação do instituto ao arguido – sendo certo que o mesmo não se encontra consciencializado da nocividade das suas condutas, pois que pratica incessantemente o referido crime.

Assim, conclui o tribunal não mais ser possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, conformando a sua atuação com os padrões legais com que se rege a nossa sociedade.
Neste sentido, e porque se entende que a simples censura do facto não é, neste caso concreto e ora, suficiente para que o mesmo se abstenha de cometer novos crimes, decide-se não se suspender a execução da pena de prisão.

Uma palavra ainda para considerar que, pese embora haja sido determinada a elaboração de relatório social pela DGRSP, o qual contemplava também a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada a prisão em regime de permanência na habitação, a verdade é que do mesmo resultou que o arguido não apresentou documentos que atestassem pela legalidade do contrato de eletricidade e do fornecimento de tal serviço, na habitação onde reside, não sendo assim possível ao tribunal ponderar pela aplicação do instituto da prisão em regime de permanência na habitação, por falta de condições físicas, nos termos do artigo 43.º, do CP.
(…).»

2.4. Conhecimento do recurso

2.4.1. Da nulidade, por falta de notificação do arguido da data designada para a leitura da sentença

Alega o arguido/recorrente não ter sido notificado da data designada para a leitura da sentença, que ocorreu na 3ª sessão da audiência de julgamento e que teve lugar em 26/09/2019, tendo o arguido o direito de estar presente nesse ato, direito esse que foi preterido, além de que, tratando-se de um caso em que a presença do arguido é obrigatória, impunha-se que o Tribunal a quo tomasse todas as diligências necessárias para assegurar a comparência do arguido, na audiência, mesmo que o fosse na leitura da sentença, o que não aconteceu, cometendo, desse modo, uma nulidade insanável, prevista no artigo 119º, n.º 1, al. c), do CPP.

Pugna o arguido/recorrente para que em decorrência da assinalada nulidade, seja declarada a invalidade das sessões de julgamento e da sentença recorrida, e ordenada a respetiva repetição, nos termos do disposto no artigo 122º, n.ºs 1 e 2, do CPP.

O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não assistir razão ao arguido/recorrente, uma vez que foi notificado para a morada constante do TIR, da data em que se iniciou o julgamento e o tribunal não tem de diligenciar pela comparência do arguido em juízo, não tendo o defensor do arguido requerido que o mesmo fosse ouvido na segunda data marcada, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 333º do CPP, não se verifica a invocada nulidade, pelo que a sentença recorrida deve ser mantida.

Vejamos:
A regra geral é a da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento, conforme previsto no artigo 332º, n.º 2, do CPP.

As exceções a tal regra, em que a audiência pode decorrer na ausência do arguido, encontram-se previstas nos artigos 333.º, n.ºs 1 e 2 e 334.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.

O artigo 333º do CPP e que aqui nos importa considerar, epigrafado de “Falta e julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência”, dispõe:

1. Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o inicio da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.

2. Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos nºs 2 a 4 do artigo 117º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas e ouvidas as pessoas presentes (...).

3. No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do nº 2 do artigo 312º.
(…).
A realização da audiência de julgamento, na ausência do arguido, pressupõe sempre que este esteja regular e devidamente notificado para nela comparecer.

O que decorre, desde logo, do direito que o arguido tem de estar presente em todos os atos processuais que diretamente lhe disserem respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência, conforme estatuído nos artigos 61º, n.º 1, alínea a) e 333º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Na situação em que o julgamento tenha inicio na ausência do arguido, na data para que foi notificado, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 333º do CPP, caso seja(m) designada(s) nova(s) data(s) para a sua continuação, o arguido tem de ser notificado dessa(s) nova(s) data(s), sem o que, se impediria, na prática, a materialização, daqueles direitos (cf. Acórdão do TRL de 03/03/2009, proc. n.º 406/2008.7GTCSC-5; Ac.s desta Relação de Évora de 23/01/2018, proc. n.º 112/15.6GESLV.E1 e de 26/03/2019, proc. n.º 268/17.3PAPTM.E1; Ac. da RG de 02/12/2013, proc. n.º 503/10.9EAPRT-A.G1; Ac. da RC de 08/10/2014, proc. n.º 22/14.4GBSRT.C1, todos acessíveis no endereço www.dgsi.pt).

E a lei comina com a nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. c), do CPP, a ausência do arguido, na audiência de julgamento – entenda-se a qualquer das sessões que tenham lugar, incluindo a da leitura da sentença, assistindo-lhe o direito de estar presente – quando essa ausência se verifique, não estando o arguido devida e regularmente notificado da(s) data(s) designada(s) para a respetiva realização.

A audiência de julgamento pode iniciar-se, na ausência do arguido, nos termos previstos no artigo 333º, n.º 2, do CPP e pode mesmo ser concluída sem que o arguido esteja presente, designadamente, se ocorrer na primeira data marcada e o mandatário ou o defensor do arguido não requerer que este último seja ouvido na segunda data designada pelo juiz, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 333º do CPP, mas desde que o arguido esteja devida e regularmente notificado da data designada para a realização da audiência (cf. n.º 10 do artigo 113º do CPP), sendo-lhe, dessa forma, assegurado o direito de comparência e de prestar declarações até ao encerramento da audiência.

Nos casos em que o tribunal considere não ser indispensável à descoberta da verdade a presença do arguido desde o início da audiência e que esta pode começar na sua ausência, não é cometida qualquer ilegalidade, nem se verifica qualquer invalidade da sessão da audiência realizada, por não terem sido tomadas medidas para assegurar a presença do arguido.

Este entendimento é conforme à jurisprudência uniformizada pelo STJ, no AUJ n.º 9/2012, publicado no DR nº 238, I Série, de 10 de dezembro de 2012, pág. 6931, no seguinte sentido: «Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo

Porém, na situação em que a audiência se inicie, na data previamente designada para a sua realização, na ausência do arguido, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 333º do CPP, estando o arguido devida e regularmente notificado dessa data, não sendo tomadas medidas para assegurar a sua comparência, na audiência, designadamente, a emissão de mandados de detenção, ao abrigo do disposto no artigo 116º, n.º 2 ex vi do disposto no n.º 7 do artigo 333º, ambos do CPP, no caso de o juiz designar novas datas para a continuação da audiência de julgamento, inclusive para a leitura da sentença, impõe-se a notificação ao arguido dessas novas datas, nos termos legalmente previstos, sendo a omissão dessa notificação, em caso de ausência do arguido, preterido que foi o respetivo direito de estar presente nas sessões da audiência que venham a ter lugar nessas datas, cominada com a nulidade insanável, prevista na alínea c) do artigo 119º do CPP, com os efeitos estabelecidos no artigo 122º do mesmo diploma legal.

Aplicando estas considerações ao caso vertente, temos que:

- O arguido/recorrente foi regularmente notificado, por via postal simples, na morada que indicou no TIR que prestou a fls. 80 dos autos, das datas inicialmente designadas (1ª data: 25/01/2019; 2ª data: 01/02/2019) para a realização da audiência de discussão e julgamento (cf. fls. 111 e 125);

- O julgamento teve início na 1ª data designada, ou seja, no dia 25/01/2019, estando o arguido notificado, não tendo comparecido e tendo o tribunal decidido iniciar a audiência, na sua ausência, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 333º do CPP, com a produção de prova, sendo inquiridas as testemunhas presentes;

- A audiência de julgamento não terminou na data em que se iniciou, tendo o tribunal ordenado a elaboração de relatório social, ao abrigo do disposto no artigo 370º, n.º 1, do CPP e designado para a sua continuação da audiência, o dia 20/02/2019, decidindo a Sr.ª Juiz a quo não haver necessidade de o arguido comparecer nessa sessão da audiência, pelo que, não foi efetuada a notificação ao arguido, da data designada;

- Na 2ª sessão da audiência, que teve lugar em 20/02/2019, na ausência do arguido, que, conforme se referiu, não foi notificado para nela comparecer, foram produzidas as alegações, após o que a Sr.ª Juiz a quo designou para a continuação da audiência, com a leitura da sentença, o dia 26 de fevereiro de 2019;

- Não tendo havido lugar à notificação do arguido, da data designada para a leitura da sentença, a qual aconteceu, na ausência do arguido.

Neste quadro e em conformidade com o que se deixou exposto supra, há que concluir que a omissão da notificação ao arguido, ora recorrente, das datas designadas para a continuação da audiência de discussão e julgamento, que tiverem lugar, respetivamente, nos dias 20/02/2019 e 26/02/2019 (tendo, naquela sido produzidas as alegações e, nesta última, lida a sentença recorrida), na ausência do arguido/recorrente, consubstancia uma nulidade insanável, nos termos previstos na alínea c) do artigo 119º do Código de Processo Penal.

Consequentemente e de harmonia com o disposto no artigo 122º do CPP, são nulas as sessões da audiência de julgamento realizadas nos dias 20/02/2019 e 26/02/2019, bem como, a sentença nesta última proferida e ora recorrida, pelo que, se determina a repetição de tais atos, com a designação de nova(s) data(s) para a continuação da audiência, dela(s) se notificando o arguido, para comparecer, nos termos legais e, sendo, a final, proferida nova sentença, em conformidade.

O recurso merece, pois, nesta vertente, provimento, ficando prejudicada a apreciação das demais questões nele suscitadas.

3 – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Secção do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AT e, em consequência, julgando-se verificada a nulidade insanável prevista na al. c), do artigo 119º do CPP, declarar nulas as sessões da audiência de julgamento realizadas nos dias 20/02/2019 e 26/02/2019, bem como a sentença nesta última proferida, ordenando-se a repetição de tais atos, com a designação de nova(s) data(s) para a continuação da audiência, dela(s) se notificando o arguido, para comparecer, nos termos legais e, sendo, a final, proferida nova sentença, em conformidade.

Sem tributação.

Notifique.

Évora, 02 de Julho de 2019

MARIA DE FÁTIMA BERNARDES

FERNANDO MONTEIRO PINA