Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
979/15.8TBSTR.E1
Relator: ABRANTES MENDES
Descritores: PLANO DE REVITALIZAÇÃO
PESSOA SINGULAR
Data do Acordão: 09/10/2015
Votação: MAIORIA COM VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: O PER não é aplicável às pessoas singulares não titulares de empresas, nem trabalhadores por conta própria.
Decisão Texto Integral: Apelação n. 979/15.8TBSTR.E1 (1.ª Secção)


Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


No processo especial de revitalização pendentes no Tribunal Judicial de Santarém (Inst. Central – Sec. Comércio-2.º Juízo) em que são requerentes (…) e (…), vieram os requerentes interpor recurso da decisão constante de fls. 144 e 145 através da qual foi indeferido liminarmente o requerimento inicial por se considerar que o Processo Especial de Revitalização não se destina a devedores, pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários, nem exerçam, por si mesmos, qualquer actividade autónoma e por conta própria.
Sustentam os recorrentes, em síntese, nas conclusões das doutas alegações apresentadas:
1. Nenhuma distinção é feita na lei que permita concluir que o PER não se aplica às pessoas singulares;
2. O entendimento sustentado na decisão recorrida cria uma desigualdade legalmente injustificável para com pessoas singulares não titulares de empresas;
3. A acolher o entendimento recorrido, as pessoas singulares, ao contrário das colectivas e das pessoas singulares titulares de empresas, devem aguardar até estarem insolventes, para recorrerem a um plano de pagamentos, dado estar-lhes negado o acesso ao PER, violando-se assim o art.º 17.º-A do CIRE e o art.º 13.º da Constituição da República.
4. Deve, pois, ser revogada a decisão recorrida, admitindo-se o PER requerido.

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Não foram oferecidas contra alegações.
Mantendo-se válidos os pressupostos formais da instância, cumpre decidir:
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes (art. 684.º, n.º 3, 690.º, n.º 3 e 660.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), da leitura das doutas alegações dos apelantes resulta que a questão essencial a dirimir prende-se em saber se é possível, nos termos dos artigos 17.º e ss do CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas) o acesso ao denominado Plano Especial de Revitalização por parte de pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários, nem exerçam, por si mesmos, qualquer actividade autónoma e por conta própria.

Como resulta do art. 1.º, n.º 1, do D-L. nº 53/2004, de 18 de Março, o processo de insolvência surge como um processo de execução universal com a finalidade de liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, admitindo-se, porém, que a satisfação dos credores se possa realizar por outras formas (previstas num plano de insolvência), nomeadamente, através da recuperação da empresa compreendida na massa insolvente. Enfim, pode-se dizer que o processo de insolvência é um processo de liquidação e o plano de insolvência é o único mecanismo que pode ter como fim a recuperação da empresa insolvente – ac. STJ de 25.03.2014, Proc. 6148/12.1 TBBRG, sendo Relator o Conselheiro Fonseca Ramos (in IGFEJ Bases Jurídico/documentais).

Depois, da Reforma de 2012 (Lei n. 16/2012, de 20 de Abril), o CIRE mudou de paradigma, tendo agora, como desiderato principal, a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano o que antes era o objectivo precípuo do diploma – a liquidação como meio de sanear a economia de empresas que não geravam riqueza.

O processo especial de revitalização (PER – regulado nos artigos 1º, nº 2, 17º-A a 17º-I do CIRE), uma das grandes novidades do diploma legal atrás citado, pretendeu «(…) assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente eminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual.(…)», cfr. Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII, de 30 de Dezembro de 2011. Serve isto para dizer que, hoje em dia, a lei disponibiliza aos devedores que se encontrem numa situação de insolvência meramente eminente dois meios judiciais: o processo de insolvência e o processo especial de revitalização, sendo que este se aplicará apenas naquelas situações em que ainda é possível a recuperação, através da negociação com os respectivos credores com vista a com eles estabelecer um acordo nesse sentido de harmonia com o preceituado no artigo 17º-A do CIRE, cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, 139/145; Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 5ª edição, 275/276.

Porém, tal como se assinala na Exposição de Motivos da Proposta de Lei supra referida, este processo pré-insolvencial, tem como pressuposto substantivo a recuperabilidade do devedor e visa privilegiar, sempre que possível, a manutenção do devedor no giro comercial. E conforme se escreve no ac. STJ de 25.11.2014, 6.ª Secção, sendo Relatora a ilustre Conselheira Ana Paula Boularot, “É um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, focalizado na obtenção de um acordo para a revitalização da empresa, permitindo que esta regularize os seus compromissos para com os seus credores de forma preventiva, isto é, antes de entrar numa situação irreversível de insolvência” – sublinhado nosso.

Dentro do contexto legal agora exposto – e que a decisão recorrida também não deixa de mencionar – parece-nos, salvo o devido respeito, que a possibilidade de os ora apelantes, como pessoas singulares não comerciantes, têm sempre a possibilidade de lançar mão de meios alternativos que os conduzam à possibilidade de um “fresh start”, estando-lhes, porém, vedado este meio que é o PER, não se vislumbrando, minimamente, onde é que se acham ofendidos (com este entendimento) os princípios legais e constitucionais citados nas doutas alegações de recurso.

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique e Registe.
Évora, 10 de Setembro de 2015
Abrantes Mendes

Mata Ribeiro (vencido, com declaração)

Sílvio Sousa

Declaração de voto


Votámos vencido, por perfilharmos posição divergente da que fez vencimento. Entendemos que o PER é aplicável às pessoas singulares não titulares de empresas, nem trabalhadores por conta própria, já que nas disposições legais (artº 17º - A a 17º – I do CIRE) atinentes a este procedimento, introduzido no Código da Insolvência, o legislador não fez qualquer distinção relativamente ao seu âmbito de aplicação, pelo que não tendo o legislador distinguido, não devemos nós, aplicadores do direito, distinguir.
Conforme salienta Luís M. Martins [1] «Atendendo à forma como a lei foi redigida, e não obstante o processo especial de revitalização inserido no CIRE, ter sido anunciado como um meio de recuperação das empresas, o objectivo de fundo do memorando no que respeita à matéria em causa, era “facilitar o resgate efectivo das empresas viáveis e apoiar reabilitação de indivíduos financeiramente responsáveis... ", pretendendo, de raiz, abranger as empresas e as pessoas singulares.»
No mesmo sentido vai Catarina Serra [2] ao salientar que «o regime do PER aplica-se, assim, a qualquer devedor, pessoa singular, pessoa colectiva, património autónomo, titular de empresa ou não, dado o silêncio da lei quanto a qualquer dos requisitos (cfr. artº 1º n.º 2 e artº 17º- A n.º 1» do CIRE).
Posição idêntica é assumida por Maria do Rosário Epifânio [3] ao referir que «o PER é aplicável a qualquer devedor, pessoa singular ou colectiva, e ainda aos patrimónios autónomos, independentemente da titularidade de uma empresa (é aplicado na sua plenitude o disposto no artº 2 n.º 1» do CIRE. Em sentido idêntico, se pronunciam Fátima Reis Silva [4], Paulo Tarso Domingues [5] e também, Isabel Alexandre [6], salientando que «os sujeitos que podem utilizar o processo de revitalização não são necessariamente titulares de empresas… o processo de revitalização tem sido também utilizado por pessoas singulares não titulares de empresas» exemplificando com os processos decididos no TRP n.ºs 1172/12.7TBMCN.P1 e 1457/12.2TJPRT-A.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.
Também, sobre esta problemática e no sentido propugnado se pronunciaram os Acórdãos deste Tribunal da Relação de 09/07/2015 e de 24/07/2015, proferidos nos processos 1518/14.3T8STR.E1 (disponível em www.dgsi.pt) e 306/15.4T8STR.E1, bem como as decisões sumárias de 30/06/2015 e de 27/07/2015, proferidas nos processos desta Relação, respectivamente, nºs 745/15.0T8STR.E1 e 274/15.2T8PSR.E1.
Em suma, entendemos que no caso em apreço, os requerentes podiam recorrer ao PER com vista à sua recuperação económica, caso os requisitos legalmente exigidos se mostrassem preenchidos, pelo que revogaríamos a decisão impugnada e determinaríamos o prosseguimento do processo, se não existisse outro fundamento que a tal obstasse.
Mata Ribeiro
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[1] - in Recuperação de Pessoas Singulares vol. I, 2 edição 14-15.
[2] - in O Regime Português da Insolvência, 5ª Edição, 176.
[3] - in O processo Especial de Revitalização, 2015, 15-16.
[4] - in Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente, 2014, 21.
[5] - in I Colóquio do Direito da Insolvência de Santo Tirso, 2014, 15.
[6] - in II Congresso do Direito da Insolvência, 2014, 235.