Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
925/17.4T8SLV-A.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em sede executiva não se verificam os requisitos legais da compensação entre um crédito titulado por uma sentença transitada em julgado e outro ainda controvertido, isto é, sem título algum.
Decisão Texto Integral: RECURSO Nº. 925/17.4T8SLV-A.E1 – APELAÇÃO (SILVES)


Acordam os juízes nesta Relação:

A Apelante/Executada/Embargante “(…) – Indústria Hoteleira, SA”, com sede na Av. (…), n.º 92, Praia da Rocha, em Portimão, vem interpor recurso da douta sentença que foi proferida a 07 de Março de 2018 (na acta da audiência prévia, a fls. 24 a 27), no Juízo de Execução de Silves do Tribunal Judicial da comarca de Faro, nestes autos de embargos de executado, aí por si deduzidos contra a Apelada/Exequente/Embargada “Lavandaria (…), Lda.”, com sede em (…), Lojas (…) e (…), na Guia, Albufeira, em execução de sentença a correr termos pelo valor global de € 9.953,68 (nove mil e novecentos e cinquenta e três euros e sessenta e oito cêntimos) e juros – e que julgou “os presentes embargos totalmente improcedentes e, em consequência, determina o ulterior prosseguimento da execução” (com o fundamento que aí é aduzido de que “em suma, a Executada/Embargante não está em condições de se eximir aqui ao pagamento da quantia definida na sentença de condenação, transitada em julgado, porque: o seu crédito não está sequer reconhecido; a situação de contra-crédito é anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração onde o formou o título executivo; e não está documentalmente provada”) –, intentando ver agora revogada essa decisão da 1ª instância e que os embargos prossigam a sua normal tramitação, e apresentando alegações que remata com as seguintes Conclusões:

1 – A Sentença recorrida julgou os presentes Embargos totalmente improcedentes porque o contracrédito invocado pela aqui Embargante era anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e não estava provado por documento.
2 – Na Sentença recorrida entendeu-se que, no caso, tinham aplicação as alíneas g) e h) do artigo 729º do NCPC e que tais normativos impõem que, sendo a execução fundada em sentença, os factos extintivos ou modificativos da obrigação têm de ser posteriores ao encerramento da discussão no processo declarativo e têm de ser provados por documentos.
Ora,
3 – Os presentes Embargos foram deduzidos com fundamento, apenas e só, na alínea h) do artigo 729º do NCPC pelo que não faz qualquer sentido exigir quanto a este fundamento os requisitos previstos na alínea g) do mesmo normativo.
4 – As alíneas g) e h) daquela norma indicam dois tipos de factos, diferentes e autónomos, que podem constituir fundamento de oposição a uma execução que, como é caso, se funda numa sentença transitada em julgado.
5 – No caso da alínea g), a lei exige efectivamente que os factos extintivos ou modificativos da obrigação em causa sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e se provem por documentos.
6 – O mesmo não acontece com o fundamento de oposição previsto na alínea h) em que se autonomiza como facto-fundamento a existência de um contracrédito sobre o exequente e já não se exige que ele seja anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que se prove por documentos.
7 – O contracrédito invocado pela aqui Embargante como fundamento da oposição à execução reúne todos os requisitos formais exigidos pelos arts. 729º, alínea h) do NCPC e 847º do Código Civil para poder ser compensado com a dívida exequenda, devendo os Embargos prosseguir para julgamento e apreciação da sua efectiva existência.
Termos em que deverá o presente recurso ser considerado totalmente procedente e, em consequência, ser a Sentença recorrida revogada e substituída por decisão que mande prosseguir os ulteriores termos dos Embargos de Executada deduzidos pela Recorrente.

A Apelada/Exequente/Embargada “Lavandaria (…), Lda.” vem apresentar contra-alegações (a fls. 34 verso a 36), para dizer que a Apelante não tem razão, e rematando a sua posição com as seguintes Conclusões:

1 – A Embargante deduziu oposição à execução invocando um alegado contra crédito invocando factos que terão ocorrido, alegadamente, em data anterior àqueles que são discutidos no âmbito dos presentes autos.
2 – A Embargante não possui qualquer crédito reconhecido.
3 – A Embargante não possui qualquer documento que o demonstre o seu alegado contra crédito.
4 – O alegado crédito invocado pela Embargante já foi discutido parcialmente em sede de acção declarativa, com os mesmos fundamentos, tendo sido considerados improcedentes, pelo que ocorreu caso julgado.
5 – A matéria invocada pela Embargante como fundamento do seu crédito é matéria controvertida.
6 – De acordo com a orientação doutrinal do STJ, para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente.
7 – Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva.
8 – O alegado crédito da embargante, para além de não estar demonstrado documentalmente, também não se encontra reconhecido judicialmente.
9 – Os requisitos da compensação, alegados pela embargante, não se mostram preenchidos.
10 – Pelo que, a nosso ver, deverá manter-se a decisão recorrida.
11 – Concluindo-se pela total improcedência dos embargos deduzidos pela Embargante.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. mui doutamente suprirão, deverá o recurso apresentado pela Embargante ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão tomada pela Mma. Juíza a quo que decretou a improcedência total dos embargos e o prosseguimento da execução, com o que se fará a costumada Justiça!

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Provam-se os seguintes factos:

1) A embargada “Lavandaria (…), Lda.” instaurou a execução de que os presentes embargos são apenso contra a embargante “(…) – Indústria Hoteleira, SA”, tendo por título executiva a sentença datada de 02 de Fevereiro de 2017, transitada em julgado, pelo valor de € 9.953,68 (nove mil, novecentos e cinquenta e três euros e sessenta e oito cêntimos) e juros.
2) Em 31 de Maio de 2017 a executada deduziu os presentes embargos nos quais invoca a compensação com um crédito ainda controvertido num valor de € 10.247,40 (dez mil, duzentos e quarenta e sete euros e quarenta cêntimos), conforme ao teor da sua douta petição inicial, a fls. 2 a 4 verso dos autos, aqui dada por inteiramente reproduzida, sendo que a sua data de entrada está aposta a fls. 11 verso).
3) Em 07 de Março de 2018, na audiência prévia, foi proferida a sentença recorrida a julgar improcedentes os embargos e a ordenar o prosseguimento da execução (vide a respectiva acta a fls. 24 a 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra).
4) Em 17 de Abril de 2018 interpôs a embargante o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam do douto articulado de fls. 28 verso a 31, aqui igualmente dado por reproduzido integralmente (a sua data de entrada vem aposta a fls. 33 verso dos autos).
*

Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se deverá manter-se a opção feita pelo Tribunal a quo, na douta sentença recorrida, no sentido de se não verificarem os requisitos legais da compensação de créditos em sede executiva – mormente uma compensação entre um crédito titulado por uma sentença transitada em julgado e outro ainda controvertido, isto é, sem título algum. É isso o que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.

Mas adiantando razões e salva melhor opinião, se constata não ter a douta sentença em recurso cometido qualquer imprecisão de análise ou erro de direito na abordagem que fez da questão que lhe estava colocada para decidir (optando por considerar não compensáveis créditos naquelas circunstâncias), pelo que, nesta sede, não deverá a mesma ser, ainda, objecto de qualquer censura. E isto pese embora a sageza da construção jurídica emitida pela embargante, no fundo, não abordando tal questão e reportando-se apenas aos requisitos formais da lei para poder vir deduzir os embargos de executado, quando a execução se baseia em sentença, constantes das alíneas g) e h) do artigo 729.º do Código Processo Civil – mas escamoteando sempre a (im)possibilidade legal de compensação, já em sede executiva, entre créditos reconhecidos e créditos ainda controvertidos.

[Na tese da embargante, esta poderia deixar para os embargos à execução a discussão da existência do seu contra-crédito ainda que se estivesse a executar já a sentença condenatória onde o crédito fora reconhecido contra si e esta nada tivesse alegado na acção declarativa, designadamente em reconvenção, sobre tal contra-crédito. Mas guardar a discussão para os embargos porquê? Não poderia, ou deveria tê-lo sido, na acção declarativa? Pois se os factos são anteriores à sentença condenatória, deixa-se o assunto para a execução e para os embargos? Nada disso faz sentido. Ou, então, num cenário ainda mais absurdo: discutiu-se tudo isso na acção declarativa, quer o crédito, quer o contra-crédito, sendo que o primeiro foi julgado provado e o segundo não provado na sentença e quando o credor se apresta para a executar, suscita-se então de novo a mesma questão na execução, através dos embargos, mesmo depois de se ter julgado improcedente na acção declarativa. Ainda faz menos sentido. Em suma: a embargante suscita, ou deveria suscitar, a questão da compensação na acção declarativa e o assunto ficou arrumado, não o podendo vir repetir ou arguir ex novo em sede executiva.]
E por isso se afirma assertivamente na douta sentença: “(…) Dificilmente podemos aceitar que, no âmbito de uma execução, a devedora – sem se ter munido de qualquer título executivo – venha eximir-se ao pagamento da dívida, descentrando a actividade do Tribunal da sua vocação executiva para passar a centrar a sua actividade num processo de apreciação e declaração de alegado direito de crédito do devedor (que este não curou de fazer reconhecer previamente com o cuidado e diligência que o credor empreendeu)”.

É isso que resulta do respectivo regime legal, quando se afirma no artigo 847.º do Código Civil que pode operar a compensação, entre o mais, verificado o seguinte requisito: “ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material”.
A Doutrina fala, a propósito do requisito que ora se discute nos autos, em “exequibilidade do contra-crédito do compensante”, o que pressupõe que, pelo menos nesta sede de execução, não se vá discutir ainda a sua existência, por ser o crédito meramente hipotético (vide Antunes Varela, Obrigações 2º, a páginas 163 e Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4ª edição, a páginas 774/777).
Decorrentemente, nos termos do n.º 4 do referido artigo 847.º, é possível a compensação com um crédito ilíquido, mas não com um crédito só hipotético.

Na Jurisprudência, vide o recente douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2018, tirado no processo n.º 23656/15.5T8SNT.L1.S1, onde se escreveu no seu respectivo sumário:
IV. O crédito (activo) a compensar não tem de estar reconhecido previamente para se poder invocar a compensação (salvo se esta for invocada na acção executiva); o reconhecimento será obviamente necessário mas apenas para que a compensação se torne eficaz, podendo ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio”.
E em nota de rodapé:
[6] Distinta é a situação de se pretender operar a compensação na fase executiva, caso em que se tem entendido, sem discrepância, que será de exigir que o crédito activo tenha (também) força executiva – cfr. Acórdão do STJ de 02.06.2015 e a abundante jurisprudência nele citada”.

Isto para além da questão suscitada na douta sentença recorrida, referente à própria sentença em execução, e que já não se mostra necessário abordar aqui para julgar improcedente o recurso:
(…) basta atentar no teor da referida sentença para se perceber que a Executada/Embargante já invocou no processo declarativo este mesmíssimo meio de defesa. Com efeito, no procedimento de injunção, a Ré (ora Executada) deduziu oposição logo invocando a compensação de créditos (embora não com a extensão usada neste incidente), a qual foi julgada improcedente. Dito doutra forma, a ‘situação de compensação’ já foi apreciada pelo Tribunal em sede de instância declarativa, havendo caso julgado nesta parte”.

Tudo razões para que, neste enquadramento fáctico e jurídico, se tenha agora que manter, intacta na ordem jurídica, a douta sentença da 1ª instância que assim veio a decidir, e improcedendo o presente recurso de Apelação.
*

Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida que julgou improcedentes os embargos à execução.
Custas pela Embargante.
Registe e notifique.
Évora, 13 de Setembro de 2018
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral