Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8811/15.6T8STB-H.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: UNIÃO EUROPEIA
RESIDÊNCIA
MENOR
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
ALTERAÇÃO DO PODER PATERNAL
MOMENTO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
Data do Acordão: 02/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Em caso de residência de cada um dos progenitores e de um deles com a criança, em diferentes Estados-Membros, a competência internacional do tribunal afere-se nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, que estabelece serem competentes em matéria de responsabilidade parental os Tribunais do Estado-Membro, em que a criança resida habitualmente à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
II - Dada a residência habitual da criança e da progenitora a quem a sua guarda está deferida, na Alemanha, no momento da propositura da acção nova que o processo de alteração à regulação das responsabilidades parentais constitui, são os tribunais alemães os competentes para conhecer do pleito, já que não se verificando nenhuma das circunstâncias previstas nos artigos 9.º, 10.º e 12.º do Regulamento, não existe fundamento legal para o prolongamento da competência dos tribunais portugueses. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1]
*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO

1. Por requerimento inicial apresentado no dia 19 de Março de 2019, F… veio requerer contra T… a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho comum, M…, pedindo que lhe seja atribuída a sua guarda, e seja fixado o regime de visitas e a prestação de alimentos a suportar pela mãe.

2. Citada, a progenitora respondeu, invocando, no que ora importa, que a competência para a decisão da alteração das responsabilidades parentais assiste ao foro do tribunal alemão, por ser o da residência habitual da criança, nos termos do artigo 8.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro.

3. Por decisão proferida em 12.06.2019, foi declarada a incompetência internacional do Juízo de Família e Menores de Setúbal para conhecer do pedido de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais suscitado nos autos e, em consequência, a Requerida foi absolvida da instância.

4. Inconformado, o Requerente apelou, finalizando a respectiva minuta com as seguintes conclusões:
«2.º- … resulta do art.º 3.º, do supra citado Regulamento, no seu n.º 1: “São competentes para decidir das questões relativamente ao divorcio, separação ou anulação do casamento, os Tribunais do Estado-Membro: a) Em cujo território se situa: - (…) - A última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida. (…) b) da nacionalidade de ambos os cônjuges…”
3.º- Sendo que, não obstante o recorrente se encontrar temporariamente destacado em serviço nos Açores, ainda assim território Nacional, a residência habitual deste continua ser a mesma de sempre.
4.º- Mais, que ambos os requerentes bem como os filhos destes têm nacionalidade portuguesa.
5.º- Dispõe o art. 8.º do já citado regulamento que: “Os Tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data que o processo seja instaurado no Tribunal.” Ora,
6.º- É nosso entender, salvo o devido respeito e melhor opinião que esse estado é o nosso, ou seja o Português. Porquanto,
7.º- O processo relativamente ao exercício das responsabilidades parentais do menor foi instaurado em Portugal, nomeadamente no Tribunal de Família e Menores de Setúbal.
8.º- Sendo que, a requerida e filhos de ambos, viajaram para a Alemanha a 7 de Maio de 2016, e ainda assim com o objectivo de aí passarem férias.
9.º- Contra a vontade expressa do requerente.
10.º- A estes factos acresce que o requerimento de alteração do exercício das responsabilidades parentais, para efeitos de fixação de competência do tribunal, não constitui um processo autónomo, mas sim um apenso ao processo inicial/principal onde foi fixado o regime que ora se pretende alterar.
11.º- Assim sendo, à data da instauração do processo principal, a residência dos menores era em Portugal.
12.º- Logo, será de concluir que o foro competente é o Tribunal Português.
13.º- A criança tem nacionalidade portuguesa.
14.º- Os pais da criança exercem em conjunto as responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância na vida do M…. (segundo o regime fixado, não fossem os constantes incumprimentos da requerida)
15.º- O pai por sua vez como titular da responsabilidade parental, reside em Portugal.
16.º- A requerida sempre ter aceite o foro português, facto que se encontra sobeja e inequivocamente espelhado nos vários apensos de incumprimento instaurados por esta, sendo que o último dos quais data já de 2019, ou seja, muitos meses após a instauração do apenso “sub-judice”.
17.º- Mais, neste mesmo apenso existiu resposta por parte da requerida, mais existiu um pedido de alteração de data de conferência.
18.º- Bem sabemos que a arguição desta nulidade poderá ser feita até decisão.
19.º- Um dos requisitos para a competência é e será sempre o superior da criança.
20.º- Um interesse que a requerida, usando e abusando das normas legais e processuais, tem espezinhado.
21.º- Pelo que, será de todo o interesse que seja o Tribunal Português o competente, pois é quem tem acompanhado todo o processo desde o seu inicio, e que até, com base em falsas permissas elaborou um juízo de prognose favorável para a requerida, e a autorizou, à revelia do pai, do país.
Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui suprimento de V.ªs Ex.as, deve a presente decisão do Tribunal de 1.ª instância ser alterada, por improcedente, e, em consequência ser substituída por decisão que melhor acautele os superiores interesses do menor, declarando o foro português como foro competente».
5. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

6. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, no caso em apreço, a única questão que importa decidir é a de saber se, na situação vertente, o Juízo de Família e Menores de Setúbal é ou não internacionalmente competente para conhecer do pedido de alteração à regulação das responsabilidades parentais da criança.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Para além da que já consta na sentença recorrida[4], a tramitação processual relevante que decorre dos processos apensos[5], que importa à decisão da presente apelação é a seguinte:
«1. M… nasceu a 19 de novembro de 2015 e é filho do Requerente F… e da Requerida T….
2. A 7 de maio de 2016, o Mateus, juntamente com a mãe e a irmã D…, nascida a 26 de outubro de 2012, viajaram para a Alemanha, de onde não mais voltaram.
3. A partir de agosto de 2016, a D… e o M… passaram a frequentar o jardim de infância na cidade de Pinneberg, na Alemanha.
4. Por sentença proferida a 24 de fevereiro de 2017, já transitada em julgado, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto à Débora, fixando-se a residência da mesma junto da mãe, na Alemanha, e foi decretado o divórcio entre o Requerente e a Requerida.
5. Por acordo homologado por sentença de 25 de junho de 2018, transitada em julgado, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto ao M…, nos mesmos termos que em relação à sua irmã, no que diz respeito à fixação da residência junto da mãe, na Alemanha.
6. Desde a data referida em 2., o M… tem vivido ininterruptamente com a mãe e a irmã, na Alemanha».
7. No processo de divórcio foi considerado provado que:
«2) D… nasceu a 26 de outubro de 2012 e é filha do Autor F… e da Ré T….
3) Autor e Ré viveram juntos e com a filha até março de 2015, altura em que o primeiro saiu da casa onde todos viviam, passando a viver com os seus pais e deixando a filha com a mãe. (…)
11) O Autor instaurou ação de impugnação da paternidade da criança M…, que se encontra pendente sob o nº 2448/16.0T8STB – J2.
12) Por despacho proferido a 29 de abril de 2016, foi concedida autorização à Ré para viajar com a sua filha D… para a Alemanha no dia 7 de maio de 2016, com regresso a 23 de junho do mesmo ano, na sequência da exibição por parte da mesma dos respetivos bilhetes de avião, de ida e volta.
14) Após a separação dos pais e até se deslocar para a Alemanha, a D… viveu com a mãe e com o irmão M… na mesma casa onde antes vivera também o pai, numa zona central do Pinhal Novo.
16) A Ré deixou de trabalhar em julho de 2015, quando estava com 30 semanas de gravidez, e, por não dispor de rendimentos próprios, solicitou nessa altura a atribuição de RSI, sendo-lhe atribuída uma prestação de € 361,98 mensais. (…)
20) Recebia apoio em géneros alimentares da igreja uma vez por semana e contava com o apoio económico dos seus pais, ambos residentes na Alemanha, e de amigos.
23) A 18 de maio de 2016, a Ré celebrou contrato de trabalho e começou a trabalhar na Alemanha para a empresa “M… GmbH”, como “ajudante de produção”, recebendo € 8,80 à hora, com um horário semanal de 35 horas.
24) A Ré foi emigrante com os pais na Alemanha entre os seus 8 e os 18 anos de idade, aí frequentando o ensino preparatório e secundário.
34) A D… adaptou-se facilmente à escola e é caracterizada pela Diretora do Jardim de Infância como “uma criança feliz e amigável e procurada por outras crianças como companheira de jogo.”
35) A criança tem aprendido rapidamente a língua alemã com a ajuda da mãe.
36) O M… frequenta um grupo de creche com 10 crianças com idades compreendidas entre os 10 meses e os três anos e encontra-se igualmente bem integrado».
8. Em 09.06.2016, o Ministério Público instaurou, por apenso aos autos de divórcio, acção para regulação das responsabilidades parentais relativamente ao M…, constando da acta de 25.06.2018, que ambos os progenitores declararam «que estão de acordo em regular o exercício das responsabilidades parentais quanto ao filho M… nos exatos termos em que foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto à sua irmã Débora, conforme decidido nos autos em apenso, à exceção do valor da pensão de alimentos que, para o M…, será de € 100 mensais», acordo que foi homologado por sentença.
9. Em 12.07.2016, o ora requerente instaurou incidente de incumprimento do regime de visitas estabelecido (apenso D), contra a requerida “residente na K…, , , , Alemanha”.
10. Este incidente veio a ser julgado extinto, por inutilidade superveniente da lide, por despacho proferido em 27.09.2017, do qual consta que «F… instaurou a presente ação de incumprimento contra T…, na sequência de esta ter levado a filha D… consigo para a Alemanha, fazendo supor (incluindo ao tribunal) que iria de férias e aí fixando a sua residência com a criança e com o outro filho, o M….
Porém, por sentença proferida a 24 de fevereiro do corrente ano, que não foi objeto de recurso, decidiu-se quanto aos termos do exercício das responsabilidades parentais relativamente à Débora, fixando-se a sua residência junto da mãe, na Alemanha, pelo que o Ministério Público emitiu parecer no sentido da inutilidade da presente ação.
Ora, tendo em conta o sucintamente descrito, não restam dúvidas que a presente ação não apresenta, neste momento, face ao que se decidiu (e que foi de imediato aceite pelo Requerente), qualquer utilidade prática».
11. Em 25.01.2018, o ora requerente apresentou pedido de alteração das responsabilidades parentais, por apenso aos autos principais (apenso F), pedindo então a guarda da filha D… a fixação de regime de visitas e a prestação de alimentos a suportar pela mãe.
A requerida invocou a incompetência internacional do Juízo de Família e Menores de Setúbal, tendo a mesma sido declarada por decisão proferida em 08.03.2019.
Em 11.03.2019 o Requerente apresentou requerimento pedindo a tradução da decisão que juntou, invocando que o tribunal alemão havia declarado que o tribunal português era o competente para conhecer do pedido de alteração.
Por despacho proferido em 27.06.2019, com referência à promoção de 13.06.2019, foi determinado se informasse “o Tribunal Alemão que, nos presentes autos, o Tribunal de Família e Menores de Setúbal declarou-se internacionalmente incompetente, apelando, para além do mais, ao princípio da maior proximidade daquele tribunal com a menor, residente na Alemanha”.
12. Em 17.10.2017 e 04.10.2018 a Requerida instaurou, por apenso aos autos principais, incidentes de incumprimento das prestações de alimentos devidas, respectivamente à filha e ao filho (apensos E e G).
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III.2. – O mérito do recurso
Insurge-se o Recorrente contra a decisão que, declarando o Juízo de Família e Menores de Setúbal internacionalmente incompetente para conhecer do pedido, absolveu a requerida da instância que contra ela havia instaurado por apenso aos autos principais para alteração das responsabilidades parentais relativamente à criança M…, pretendendo que a mesma deve ser revogada e substituída por outra que melhor acautele os interesses do filho, declarando a competência do foro português.
Fundamenta a sua pretensão recursiva, em suma, no facto de resultar do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27 de Novembro, que os critérios para o estabelecimento da competência internacional dos Estados-Membros são a última residência habitual dos cônjuges, bem como o critério da nacionalidade de ambos os cônjuges. Assim, aduzindo que a criança foi para a Alemanha contra a sua vontade; tanto os progenitores como a criança têm nacionalidade portuguesa; o requerente vive em Portugal; à data da instauração do processo principal a residência do menor era em Portugal; o processo relativo ao exercício das responsabilidades parentais do menor foi instaurado em Portugal, mais concretamente no Tribunal de Família e Menores de Setúbal; o requerimento de alteração do exercício das responsabilidades parentais, para efeitos de fixação de competência do Tribunal, não constitui um processo autónomo, mas sim um apenso ao processo inicial/principal onde foi fixado o regime que se pretende alterar, conclui que em face do que dispõe o artigo 8.º do já citado Regulamento “os Tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental, relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no Tribunal”; sendo esse Estado, o Português, o foro competente é o Tribunal Português; ademais um dos requisitos para a competência será sempre o superior interesse da criança, sendo de todo o interesse que seja o Tribunal Português o competente, pois é quem tem acompanhado todo o processo desde o seu início.
Por seu turno, contrapõe o Ministério Público que a regra do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento pode sofrer desvios, caso se verifiquem as circunstâncias previstas nos seus artigos 9.º, 10.º e 12.º, razão pela qual conclui que bem decidiu a Mm Juiz “a quo” ao julgar que o Juízo de Família e Menores de Setúbal não é internacionalmente competente para apreciar a alteração das responsabilidades parentais, cabendo essa competência aos tribunais alemães.
Afirmou-se na decisão recorrida - com todo o acerto, adianta-se, desde já -, que «para decidir quanto à competência ou não dos tribunais nacionais para a presente ação, há que ter presente o disposto no artigo 8º, nº 1 do Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro, aplicável a Portugal e à Alemanha, segundo o qual “Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro, à data em que o processo seja instaurado no tribunal.” E, quando aqui se refere o processo, terá que entender-se que está em causa não apenas a ação de divórcio (na qual podem ser reguladas as responsabilidades parentais) ou a ação de regulação das responsabilidades parentais, mas também a ação de alteração das responsabilidades parentais, já que a mesma assume contornos de ação distinta e nova, dando, até, lugar a nova citação (e não apenas a notificação)».
Em primeiro lugar, no caso em apreço, cabe definir qual deve ser “o processo” a cuja data de instauração o Regulamento se reporta: o processo de regulação das responsabilidades parentais ou o da alteração, isto porque, como veremos, à data de instauração daquele tanto os progenitores como os filhos, todos portugueses, residiam em Portugal, e à data da instauração deste estamos perante situação de residência plurilocalizada dos progenitores em Estados-Membros diferentes, colocando-se, portanto, a questão da competência internacional, uma vez que existem elementos de conexão com outra ordem jurídica.
Vejamos.
Na situação vertente, quando foi instaurado pelo Ministério Público o processo de regulação das responsabilidades parentais, em 09.06.2016, foi-o por apenso aos autos de divórcio, porquanto então não havia quaisquer dúvidas nos autos de que a residência de todos, pais e filhos, se situava em Portugal, sendo, por isso, competente o foro nacional, tanto mais que por despacho proferido a 29.04.2016, havia sido concedida autorização à Ré para viajar com a sua filha D… para a Alemanha no dia 07.05.2016, com regresso a 23 de Junho desse ano, na sequência da exibição por parte da mesma dos respectivos bilhetes de avião, de ida e volta.
Acontece que, conforme se encontra provado, a 07.05.2016, o Mateus, então com 5 meses de vida, juntamente com a mãe e a irmã D…, nascida a 26.10.2012, viajaram para a Alemanha.
Poderia tratar-se de uma situação transitória na vida da mãe e das crianças, e, sendo certo que «o local da residência do menor, para tal efeito [de atribuição de competência], é aquele onde o mesmo se encontra com maior permanência e continuidade e não o local em que no concreto momento ocasionalmente se encontre»[6], se assim fosse, a competência internacional dos tribunais nacionais mantinha-se.
Porém, não é a esse conclusão que chegamos se atentarmos na matéria de facto provada no processo de divórcio, e que acima respigámos. Na realidade, apreciado o enquadramento factual subjacente, poderemos com segurança afirmar que, na sequência da situação precária em que viveu em Portugal durante a gravidez de risco do filho M…, recebendo apoio em géneros alimentares da igreja uma vez por semana e contando com o apoio económico dos seus pais, ambos residentes na Alemanha, onde a progenitora havia sido também emigrante com os pais, entre os seus 8 e os 18 anos de idade, aí frequentando o ensino preparatório e secundário, na sequência daquela deslocação com os filhos para a Alemanha, a mãe encontrou nesse país trabalho, celebrando em 18 de maio de 2016, contrato de trabalho e começando a trabalhar para a empresa “M… GmbH”, como “ajudante de produção”, recebendo € 8,80 à hora, com um horário semanal de 35 horas, sendo que a partir de Agosto de 2016, a D… e o M… passaram a frequentar o jardim de infância na cidade de …, na Alemanha.
Se a esta factualidade juntarmos que as crianças se encontram bem integradas e têm aprendido rapidamente a língua alemã com a ajuda da mãe (se assim foi com a D…, certamente também foi com o M…, que já terá aprendido a falar na Alemanha), e que a mãe e os filhos não regressaram a Portugal, podemos concluir que estabeleceram na Alemanha, pelo menos desde Agosto de 2016, o seu «centro de uma vida organizada em termos de estabilidade, aferida esta pelas respectivas duração e continuidade»[7], o mesmo é dizer, a sua residência, vivendo a criança, ininterruptamente, com a mãe e a irmã, naquele país.
Na realidade, conforme salienta TOMÉ D´ALMEIDA RAMIÃO[8], em anotação ao artigo 9.º do RGPTC, “por residência, deve entender-se o lugar onde a criança reside habitualmente, isto é, o local onde se encontra organizada a sua vida, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, onde está radicado».
Ora, pese embora o Recorrente refira que os filhos foram para a Alemanha sem o seu consentimento - situação que até podemos admitir, tanto mais que se deslocaram com autorização judicial, mediante a apresentação de bilhetes de avião de ida e volta -, o certo é que, posteriormente, a residência dos filhos naquele Alemanha, foi aceite pelo progenitor, especialmente quanto ao M…, já que, por acordo homologado por sentença de 25.06.2018, transitada em julgado, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais nos mesmos termos que em relação à sua irmã, no que diz respeito à fixação da residência junto da mãe, na Alemanha.
Portanto, não sofre dúvidas que, à data da instauração do processo para alteração das responsabilidades parentais, a residência do M…, da mãe e da irmã, se situava na Alemanha.
Considera o Apelante que o processo de alteração das responsabilidades parentais por si instaurado é um mero apenso do processo de regulação e, por isso, a competência do tribunal afere-se pelo processo principal, estando cometida ao Juízo de Família e Menores de Setúbal.
Mas não tem razão.
Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.11.2015, «a ação para alteração das responsabilidades parentais constitui uma ação independente e autónoma em relação à ação onde inicialmente havia sido estabelecida essa regulação.
Do artigo 182º da O.T.M. resulta expressamente que se trata de uma nova ação, de uma nova regulação das responsabilidades parentais.
Dessa autonomia decorre que não se pode considerar como fixada para ela a competência territorial definida na anterior ação»[9]. Tanto assim é, que o Requerente pretende que a residência da(s) criança(s) seja alterada, o mesmo é dizer, pretende que haja uma nova regulação do regime vigente, o que constitui situação diversa do incidente de incumprimento, que apenas visa fazer cumprir o regime já estabelecido. Portanto, um e outro processo, ainda que corram ambos por apenso, não se confundem quanto às suas finalidades. Assim, não colhe o argumento do Apelante de que a Apelada tem aceite a competência dos tribunais portugueses.
Na realidade, tanto no processo relativo à Débora – que agora não está em causa -, como no presente, esta suscitou especificamente a incompetência internacional dos tribunais portugueses, entendendo que a competência, em face da residência do M…, estava deferida ao tribunal alemão.
E tem razão.
Em caso de residência de cada um dos progenitores e de um deles com a criança, em diferentes Estados-Membros, a competência internacional do tribunal afere-se nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, que estabelece serem competentes em matéria de responsabilidade parental os Tribunais do Estado-Membro, em que a criança resida habitualmente à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
Como vimos, à data da instauração da alteração à regulação das responsabilidades parentais, o M… residia habitualmente com a mãe, na Alemanha.
Assim, dada a residência habitual da criança e da progenitora a quem a sua guarda está deferida, na Alemanha, no momento da propositura da acção nova que o processo de alteração à regulação das responsabilidades parentais constitui, são os tribunais alemães os competentes para conhecer do pleito.
Sufraga-se, pois, o entendimento vertido na decisão recorrida, no sentido de que «no presente caso, tendo em conta a factualidade descrita, é inegável que o M… tem fixada a sua residência habitual na Alemanha, pelo menos, desde agosto de 2016, altura em que foi integrado em equipamento de infância e em que a sua mãe já não tinha intenção de regressar a Portugal, passando a organizar a sua vida e a dos filhos naquele país.
Efetivamente, conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de dezembro de 2016: “I – A competência internacional afere-se pelo critério da residência habitual do menor. II – O conceito de “residência habitual” (a que alude o Regulamento CE nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de novembro de 2003) deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponda ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar.”
No mesmo sentido também se pronunciou o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 12 de julho de 2016: “I – No caso de residência plurilocalizada dos progenitores em Estados-Membros diferentes, o artigo 8º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003, estabelece em matéria de responsabilidade parental que o tribunal competente é aquele que se encontra situado no Estado-Membro onde a criança resida habitualmente à data em que o processo seja instaurado no tribunal. II – A ratio legis normativa, atendendo à justificação aduzida no 12º Considerando, radica no superior interesse da criança e, em particular, o critério da proximidade. III – Para efeito da competência internacional do tribunal, em matéria de regulação da responsabilidade parental, o conceito de residência habitual do menor deve ser interpretado em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar».
Acresce que, ao invés do que considera o Apelante, não se verificam na situação em presença os desvios à regra geral contida no referido artigo 8.º, n.º 1, mormente as circunstâncias vertidas nos artigos 9.º, 10.º e 12.º, que o n.º 2 do artigo 8.º ressalva, e de cuja verificação se retiraria ainda a competência internacional dos tribunais portugueses para o presente caso.
Na realidade, não só a deslocação inicial da criança para a Alemanha foi legal, como mesmo que se considerasse que o estabelecimento da sua residência nesse estado não o foi inicialmente, já que o seu regresso ao país estava previsto, o certo é que o estabelecimento da residência naquele país veio depois a ser aceite, por acordo, pelo progenitor. Portanto, à data em que a alteração foi instaurada, não havia dúvidas de que a residência do M… na Alemanha, estava coberta pela sentença que homologou esse acordo dos progenitores e a residência da criança junto da mãe, naquele país.
Assim, conforme se ponderou na decisão recorrida, e subscrevemos, «desde logo se conclui que não existe fundamento legal para o prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança, previsto no artigo 9º, nº 1, porquanto o M… reside na Alemanha há bem mais do que três meses. E, do mesmo modo, ainda que se entendesse que ocorreu uma deslocação ilícita, seria de concluir que não se verifica o prolongamento da competência, tal como configurado pelo artigo 10º, já que tal pressupõe que ainda não se tenha fixado a residência habitual e, cumulativamente, as demais circunstâncias aí previstas. Finalmente, prevê o artigo 12º a extensão da competência para decidir questão relativa à responsabilidade parental relacionada com um pedido de divórcio pelos tribunais competentes para decidir este pedido.
No caso, o processo de divórcio do Requerente e da Requerida correu termos neste Juízo de Família e Menores de Setúbal. Porém, nesse processo não foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto ao M…, já que aquele impugnou a paternidade, tendo tais questões sido tratadas em processo autónomo. Além disso, as circunstâncias previstas no nº 1 desse artigo são cumulativas e, no caso, não se verifica a prevista na al. b), já que a Requerente não aceitou a competência dos tribunais portugueses para a presente ação. E, ainda que assim não fosse, tendo as decisões, quer de divórcio, quer de regulação das responsabilidades parentais transitado em julgado, sempre cessaria a competência dos tribunais nacionais, conforme previsto no artigo 12º, nº 2».
Pelo exposto, nada há a censurar à decisão recorrida que nas circunstâncias de facto demonstradas concluiu que os tribunais nacionais e, em particular, o Juízo de Família e Menores de Setúbal não é competente para o conhecimento do pedido de alteração das responsabilidades parentais relativamente à criança M…, instaurado pelo seu progenitor quando a criança residia há mais de dois anos na Alemanha e, por outro lado, que não se verifica nenhuma das circunstâncias previstas nos artigos 9.º, 10.º e 12.º do Regulamento (CE) nº 2201/2003, não existindo fundamento legal para o prolongamento da competência dos tribunais portugueses, tanto mais quando o superior interesse da criança melhor se acautela com a apreciação do pleito pelo tribunal que com a sua situação de vida estável tenha maior proximidade, e que no caso, é o tribunal alemão.
Nestes termos, na improcedência da apelação, confirma-se a decisão que julgou o Juízo de Família e Menores de Setúbal internacionalmente incompetente para conhecer do pedido de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais suscitado nos autos e, em consequência, absolveu a Requerida da instância.
Vencido, o Apelante suportaria as custas devidas, na vertente de custas de parte, atento o princípio da causalidade e o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do CPC, as quais não lhe são tributadas por beneficiar de apoio judiciário.
IV - Decisão
Pelo exposto, na improcedência da apelação, acorda-se em confirmar a decisão recorrida.
Sem tributação, atento o benefício de apoio judiciário concedido ao Recorrente.
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Évora, 13 de Fevereiro de 2020

Albertina Pedroso [10]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
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[1] Juízo de Família e Menores de Setúbal - Juiz 3.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] E ora se transcreve para melhor compreensão.
[5] Cujo seguimento electrónico foi para o efeito solicitado pela ora Relatora ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
[6] Cfr. se sumariou no Acórdão do STJ de 08.03.2001, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. citado Acórdão do STJ.
[8] In Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, Quid Juris, 2.ª edição, pág. 45.
[9] Proferido no processo n.º 2834/15.2T8LRS.L1-8, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Texto elaborado e revisto pela Relatora.