Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6589/15.2T8STB.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não é permitido às partes, por sua livre iniciativa, e dentro do quadro da sua liberdade contratual, estabelecer que no caso de perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, se vençam juros remuneratórios sobre as prestações vincendas, que se vencem imediatamente por via da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 6589/15.2T8STB.E1 (2ª Secção Cível)

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


Em acção com processo comum, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Setúbal – Instância Local – Secção Cível – J1), BANCO (…), S.A, demanda (…), e mulher (…), peticionando que os RR. sejam condenados a pagar-lhe solidariamente a importância Euros 23.273,60 (€ 19.968,66 + € 3.304,80) acrescida de Euros 2.040,21 (€ 1.748,63 + € 291,58) de juros vencidos até ao presente – 30 de Julho de 2015 – e de Euros 81,61 (€ 69,95, + € 11,66) de imposto de selo sobre os juros vencidos e ainda, os juros que sobre a dita quantia de € 19.968,66, se vencerem, à taxa anual de 13,777%, desde 31 de Julho de 2015 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair e, ainda, os juros que sobre a dita importância de Euros 3.304,80 se vencerem, à taxa anual de 16,022%, desde 31 de Julho de 2015 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair.
Como sustentação do peticionado, alega ter celebrado com os RR. dois contratos de mútuo tendo eles deixado de pagar as correspondentes prestações, pelo que comunicou-lhes a perda do benefício do prazo contratual.
Citados os RR. não apresentaram contestação, nem constituíram mandatário.
Os factos foram declarados confessados, nos termos do art. 567.º, n.º 1, do CPC, e foi cumprido o disposto no artº 567º, n.º 2, do CPC, após o que foi proferida sentença em que se decidiu:
Assim e pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declaro a nulidade da cláusula 7.ª, alínea b) das Condições Gerais dos contratos de mútuo de 19.10.2010 e de 26.02.2014, celebrados entre o A. e os RR., na parte em que permite, pelo não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o vencimento dos juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada restante prestação, nos termos do art. 12.º do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro, em conjugação com o disposto nos arts. 19.º, al. c) e 22.º, n.º 1, al. l), do mesmo diploma.
b) Condeno os RR. (…) e (…) a pagar ao A. BANCO (…), S.A., relativamente ao contrato de 19.10.2010, a quantia de € 224,00 (duzentos e vinte e quatro euros), a título de pagamento integral da 19.ª prestação, vencida em 10/12/2014, acrescida de juros de mora à taxa de 13,777% ao ano, contados sobre a data de vencimento e até efectivo e integral pagamento, bem como imposto de selo à taxa de 4% ao ano, sobre os juros.
c) Condeno os RR. (…) e (…) a pagar ao A. BANCO (…), S.A., relativamente ao contrato de 19.10.2010, a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, correspondente ao capital remanescente integrado nas 20.ª à 90.ª prestações, acrescido de juros de mora à taxa de 13,777% ao ano, contados sobre a quantia global que se vier a liquidar e desde a data da notificação da decisão de liquidação até efectivo e integral pagamento, bem como imposto de selo à taxa de 4% ao ano, sobre os juros.
d) Condeno os RR. (…) e (…) a pagar ao A. BANCO (…), S.A., relativamente ao contrato de 26.02.2014, a quantia de € 64,80 (sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos), a título de pagamento integral da 10.ª prestação, vencida em 10/01/2015, acrescida de juros de mora à taxa de 16,022% ao ano, contados sobre a data do vencimento e até efectivo e integral pagamento, bem como imposto de selo à taxa de 4% ao ano, sobre os juros.
e) Condeno os RR. (…) e (…) a pagar ao A. BANCO (…), S.A., relativamente ao contrato de 26.02.2014, a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, correspondente ao capital remanescente integrado nas 11.ª à 60.ª prestações, acrescido de juros de mora à taxa de 16,022% ao ano, contados sobre a quantia global que se vier a liquidar e desde a data da notificação da decisão de liquidação até efectivo e integral pagamento, bem como imposto de selo à taxa de 4% ao ano, sobre os juros.
f) Absolvo os RR. (…) e (…) do demais peticionado.
g) Condeno o A. e os RR., estes em partes iguais, no pagamento das custas do processo, na medida do respectivo decaimento.
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Não se conformando com a decisão foi interposto pelo autor o presente recurso de apelação, tendo apresentado as respectivas alegações e terminando por formular a seguinte conclusão, que se passa a transcrever:
Em conclusão, portanto, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, tendo violado o disposto no artigo 20º do Decreto-Lei 133/2009, e o disposto nos artigos 19º, alínea c), 22º, nº 1, alínea i), e 12º e 15º do Decreto-Lei 446/85, de 15 de Outubro, com a actual redacção do mesmo, ao considerar nula a cláusula 7ª, alínea b), das Condições Gerais do contrato dos autos, tendo violado igualmente o disposto no artigo 805º, nº 2, alínea a), do Código Civil, ao considerar que as obrigações consubstanciadas no pagamento das prestações do dito contrato dos autos não são obrigações com prazo certo e ao aplicar-lhes o disposto no dito artigo 805º, nº 3 – que assim também violou face ao que expressamente acordado foi pelas partes e dado como provada nos autos, como salientado já, pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente e provado e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a acção totalmente procedente e provada, desta forma se fazendo correta e exacta interpretação e aplicação da lei à matéria de facto provada nos autos”.
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Não foram apresentadas alegações pelos recorridos.
Cumpre apreciar e decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

A questão a decidir resume-se, pois, a saber se a alínea b) da Cláusula 8ª, das Condições Gerais do Contrato de Mútuo n.º (…), bem como a alínea b) da Cláusula 7ª, das Condições Gerais do Contrato de Mútuo n.º (…), ambos celebrados entre o Banco/Autor e os réus se enquadram no definido no artº 20º do Dec.-Lei 133/2009, de 2 de Junho, que estabelece o Regime dos Contratos de Crédito ao Consumo.
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No tribunal “a quo”, consta na decisão recorrida, dada como provada a seguinte matéria de facto:
1. O A., no exercício da sua actividade comercial, por contrato, celebrado com os RR., com destino, segundo informação então prestada pelos RR., à aquisição de um veículo automóvel de marca CITROEN, modelo C3 1.1 SX PACK, com a matrícula (…), constante de título particular datado de 19 de Janeiro de 2010, emprestou a estes a quantia de Euros 15.143,94, com juros à taxa nominal inicial de 10,00% ao ano, indexada à Euribor a 90 dias, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 108 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10.06.2013 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes, sem prejuízo de o número de prestações poder ser superior ou inferior em função do acréscimo ou decréscimo da taxa de juro inicialmente acordada em função da variação da taxa Euribor, conforme expressamente consta da parte final da alínea b) da cláusula 4.ª das condições gerais do contrato.[1]
2. O A. previamente prestou a informação pré-contratual.
3. De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga – conforme ordem irrevogável logo dada pelo referido R. marido para o seu Banco – mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária, sediada em Lisboa, titulada pelo ora A..
4. Conforme também expressamente acordado, a falta de pagamento três ou mais prestações sucessivas na data do respetivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações, tendo estas o valor constante do contrato, ou seja o valor de Euros 224,00 cada.
5. A. e RR. expressamente acordaram, conforme consta da Cláusula 7.ª , alínea b), das Condições Gerais do referido contrato, que “Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas o Banco (…) poderá considerar vencidas todas as restantes prestações incluindo nelas juros remuneratórios encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Especificas”.
6. Atentas as actualizações da Euribor, a taxa de juro foi alterada para 10,00% no período de 01/04/2013 a 30/06/2013, para 10,01% no período de 01/07/2013 a 30/09/2013, para 10,06% no período de 01/10/2013 a 31/12/2013, para 10,096% no período de 01/01/2014 a 31/03/2014, para 10,032% no período de 01/04/2014 a 30/06/2014, para 9,888% no período de 01/07/2014 a 30/09/2014, para 9,872% no período de 01/10/2014 a 31/12/2014, para 9,818% no período de 01/01/2015 a 31/03/2015 e para 9,777% no período de 01/04/2015 a 30/06/2015.
7. Mais foi acordado entre o A. e RR. que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 9,777% – acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 13,777%.
8. O A. é uma instituição de crédito.
9. Não obstante as actualizações da taxa Euribor o prazo do contrato manteve-se inalterado, sendo o valor da 108.ª e última de € 32,66.
10. Os referidos RR., das prestações referidas, não pagaram a 19.ª prestação e seguintes – num total de 90 – vencida a primeira em 10.12.2014, vencendo-se então todas do montante de cada uma de Euros 224,00 e a última de € 32,66.
11. O A. dirigiu aos RR. cartas, comunicando-lhes a perda do benefício do prazo contratual, tendo-se assim operado a resolução do contrato referido com efeitos reportados a 0.12.2014.
12. Os referidos RR. não providenciaram às transferências bancárias referidas – que não foram feitas – para pagamento das ditas prestações, nem os referidos RR., ou quem quer que fosse por eles, as pagou ao A..
13. O A., no exercício da sua actividade comercial, por contrato, constante de título particular datado de 26 de Fevereiro de 2014, tendo previamente prestado a informação pré-contratual que a Lei refere, concedeu crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado aos ditos RR., a importância de Euros 2.823,15.
14. Nos termos do contrato assim celebrado entre o A. e os referidos RR., aquela
quantia foi emprestada aos RR. com juros à taxa nominal de 12,022% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como a comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 60 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10 de Abril de 2014 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.
15. De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga – conforme ordem irrevogável logo dada pelo referido R. marido para o seu Banco – mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária, sediada em Lisboa, titulada pelo ora A..
16. Conforme também expressamente acordado, a falta de pagamento três ou mais prestações sucessivas na data do respetivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações, tendo estas o valor constante do contrato, ou seja o valor de Euros 64,80 cada.
17. A. e RR. expressamente acordaram, conforme consta da Cláusula 7.ª , alínea b) das Condições Gerais do referido contrato que “Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas o Banco (…) poderá considerar vencidas todas as restantes prestações incluindo nelas juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Especificas”.
18. Mais foi acordado entre o A. e RR. que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 12,022% – acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 16,022%.
19. Os referidos RR., das prestações referidas, não pagaram a 10.ª prestação e seguintes – num total de 51 – vencida a primeira em 10 de Janeiro de 2015.
20. O A. dirigiu aos RR. cartas, comunicando-lhe a perda do beneficio do prazo contratual, tendo-se assim operado a resolução do contrato referido com efeitos reportados a 10.01.2015.
21. Os referidos RR. não providenciaram às transferências bancárias referidas – que não foram feitas – para pagamento das ditas prestações, nem os referidos RR., ou quem quer que fosse por eles, as pagou ao A..
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Conhecendo da questão
A problemática em causa já foi decidida por esta Relação no Ac. de 12/2/2015, proferido no processo 341/13.7TBVV.E1, disponível em www.dgsi.pt, cujos fundamentos iremos reproduzir, com alterações circunscritas ao caso dos autos, por entendermos que a doutrina nele defendida, é ajustada à realidade fazendo boa interpretação das normas aplicáveis.
A Cláusula 8ª das Condições Gerais do Contrato de Mútuo, com o n.º (…), cuja redacção é idêntica à cláusula 7ª das Condições Gerais do Contrato de Mútuo com o nº (…), celebrado entre o Banco o Autor e os Réus, tendo por epígrafe “Mora e Cláusula Penal”, dispõe o seguinte:
“a) O(s) Mutuário(s) ficará(ão) constituído(s) em mora no caso de não efectuar(em), aquando do respetivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação;
b) Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o Banif Mais poderá considerar vencidas todas as restantes prestações, incluindo juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas condições específicas, como expressamente fica acordado, desde que, por escrito em simples carta dirigida aos mutuários para as moradas constantes do contrato lhes conceda prazo suplementar de quinze dias de calendário para procederem ao pagamento das prestações em atraso acrescidas da indemnização devida pela mora, com a expressa advertência de que tal falta de pagamento neste novo prazo suplementar implica o vencimento o dito vencimento por perda do benefício do prazo;
c) Em caso de mora incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de três pontos percentuais;
d) Ao montante referido na alínea anterior, antes do envio da comunicação escrita mencionada na anterior alínea b), para fazer face a despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente diligências para a respectiva gestão, acresce uma comissão de recuperação por cada prestação em mora cujo valor será de 4% do valor da prestação vencida e não paga, sendo no mínimo 12,00€ e no máximo de 150,00€, acrescida de imposto. Quando a prestação vencida e não paga exceder 50.000,00€, a comissão de recuperação por cada prestação em mora será de 0,5% do valor da prestação vencida e não paga, acrescida de imposto;
e) Sem prejuízo do referido na anterior alínea b), o Banco (…) poderá exigir o pagamento de quaisquer prestações em mora acrescidas de indemnização referida na anterior alínea c) e d) desde a data do vencimento da prestação ou prestações em causa.”.
Por seu turno, o art.º 20º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de Junho, sob a epígrafe “Não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor”, estabelece o seguinte:
1. Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito;
b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato. 2. A resolução do contrato de crédito pelo credor não obsta a que este possa exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização, nos termos gerais.
A controvérsia assenta na legalidade da 1ª parte da alínea b), da Cláusula 8ª (relativamente ao contrato nº …) e 7ª, 1ª parte alínea b) (relativamente ao contrato nº …), cuja redacção é a mesma, em que consta que “Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o Banco … poderá considerar vencidas todas as restantes prestações, incluindo juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas condições específicas, como expressamente fica acordado…”, que o Banco Autor sustenta ter cabimento ao abrigo do citado art.º 20º.
Desde logo, de uma leitura comparativa do preceituado no citado 20º e na Cláusula 7ª, ou 8ª, acima transcrita, se conclui, que a extrapolação que o Apelante faz do teor do art.º 20º, não transparece do mesmo.
Ou seja, não resulta de uma qualquer interpretação do referido art.º 20º, por mais abrangente que seja, que é permitido às partes, por sua livre iniciativa, e dentro do quadro da sua liberdade contratual, estabelecer que no caso de perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, se vençam juros remuneratórios sobre as prestações vincendas, que se vencem imediatamente por via da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, como se estabelece na 1ª parte da alínea b), da Cláusula 7ª. e da cláusula 8ª.
E comparando o Regime dos Contratos de Crédito ao Consumo definido pelo Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, com o do diploma aplicável ao caso em apreço, que o revogou (Decreto-Lei n.º 133/2009), verifica-se uma preocupação do legislador de defender o consumidor, estabelecendo, “na linha do disposto nos artigos 934.º a 936.º do Código Civil, …novas regras aplicáveis ao incumprimento do consumidor no pagamento de prestações, impedindo-se que, de imediato, o credor possa invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 133/2009), no sentido de, como se retira do disposto no art.º 20º, impor uma maior exigência para o credor que pretenda deitar mão da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, obrigando-o a proceder a uma interpelação admonitória do mutuário para a conversão da mora em incumprimento definitivo (vide neste sentido Acórdão do TRL de 07/02/2013, proferido no Proc. n.º 10/11.2TBAGH.L1-2, e jurisprudência e doutrina aí citadas).
Protecção essa que é reforçada pelo disposto no art.º 19º do mesmo diploma, que abre a possibilidade do mutuário efectuar o reembolso, total ou parcial, do capital mutuado, “com a correspondente redução do custo total do crédito, por via da redução dos juros e dos custos encargos do período remanescente do contrato”, mediante o pagamento pelo mutuário ao mutuante, nos casos em que o reembolso ocorra num período de taxa nominal fixa, uma compensação fixada em função do período em falta para o termo do contrato.
Ora, numa interpretação sistemática e coerente do diploma, não se compreenderia que fossem usados critérios tão diversos e com consequências tão desequilibradas entre si, entre o regime do reembolso antecipado do capital mutuado por parte do mutuário, e o regime da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, estes por incumprimento contratual do mutuário.
Na verdade, estabelecendo art.º 19º do diploma, uma compensação perfeitamente equilibrada para o caso do reembolso, por parte do mutuário, da totalidade ou de parte do capital mutuado (0,5% do capital reembolsado no caso de falta um ano ou menos para o termo do contrato, e de 0,25% desse capital, se o prazo superior, desde a taxa nominal aplicável seja fixa), não se compreenderia que no caso de incumprimento do mutuário, com a consequente perda do benefício do prazo de que resulta o vencimento imediato das prestações vincendas, as sanções fossem de tal forma violentas e desproporcionadas que obrigassem o mutuário a pagar juros remuneratórios sobre as prestações vincendas, remunerando assim um capital a que já não tem direito (vide neste sentido Acórdão do TRL de 07/02/2013, proferido no Proc. n.º 10/11.2TBAGH.L1-2, e jurisprudência e doutrina aí citadas).
Concluindo nesta parte, a primeira parte da alínea b), da Cláusula 7ª, e da cláusula 8ª dos Contratos de Mútuo em apreço, não têm qualquer suporte no disposto no art.º 20º do Decreto-Lei n.º 133/2009.
Mas não poderão as partes, dentro do princípio da liberdade contratual, que lhes é conferida pelo disposto no art.º 405º do Cód. Civil, estabelecer uma cláusula que permita ao mutuante ser compensados com o valor dos juros remuneratórios das prestações vincendas, desde que estejam preenchidos os requisitos definidos na alínea c), do n.º 1 do art.º 20º?
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 7/2009, veio uniformizar, relativamente à matéria em apreço, a jurisprudência no seguinte sentido:
«No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.»
Como se lê na fundamentação do AUJ, a decisão assentou nas seguintes premissas:
1) A obrigação de capital constitui nos contratos de Mútuo oneroso, comercial ou bancário, liquidável em prestações, uma obrigação de prestação fraccionada ou repartida, efectuando-se o seu cumprimento por partes, em momentos temporais diferentes, mas sem deixar de ter por objecto uma só prestação inicialmente estipulada, a realizar em fracções;
2) Diversamente, os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumpre a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital;
3) A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital;
4) Se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá-lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do accionamento do mecanismo previsto no artigo 781.º do Código Civil;
5) Não pode, assim, ver-se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem;
6) O mutuante, caso opte pela percepção dos juros remuneratórios convencionados, terá de aguardar pelo decurso do tempo previsto para a duração do contrato e, como tal, abster -se de fazer uso da faculdade prevista no artigo 781.º do Código Civil, por directa referência à lei ou a cláusula de teor idêntico inserida no contrato;
7) Prevalecendo-se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada;
8) O artigo 781.º do Código Civil e logo a cláusula que para ele remeta ou o reproduza tem apenas que ver com a capital emprestado, não com os juros remuneratórios, ainda que incorporados estes nas sucessivas prestações;
9) A razão de ser do mencionado preceito legal prende-se com a perda de confiança que se produz no mutuante/credor quanto ao cumprimento futuro da restituição do capital, respectivas prestações;
10) As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no artigo 781.º do Código Civil.
Numa leitura parcelar e desinserida do contexto, a premissa 10ª do AUJ citado, poderia levar a concluir que, desde que as partes assim o estabeleçam, são devidos juros remuneratórios sobre as prestações vincendas, que se vencerem de imediato por via da perda do benefício do prazo.
E tudo leva a crer que, foi com base nessa premissa, que o Banco Autor, veio a alterar as condições gerais dos contratos de mútuo que passou a celebrar com os seus clientes, tentando por esta via, receber juros remuneratórios de prestações que se vencem imediatamente, por via da perda do benefício do prazo por parte do mutuário.
Sobre a matéria, citamos o Acórdão do TRL de 07/02/2013, proferido no Proc. n.º 10/11.2TBAGH.L1-2, que de uma forma exaustiva, equaciona a questão, explanando as divergências da doutrina, e apontando a solução para qualquer das posições:
Admitindo este tipo de cláusulas, veja-se Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias: “O art. 781 também não faculta ao mutuante, em caso de mora do mutuário, a exigibilidade antecipada dos juros, ainda que com observação estrita do prazo de restituição do capital. Esta hipotética pretensão do mutuante não tem pura e simplesmente acolhimento em regra alguma do nosso ordenamento: a menos que as partes o convencionem […].” (pág. 387).
Ou mais à frente (pág. 392): “As partes do contrato de mútuo podem, é claro, acordar, para o caso de atraso no cumprimento de uma das prestações, o “vencimento imediato” das restantes ainda em dívida”.
Mas, como a obrigação de juros remuneratórios pela disponibilidade de um capital relativo a um período de tempo que ainda não decorreu ainda não se venceu (neste sentido continua a ir toda a doutrina – ver, por exemplo, já depois do AUJ e apoiando-o, Brandão Proença, obra citada, págs. 86/87, e Paulo Duarte, estudo citado, págs. 431/432), a previsão da sua exigibilidade antecipada corresponderia, nessa parte, a uma cláusula penal [inserida numa cláusula de perda do benefício do prazo, integrada pela parte final da al. b)].
Ora, como já existe uma cláusula penal no contrato em causa nos autos, a 1ª metade da cláusula 7b) traduzir-se-ia numa duplicação da mesma e, mais, numa duplicação não assinalada, nem assumida, e que, por isso, nunca como tal poderia ter sido entendida pelo consumidor aderente.
O contratante indeterminado normal (de que fala o art. 11º da LCCG – do Dec.-Lei 446/85, de 25/10) que aderisse a este contrato, no qual constava expressamente uma cláusula penal, para além da indemnização normal correspondente aos juros de mora (art. 806/1 do CC), não entenderia o conteúdo da 1ª metade da clª 7b) como uma forma de o obrigar a pagar, em caso de mora, juros remuneratórios – e depois juros de mora sobre estes juros - relativos a um período de tempo em que o Banco já não lhe iria disponibilizar o capital. Antes a veria, integrada pela 2ª metade da al. b), como a descrição da forma como, entrando ele em mora, o Banco poderia fazê-lo perder o benefício do prazo (conforme aliás a norma legal que esta cláusula no essencial concretiza – art. 20º do Dec.-Lei 133/2009).
Ou seja: admite-se que as partes estipulem [ou o proponente dum contrato de adesão predisponha] cláusulas resolutivas ou de perda do benefício do prazo que contenham cláusulas penais, desde que o façam em termos claros e explícitos [na redação clara e compreensível de que fala o art. 5 da Directiva] e sem cumulação com outras assim já denominadas.
Até porque, se assim não fosse, tais cláusulas representariam uma forma de tornear a proibição ou o controlo de cláusulas abusivas [como a de cláusulas penais desproporcionais – art. 19/1c) da LCCG], bem como a proibição de juros usurários (art. 28/3 do Dec.-Lei 133/2009), já que permitiria ao Banco obter juros remuneratórios vincendos sem correspondência com a prestação do Banco e juros moratórios sobre juros remuneratórios vincendos, para além dos juros de mora e da cláusula penal...

Mas no sentido da impossibilidade destas cláusulas nos contratos de crédito ao consumo, com muito boas razões atento tudo o que já foi dito, veja-se Jorge Morais Carvalho, obra citada, págs. 627/628:
“Embora com algumas dúvidas, admitimos que, numa relação jurídica entre profissionais, as partes possam afastar o regime constante do artigo 781.º do Código Civil, interpretado no sentido de que são devidos os juros remuneratórios no caso de o credor invocar a perda do benefício do prazo, como tem sido defendido, em abstracto, pela jurisprudência portuguesa [V., por todos, para além do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência referido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Novembro de 2008, Processo n.º 07B3198 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza); note-se que, nesta decisão, tal como na generalidade dos casos em que o tribunal se pronuncia sobre a matéria, acaba por se interpretar a cláusula contratual no mesmo sentido da norma legal.]
Tratando-se de um contrato de crédito ao consumo, a referência deve ser feita, já não para o artigo 781.º do Código Civil, mas para o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009. É este que deve ser interpretado no sentido de não poderem ser exigidos juros remuneratórios no caso de ser invocada a perda do benefício do prazo, devendo considerar-se que o conteúdo imperativo abrange este aspecto do regime. A razão de ser é idêntica, consistindo na protecção exclusiva de interesses do consumidor. Esse interesse do consumidor só é salvaguardado, com eficácia, se as partes não puderem estabelecer que são devidos juros remuneratórios.
Está em causa um interesse que o consumidor tem dificuldade em avaliar no momento da celebração do contrato, uma vez que o problema subjacente apenas se coloca normalmente a médio prazo, no caso de surgir alguma dificuldade, em princípio imprevisível e não ponderada, geradora do incumprimento (parcial) do contrato.
Neste sentido, é difícil conceber uma situação em que o acordo salvaguarde o interesse visado pelo conteúdo imperativo deste regime.
Em suma, se o credor quiser receber os juros remuneratórios até ao termo do contrato pode optar por não desencadear a perda do benefício do prazo; fazendo-o, não pode exigir a remuneração associada à disponibilização do crédito durante o período de tempo contratualmente previsto, independentemente de cláusula estipulada nesse sentido pelas partes.
Esta conclusão é válida em relação a qualquer cláusula objecto de um contrato de crédito ao consumo, não sendo necessário que se trate de uma cláusula não negociada individualmente.”
Para além disto tudo, ainda se pode entender, mais simplesmente, que a 1ª metade da clª 7b) em causa é, ao menos nos contratos de adesão celebrados com consumidores finais, nula por permitir ao Banco exigir a antecipação de uma contra-prestação de uma prestação que ele não vai realizar [aplicando as ideias dos tipos de cláusulas abusivas previstas nas als. f) e o) do anexo à Directiva 93/13/CEE do Conselho de 05/04/1993, com concretização na al. l) do n.º 1 do art. 22º da LCCG do Dec. Lei 446/85].
Conclui-se assim que, mesmo que se admitisse, com o sentido que lhe é dado pelo recorrente (de incluir juros remuneratórios por períodos não decorridos), a possibilidade da cláusula 7(b) nos contratos de crédito ao consumo (contra a posição de Jorge Morais Carvalho), e que se admitisse que a 1ª metade da cláusula 7(b) do contrato de 2009 não é nula, a mesma a não poderia valer com o sentido de uma cláusula penal, que é o que teria, na prática, aceitando-se a versão do recorrente.
Esta cláusula de perda do benefício do prazo, na parte em que incorpora uma cláusula penal não assumida, não pode ter representado, por aquilo que foi dito, um acordo efectivo de cumulação da perda do benefício do prazo com os juros remuneratórios vincendos, mais os juros de mora, mais a cláusula penal e mais os juros de mora sobre os juros remuneratórios vincendos (para além do imposto de selo).
Representou só uma forma de, unilateralmente, o Banco, abusando dos seus poderes de predisponente num contrato de adesão, obter a ilógica remuneração de um capital que já não ia disponibilizar (a tal contra-prestação sem prestação de que falam Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias). ….
Resta optar pela solução que entendemos mais conforme com a legislação aplicável.
Como acima dissemos, é manifesto que o espírito que presidiu à elaboração do Decreto-Lei n.º 133/2009, foi no sentido expressamente consagrado no seu Preâmbulo, de aumentar a eficácia da defesa do consumidor na concessão de crédito ao consumo, na linha da legislação que tem sido publicada sobre o tema.
Assim, atendendo à interpretação teleológica do diploma, que tem por fito estabelecer os mecanismos que permitam assegurar, de forma imperativa, a protecção do consumidor, e à coerência sistemática e racional que deve ser tida em conta na interpretação harmoniosa dos art.ºs 19º e 20º do diploma, ao que já acima aludimos, somos levados a perfilhar a tese (vide tb Jorge Morais de Carvalho, Manual do Direito do Consumo, 2013, a págs. 285 a 290), de que o diploma em apreço, veda, imperativamente, que num Contrato de Crédito ao Consumo, mormente num Contrato de Mútuo, estabelecido entre uma entidade que tem como actividade profissional a concessão de crédito e um consumidor, se estabeleçam cláusulas que permitam ao credor, em caso de, por sua iniciativa, e em face do incumprimento do devedor, accionar os mecanismos a que alude o art.º 20º do diploma, invocando a perda do benefício do prazo, poder exigir à contra-parte juros remuneratórios sobre as prestações que se venceram imediatamente por via dessa invocação.

Pelo que são nulas as cláusulas que contrariem a interpretação dessa norma, o que se declara quanto à Cláusula 7ª, alínea b) e cláusula 8ª alínea b), na parte em que faculta ao credor exigir juros remuneratórios sobre as prestações que se venceram imediatamente por via da invocação da perda do benefício do prazo.
Mas mesmo que assim não se entendesse, e se adoptasse a tese, em termos gerais, de que é admissível a estipulação de uma cláusula, por iniciativa de ambas as partes, de que são devidos juros remuneratórios sobre as prestações vencidas por via da invocação, pelo credor, da perda do benefício do prazo, sempre a 1ª parte da alínea b) da Cláusula 7ª e da cláusula 8ª, seria nula “ao menos nos contratos de adesão celebrados com consumidores finais, nula por permitir ao Banco exigir a antecipação de uma contra-prestação de uma prestação que ele não vai realizar [aplicando as ideias dos tipos de cláusulas abusivas previstas nas als. f) e o) do anexo à Directiva 93/13/CEE do Conselho de 05/04/1993, com concretização na al. l) do n.º 1 do art. 22º da LCCG do Dec. Lei 446/85] – (Acórdão do TRL de 07/02/2013, proferido no Proc. n.º 10/11.2TBAGH.L1-2).
Nestes termos, pelos fundamentos acima expendidos, improcede o recurso, irrelevando as conclusões apresentadas pelo recorrente, não tendo sido violados os preceitos legais por ele indicados.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.


Évora, 09-03-2017
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Machado e Moura
Mário António Mendes Serrano

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[1] - Embora o julgado relativo à matéria de facto não seja objecto do recurso, notámos, tendo em conta o conteúdo dos documentos de fls. 8 a 11 dos autos, que quer a data da celebração do contrato, quer a referência à marca, modelo e matrícula da viatura, não correspondem, pelo que poderá ter havido lapso de escrita. Perante os documentos juntos, o financiamento foi concedido em 10/05/2013 e foi referente a uma viatura SEAT, modelo ALTEA 2.0 TDI 16 V SPORT UP de matrícula (…).