Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
697/15.7T8FAR-A.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
DIREITO DE REGRESSO
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1 - É condição de admissibilidade do chamamento, na perspetiva do chamante ser o réu, ter este interesse atendível em ver o chamado no processo, quer seja, com vista à defesa conjunta, quer seja, para acautelar o eventual direito de regresso ou de sub–rogação que entenda assistir-lhe, sendo que a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do acionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio.
2 - Não tendo o chamante réu invocado, no momento em que solicitou a intervenção de terceiro, pretender exercer qualquer direito a que se arrogue sobre este e sendo ele alheio à relação controvertida tal como a configura o autor, não pode ser deferida a requerida intervenção a título principal, até porque essa intervenção pressupõe que o chamado e a parte à qual se deve associar tenham interesse igual na causa, o que não ocorre.
3 - Também, não pode ser admitida a intervenção a título acessório por não ter sido invocada pelo chamante pretensão de fazer valer ação de regresso contra o chamado a intervir.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No âmbito da ação comum n.º 697/15.7T8FAR a correr termos no Tribunal Judicial de Faro (Faro – Instância Central – 1ª Secção Cível – J3) em que CP – Comboios de Portugal, EPE, demanda Companhia de Seguros BB, S.A., peticionado a condenação desta no pagamento da quantia de € 52 288,35 acrescida de juros de mora como ressarcimento dos danos sofridos em consequência de um embate duma unidade motora a diesel, de sua propriedade, que circulava na Linha do Algarve, num veículo automóvel seguro na ré, cujo condutor não cumpriu as regras de atravessamento da via férrea, na passagem de nível sita ao Km 382,924, ou seja não imobilizou o veículo, antes da passagem, permitindo que o comboio fizesse a sua circulação normal.
Citada a ré, veio na contestação, além do mais, requerer, ao abrigo do disposto no artº 316º n.º 3 al.º a) do CPC, a intervenção principal provocada da REFER, EPE, alegando que a culpa na produção do acidente é devida ao facto de não se encontrar devidamente sinalizada a passagem de nível, de acordo com o Regulamento das Passagens de Nível, ocorrendo, por isso em face de tal Regulamento obrigação de indemnizar por parte da Refer.
Em 09/09/2015 foi proferido despacho do seguinte teor:
Incidente de intervenção principal provocada:
A ré Companhia de Seguros BB, S.A., na presente acção declarativa comum que lhe move CP- Comboios de Portugal, E.P.E., veio requerer a intervenção principal provocada de REFER- E.P.E., com os demais sinais identificadores constantes dos autos, ambas com os demais sinais identificadores constantes dos autos.
Para fundamentar a pretensão invoca, em suma, que a ocorrência do acidente de viação em discussão nos autos é imputável à chamada em virtude da sua omissão e desrespeito de imposições legais de segurança.
A autora pronunciou-se pela admissibilidade do chamamento.
Apreciando.
Segundo dispõe o artº 311º (anterior artº 320º do Código de Processo Civil) “Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32º, 33º e 34º.”
Por seu turno, nos termos do disposto no artº 316º, nº3, al. a) do Código de Processo Civil: “O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida”.
Da análise conjugada dos preceitos que antecedem resulta ser pressuposto primeiro da admissibilidade da intervenção principal que o interveniente venha a juízo fazer valer um direito seu, próprio, um direito pelo qual pudesse, desde o início da causa, demandar ou ser demandado com a parte a quem pretende associar-se ou que o pretende ter como associado.
Assim, o terceiro associa-se, ou é chamado a associar-se, a uma das partes principais na causa com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um litisconsórcio ou coligação “ab initio” (cfr. Helena Tomás Chaves, in “Aspectos do Novo Processo Civil”- Os Incidentes de Intervenção de Terceiros à Luz do CPC Revisto, 1997, p. 203 e ss.).
Na situação em análise, a autora deduziu apenas o pedido contra a ré por considerar que o acidente de viação em discussão nos autos, do qual resultaram os danos cujo ressarcimento peticiona, se deveu à conduta do condutor do veículo segurado.
Independentemente do mérito da sua pretensão, que não cabe nesta fase discutir, não entendeu a autora que tal acidente se deveu a qualquer omissão da chamada, razão pela qual contra esta não foi deduzido qualquer pedido.
Afigura-se, assim, que inexiste qualquer situação de litisconsórcio necessário ou voluntário, pelo que falece o interesse no chamamento, por força do disposto no artº316º, nºs 1 e 3, al. a) do Código de Processo Civil.
Para concluir, a chamada não é sujeito da relação material controvertida, tal como esta é configurada pela autora, nem possui qualquer interesse e legitimidade para contradizer o pedido formulado.
Destarte, ao abrigo do disposto nos citados normativos, indefiro a requerida intervenção principal provocada.
Custas do incidente a cargo da ré (artº 539º, nº 1 do Código de Processo Civil).
*
Irresignada com tal decisão veio a ré interpor o presente recurso, terminando nas suas alegações por formular as seguintes «conclusões»[1] que se transcrevem:
(A)Pela ora Apelante foi requerida a intervenção principal provocada da “REDE FERROVIÁRIA NACIONAL – REFER, E.P.E.”, nos termos do disposto no art. 316.º, n.º 3, alínea a) do C.P.C..

(B) Por douto despacho de fls., foi indeferida a pretensão deduzida, o que pôs termo ao respetivo incidente.

(C) Salvo o devido respeito, não pode a Apelante concordar com a referida decisão, dela recorrendo ao abrigo do disposto no art. 644.º, n.º 1, alínea a) daquele diploma.

(D) Nos autos de ação comum intentada contra a ora Apelante, discute-se a obrigação de indemnizar os danos ocorridos em virtude de um sinistro que teve lugar numa passagem de nível de tipo D.

(E) À data do sinistro, e naquele local, inexistia o sinal “Cruz de Santo André” e o sinal “STOP” colocados no mesmo suporte, bem como uma linha de paragem com a inscrição “STOP”.

(F) A ausência dos referidos sinais terá sido causa do referido sinistro.

(G) Consubstanciando-se uma grave omissão e desrespeito pelas regras de segurança da circulação rodoviária, por parte da REFER, enquanto entidade gestora das infraestruturas ferroviárias.

(H) Desse modo, a obrigação de indemnizar apenas àquela poderá ser imputada, por ter violado as normas de segurança a que está vinculada por lei.

(I) De acordo com o disposto das disposições conjugadas dos artigos 9.º, n.º 5, 11.º, n.º 2, alíneas f) e g) e 12.º, n.º 5, todos do Anexo do Regulamento Nacional das Passagens de Nível (Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de Dezembro) uma passagem de nível do tipo D, numa estrada municipal, tem, obrigatoriamente, o sinal “Cruz de Santo André” e o sinal “STOP” colocados no mesmo suporte e, ainda, uma linha de paragem com a inscrição “STOP”, marcada no pavimento.

(J) A manutenção e conservação das passagens de nível, bem como a gestão dos respetivos sistemas de segurança, é da competência da chamada, uma vez que fazem parte da infraestrutura ferroviária nacional.

(K) Do incumprimento das disposições legais acima indicadas decorre a responsabilidade da REFER, bem como a sua obrigação de indemnizar os danos causados em virtude daquele sinistro.

(L) Ao abrigo do disposto no art. 27.º, n.º 1, daquele diploma “Em caso de acidente ocorrido no atravessamento de PN pública por peão, veículo ou animal, a entidade gestora da infraestrutura ferroviária é obrigada a indemnizar a empresa de transporte ferroviário, os utentes e ou terceiros pelos danos causados, sempre que se verifique que a causa do acidente resulta diretamente de falha ou omissão de algum dos seus agentes ou sistemas de segurança”.

(M) Existe, assim, no quadro da relação material controvertida, um interesse direto e atendível por parte da ora Apelante, no chamamento da REFER, ao abrigo do disposto no art. 316.º, n.º 3, alínea a) do C.P.C..

(N) “Esta iniciativa do réu, que tem de fundar-se num interesse atendível, pode visar uma defesa conjunta ou assegurar a efetivação do direito de regresso”. – Cfr. João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, in Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, Coimbra, 2013, p. 46, nota 35.

(O) O “(…) interesse justificativo de uma intervenção de um terceiro numa ação também passa pela constatação de que a relação material controvertida, tal como é apresentada pelo autor na causa, não só diga respeito às partes primitivas mas também tenha a ver com esse ou esses chamados, isto é, estes tenham também interesse em estar presentes na discussão dessa causa”. – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28-04-2010, processo n.º 1363/09.8TBSTR-A.C1 (JAIME CARLOS FERREIRA), disponível em www.dgsi.pt.

(P) Foi justamente com aquele objetivo que a aqui Apelante invocou factos que fundamentam o chamamento por si requerido.

(Q) Sendo evidente que o sinistro se ficou a dever à omissão do sistema de segurança da REFER, assim se presumindo a sua responsabilidade relativamente ao mesmo, do pedido e da causa de pedir da ação, poderiam emergir pretensões que pudessem impedir sobre a chamada, constituindo-se esta como titular de um direito ou dever paralelo ao da Apelante, na qualidade de réu.

(R) A chamada tem uma posição jurídica igual à que a Autora atribui à ora Apelante, sendo igualmente ela sujeito passivo na relação material controvertida, assim se permitindo a requerida intervenção.

(S) Sem prescindir, deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter admitido o chamamento da REFER à luz do normativo legal que entendesse mais adequado, uma vez que não se encontra vinculado à configuração de Direito adotada pela Apelante.

(T) “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.” e “(…) deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.” – Cfr. arts. 5.º, n.º 3 e 547.º, respetivamente, ambos do C.P.C.

(U) Os factos alegados pela aqui Apelante permitem que o tribunal, ao abrigo daquelas disposições legais, qualifique o incidente como de intervenção acessória provocada, apesar de a Apelante a ter qualificado de forma diversa.

(V) Nesse sentido já se pronunciou a nossa jurisprudência.

(W) “Esta qualificação do incidente de intervenção acessória provocada pode e deve ser efetuada por parte do tribunal ao abrigo do disposto nos artigos 264º, 265-A e 664º, nada impedindo a tal, a existência do requerimento formulado pela Ré que apelidou erradamente de intervenção principal.” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.01.2008, processo n.º 0723574 (MARQUES DE CASTILHO), disponível em www.dgsi.pt.

(X) “Existe consenso, tanto na doutrina processualista, como na jurisprudência, quanto à possibilidade de o tribunal convolar oficiosamente o requerimento de intervenção principal provocada apresentado pelo réu para incidente de intervenção acessória provocada”. – Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02-12-2008, processo n.º 6533/2008-1 (RUI VOUGA), disponível em www.dgsi.pt.

(Y) “Ao abrigo do disposto nos art. 264º, 265º-A e 664º do CPC, no caso o incidente de intervenção de terceiro ter sido indevidamente qualificado, pode o requerimento de intervenção principal provocada ser convolado oficiosamente para incidente de intervenção acessória.” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-02-2013, processo n.º 1875/11.3 TVLSB-A.L1-1 (TERESA DE SOUSA HENRIQUES), também disponível em www.dgsi.pt.

(Z) Assim, a qualificação do incidente de intervenção provocada como acessória podia e devia ter sido efetuada por parte do Tribunal.

(AA) A intervenção acessória provocada encontra-se prevista no. art. 321.º do C.P.C..

(BB) Admitindo que o acidente ocorreu devido à falta de sinalização obrigatória naquela passagem de nível, a REFER poderá ser responsabilizada em ação de regresso intentada posteriormente pela aqui Apelante.

(CC) Note-se que «o “direito de regresso” que esteja em causa “não coincide com o direito de regresso inserto nos arts 497º/2 521º/1 e 524º do CC» e «pode derivar de lei expressa de contrato ou de ato ilícito gerador de responsabilidade civil». – Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-03-2014, processo n.º 505/12.0TBCVL.B.L1-2 (TERESA ALBUQUERQUE), disponível em www.dgsi.pt.

(DD) Assim se justificando o chamamento da REFER, ainda que através de incidente de intervenção acessória provocada.

Não foram apresentadas contra alegações.


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Apreciando e decidindo
O objeto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Assim, a questão essencial que importa apreciar, resume-se em saber, se bem andou o Julgador a quo em não admitir a intervenção da REFER, nos autos.
Os factos a ter em conta, para apreciação da questão, são essencialmente os descritos supra, que nos dispensamos de reproduzir de novo.
Conhecendo da questão
Conforme ressalta do preâmbulo do Dec. Lei 329-A/95 de 12/12, diploma que procedeu à revisão do Código de Processo Civil e em especial à reformulação da secção atinente à intervenção de terceiros, quer ao nível sistemático, quer em termos substanciais, o incidente de intervenção principal provocada engloba “todos os casos em que a obrigação comporte pluralidade de devedores, ou quando existam garantes da obrigação a que a ação se reporta, tendo o réu atendível chamar à demanda, quer para propiciar defesa conjunta, quer para acautelar o eventual direito de regresso ou sub-rogação que lhe possa assistir” recaindo, naturalmente sobre o chamante o ónus de indicar a causa do chamamento e explicitar o interesse que através dele se pretende acautelar, conforme decorre do disposto no artº 325º n.º 3 do Cód. Proc. Civil.
Para além da obrigação de que emergem as pretensões ter de comportar pluralidade de devedores, ou a verificação a existência de garantes dessa mesma obrigação, é condição de admissibilidade do chamamento, na perspetiva do chamante ser o réu, ter este interesse atendível em ver o chamado no processo, quer seja, com vista à defesa conjunta, quer seja, para acautelar o eventual direito de regresso ou de sub–rogação que entenda assistir-lhe, sendo que “a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do acionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio”.[2]
No que respeita ao chamamento por iniciativa do réu o regime estabelecido pelo CPC vigente (NCPC) manteve no essencial o regime supra aludido, conforme decorre do artº 316º n.º 3.
Do que nos é dado verificar pelo compulsar das peças processuais petição e contestação, não nos parece que a ré pretenda exercer a defesa conjunta, nem acautelar um eventual direito de regresso ou de sub-rogação relativamente à Refer (a ré em algum momento da sua contestação o afirma, embora o faça nesta sede recursiva), apenas sustentando que foi esta entidade que não sinalizou a via férrea como lhe era legalmente imposto, sendo esse facto (sinalização deficiente) que originou o desencadear da ocorrência que causou os danos, dos quais a autora pretende ser indemnizada e como tal não é a ré, mas sim a Refer que é responsável pelo pagamento dos danos.[3]
Ou seja, de acordo com a perspetiva da ré, não foi invocado, no momento em que solicitou a intervenção de terceiro, pretender exercer qualquer direito a que se arrogue sobre a chamada, mas tão só chamar à colação a alegada relação que salienta existir entre a conduta (omissiva) da Refer e os danos sofridos pela autora, com vista a daí concluir, no âmbito da defesa que apresenta, que da sua parte não é devido qualquer pagamento a título de indemnização, não obstante ter sido a demandada em virtude do embate entre a locomotiva e o veículo automóvel segurado.
Tal situação omissiva por parte da Refer apresenta-se como um sustentáculo da defesa da ré, no âmbito da relação material tal como é apresentada pela autora, cabendo-lhe, tão só provar os factos que no seu entender levem à sua desresponsabilização, para se ver exonerada da pretensão formulada por esta, mas para tal, não é exigível, nem legalmente admissível, que faça intervir no processo a título principal, como parte, o terceiro, bastando, a prova dos factos alegados para fazer valer a sua posição, caso estes se mostrem relevantes perante o direito, seguindo naturalmente as regras impostas pela lei decorrentes do ónus da prova.
Como se referiu em face da latitude do acionamento operado pela autora, ao qual é alheia a Refer, esta não pode intervir nos autos a título principal, até porque essa intervenção pressupõe “que o chamado e a parte à qual se deve associar tenham interesse igual na causa,”[4] o que não se verifica no caso dos autos tal como é configurada a ação por parte da autora.
Defende a ré/recorrente que não tendo o tribunal admitido a intervenção da chamada a título principal podia e devia ter convolado oficiosamente a pretensão formulada para intervenção a título acessório, prevista no artº 321º do CPC, já que perante o alegado decorre que tem ação de regresso contra ela.
É certo que a jurisprudência vai no sentido de que essa convolação deva ocorrer, quando se está perante uma situação clara em que se evidencie o direito à ação de regresso por parte do requerente do incidente decorrente de contratos celebrados entre este e o terceiro.
Como se referiu em algum momento do seu articulado a ré refere que tem e/ou pretende exercer ação de regresso contra a Refer, sendo que tal direito não se evidencia que resulte da lei ou de negócio jurídico, pelo que a conexão entre as relações jurídicas subjacentes aos titulares dos direitos e obrigações em causa (autora, ré e terceiro), se apoiará no prejuízo que o ré possa ter, decorrente da perda da demanda.
Não tendo a ré no seu articulado invocado que pretendia exigir da Refer qualquer direito, designadamente o indemnizatório resultante da perda da demanda, já que a sua posição quanto ao chamamento, como se referiu, teve em conta a sua desresponsabilização pelo ressarcimento dos danos peticionados, assacando a responsabilidade a terceiro, mas não assumindo ela própria a responsabilidade, embora condicionada ao acionamento de terceiro por reconhecer deter contra ele direito de ação de regresso, não lhe podiam ser reconhecidos direitos de intervenção de terceiros alicerçados em tal realidade.
A invocação do direito de ação de regresso só é feita em sede de alegações de recurso, pelo que não o tendo sido feita na 1ª instância não se pode reconhecer ter o Julgador a quo andado mal ao não apreciar oficiosamente a possibilidade de intervenção acessória da Refer.
Também este Tribunal Superior não pode, ao contrário do que pretende a recorrente, mesmo que se tivesse por real e efetivo o direito desta em propor ação de regresso contra a Refer, substituir o despacho impugnado por outro que admita a sua intervenção acessória, uma vez que a admissão do chamamento nesta vertente, ao contrário do que acontece na vertente requerida na contestação, está sempre dependente do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: a) relevância do interesse invocado; b) viabilidade da ação de regresso; c) efetiva dependência desta ação das questões a decidir na causa principal; d) não perturbação indevida do normal andamento do processo. Requisitos, estes, que não podiam deixar de ser apreciados sempre em primeira linha pelo Tribunal a quo e não pelo Tribunal ad quem, até porque como expressamente decorre da lei tal apreciação efetuada na 1ª instância é irrecorrível. (cfr. artº 322º n.º 2 do CPC)
Nestes termos, entendemos nenhuma censura haver a fazer à decisão impugnada, improcedendo as conclusões da apelante.
*
DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Évora, 05-05-2016
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura


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[1] - Consignámos conclusões entre aspas, já que a recorrente limita-se a fazer o “resumo”, mal resumido, em trinta artigos (alguns citando, apenas, jurisprudência), da matéria explanada nas alegações, sem apresentar umas verdadeiras conclusões tal como a lei prevê, as quais devem ser sintéticas, concisas, claras e precisas – v. Ac. STJ de 06/04/2000 in Sumários, 40º, 25; Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 73; Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 124.
[2] - v. Salvador da Costa in Os Incidentes da Instância, Almedina, 2006, 108 e 111.
[3] - “…a obrigação de indemnizar a Autora pelos danos causados terá que ser imputada à REFER, por violação das normas de segurança a que estava vinculada por lei, tendo o desrespeito por aquelas normas de segurança sido a causa do acidente e, consequentemente, dos alegados danos causados na unidade motora da Autora.” (cfr. art. 12º da CONTESTAÇÃO)
[4] - v. Salvador da Costa in Os Incidentes da Instância, Almedina, 2006, 115.