Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1993/14.6TBPTM-A.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
CAUSA DE PEDIR
LIVRANÇA
PACTO DE PREENCHIMENTO
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Na acção executiva, não tem cabimento falar em causa de pedir, pelo menos com o sentido em que é utilizado na acção declarativa, quando se trata de executar títulos que têm como características da incorporação, literalidade, autonomia e abstração, sendo desnecessária a alegação de qualquer relação extra-cartular ou causa de pedir.
II - Embora actualmente (com as alterações legais ao elenco dos títulos executivos) se defenda que a causa de pedir na ação executiva assenta na obrigação exequenda, que constitui o seu fundamento substantivo, sendo o título executivo uma livrança, o instrumento documental privilegiado da sua demonstração, não tem que haver alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai.
III - Tratando-se, no entanto, de títulos que valham como títulos de crédito, verificando-se a unidade entre a relação jurídica cambiária e a relação jurídica subjacente (princípio da incorporação) e valendo a relação cambiária independentemente da causa que lhe deu origem (princípio da abstração), uma livrança, enquanto título de crédito, pode ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai.
IV - Baseando-se a execução em títulos cambiários e sendo a obrigação cambiária autónoma da relação causal, era sobre os executados que competia a alegação da inexistência ou invalidade da obrigação subjacente, da mesma forma que era sobre eles, que invocam o preenchimento abusivo, que recaía o ónus de alegação desse preenchimento abusivo, através da alegação circunstâncias concretas a ele referentes.
V - Sendo a livrança subscrita em branco, incumbia sobre o portador a informação de que iria preencher a livrança, sendo necessária a interpelação ao subscritor, para este se apresentar ao balcão respectivo do banco exequente, ou provisionar a conta ali existente.
Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que BB, SA, com sede em …., Lisboa, intentou contra CC e DD, NIF … e …, residentes na …, Irlanda, vieram estes deduzir oposição à execução, pedindo que se julgue a mesma procedente, a absolvição da instância por falta de causa de pedir, a absolvição do pedido por preenchimento abusivo das livranças dadas à execução e a absolvição do pedido por dívidas reclamadas não exigíveis.
Alegaram, em síntese, que as livranças dadas à execução se encontram nas relações imediatas e não respeitam os respectivos pactos de preenchimento subscritos pelo subscritor e pela avalista.
Que não está demonstrada a situação de incumprimento dos contratos de locação financeira subjacentes à emissão das Iivranças e nem foi este invocado pela exequente no requerimento executivo.
Que as livranças e os pactos de preenchimento nada têm que ver com os contratos de locação financeira.
Os contratos de locação financeira foram datados de 28 de Outubro de 2008, em data posterior à emissão da livrança.
O contrato de leasing inexista à data de subscrição dos pactos e das livranças.
E o desconhecimento da data de vencimento e valores inscritos nas livranças.
Na contestação, diz o exequente que as livranças foram dadas em garantia do cumprimento dos contratos de locação financeira, como resulta dos próprios pactos de preenchimento e dos contratos de locação financeira.
Os contratos de locação financeira apenas foram assinados após a celebração da escritura pública de compra e venda. Trata-se de um acto sucessivo e, portanto, não desfasado.
Sobre a falta de apresentação a pagamento, invoca que, por carta registada, o embargado interpelou os embargantes a procederem ao pagamento dos valores exigidos.
Em 26.10.2016, foram apreciados os pressupostos da instância e identificados o objecto do litígio e temas de prova.
Foi admitido o recurso dos embargantes deste despacho quanto à questão da excepção dilatória da falta de causa de pedir e mandado subir em separado.
Foi proferido Acórdão desta Relação a rejeitar tal recurso, só podendo ser apreciada no recurso da decisão final.
A fls. 61, os embargantes invocam a litispendência.
Nesta sede, afirmam que foi proposta uma acção de entrega judicial e cancelamento de registo nos termos do art.º 21.° do Decreto-lei 149/95 de 24 de Junho que corre no Juízo Local Cível de Portimão com o n.º 1816/14.6TBPTM, com vista a obter a devolução dos imóveis objecto daqueles contratos. Quer a acção quer a providência cautelar, correspondem a direitos do exequente emergentes da mesma relação jurídica material subjacente - a resolução dos contratos de locação financeira.
Realizou-se a audiência final.
Em 05.05.2015 foi proferida sentença que julgou improcedente por não provada a excepção de litispendência (e condenou os embargantes a suportar as custas do incidente respectivo que fixou individualmente em 3 uc), e julgou parcialmente procedentes por provados, os embargos de executado e, em consequência, determinou o prosseguimento dos autos de execução para cobrança do montante peticionado com juros de mora a vencerem-se a partir da data de citação, absolvendo os embargantes quanto aos juros de mora contabilizados desde a data de vencimento até à citação.
Inconformados com esta decisão, os embargantes recorreram, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
I. O BB veio dar à execução, contra o pretenso devedor, e ora apelante, CC, e a mulher deste, sua avalista, a também apelante DD, duas livranças de caução de outros tantos contratos de leasing, outorgados apenas por aquele e o exequente,
II. Livranças que, segundo o mesmo BB, teriam sido por si preenchidas, de acordo com o estabelecido nos dois pactos de preenchimento que juntou com o RE, tal como de resto também juntou as livranças e os contratos de leasing.
III. Veremos no entanto abaixo, que tal não corresponde á verdade.
IV. Na contestação, e em três blocos de artigos, o apelado respondeu, por excepção, às três questões fulcrais postas pelos apelantes, em sede dos embargos de executado que deduziram, e que eram as seguintes: 1ª) falta de causa de pedir no RE; 2ª) preenchimento abusivo das livranças dadas à execução, por as mesmas haverem sido preenchidas com violação do estabelecido nos pactos de preenchimento e contratos subjacentes, e, 3ª) falta de apresentação a pagamentos das livranças, aos apelantes.
V. Como o Senhor Juiz de 1ª Instância faz tábua rasa do disposto no art. 3º/3 e 4 do NCPC, não tendo dado a palavra aos apelantes, no início da audiência de julgamento, para se pronunciarem sobre as excepções e, de um modo geral, sobre questões de facto e de direito novas, postas pelo apelado na contestação, coisa que foi devidamente analisada neste recurso, houve ainda um outro aspecto que foi versado agora neste recurso, que foi a alteração, pelo mesmo apelado, na dita contestação, do título executivo.
VI. O primeiro bloco vai dos artigos 4 a 17 da Contestação, o 2º dos artigos 18 a 28 e, o 3º, dos artigos 29 a 47.
VII. Por seu turno, o Senhor Juiz do a quo versou os mesmos assuntos, naquilo que chamou de “1ª Questão”, “2ª Questão” e “3ª Questão”, em sede do item “Enquadramento jurídico”.
VIII. No vertente recurso, os apelantes só se irão ocupar das 1ª e 2ª Questões, e, ainda, e como se disse, da alteração do título executivo.
IX. Sendo que, quanto à “3ª Questão”, onde obtiveram já ganho de causa, não há nada a censurar!
Isto dito, e entrando de sumariar quanto acima foi dito, temos que:
X. No primeiro bloco, o contestante/apelado alegou, e tentou demonstrar, em resposta á afirmação contida nos embargos de executado (falta de causa de pedir), que o RE não indicava a causa de pedir porque a obrigação exequenda se achava incorporada no título executivo
XI. As coisas seriam como diz o apelado, se, os títulos executivos esgrimidos por este fossem meramente cambiários e não quirografários, como deveras são.
XII. Com efeito, o embargante, por vontade própria, e não estando os títulos prescritos, esgrimiu, no RE, dois títulos executivos quirografários (art. 703º/1-c)-2ª parte, do NCPC) em vez de meramente cambiários (art. 703º/1-c)-1ª parte, do mesmo diploma), uma vez que apresentou duas livranças que traziam inscrita a palavra “caução”, e alegou, no artigo 2º do RE que: “As referidas livranças serviram de garantia a dois contratos de locação financeira imobiliária, cfr. doc. 3 e 4 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais”, ao mesmo tempo que juntou, não só aqueles contratos e as livranças, mas também os respectivos pactos de preenchimento
XIII. O exequente/apelado contudo refutou, este ponto de vista da falta de causa de pedir, na contestação, pese embora não ignorasse que de facto não a vertera no RE, já que esta não se consubstancia só na alusão ao negócio causal, mas estende-se também à alegação e prova da causa debendi, ou seja, o fundamento do dever de prestar, que o mesmo é dizer, os factos concretos, simples ou complexos, de que emerge, por força do direito, a pretensão executiva (apud “Ação Executiva para pagamento de Quantia Certa”, de José Henrique Delgado de Carvalho, pág. 187, Quid Juris, 2014).
XIV. Para sustentar o seu ponto de vista, que fez o apelado?
XV. Alterou os títulos executivos. Como que os encolheu. E, lançando exclusivamente mão da reintrepretação que faz dos documentos que juntara com o RE, bem como o seu reposicionamento relativo, “passou-os” de quirografários a cambiários, para poder defender, como defendeu na contestação, que os contratos de leasing e os pactos de preenchimento que juntara com o RE, eram a causa petendi.
XVI. No que tange à subreptícia alteração dos títulos executivos, o Senhor Juiz da causa sancionou-a implicitamente, ao confirmar, na sentença, que os títulos executivos eram deveras meramente cambiários.
XVII. A decisão sobre os títulos executivos consubstancia um concreto ponto de facto que foi incorrectamente julgado pelo Senhor Juiz da 1ª Instancia, na “ Questão” respectiva e no dispositivo (art. 640º/1-a) do NCPC).
XVIII. Esta alteração dos títulos executivos tem de ser sancionada, por V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, nos termos do disposto na al. a) do art. 729º do NCPC (art. 640º/1c) do NCPC), atenta a inexequibilidade destes “novos títulos” (cfr. Lebre de Freitas in A Acção Executiva depois da reforma, pág. 77, 4ª edição, Coimbra Editora), tudo isto se, antes, V. Exas. não ordenarem a baixa dos autos á 1ª Instância, para aí se dar a palavra aos apelantes para o exercício do contraditório, a este propósito (art. 3º/3-4) (art. 640º/1c) do NCPC).
XIX. Quanto à falta de causa de pedir, que constitui a nulidade de todo o processo, de conhecimento oficioso (art. 196º do NCPC), prevista na al. a) do nº2 do art. 186º do NCPC, não nos iremos aqui pronunciar, uma vez que foi alvo de um recurso interlocutório, que se acha pendente, e que subirá, por arrastamento, com este.
XX. No bloco composto pelos artigos 18 a 26 da contestação, a que corresponde a “2ª Questão” do Senhor Juiz da 1ª Instância, o apelado, respondendo à afirmação feita pelos apelantes, nos embargos, de que as livranças dadas á execução não caucionavam os contratos de leasing apresentados pelo exequente, uma vez que a data da sua emissão, bem como a data aposta nos pactos de preenchimento, eram anteriores, em 6 dias, às da subscrição desses contratos, a exequente/apelada respondeu que: “(…) não existe qualquer desfasamento de datas, mas sim a sucessão de acontecimentos, isto é, em primeiro lugar foi-lhes entregue os documentos para análise e conhecimento, tendo os mesmos apenas sido assinados e, portanto, outorgados, após a realização da escritura pública de compra e venda, aliás, em acto sucessivo”,
XXI. Quando, antes, no artigo 2º do RE dissera: “As referidas livranças serviram de garantia a dois contratos de locação financeira, cfr. Doc. 3 e 4 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais”.
XXII. De permeio ficou por justificar o porquê das livranças e os pactos de preenchimento serem datados de 22/10//2008, e os contratos de leasing, suas causas, haverem sido outorgados em 28/10/2008.
XXIII. Ora, assim como o apelado se esquivou à questão, não lhe respondendo, também o Senhor Juiz da 1ª Instância sufragou os pontos de vista expendidos pelo apelado, sem, sem apreciar e fundamentar a questão posta pelos apelantes, e ao arrepio do estabelecido nas livranças, nos pactos de preenchimento e contratos de leasing, bem como das datas apostas nos mesmos, tudo coisas cuja idoneidade nunca foi posta em causa.
XXIV. Ora, Mmos. Juízes Desembargadores, este comportamento obscuro e ambíguo do Senhor Juiz da 1ª Instância, consubstancia uma nulidade da sentença (art. 615º/1-c) do NCPC),
XXV. Como nulidade da sentença constitui também, concluir, contrariando a realidade, e sem fundamentar de facto e de direito, e ao arrepio de toda a prova documental junta aos autos, nunca posta em causa como se disse, que: “as livranças foram subscritas e entregues à (ao) ora exequente para garantia dos contratos de locação financeira” (art. 615º/1-b) do NCC).
XXVI. Devem, por isso, V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, declará-las, com todas as legais consequências,
XXVII. Ou, assim não entendendo, absolver os apelantes por manifesto erro de julgamento.
XXVIII. Mas não é tudo!
XXIX. O preenchimento das livranças com base em contratos outorgados posteriormente, quando se estabeleceu, nos pactos, que seriam preenchidas de acordo com os contratos de leasing, implica que se conclua ser manifestamente abusivo o preenchimento, pelo apelado, das livranças aqui em questão.
XXX. Por isso, os ditos títulos, que foram preenchidos contra os respectivos pactos de preenchimento, são inexequíveis (art. 729º/a) do NCPC), mais não seja porque, o preenchimento abusivo desses mesmos títulos é matéria com a natureza de excepção peremptória (art. 576º/1 e 3 do NCPC), que, no caso, implica a absolvição total dos pedidos (cfr. o Ac. RC de 7/2/2017, tirado no proc. nº 3775/12.0TJCBR-A.C1, relatado por Fernando Monteiro).
XXXI. A este propósito, importa também ter presente quanto decidido foi no Acórdão da Relação do Porto de 24/2/2005 (in proc. 0530256.dgsi.Net).
XXXII. É que, no caso sub-judicio, e como se disse, o credor preencheu os títulos executivos em desconformidade com os pactos válidos de preenchimento existentes (preenchimento abusivo e consequente inexequibilidade dos mesmos títulos), sendo que esse facto implica, só por si, o afastamento da responsabilidade cambiária do subscritor e da avalista.
XXXIII. Eis aqui mais dois concretos pontos de facto que foram incorrectamente julgado pelo Senhor Juiz da 1ª Instancia, na “2ª Questão” e no dispositivo (art. 640º/1-a) do NCPC).
XXXIV. Face a quanto vem de expor-se, devem V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, anular o decididdo, mandando baixar os autos á 1ª Instância, para aí ser dado cumprimento ao estatuído no art. 3º/3 e 4 do NCPC.
XXXV. Porém, porque se entende que, mesmo que se cumpra esta imposição legal, nada se alterará no que respeita às nulidades e erros de julgamento vindos de apontar, julga-se que poderiam, V. Exas., Mmos. Juízes, em nome do princípio da economia processual, anular a sentença sob recurso, e tirar, de pronto, sentença a absolver os embargantes/apelantes da totalidade dos pedidos contra si formulados em sede execução.
XXXVI. V. Exas., como sempre, decidirão, de forma a servir melhor a Justiça!”
Nas contra-alegações, o BB, S. A. conclui:
“a) Pretendem os Recorrentes ver revogada a douta sentença que, e corretamente, julgou improcedente a exceção de litispendência alegada pelos Embargantes e parcialmente procedentes, por provados, os embargos, determinando o prosseguimento dos autos para cobrança do montante peticionado, com juros de mora a vencerem-se desde a data de citação, tendo absolvido os Embargantes quanto ao pagamento dos juros desde a data de vencimento até à citação.
b) Para tanto, impugna a douta decisão no que diz respeito à falta da causa de pedir no requerimento executivo, quanto ao preenchimento abusivo das livranças dadas à execução, por a mesmas haverem sido preenchidas com violação do estabelecido nos pactos de preenchimento e contratos subjacentes, alegando também a falta de exercício de contraditório.
c) Alegam os Recorrentes, que o Tribunal a quo considerou incorretamente julgado a falta da causa de pedir pelo abuso de preenchimento das livranças.
d) Veja-se que conforme resulta dos autos, o Exequente é dono e legítimo portador de duas livranças subscritas pelo Recorrente CC e avalizadas pela DD, no valor de €53.203,63, emitida em 22/10/2008 e vencida em 13/06/2014 e € 49.932,71, emitida em 22/10/2008 e vencida em 13/06/2014, cfr. Docs. 1 e 2 junto aos autos com o requerimento executivo.
e) As referidas Livranças serviram de garantia a dois contratos locação financeira imobiliária, cfr. Doc. 3 e 4 juntos com o requerimento executivo.
f) Ora dispõe o artigo 10.º da LULL, aplicável por força do artigo 77.º da LULL que se no momento da sua emissão, o titulo estiver incompleto, seja completado “contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.
g) Assim, conforme bem referido na douta sentença do Tribunal à quo, resulta desde preceito legal que “a obrigação cambiaria se constitui mesmo antes do total preenchimento da livrança ou, no limite, aquando o seu preenchimento.”
h) Admitindo-se a validade das livranças em branco, com a exceção do previsto no artigo 10.º da LULL.
i) Pelo que, desde que o preenchimento da livrança respeite o pacto de preenchimento, não existirá qualquer abuso no preenchimento da mesma.
j) Os Recorrentes celebraram os contratos de locação financeira, a que serviram de garantia as livranças, para serem apresentadas a pagamento em caso de incumprimento.
k) Tendo inclusive assinado e concordado com os termos do pacto de preenchimento.
l) Pactos estes que impunham “para garantia e segurança do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes da operação de contrato de locação financeira imobiliária (…) à data do seu vencimento, ou das eventuais prorrogações, compreendendo o montante das rendas vencidas, das rendas vincendas, juros moratórios, indemnizações e quaisquer outras despesas que a EE tenha sido obrigada a realizar para cobrança do seu credito (…). Livrança esta cujo local de pagamento é na sede da EE, …, Lisboa, com o montant5e e data de vencimento em branco, para que a EE os fixe, completando o preenchimento do titulo, quando considerar oportuno ao seu desconto que, desde já, e por esta, se autoriza. O(s) Subscritor(es) e avalista(s) acima identificados dão o seu assentimento nos termos e condições de remessa desta Livrança e declaram conhecer os termos do CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA cujo cumprimento aqui e por este modo garantem, pelo que comigo assinam a presente autorização”.
m) Assim, verificado o incumprimento, que os Recorrentes não conseguiram refutar e a estes cabia a prova, tem-se por legitimo e não abusivo o preenchimento das livranças dadas à execução.
n) As livranças dadas à execução integram o leque dos títulos de crédito e cumprem os requisitos de que depende a literalidade e abstração da obrigação cambiária, previstos no artigo 75.º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, sendo título executivo suficiente.
o) Constando a causa de emissão da livrança do requerimento executivo - pois aí foi alegado que a livrança serviu de garantia aos contratos de locação financeira imobiliária acima identificados, cuja cópia foi junta aos autos principais, e que essa livrança não foi paga pelos seus obrigados nem na data do seu vencimento nem posteriormente – não falta no requerimento executivo a causa de pedir, como pretendem os Embargantes fazerem crer.
p) Nem houve por parte do Exequente qualquer alteração dos títulos executivos, já que os mesmos foram apresentados à execução, enquanto títulos cambiários, nos termos do artigo 703., n.º 1 alínea c) do CPC, já que as livranças não estavam ainda prescritas.
q) E nunca como meros quirógrafos!
r) O título pode ser servir de base à execução, de acordo com o disposto no artigo 703.º, n.º 1 al. c) onde se tipifica como titulo executivos: “Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.”
s) Porém, no que respeita à alegação de factos, determina o artigo 724.º, n.º 1 al. e), “No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.”
t) Pelo que não se entende a alegação dos Recorrentes quanto à alteração dos títulos executivos, quando a Exequente apresentou os títulos executivos nos termos do artigo 703.º, n.º 1 al. c) e nos termos do artigo 724.º, n.º 1, alínea e), por entender pertinente, junto documentação que fundamentasse o pedido, que o complementasse. Independentemente se ser necessário ou não.
u) E os Recorrentes simplesmente subsumiriam (não se entende como) que ao praticar desta forma, diligente e de boa fé, o Exequente estivesse a apresentar um titulo executivo diferente do que realmente era.
v) Pelo que se trata, nada mais, nada menos, de uma manobra dilatória dos Recorrentes para obstar à convicta improcedência dos embargos proferida na sentença do Tribunal à quo.
w) No que concerne à segunda parte do objeto do recurso, nomeadamente na alegação de que os títulos executivos (livranças) e os contratos de locação financeira apresentados pelo Exequente tinham data diferentes, entendemos, mais uma vez, que tal questão não se coloca.
x) Ora, atendendo ao já supra exposto, dúvidas não podem restar de que os documentos apresentados pelo Exequente, como Contratos de Locação Financeira, são subjacentes às livranças apresentadas.
y) Todavia, como entendido e bem, pelo tribunal à quo “a falta de contemporaneidade das livranças apresentadas a juízo não lhes retira força executiva”.
z) “Sendo que o titulo só é valido com o preenchimento de todos os elementos”. E “Sendo que independente da data de celebração dos contratos impõe-se tao e somente a eficação da livranças.”
aa) Mas existem contratos associados às livranças, conforme ficou provado nos autos, e cujo incumprimento definiria o preenchimento das livranças.
bb) Sendo que tal como a Exequente veio responder em sede de contestação, que “não existe qualquer desfasamento de datas, mas sim a sucessão de acontecimentos”
cc) Pelo que havendo, como supra já se referiu, contratos subjacentes à livrança e pactos de preenchimento assinados pelos Recorrentes, não se coloca em causa a contemporaneidade das livranças
dd) Não se encontrando afetada a validade das livranças enquanto titulo.
ee) Até porque na verdade, nunca os Recorrentes negaram a assinatura dos contratos, das livranças e dos pactos de preenchimento.
ff) Bem reconhecendo de que documentos se tratavam.
Ainda
gg) Não verifica a Exequente que o Sr. Juiz de 1.ª Instancia não tenha dado a palavra aos Recorrentes no inicio da Audiência, para exercício do contraditório.
hh) Considerando que não lhes foi permitida, pelo Douto Tribunal à quo, “exercer o contraditório, no início da audiência de julgamento, e com respeito à defesa por exceção do embargado/apelado”.
ii) Na verdade, entende o ora Embargado que não contestou por exceção.
jj) Prescreve o artigo 571.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “o reu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afira que esses factos na podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo auto; defende-se por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido.”
kk) E o Embargado, confrontado com as exceções deduzidas pelos Recorrentes, limitou-se a responder “frontalmente”.
ll) E na esteira do prof Dr. Manuel de Andrade, “ Num sentido amplo, excepção é toda a defesa indirecta, toda a defesa que não seja por impugnação;toda a defesa que não se traduz, portanto, num ataque frontal à pretensão do Autor (na negação da realidade ou da concludência dos factos por ele invocados como constitutivos do seu direito), mas tão somente num ataque lateral ou de flanco”. in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 127 e ss.,Coimbra Editora, Lda., 1976)
mm) Pelo que o Exequente impugnou tudo o alegado pelos Executados.
nn) Veja-se que “Conforme resulta do n.º 2 do artigo 487.º, a impugnação implica sempre uma negação dos factos, ou dos seus efeitos jurídicos, através da negação simples e directa ou negação motivada, que se traduza na alegação de outros factos, distintos e opostos àqueles, dando-se uma nova versão da realidade” in Código Anotado, 23.ª edição, pág.. 708, Ediforum, 2011.
oo) E conforme entendimento no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/06/2007, “I - A defesa por impugnação é uma defesa directa, um ataque frontal ao pedido, contradizendo o réu, quer por negação directa (negação rotunda), quer por negação indirecta ou motivada (apresentação de uma versão diferente), os factos alegados pelo autor como constitutivos do seu direito, ou o efeito jurídico que deles pretende tirar o autor II – a defesa por excepção consiste num ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o reu de factos diversos daqueles em que se funda a petição “.
pp) Assim, duvidas não restam que o Exequente defendeu-se por impugnação ao contradizer, sem alegar factos novos que obstem à apreciação do mérito da causa.
qq) Pelo que não havia qualquer direito do contraditório a exercer
rr) Pois considera o Exequente que não existiam excepções a responder
ss) Entende-se assim a exequente que a sentença se encontra devidamente fundamentada, não sendo a mesma, contrariamente ao que querem fazer crer os Recorrentes, ambígua ou obscura.
tt) Já que versa sobre as questões a discutir
uu) Em face do exposto, conclui-se que a douta sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser mantida.
Nestes termos, e salvo melhor entendimento, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida (…).”
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Foram os seguintes os factos dados como provados na 1.ª instância:
1. A exequente é portadora de duas livranças subscritas por CC e avalizadas pela Executada DD, no valor de € 53.203,63, emitida em 22/1 0/2008 e vencida em 13/06/2014; e no valor de € 49.932,71, emitida em 22/10/2008 e vencida em 13/06/2014. (art. 1º aI. a) e b) do requerimento executivo)
2. Em 28 de Outubro de 2008, entre a exequente e o executado CC foram celebrados os contratos de locação financeira imobiliária. (art. 2º do requerimento executivo)
3. No contrato de locação financeira com o n° 2042850 consta designadamente, "é celebrado o contrato de locação financeira que se regerá pelas cláusulas seguintes, previstas CONDIÇÕES PARTICULARES e nas CONDIÇÕES GERAIS" e, nas condições particulares, "IX - GARANTIAS ACESSÓRIAS Livrança subscrita pela Locatária e avalizada por: DD"
4. No contrato de locação financeira com o nº 2042841 consta designadamente, "é celebrado o contrato de locação financeira que se regerá pelas cláusulas seguintes, previstas CONDIÇÕES PARTICULARES e nas CONDIÇÕES GERAIS" e, nas condições particulares, "IX - GARANTIAS ACESSÓRIAS Livrança subscrita pela Locatária e avalizada por: DD"
5. Em 22 de Outubro de 2008, CC e DD subscreveram declaração sob a epigrafe "Autorização" onde se lê "Para garantia e segurança do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes da operação do contrato de locação financeira Imobiliária (Processo nº 2042850) referente(s) a bem (s) imóvel(eis) à data do seu vencimento, ou das eventuais prorrogações, compreendendo o montante das rendas vencidas, das rendas vincendas, juros moratórias, indemnizações e quaisquer outras despesas que a EE tenha sido obrigada a realizar para cobrança do seu crédito, junto remetemos Livrança subscrita CC e avalizada por DD casada com CC no regime de comunhão geral de bens contribuinte nº …, residente na rua …, Alvor. Livrança esta cujo local de pagamento é na sede da EE, …, Lisboa, com o montante e data de vencimento em branco, para que EE os fixe, completando o preenchimento do título, quando considerar oportuno ao seu desconto o que desde já, e por esta, se autoriza. ()(…) Subscritor(es) e o(s) Avalista(s) acima identificados dão o seu assentimento nos termos e condições de remessa desta Livrança e declaram conhecer os termos do CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA cujo cumprimento aqui e por este modo garantem, pelo que comigo assinam a presente autorização. Lisboa, 22 de Outubro de 2008".
6. Em 22 de Outubro de 2008, CC e DD subscreveram declaração sob a epigrafe "Autorização" onde se lê "Para garantia e segurança do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes da operação do contrato de locação financeira Imobiliária (Processo n. 02042841) referente(s) a bem (ns) imóvel (eis} à data do seu vencimento, ou das eventuais prorrogações, compreendendo o montante das rendas vencidas, das rendas vincendas, juros moratórias, indemnizações e quaisquer outras despesas que a EE tenha sido obrigada a realizar para cobrança do seu crédito, junto remetemos Livrança subscrita CC e avalizada por DD casada com CC em regime de comunhão geral de bens contribuinte nº …, residente na rua …, Alvor. Livrança esta cujo local de pagamento é na sede da EE, …Lisboa, com o montante e data de vencimento em branco, para que EE os fixe, completando o preenchimento do título, quando considerar oportuno ao seu desconto o que desde já, e por esta, se autoriza. O(s) Subscritortes} e o(s) Avalistats) acima identificados dão o seu assentimento nos termos e condições de remessa desta Livrança e declaram conhecer os termos do CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA cujo cumprimento aqui e por este modo garantem, pelo que comigo assinam a presente autorização. Lisboa, 22 de Outubro de 2008",
7. A EE, S.A. foi incorporada por fusão no FF, SA que posteriormente objecto de declaração de resolução pelo Banco de Portugal e encontra-se habilitado nestes autos pelo BB, SA. (art. 1.º do requerimento executivo)
8. As livranças foram subscritas e entregue à ora exequente para garantia dos contratos de locação financeira. [art. 2.° do requerimento executivo)
9. As livranças apresentadas a pagamento não foram pagas. (art. 3.º do requerimento executivo)
10. O exequente interpelou os embargantes ao pagamento de €103.l36,34 através de cartas registadas datadas de 22 de Maio de 2014, constantes de fls. 38 e seguintes, recebidas na Rua …, em Alvor, por Sofia ….
I L Corre termos com o n.º 18l6114.6TBPTM-A o processo instaurado pelo FF SA contra CC nos termos do qual o primeiro formulou o pedido de entrega imediata dos bens imóveis - as fracções autónomas designadas pelas letras F e E do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, freguesia de Alvor, concelho de Portimão, descrito na CRP de Portimão sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana sob o art. … - sem a audiência prévia do requerido e requereu que fosse conhecida a causa principal e nessa conformidade o requerente declarado o único e legítimo titular e proprietário dos bens objecto dos contratos que os contratos foram validade resolvidos e condenar o requerido à entrega definitiva dos bens ao requerente.
12. Nos autos referidos em 10 supra, foi prolatada sentença que decretou a entrega judicial ao requerente das fracções identificadas e ordenada a notificação o requerido para querendo se pronunciar quanto à antecipação do juízo sobre a causa principal.
Inexistem factos não provados.


2 – Objecto do recurso.
Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que as questões a decidir são as seguintes:
1.ª Questão – saber se a sentença é nula, por falta de fundamentação ou excesso de pronúncia - art.º 615.º, n.º 1, b) e c) do CPC.
2.ª Questão – Saber se o processo é nulo por falta de causa de pedir.
3.ª Questão - Saber se houve preenchimento abusivo dos títulos e os títulos são inexigíveis.

3 - Análise do recurso.

1.ª Questão – saber se a sentença é nula, por falta de fundamentação ou excesso de pronúncia - art.º 615.º, n.º 1, b) e c) do CPC.

Em primeiro lugar, importa sublinhar que as alegações de recurso são bastante confusas, misturando várias razões de impugnação sem qualquer lógica aparente, o que dificulta a apreensão da base de discórdia dos recorrentes.
Já quase no final do texto das suas alegações invocam os recorrentes a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º/1, c) do CPC “por comportamento obscuro e ambíguo do Senhor Juiz da 1ª Instância”.
Parecem querer basear essa nulidade no seguinte trecho das alegações: “o Senhor juiz a quo decidiu ao arrepiu [sic] de toda a documentação dos factos junta pelo exequente com o RE. E sem que nenhum outro suporte fáctico ou legal a que se arrimasse! Enfim ao dizer o que disse naquele & 7º do “Relatório” o Senhor Juiz a quo mais não fez do que julgar a favor do apelado, Sem qualquer prova! Por isso fez a única coisa que podia deveras fazer, torneou a questão, ignorando-a e dando por provado o que não estava! Ou seja, pura e simplesmente não respondeu à questão posta pelos apelantes, Agindo assim da mesmíssima forma que o exequente já antes fizera.”.
E referem a aludida nulidade nos seguintes termos: ”Como nulidade da sentença constitui também, concluir, contrariando a realidade, e sem fundamentar de facto e de direito, e ao arrepio de toda a prova documental junta aos autos, nunca posta em causa como se disse, que: “as livranças foram subscritas e entregues à (ao) ora exequente para garantia dos contratos de locação financeira”.
Vejamos:
Não sendo fácil apurar o alcance destas afirmações, sempre se dirá que inexiste qualquer nulidade.
Nos termos do art.º 615.º, nº 1, do CPC, “é nula a sentença quando”:
“b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”
Quanto à primeira, sabemos que está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artigos 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC e pelo art.º 205.º, n.º 1 da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões e vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa - nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos jurídicos de direito - e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, páginas 703 e 704 e A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, página 332).
Assim sendo, da leitura singela da sentença, constata-se que não há falta absoluta de fundamentação, pelo que improcede tal nulidade.
Quanto à segunda nulidade relativa à alegada existência de ambiguidade, só podemos concluir do alegado que os recorrentes se reportam à discordância do sentido da decisão.
Ora, sendo patente que os recorrentes discordam da sentença proferida, isso não converte em nula a sentença proferida, nomeadamente perante as concretas causas de nulidade que lhes assacaram.
Improcede, assim, a arguição de nulidades.


2.ª Questão – Saber se o processo é nulo por falta de causa de pedir.

Por outro lado, invocam os recorrentes a falta de causa de pedir e dizem para tal que “teria sempre de cumular estes dois títulos, os contratos de leasing pretensamente subjacentes, os pactos de preenchimento aludidos, e a alegação e prova da verificação da condição suspensiva do preenchimento, pelo executado, daqueles títulos que lhe foram entregues subscritos em branco pelos executados, ou seja, a prova do incumprimento culposo dos contratos de leasing por parte do executado, de acordo com quanto previsto se acha no 1º§ dos pactos de preenchimento das livranças (…) o exequente, no RE, limita-se a dizer que é “legítimo portador” daquelas duas livranças, que as mesmas foram emitidas em 22/10/08, que titulam as quantias de, respectivamente, €53.203,63 e €49.932, 71, que servem de garantia aos contratos de leasing que junta, e que, uma vez apresentadas a pagamento, não foram pagas (…) Sobre a verificação da condição suspensiva acima aludido, e portanto, da ratio essendi do aforamento desta execução, nem uma palavra! De facto, Mmo. Juiz, qual é a razão do aforamento desta execução? (…) não só nunca as ditas livranças foram apresentadas a pagamento aos execuados, como os executados só responderiam em tese pelo seu pagamento, se se tivesse alegado e provado o incumprimento dos contratos de leasing, pelo executado!
Por isso, os ditos títulos, que foram preenchidos contra os respectivos pactos de preenchimento, são inexequíveis (art. 729º/a) do NCPC), mais não seja porque, o preenchimento abusivo desses mesmos títulos é matéria com a natureza de excepção peremptória (art. 576º/1 e 3 do NCPC), que, no caso, implica a absolvição total dos pedidos (cfr. o Ac. RC de 7/2/2017, tirado no proc. nº 3775/12.0TJCBR-A.C1, relatado por Fernando Monteiro).
A este propósito, importa também ter presente quanto decidido foi no Acórdão da Relação do Porto de 24/2/2005 (in proc. 0530256.dgsi.Net).
É que, no caso sub-judicio, e como se disse, o credor preencheu os títulos executivos em desconformidade com os pactos válidos de preenchimento existentes (preenchimento abusivo e consequente inexequibilidade dos mesmos títulos), sendo que esse facto implica, só por si, o afastamento da responsabilidade cambiária do subscritor e da avalista.»
Vejamos:
Também aqui não se vislumbra com clareza o sentido da argumentação dos recorrentes (até porque parece contrariar a sua anterior afirmação de que os títulos apresentados nada têm a ver com os contratos).
É manifesto que o exequente não invocou como causa de pedir os contratos ou relações subjacentes à emissão das livranças, mas apenas as livranças, enquanto títulos cambiários, de natureza meramente formal.
Porém, sempre se dirá que se a execução se baseia em livranças, com o regime da LULL e afigura-se-nos que na ação executiva não tem cabimento falar-se em causa de pedir, pelo menos com o sentido em que é utilizado na ação declarativa, pois trata-se de executar títulos que têm como características da incorporação, literalidade, autonomia e abstração, sendo desnecessária a alegação de qualquer relação extra-cartular ou causa de pedir.
É certo que, ainda que actualmente, (com as alterações legais ao elenco dos títulos executivos) defende-se que a causa de pedir na ação executiva assenta na obrigação exequenda, que constitui o seu fundamento substantivo, mas sendo o título executivo uma livrança, o instrumento documental privilegiado da sua demonstração, não tem que haver alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai.
“Tratando-se, no entanto, de títulos que valham como títulos de crédito, verificando-se a unidade entre a relação jurídica cambiária e a relação jurídica subjacente (princípio da incorporação) e valendo a relação cambiária independentemente da causa que lhe deu origem (princípio da abstração), atento ainda o regime conjugado decorrente dos arts. 703.º, n.º 1, al. c) e 724.º, n.º 1, al. e), do CPC, cabe concluir que uma livrança, enquanto título de crédito, pode ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai.” (Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte in Garantias de Cumprimento, 1994, página 28)
Conforme refere Lebre de Freitas (in A Acção Executiva, 2.ª edição, página 133), uma vez que a execução tem sempre por base um título executivo e este deve acompanhar a petição inicial, bastará, quanto à causa de pedir, remeter para o título, a menos que (para além de outras situações ora sem interesse), tratando-se de obrigação causal, o título não lhe faça referência concreta.
No caso em apreço, o título executivo consiste na livrança, enquanto título de crédito. Por conseguinte, prescinde da alegação, no requerimento executivo, dos factos constitutivos da relação subjacente, pelo que não se verifica a exceção dilatória da falta de causa de pedir.
Na livrança, o que é relevante para a obrigação consta do título, que basta para fundamentar a execução.
Donde, inexiste falta de causa de pedir na execução, inexistindo ineptidão geradora de nulidade do processo.


3.ª Questão – Saber se houve preenchimento abusivo dos títulos e os títulos são inexigíveis.

Alegam os recorrentes que o “preenchimento das livranças com base em contratos outorgados posteriormente, quando se estabeleceu, nos pactos, que seriam preenchidas de acordo com os contratos de leasing, implica que se conclua ser manifestamente abusivo o preenchimento, pelo apelado, das livranças aqui em questão.»
Vejamos:
Como sabemos, o contrato de preenchimento é o acordo sobre os termos em que o título deve ser completado, nomeadamente o seu montante, a data de vencimento e juros devidos.
Como refere Abel Delgado (in LULL, Anotada, 1980, página 82), o “contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo de vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros, etc.”
O mesmo é dizer que a relação cambiária tem sempre subjacente uma relação fundamental ou causal, embora dela se autonomize.
E a questão coloca-se quando o beneficiário da letra viola esse acordo de preenchimento.
No caso dos autos, as livranças serviram de garantia a dois contratos de locação financeira imobiliária e foram assinadas em branco, ou seja, incompletas, não estando preenchidas quanto ao montante e data de vencimento, vindo posteriormente a ser preenchidas com tais elementos pelo exequente.
Competia aos recorrentes o ónus da prova dos factos constitutivos da exceção que invocaram, ou seja, competia-lhe alegar e provar esse abusivo preenchimento, nos termos do art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil, por ser matéria de excepção.
Com efeito, baseando-se a execução, conforme acima referimos, em títulos cambiários e sendo a obrigação cambiária autónoma da relação causal, era sobre os executados que competia a alegação da inexistência ou invalidade da obrigação subjacente, da mesma forma que era sobre eles, que invocam o preenchimento abusivo, que recaía o ónus de alegação desse preenchimento abusivo, através da alegação circunstâncias concretas a ele referentes (vide Acórdãos do STJ de 01.10.98, em que é relator Sousa Dinis e de 24.01.91, em que é relator Costa Raposo, disponíveis em www.dgsi.pt).
Os executados (ora recorrentes) não o fizeram, como decorre da análise dos factos provados, não bastando, aliás, fazer referência, em termos meramente conclusivos, a um preenchimento que consideram abusivo.
Como aliás não demonstraram, para cumprirem o seu ónus da prova, a inexistência de incumprimento contratual.
Com todo o respeito, vale a pena lembra que os recorrentes nunca põem em causa que assinaram os contratos, as livranças e os pactos de preenchimento em causa, nem resulta que os contratos de locação financeira imobiliária estivessem cumpridos pelos executados.
Por outro lado, como se refere na sentença, a falta de contemporaneidade das livranças apresentadas a juízo não lhes retira a força executiva.
Finalmente, quanto à exigibilidade, esta implica vencimento da obrigação que depende de simples interpelação do devedor.
Sendo a livrança subscrita em branco, incumbia sobre o portador - visto que os obrigados desconheciam a data de vencimento - a informação de que iria preencher a livrança.
Tratando-se de livrança emitida parcialmente em branco e desde logo quanto à data de pagamento, sempre será necessária, pelo menos, a interpelação ao subscritor, para este se apresentar ao balcão respectivo do banco exequente, ou provisionar a conta ali existente. (neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 06.12.2012, proferido no processo n.º 7771/04.3YYLSB-A.L\-2, disponível em www.dgsi.pt)
Ora, neste âmbito, perante a factualidade demonstrada, designadamente, a comunicação destinada aos executados para cobrança dos montantes devidos pelos contratos de locação financeira, constantes dos pontos n.º 10, mantém-se o direito cartular exercido pelo exequente.
O artigo 38.º da LULL não vale para a letra ou livrança à vista.
Assim, o portador das livranças não tem de as apresentar a pagamento nem de levar os títulos a uma câmara de compensação. As livranças estão vencidas, são pagáveis, são exigíveis desde a data que nas mesmas consta.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.

Sumário:
I - Na acção executiva, não tem cabimento falar em causa de pedir, pelo menos com o sentido em que é utilizado na acção declarativa, quando se trata de executar títulos que têm como características da incorporação, literalidade, autonomia e abstração, sendo desnecessária a alegação de qualquer relação extra-cartular ou causa de pedir.
II - Embora actualmente (com as alterações legais ao elenco dos títulos executivos) se defenda que a causa de pedir na ação executiva assenta na obrigação exequenda, que constitui o seu fundamento substantivo, sendo o título executivo uma livrança, o instrumento documental privilegiado da sua demonstração, não tem que haver alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai.
III - Tratando-se, no entanto, de títulos que valham como títulos de crédito, verificando-se a unidade entre a relação jurídica cambiária e a relação jurídica subjacente (princípio da incorporação) e valendo a relação cambiária independentemente da causa que lhe deu origem (princípio da abstração), uma livrança, enquanto título de crédito, pode ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai.
IV - Baseando-se a execução em títulos cambiários e sendo a obrigação cambiária autónoma da relação causal, era sobre os executados que competia a alegação da inexistência ou invalidade da obrigação subjacente, da mesma forma que era sobre eles, que invocam o preenchimento abusivo, que recaía o ónus de alegação desse preenchimento abusivo, através da alegação circunstâncias concretas a ele referentes.
V - Sendo a livrança subscrita em branco, incumbia sobre o portador a informação de que iria preencher a livrança, sendo necessária a interpelação ao subscritor, para este se apresentar ao balcão respectivo do banco exequente, ou provisionar a conta ali existente.

4 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, e, em consequência manter a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 25.01.2018
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite
Bernardo Domingos