Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1618/18.0T8ENT.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: SEGURO DE VIDA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – A nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, quando se reporta a uma situação de omissão de pronúncia, apenas ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras, sendo que não se deve confundir questões com considerações, argumentos ou razões.
II – Não existe contradição entre dois factos dados como não provados em que um é o facto negativo simétrico do outro, pois da não prova de determinado facto não se pode dar como assente que se mostra provado o facto negativo que lhe seja simétrico ou vice-versa, sendo relevante, em termos jurídicos, apurar a quem incumbia, nessa situação, o ónus da prova, nos termos dos arts. 342.º a 344.º do Código Civil.
III – Nos termos do art. 429.º do Código Comercial, em vigor à data da subscrição do contrato de seguro, não é necessário que se prove que a omissão ou declaração inexacta influiria efectivamente na decisão de contratar, sendo suficiente que tal omissão ou declaração inexacta seja susceptível de influir na decisão de contratar ou nos termos da contratação.
IV – Verificam-se os requisitos previstos no art. 429.º do Código Comercial, levando à invalidade do contrato de seguro de vida, quando o segurado, aquando da subscrição do mesmo, afirmou encontrar-se saudável e não ter problemas do foro cardíaco, apesar de se encontrar, desde há 6 anos a essa parte, a ser seguido em consultas de cardiologia, por padecer de prolapso da válvula mitral, com regurgitação, a qual se traduz numa doença de alteração degenerativa, de carácter progressivo.
V – Na realidade, estando em causa uma patologia de carácter degenerativa e progressiva, era expectável, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, que a mesma se viesse a agravar, como efectivamente, aliás, aconteceu, pelo que o conhecimento pela seguradora de tal patologia pré-existente, que implicava riscos acrescidos para a saúde e vida do segurado, era susceptível de influir nos termos contratuais propostos, pelo menos, relativamente ao valor do prémio de seguro.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1618/18.0T8ENT.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
(…), (…) e (…) (AA.) intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “Companhia de Seguros Fidelidade – Mundial, S.A.” e “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” (RR.), solicitando, a final, que:
- a 1.ª R. seja condenada a pagar à 2.ª R. a quantia mutuada desde a data da morte do falecido (…) que ocorreu em 24-06-2009, e até efectivo e integral pagamento ou até à execução da sentença, bem como nos juros à taxa legal e demais despesas, a calcular em execução de sentença;
- a 1.ª R. seja condenada a estornar os prémios, indevidamente pagos, posteriores à data do falecimento de (…), aos AA.;
- as RR. sejam condenadas a devolver aos AA. as prestações mensais e sucessivas indevidamente liquidadas a estes, relativas ao contrato de mútuo celebrado, desde o falecimento de (…) até à execução de sentença, bem como nos juros à taxa legal e demais despesas, a calcular em execução de sentença;
- as RR. sejam condenadas a indemnizar os AA. em € 16.000,00, a título de danos não patrimoniais;
- a conduta da 1.ª R. seja comunicada ao Instituto de Seguros de Portugal para instauração do respectivo procedimento contra-ordenacional;
- as RR. sejam condenadas nas custas do processo e demais encargos legais.

Para o efeito, alegaram, em síntese, que os AA. são os únicos e universais herdeiros de (…), respectivamente, mulher e filhos, tendo o referido (…) falecido em 24-06-2009, de pneumonia, com 51 anos de idade, sendo que o falecido e a sua mulher tinham um contrato de mútuo para habitação junto da 2.ª R., celebrado em 30-03-2006, tendo o falecido (…) celebrado igualmente um seguro de vida grupo com a 1.ª R. para garantir em caso de morte o pagamento de tal crédito.
Alegaram igualmente que, com a morte de (…), a 1.ª R. tinha a obrigação de pagar o empréstimo de mútuo celebrado com a 2.ª R., porém, apesar de ter conhecimento de tal morte, a 2.º R. continuou a cobrar as prestações do empréstimo à 1.ª A., (…), ao invés de promover junto da 1.ª R. o accionamento da apólice do seguro de vida.
Alegaram ainda que as RR. não prestaram qualquer informação aos AA. no sentido de accionarem o seguro de vida do falecido (…), tendo a 1.ª A. entrado numa grande depressão, e, por ter de suportar sozinha as prestações do empréstimo à 2.ª R., sofreu angústias, sofrimento e insónias.
Alegaram, por fim, que compete à 2.º R., tomadora do seguro, o dever de comunicação e informação relativamente às cláusulas do seguro e que os AA. deverão ser indemnizados por danos morais, nos termos do art. 496.º, em quantia nunca inferior a € 16.000,00.
A 1.º R. “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” apresentou contestação, solicitando, a final, a improcedência da presente acção, devendo, em consequência, a 1.ª R. ser absolvida do pedido.
Por excepção, alegou, em síntese, que (…) aderiu, como pessoa segura, ao seguro de grupo do ramo vida, cujo tomador beneficiário era a 2.ª R., para garantia do crédito no montante de € 66.465,00, que havia contraído junto da 2.ª R., tendo em tal adesão ficado a constar que o referido (…) tomou conhecimento das informações pré-contratuais que constavam do documento que lhe tinha sido entregue e que tinha respondido com verdade e completamente a todas as perguntas, consciente de que quaisquer declarações incompletas, inexactas ou omissas, que possam induzir a seguradora em erro, tornam o contrato nulo e de nenhum efeito, qualquer que seja a data em que a Seguradora delas tome conhecimento.
Alegou ainda que, apesar de ter respondido que não sofria de qualquer doença à data da subscrição do referido seguro, desde, pelo menos, o ano 2000, que padecia de regurgitação mitral grave, tendo vindo a realizar a respectiva cirurgia em 15-01-2007, sendo que tal patologia grave aumenta exponencialmente o risco de morte.
Alegou igualmente que a 1.ª R. apenas teve conhecimento destes factos em 2010, quando foi remetido pela 1.ª A. um atestado médico onde tal constava, pelo que o falecido (…), ao ter omitido deliberadamente esta informação clínica, a qual era essencial para que a 1.ª R. pudesse apreciar o risco que lhe era proposto aceitar, impediu a 1.ª R. de não aceitar, como não teria aceite, o referido contrato de seguro, pelo que tal contrato de seguro é nulo, por ter havido omissão de circunstâncias conhecidas do falecido (…) e que, a serem conhecidas pela 1.ª R., a teriam impedido de subscrever tal contrato.
Por impugnação, alegou, ainda, e em síntese, que o falecido (…), à data da subscrição do contrato de adesão, omitiu, consciente e deliberadamente, circunstâncias relativas ao seu estado de saúde, ou seja, que padecia de cardiopatia grave, patologia esta que já sofria e de que era conhecedor desde 2000, sendo que tal informação é de decisiva importância para a análise, aferição do risco e eventual aceitação ou recusa por parte da Seguradora, pelo que o falecido (…) não devia, como não podia, escusar-se a declarar tal situação.
Alegou igualmente que até à presente data a 1.ª R. não foi devidamente habilitada com elementos que permitissem descartar o nexo de causalidade entre a invocada causa de morte e a patologia de que o falecido (…) era portador, uma vez que a causa de morte foi falência multiorgânica devido ou consequente a pneumonia, sendo reconhecido que a pneumonia é uma infecção oportunista, pelo que, quando o sistema imunitário está debilitado, o risco de pneumonia é mais elevado, apresentando os doentes com insuficiência cardíaca um maior risco de pneumonia, pelo que considera fortemente indiciado que a insuficiência cardíaca foi causal, no sentido de que determinou, da pneumonia, da qual resultou a sua morte e, por essa via, ainda que o tribunal entendesse que o contrato se mantém válido, a sua morte sempre estaria excluída porquanto causalmente relacionada com doença ou patologia pré-existente à data da adesão.
Concluiu, por fim, quanto ao valor peticionado para ressarcimento de pretensos danos não patrimoniais do A., além de indevidos, é manifestamente excessivo.
A 2.ª R. “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” apresentou contestação, solicitando, a final, a improcedência da presente acção, sendo, em consequência, a 2.ª R. absolvida do pedido.
Para o efeito, e em síntese, alegou que apenas tomou conhecimento da morte de (…) muitos meses depois de tal facto, quando a 1.ª A. pretendeu accionar o seguro de vida associado ao mútuo, sendo verdade que a 2.ª R. continuou a cobrar as prestações do referido mútuo, não havendo qualquer razão para que as mesmas fossem sustadas, não lhe cabendo a si o accionamento do mencionado seguro de vida, tendo o mesmo sido accionado pela 1.ª A. junto da 1.ª R., a qual entendeu não estarem reunidas as condições de pagamento da indemnização reclamada.
Mais alegou que não lhe competia prestar qualquer informação aos AA. para accionarem o seguro, tendo, à data da subscrição do seguro, a 2.ª R. explicado à 1.ª A. e seu marido as condições gerais a que o mesmo se encontrava sujeito.
Alegou, por fim, que não se vislumbram quaisquer razões para a 2.ª R. indemnizar os AA., nos termos do art. 496.º do Código Civil, tanto mais que existe um contrato que, a ter sido violado, no que não se concede, concederia direito a indemnização por violação contratual.
Notificados os AA. para aperfeiçoarem a sua PI quanto ao pedido de condenação das RR. no pagamento aos AA. de € 16.000,00, a título de danos não patrimoniais, vieram estes apresentar nova PI, onde alegaram que a angústia sofrida pela 1.ª A. foi transmitida aos 2.º e 3.º AA., seus filhos, que são crianças infelizes, cientes da responsabilidade do pagamento da prestação à 2.ª R., o que os impediu de terem os mesmos bens que as demais crianças, designadamente, computadores, bicicletas, roupas de marcas, actividades extracurriculares e explicações.
Os AA. vieram igualmente responder à excepção invocada, alegando, em síntese, que a 1.ª R. vem apenas agora invocar a nulidade de um contrato de seguro que se encontra em vigor há 9 anos, cujo prémio tem sido sempre pago, pelo que a 1.ª R. litiga de má fé e como tal deve ser condenada.
Em resposta à PI aperfeiçoada, a 1.ª R. impugnou os novos factos.
Realizada a audiência prévia, não foi possível resolver por acordo o litígio, tendo sido fixado o valor da causa em € 16.000,00 e proferido despacho saneador, onde se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 08-11-2019, com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, decido julgar a presente ação improcedente e, em consequência absolvo as RR. do pedido.
Custas pela A. (art. 527º do CPC).
Não se conformando com a sentença, vieram os AA. (…), (…) e (…) interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
1) Como resulta, de uma simples leitura da decisão da matéria de facto, O tribunal não fundamentou, de todo, as respostas dadas como provadas, bem como dos factos dados como não provados;
2) A fundamentação que é dada à decisão recorrida a é insuficiente para a decisão de dar como provado os factos constantes do ponto 1.25 e 1.26 dos factos dados como provados., o que na prática equivale à falta de fundamentação da sentença recorrida sendo a mesma nula;
3) A falta de fundamentação da decisão recorrida conduz à anulação e consequentemente repetição do julgamento, nos termos do referido nº 3 e 4 do art. 607 do C.P.C.;
4) O facto constante do ponto 2.1 dado como não provado está em flagrante contradição com o facto do ponto 2.9 dados ambos dados como não provados;
5) A R. CGD beneficiária/tomadora do seguro não prestou o dever de informação, como o devia ter feito ao inditoso segurado;
6) A prova de tal facto, dever de informação, das cláusulas do contrato era ónus da Ré CGD tomadora e beneficiária do seguro que tinha o dever de informar o segurado (…);
7) Prova que não fez;
8) O Tribunal a quo não conheceu desta questão – a falta do dever de informação – questão essa que devia tomar conhecimento pois foi alegado na presente acção. É por isso a douta sentença nula nos termos e para os efeitos do art. 615, nº 1, al. d), do C.P.C.;
9) A sentença recorrida erra também ao dar como não provado que não existiram danos não patrimoniais na pessoa dos AA. pela conduta omissiva das RR., desvalorizando por completo os depoimentos do médico assistente do falecido Dr. (…), (…) actual marido da A. e do próprio depoimento de parte da A.;
10) A douta sentença recorrida comete um erro na aplicação do direito, ao decidir no sentido de manter as cláusulas contratuais gerais que não foram explicadas, e por conseguinte deveriam ter sido excluídas, implicando a validade do contrato de seguro;
11) Pois a R. CGD não provou, como era seu encargo, que tinha prestado o dever de informação sobre as mesmas cláusulas contratuais gerais (ponto 2.9 dos factos dados como não provados);
12) R. CGD não provou que tinha prestado o dever de informação sobre as mesmas cláusulas contratuais gerais (ponto 2.9 dos factos dados como não provados);
13) Não ficou provado que existisse dolo ou negligência do segurado (não consta da lista dos factos dados como provados);
14) A R. CGD não provou que tinha prestado o dever de informação sobre as mesmas cláusulas contratuais gerais (ponto 2.9 dos factos dados como não provados);
15) Não ficou provado que existisse dolo ou negligência do segurado (não consta da lista dos factos dados como provados), ficou provada a inexistência de nexo de causalidade entre o facto omitido e o evento que da origem a indemnização;
16) Uma vez que o segurado (…) vem a falecer de pneumonia e não de regurgitação mitral ou de alguma cardiopatia;
17) A regurgitação mitral que sofria não era grave, sendo certo que o ciclista Venceslau Fernandes venceu uma volta a Portugal com este problema de saúde. Tanto que assim era que antes da operação ao coração o (…) nunca se queixou conforme o depoimento do seu Médico assistente Dr. (…);
18) Sendo certo que a operação a que foi sujeito foi realizada depois da celebração do seguro. Também é certo que este seguro estava na companhia de seguros Tranquilidade, não foi um seguro novo foi uma mudança de seguro, obviamente que se tivesse sido explicado ao falecido todas as consequências da celebração do novo seguro este não o teria feito. São as regras da experiência comum;
19) A douta sentença recorrida faz tábua rasa destes factos instrumentais que ficaram amplamente provados;
20) Era à Ré seguradora que incumbia provar que a omissão da declaração do segurado da existência da regurgitação mitral influiu na outorga do contrato, porque é ela quem pretende beneficiar da anulabilidade do contrato. O que manifestamente não o fez;
21) O Tribunal a quo não deu relevância à ausência do nexo de causalidade entre o facto omitido/falsas declarações e o evento que desencadeia o “sinistro” que possibilita acionar o seguro Porque como já se disse o (…) não morre da regurgitação mitral, quanto a esta enfermidade estava curado. Morre de Pneumonia. Quando celebrou o contrato de seguro não padecia de pneumonia;
22) Esta questão não é escalpelizada na sentença recorrida;
23) O Tribunal a quo nem sequer se pronuncia sobre este pressuposto de facto, o que era essencial para a boa decisão da causa. O contrato dos autos não é nulo ou anulável, uma vez que não ficou provado que foi devido ao facto omitido na proposta de adesão, que se deu a causal evento que permitiu aos Recorrentes reunir os pressupostos para acionar o seguro por morte;
24) “uma vez verificado o sinistro, importa apurar qual a causa do mesmo e, caso se chegue à conclusão que o facto não declarado não possui nenhuma relação com o evento produzido, nem para ele contribuiu por qualquer forma, há lugar a indemnização” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo: 758/05-2. Nesta esteira Adriano Antero, in “Comentário ao Código Comercial”, vol. II, pág. 152, “depois do sinistro, para que essa reticência possa anular o contrato para efeito do não pagamento da indemnização, é preciso que tivesse influído no dano...”. Na opinião de José Vasques, in “Contrato de Seguro”, Coimbra Editora, pág. 228. “É defensável, no entanto, que a nulidade seja uma sanção desproporcionada, que deve reservar-se para os casos em que exista um nexo de causalidade entre a inexatidão ou omissão e o sinistro”;
25) Esta questão tem sido pacifica na jurisprudência designadamente nos Tribunais das Relações do Porto e de Guimarães sufragando o seguinte entendimento: para que haja invalidade do contrato de seguro terá de existir nexo de causalidade entre as alegadas declarações inexatas ou factos omitidos e a verificação do risco coberto pelo contrato de seguro. Pelo que, não se verificando o nexo de causalidade entre o sinistro e a declaração omitida, há lugar a indemnização. Cfr. a este propósito o Acórdão da Relação de Guimarães de 10/07/2008 in www.dgsi.pt/, “uma vez verificado o sinistro importa apurar qual a causa do mesmo e, caso se chegue à conclusão que o facto não declarado nenhuma relação tem com o evento produzido nem para ele contribuiu por qualquer forma, há lugar à indemnização;
26) A sentença recorrida não conheceu do nexo de causalidade, sendo esta questão essencial para relevar a anulabilidade do contrato. Pires de Lima e Antunes Varela dizem: Significa isto, que existe nexo de causalidade adequada entre o acto omissivo e o dano, quando se prove que este “provavelmente não se teria verificado, se não fosse a omissão”;
27) O que não é o presente caso;
28) As recorridas não alegaram nem provaram que, se não fosse o descrito comportamento omissivo do falecido (…) haveria um grau de probabilidade razoável da não ocorrência do dano. Nem o poderiam fazer porque está provado que o (…) faleceu de pneumonia e não de regurgitação mitral ou de doença cardíaca;
29) Em conclusão, não existe nexo de causalidade adequada entre as omissões e o dano ocorrido;
30) A recorrida Seguradora também não logrou provar em como não aceitaria celebrar contrato do ramo vida com o recorrente mesmo que tivesse conhecimento de uma ligeira regurgitação mitral do falecido, impende sobre quem pretende beneficiar da anulabilidade, quer isto dizer as declarações inexatas ou reticentes por se tratar de um facto impeditivo ou extintivo da validade do contrato, incumbe à seguradora, nos termos do nº. 2 do art. 342º do C. Civil fazer a prova da sua influência sobre a existência ou condições do contrato;
31) Segundo o acórdão do S.TJ de 23.02.2012 (disponível em www.dgsipt), que perfilhou outros arestos do mesmo tribunal a verificação da anulabilidade pressupõe não apenas a prova das declarações omissas e/ou reticentes, mas também a sua relevância na outorga do contrato (as omissões suscetíveis de influir na outorga do contrato não se reconduzem necessariamente à existência de patologias graves);
32) O Tribunal a quo decidiu sem prova quando considerou provado que a Recorrida Seguradora não aceitaria celebrar o contrato caso tivesse prévio conhecimento da existência de uma regurgitação mitral sem queixas;
33) Não ficou provado que foi explicado ao segurado o teor das cláusulas contratuais gerais em que se estabelece à anulabilidade do contrato de seguro de vida em caso de prestação de inexatas ou incompletas. Não ficou provado que o tomador do seguro tenha cumprido as obrigações a que estava adstrito nomeadamente leitura e explicações sobre todas as cláusulas contratuais;
34) Não sendo explicitado todo o conteúdo das cláusulas entende-se que não foram cumpridos os requisitos previstos das Cláusulas gerais (DL n.º 446/85 de 25 de Outubro);
35) Cabia a Ré CGD tomadora do seguro provar que fez a comunicação adequada e efetiva do teor e significado de tais cláusulas (como estatuí o artigo 5º e artigo 6º do Decreto Lei nº 446/85, de 25 de Outubro), no âmbito de um contrato de seguro de vida. Prova essa que não foi feita;
36) Era sobre a Ré CGD que recaia o dever de informação. A CGD não cumpriu o dever de informação que esta obrigada, dever de informação relativo a cláusula contratual geral em que se estabelece a anulabilidade do contrato de seguro de vida em caso de prestação de declarações inexatas ou incompletas. O que implica que essas cláusulas devem ser excluídas do contrato de seguro objecto dos presentes autos;
37) O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o dever de informação da CGD tomadora do seguro. O que, mais uma vez, leva a que sentença seja nula nos termos do art. 615º, nº 1 al. b) do CPC;
38) Também não resulta claramente provado que a Recorrida Seguradora não aceitaria celebrar o contrato caso soubesse previamente que o falecido (…) tinha uma ligeira regurgitação mitral sem queixas;
39) Não se provou a má-fé do falecido. A má-fé do inditoso (…) carecia de ser provada. Nem ficou provado que o (…) omitiu dolosamente ou negligentemente tal declaração;
40) Como resultou não provado que foi explicado ao segurado o teor das cláusulas contratuais gerias, logo estas clausulas devem ser excluídas do contrato objeto da presente acção. Não pode ser anulado o contrato dos autos com fundamento nas falsas declarações;
41) Os factos constantes da lista dos factos dados como provados são manifestamente insuficientes para se julgar improcedente a presente acão, existindo assim insuficiência da matéria de facto para o Tribunal a quo decidir como decidiu;
42) A sentença recorrida enferma de graves imprecisões contradições e inexactidões.
43) Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decrete a procedência total da presente acção, e se assim não for entendido que seja ordenada a repetição do julgamento;
44) Foram violadas entre outras bem como o seu correto entendimento, as normas contidas nos artigos 607, nºs 3 e 4, 615º, nº 1 als b) e d) ambos do CPC. Arts 342º, nº 2, 486º ambos do Código Civil e arts. 5º e 6º do Decreto Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
Pelo exposto deve revogar-se a sentença recorrida substituindo-a por outra que julgue a acção totalmente procedente ou que decrete a repetição do julgamento em virtude da sentença recorrida enfermar das nulidades supra invocadas.
Decidindo nesta conformidade será feita: JUSTIÇA!
A 1.ª R. “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1.
A Recorrida louva-se na Douta apreciação dos factos controvertidos efetuada pelo Tribunal “a quo” que, atenta a prova produzida em julgamento e aplicando sábia e ponderadamente o direito, absolveu a ora Recorrida do pedido contra si formulado fazendo, de facto, a costumada JUSTIÇA, pelo que,
2.
No entendimento da ora Recorrida, o Recurso ora interposto carece totalmente de fundamento, estando por isso irremediavelmente votado à improcedência, como adiante se explicitará.
3.
Diga-se que a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” ora objecto de recurso procedeu a uma correta e ponderada apreciação da matéria de facto, tendo igualmente subsumido corretamente o direito à factualidade apurada, não sendo por isso merecedora de qualquer censura. Donde, afigura-se que a pretensão recursiva dos Recorrentes deverá improceder.
4.
No âmbito do recurso que interpõem, alegam os Recorrentes que a Sentença ora colocada em crise padece do vício da falta de fundamentação e por conseguinte, violando o disposto no Art.º 607º, nºs 3 e 4, do CPC, é nula nos termos do disposto no Art.º 615º, n.º 1, al. b), do CPC.
5.
E para tanto sustentam a fundamentação da sentença recorrida é insuficiente para dar como provados os factos 1.25 e 1.26 dos factos provados, o que em seu entendimento, equivalerá na prática à falta de fundamentação da sentença recorrida, tornando a mesma nula.
6.
A Recorrida não partilha, de todo, da mesma opinião.
7.
Segundo resulta do Art.º 615º, nº.1, al. b), do C.P.C., é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão proferida.
8.
Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
9.
Ora, analisada a sentença e em particular a motivação da decisão de facto, resulta inequívoco que tal motivação se encontra coerentemente fundada, resultando da análise crítica e conjugada de todos os elementos probatórios carreados para o processo, sejam eles depoimentos testemunhais ou documentos constantes dos autos.
10.
Através da sua leitura, dúvidas não se suscitam relativamente ao itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela MMª juiz, que culminou na decisão proferida sobre todos os pontos da matéria de facto (seja a matéria dada como provada, seja relativamente aos factos que considerou não demonstrados), elencando de forma clara e inequívoca as razões que sustentaram a decisão de considerar provados os pontos 1.25 e 1.26 dos factos provados, isto à semelhança do que igualmente sucedeu relativamente à demais matéria de facto provada e não provada.
11.
Ainda assim, importa realçar que em face dos elementos clínicos constantes dos autos, resulta absolutamente evidente que contrariamente ao que os Recorrentes querem fazer crer, à data da subscrição do contrato de seguro – 2006 – há muito que o falecido (…) padecia de patologia cardíaca (pelo menos desde 2000, altura em que começou a ser seguido em consulta de cardiologia) com diagnóstico de prolapso da válvula mitral.
12.
Ora, uma tal factualidade, manifestada pelo menos em 2000 tal como resulta da informação clinica constante dos autos, era e tinha de ser do conhecimento do falecido (…) e como tal, tinha o mesmo o dever de, aquando do preenchimento do questionário clinico junto da Recorrida (elemento decisivo para a correta aferição do risco por parte desta, em especial no caso dos seguros de vida), responder a tal questionário dando conta ao Segurador de todas as incidências de saúde que ao longo dos anos padeceu, o que manifestamente não fez.
13.
E nem se diga que não o fez apenas e só por manifesto lapso, pois que no essencial, não se limitou a não responder ao questionário, tendo antes respondido negativamente, como se nunca tivesse de facto padecido de qualquer patologia (e sabendo, necessariamente, que tal não correspondia à verdade).
14.
Tendo respondido ao questionário clinico do modo como o fez, prestando declarações que sabia (e que não poderia ignorar) não corresponderem à realidade, designadamente e em particular no que se refere ao seu histórico de saúde, o falecido (…) impediu que a ora Recorrida pudesse aferir com a necessária exatidão, o risco que se propunha assumir por via da contratação de apólice de vida em 2006.
15.
Do mesmo modo se refira, como bem o faz a douta sentença ora colocada em crise, tal como flui do depoimento da Dra. … (tomado no dia 30.11.2018, e gravado no programa H@bilus Média Studio com inicio às 12:08:04 e fim às 13:03:09), que se aquando da subscrição do boletim de adesão pelo inditoso (…) o mesmo tivesse comunicado a evidenciada patologia cardíaca, a qual é progressiva e à data, ainda não intervencionada cirurgicamente, a Recorrente não teria aceite o risco (concretamente e em especial, de min 19:05 a 22:45).
16.
E mesmo que a proposta de adesão só viesse a ser subscrita já após a realização da cirurgia (que no caso só veio a ser executada após a aceitação do seguro), ainda assim, garantidamente não teria aceite no primeiro ano após a sua realização; só seria eventualmente aceite o risco, depois de decorrido o período de 1 ano de pós-cirúrgico, e ainda assim, depois desse período, apenas seria aceite na cobertura de morte e com agravamento de prémio em não menos de 300% (concretamente e em especial, de min 22:26 a 24:13).
17.
Tal matéria foi devidamente ponderada pelo Tribunal “a quo” que, consequentemente, deu como assente e em particular a factualidade vertida nos pontos 1.25 e 1.26 da Douta sentença, sustentando-o de forma clara as razões de tal decisão na fundamentação da decisão de facto.
18.
Em face do que se refere, sem necessidade de maiores considerações, é assim manifesto que se terá de concluir que a sentença não padece do vício de falta de fundamentação que lhe vem imputado pelos Recorrentes, devendo, desde logo e nesta parte, de improceder o por estes alegado.
19.
Invocam igualmente os Recorrentes a existência de flagrante contradição entre o ponto 2.1 e o 2.9 dos factos não provados, sustentando igualmente que o Tribunal omitiu pronuncia relativamente à questão do invocada falta do cumprimento do dever de informação a cargo da Ré CGD, o que, em seu entender, consubstanciará a nulidade da sentença nos termos consignados no Art.º 615º, n.º 1, al. d), do CPC.
20.
Contudo, erradamente! Com efeito, contrariamente que invocado pelos Recorrentes, o ponto 2.1 e o 2.9 dos factos não provados, não se mostram contraditórios entre si, apresentando, ao invés, dimensões diversas.
21.
Na verdade, o primeiro abarcaria toda e qualquer informação, assumindo assim uma dimensão mais alargada; já o segundo, apresenta-se restringido a uma situação concreta e mais restrita.
22.
Se é verdade que a resposta positiva ao primeiro determinaria, necessariamente, a resposta negativa ao segundo; o mesmo já não sucede em caso inverso já que, embora o segundo se inclua no primeiro, não se pode, contudo, concluir pela demonstração do primeiro, por ausência de demonstração do segundo. Não assiste assim razão aos Recorrentes no que concerne à invocada contradição.
23.
Já no que se refere à suscitada nulidade por omissão de pronuncia, dir-se-á que que a sentença enferma de nulidade quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (Artº 615º, nº 1, d) e 608º do CPC).
24.
Porém, segundo resulta da análise da douta sentença, afigura-se manifesto que o Tribunal não deixou de se pronunciar sobre nenhuma questão que lhe tenha sido submetida à apreciação pelas partes e sobre a qual tivesse de emitir pronuncia – designadamente por a sua apreciação não se mostrar prejudicada pelo sentido tomado aquando da resolução de outras questões suscitadas nos
autos -, razão pela qual não se mostra a mesma ferida da nulidade invocada pelo Recorrentes.
25.
A propósito da invocada “falta de informação”, compulsadas as peças constantes dos autos, temos que os Autores limitam-se a alegar que “As RR. não prestaram qualquer informação aos AA. no sentido de accionarem o seguro de vida do seu ente querido” – art.º 23º da PI – e que “Também a 2ª R não prestou qualquer esclarecimento ao falecido e à 1ª A.” - 16º da Réplica, não concretizando sequer que esclarecimentos não terão sido alegadamente foram prestados pela ora Recorrente.
26.
As únicas referências feitas nos articulados pelos ora Recorrentes a respeito de invocados esclarecimentos não prestados detém-se a alegada não informação por parte da Ré CGD relativamente à possibilidade e modo de acionamento do contrato de seguro em razão do falecimento da pessoa segura, omissão essa que, ainda que tivessem resultado demonstrados, e não o ficaram, sempre seriam póstumos quer à adesão, quer ao próprio falecimento da pessoa segura.
27.
De todo o modo, da invocada falta de informação (não concretizada) os ora Recorrentes não retiraram/peticionaram a declaração de nulidade de qualquer cláusula contratual geral, com que somente agora “acenam”. Limitaram-se a com ela sustentar a ocorrência de invocados danos morais.
28.
Mas ainda que os Recorrente tivessem invocado a nulidade de uma qualquer clausula de exclusão, importa salientar que a ora Recorrida nunca invocou uma qualquer cláusula de exclusão constante do texto das condições gerais, especiais ou particulares para se eximir ao pagamento das quantias peticionadas.
29.
A posição manifestada nos autos pela Recorrida – assim como a manifestada antes da propositura da ação, resulta, ao invés, na constatação da existência de um erro/vício da vontade aquando da formação do contrato que influiu decisivamente na análise do risco que lhe era proposto aceitar e consequentemente, na sua aceitação.
30.
E tal vício, como bem conclui o Tribunal “a quo”, feriu de morte (e à nascença) o contrato de seguro, sendo por isso prévio à interpretação e execução do respetivo clausulado.
31.
Seja como for, facto é que o Tribunal não deixou de se pronunciar sobre o que se refere.
32.
Em face de tudo o que antecede, forçosamente se terá de concluir que não se verifica a suscitada nulidade por omissão de pronúncia, pelo que, também nesta parte, deverá o recurso improceder.
33.
Mais alegam os Recorrentes que o Tribunal “a quo” errou ao dar como não provado que não existiram danos não patrimoniais resultantes da invocada conduta omissiva das Rés, invocando para o efeito e de modo genérico o depoimento das testemunhas (…), (…) e as declarações de parte da Autora (…) que, segundo alega nas suas doutas conclusões, terão sido desvalorizados pelo Tribunal “a quo”.
34.
Considerando o que vem a este propósito referido pelos Recorrentes, e ainda que não o refira expressamente, parece poder extrai-se a vontade dos Recorrentes no sentido da reapreciação da referida prova por parte da instância recursiva.
35.
Porém, sem cuidar de dar cumprimento ao disposto no Art.º 640º n.º 1 al. b) e n.º 2 al a) do CPC.
36.
Ora, tal como flui á saciedade da leitura das doutas alegações de recurso dos autores nesta parte, os mesmos invocam que o tribunal desconsiderou as declarações produzidas pelas testemunhas (…), (…) e as declarações de parte da Autora (…).
37.
Contudo, não indicam as concretas passagens da gravação das mencionadas declarações que sustentam interpretação diversa daquela que foi perfilhada pelo Tribunal “a quo”, ónus esse que sobre os recorrentes impendia, por força do supra citado aresto legislativo.
38.
Ora, pretendendo a reapreciação da referida prova por parte da instância recursiva como parece resultar das doutas alegações, e não tendo dado cumprimento ao referido ónus, tal omissão determinará, nos termos previstos no artigo 640º, n.º 2, al. a), à imediata rejeição do recurso nesta parte, o que expressamente se invoca.
39.
Sem prejuízo do exposto e por mero dever de patrocínio, importa realçar que analisada a sentença e em particular a motivação da decisão de facto, resulta inequívoco que tal motivação se encontra coerentemente fundada, resultando da análise crítica e conjugada de todos os elementos probatórios carreados para o processo, sejam eles depoimentos testemunhais ou documentos constantes dos autos.
40.
Por outro lado, a valoração efetuada pela Mmª juiz “a quo” a partir dos depoimentos prestados em sede de audiência pelas testemunhas, que vem colocada em crise pelo Recorrente, inscreve-se no princípio da livre apreciação da prova e imediação, não se afigurando possível que o tribunal ad quem esteja em condições de pôr em causa aquela convicção livremente formada, desde logo
porque, quanto a estes, falha a imediação e contacto pessoal que o Tribunal “a quo” tinha com as testemunhas aquando da tomada dos seus depoimentos.
41.
Salvo melhor opinião, na apreciação de elementos de carácter testemunhal, deverá dar-se primazia, quanto à apreciação da credibilidade dos mesmos, ao julgador a quo, que pôde ouvir perante si os relatos das pessoas inquiridas, não obstante a valoração que possa ser dada aos mesmos por terceiros, como é o caso do Recorrente.
42.
Ora, analisada a referida fundamentação, constata-se que o Tribunal “a quo” teve o cuidado de apreciar devidamente o sentido e teor da prova produzida, analisando-a criticamente produziu o respetivo juízo valorativo e extraiu da mesma as conclusões de facto que se mostram evidenciadas na douta fundamentação e que o levou dar como não demonstrados os factos consignados nos pontos 2.5 e 2.6 dos factos não provados.
43.
Ora, sem necessidade de maiores considerações, acompanhando e subscrevendo a posição adotada pelo tribunal “a quo”, entende a Recorrida que tais factos não deverão ser aditados à matéria de facto dada por demonstrada, mantendo-se assim no elenco dos factos não provados.
44.
Mais alegam os Recorrentes que o Tribunal “a quo” erro ao subsumir o direito aplicável aos factos assentes, ao decidir no sentido de manter as cláusulas contratuais gerais que não foram explicitadas e, por conseguinte, deveriam ter sido excluídas, o que em seu entender, implicaria a validade e subsistência do contrato de seguro.
45.
Paralelamente, alegam que não ficou provado que tivesse existido dolo ou negligência por parte da pessoa segura (…) e a tal propósito referem que tal desiderato não consta sequer da lista dos factos provados.
46.
Tomando posição, importa antes de mais referir que, contrariamente ao que se mostra suscitado pelos Recorrentes, o Tribunal levou ao elenco da matéria de facto dada como assente matéria factual da qual se extrai, necessariamente, que a conduta do falecido (…) aquando do preenchimento do boletim de adesão, e em concreto no que se refere à forma como não prestou
informação de que, à data da subscrição do referido boletim era já portador de patologia cardíaca (prolapso válvula mitral de carácter progressivo), se consubstanciou num comportamento doloso.
47.
Com efeito, resulta do ponto 1.26 dos factos provados que:
1.26 (…) tinha conhecimento do referido em 1.23. à data da subscrição do boletim de adesão referido em 1.8. e omitiu tal informação deliberadamente (realce a negrito nosso).
48.
Do referido facto, não só se extrai que o falecido (…) omitiu ser portador da patologia cardíaca, assim como se extrai que tal omissão foi voluntária e manifestamente intencional, o que configura, sem qualquer margem para dúvidas, um comportamento doloso por parte do aderente.
49.
Relativamente ao alegado erro na aplicação do direito por parte do Tribunal ao decidir no sentido da manutenção das cláusulas contratuais gerais e, que no entendimento dos Recorrentes deveriam ter sido excluídas, o que, segundo invocam, implicaria a validade do contrato de seguro, tal como já supra se referiu a propósito da invocada omissão de pronuncia, importa recordar que contrariamente ao que parece resultar das doutas alegações de recurso, os Autores na ação limitam-se a alegar que “As RR. não prestaram qualquer informação aos AA. no sentido de accionarem o seguro de vida do seu ente querido” – art.º 23º da PI – e que “Também a 2ª R não prestou qualquer esclarecimento ao falecido e à 1ª A.” - 16º da Réplica, não concretizando sequer que esclarecimentos não terão sido alegadamente foram prestados pela ora Recorrente.
50.
As únicas referências feitas nos articulados pelos ora Recorrentes a respeito de invocados esclarecimentos não prestados detém-se a alegada não informação por parte da Ré CGD relativamente à possibilidade e modo de acionamento do contrato de seguro em razão do falecimento da pessoa segura, omissão essa que, ainda que tivessem resultado demonstrados, e não o ficaram, sempre seriam póstumos quer à adesão, quer ao próprio falecimento da pessoa segura.
51.
Por outro lado, da invocada falta de informação (não concretizada) os ora Recorrentes não retiraram/peticionaram a declaração de nulidade de qualquer cláusula contratual geral, com que somente agora “acenam”. Limitaram-se a com ela sustentar a ocorrência de invocados danos morais.
52.
Mas ainda que se entenda que não tendo a Ré CGD logrado demonstrar que “(…) explicou a (…) e à 1ª A. as condições gerais a que o mesmo se mostrava sujeito e entregou cópia das condições gerais do mesmo àqueles”, e não obstante os Autores não terem invocado na ação e expressamente a nulidade/inexistência de qualquer clausula excludente da responsabilidade do Segurador, atenta a culminação resultante do regime jurídico aplicável às clausulas contratuais gerais, deveria, ainda assim, o Tribunal dela conhecer oficiosamente, importa recordar que a ora Recorrida nunca invocou uma qualquer cláusula de exclusão constante do texto das condições gerais, especiais ou particulares, para se eximir ao pagamento das quantias peticionadas.
53.
Na verdade, a posição manifestada nos autos pela ora Recorrida resulta, outrossim, na constatação da existência de erro/vício da sua vontade aquando da formação do contrato, vício esse que influiu decisivamente na análise do risco que lhe era proposto aceitar e consequentemente, na sua subsequente aceitação.
54.
E tal vício, como bem conclui o Tribunal “a quo”, feriu de morte (e à nascença) o contrato de seguro, sendo por isso prévio à interpretação e execução do respetivo clausulado, mormente, à análise da eventual verificação de uma qualquer cláusula de exclusão que obstasse à cobertura de evento previsto na apólice.
55.
A este propósito, refira-se que à data da adesão a que os autos se reportam, prescrevia o artigo 429º do Código Comercial, então em vigor, que toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.
56.
Como se referiu e flui à saciedade da matéria de facto assente, a recusa da prestação por parte da ora Recorrida não decorreu da invocação, por esta, de uma qualquer cláusula de exclusão consignada na apólice.
57.
Não obstante, e ainda que tal tivesse sucedido, resultando a culminação a aplicar à constatação da verificação de tal vício da lei (no caso, Art.º 429º do Código Comercial – diploma aplicável à data da adesão), não se vislumbra, também por isso, razão para que o Tribunal “a quo” lançasse mão do regime jurídico das Cláusulas contratuais gerais para considerar como inexistentes as clausulas exclusórias constantes das Condições Gerais da Apólice e não comunicadas relativas a um contrato de seguro que, pelas razões apontadas, estava ele próprio ferido de invalidade conducente à sua anulabilidade em função das declarações inexatas prestadas pela pessoa segura (candidato a aderente aquando da subscrição).
58.
Dito de outro modo, só será suscetível de se aferir da inexistência jurídica de qualquer cláusula exclusória constante das condições gerais aplicáveis à apólice que não hajam sido comunicadas e devidamente explicitadas ao aderente resultante de tal ausência de comunicação, caso, previamente, se tenha concluído pela validade e eficácia do próprio contrato de seguro.
59.
Ora, tal não ocorre no caso vertente, na medida em que, em função das declarações inexatas prestadas pelo então proponente a aderente (que como resulta da matéria de facto assente, assim o foram de forma deliberada), veio o Tribunal a considerar, e a nosso ver bem, que o contrato de seguro está ferido de invalidade, e que por isso declarou a sua anulabilidade.
60.
E nem se diga, como fazem os Recorrentes, que o contrato a que os autos se reportam se consubstanciava apenas numa mera “transferência” de seguro de uma outra Seguradora para a ora Recorrida, já que uma tal conclusão, enferma manifesto lapso de análise, porquanto esquece, ou pretende fazer esquecer, que no caso concreto não estamos perante uma simples alteração a um contrato existente, quando, na verdade estamos antes perante a formalização de um novo contrato de seguro.
61.
E em função dessa nova realidade e porque naturalmente que em função do avanço da idade dos proponentes individuais o risco de padecerem de maleitas de porventura que não padeciam aquando da eventual subscrição de um outro contrato de seguro anterior, sempre assistiria ao segurador – no caso a ora Recorrida – o direito de ser dotada com a informação atualizada sobre o historial clínico do proponente em ordem a corretamente avaliar o risco.
62.
A simples circunstância de o aderente ter, em momento anterior, subscrito um outro contrato junto de uma outra Seguradora, que estaria válido até ao momento em que se propôs contratar novo contrato de seguro, desta feita, junto da ora Recorrida, não vale e não pode valer para o caso sub judice.
Admitir um tal entendimento seria, isso sim, permitir o absurdo!
63.
Dito isto, face à matéria de facto provada, importará assim atentar ao que se dispõe no Art.º 429º do Cód. Comercial, aplicável ao caso em apreço: “toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas do segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo. § único. Se
da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio”.
64.
Do mesmo modo se refira que conforme tem vindo a ser entendido e contrariamente que que invocam os Recorrentes, não se exige a verificação de tal nexo de causalidade, não resultando do artigo 429º do Código Comercial tal pressuposto ou requisito, bastando-se a anulabilidade do contrato na prova pela seguradora de terem sido prestadas declarações inexatas ou reticentes com as características acima referidas.
65.
Como referido e decorria do próprio texto do artigo 429º do C.C. e era entendimento corrente, não era necessário que as declarações ou omissões influíssem efetivamente sobre a celebração ou as condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem suscetíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.
66.
Nessa medida e perante as declarações e respostas ou sua omissão por parte do aderente aquando da subscrição da apólice de seguro mais não resta que concluir – como bem o fez o Tribunal “a quo” – que a Recorrida ao subscrevê-lo fê-lo com base em pressupostos que não eram reais, incorrendo num vício de vontade (erro), que por força do disposto pelo artigo 429º do Código Comercial conduz à anulabilidade deste contrato.
67.
Em face de tudo o que antecede, forçosamente se terá de concluir que a decisão de facto se encontra devidamente motivada, permitindo desde logo da sua leitura a aferição do processo lógico de formação da convicção do julgador, sendo claramente percetíveis os motivos pelos quais a MMª Juiz “a quo” ponderou em sentido positivo ou em sentido negativo os elementos probatórios constantes dos autos, inexistindo quaisquer omissões de pronúncia ou incoerências, contradições, erro de interpretação ou de aplicação do direito, ou quaisquer outros vícios.
68.
Por tais razões, o Recurso interposto terá forçosamente de improceder!
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS EM DIREITO INVOCÁVEIS, e porque desprovido de qualquer fundamento, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e em consequência, a absolvição da Recorrida, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.
A 2.ª R. “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
I. Fundamentam os Recorrentes o seu recurso na nulidade da sentença por falta de fundamentação;
II. Conforme vem sendo jurisprudência pacífica, a falta de fundamentação susceptível de conduzir à nulidade da sentença é a total ausência de fundamentação;
III. No caso concreto dos autos, atenta a simplicidade dos factos, não seria necessária uma fundamentação abundante para justificar a decisão;
IV. Tendo em conta o que está em causa nos autos, não era necessária uma profícua e vultuosa fundamentação para justificar a decisão proferida;
V. Razão pela qual não existe qualquer nulidade da sentença por falta de fundamentação;
VI. Não existe qualquer nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão;
VII. Com efeito, insurgem-se os Recorrentes quanto à matéria de facto dada por provada e não provada, tendo em vista permitir o accionamento do seguro dos autos;
VIII. A fundamentação utilizada na sentença sob recurso evidência que os Recorrentes não provaram que ao subscrever os boletins de adesão ao seguro, não lhes foram explicadas as condições de funcionamento do mesmo;
IX. A própria Autora (…) declarou que no momento da subscrição não estava presente com o falecido (…), e que de qualquer forma, ela própria “não assinou de cruz” tendo o preenchimento do referido boletim sido feito pelo funcionário da Recorrida Caixa de acordo com as respostas que os segurados facultaram para o efeito;
X. Igualmente não provaram os Recorridos que o Falecido (…) havia colocado alguma questão, dúvida ou pedido de esclarecimento sobre a doença de que padecia, a qual não podia deixar de ser do seu conhecimento já que era assistido em cardiologia pelo menos desde 2000;
XI. Face aos factos dados por provados e não provados, e à matéria em análise nos autos, que, apesar de difícil prova, não é de difícil percepção, não carecia a sentença sob recurso de uma extensa fundamentação para justificar a razão pela qual entendia não se verificar o invocado erro;
XII. Razão pela qual não existe qualquer nulidade da sentença por falta de fundamentação;
XIII. Em Portugal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo que as impressões e interpretações que o julgador empresta à prova produzida, estão amplamente ligadas também à sua experiência de vida e à ordem natural das coisas, que conferem ou não credibilidade à prova
que é produzida em cada processo;
XIV. Sendo numerosa a jurisprudência proferida no sentido de caber ao juiz ou ao colectivo o poder de livremente apreciar a prova produzida e o poder de determinar o respectivo valor probatório, tendo sempre em atenção a totalidade da prova apresentada e as contradições que da mesma possam emanar, devendo a experiência de vida de cada um dos juízes que aprecie a prova concorrer para a formação da sua convicção;
XV. E no caso dos autos, o que resultou provado, é que nem a Recorrente Anabela nem o falecido (...) questionaram da relevância da doença cardíaca pela qual este vinha sendo acompanhado desde, pelo menos, 2000, para a subscrição do seguro de vida em causa;
XVI. Acresce que, também resultou da prova ouvida que a Recorrida Fidelidade não aceitaria a subscrição de tal seguro se tivesse tido conhecimento de que o Falecido padecia de tal insuficiência cardíaca, ou apenas o aceitaria com um significativo agravamento do prémio do seguro;
XVII. Cabia aos Recorrentes o ónus de provar que ao subscrever os relatórios clínicos o fizeram com verdade e sem omissão de qualquer patologia pré-existente, o que estes não lograram fazer;
XVIII. As queixas de falta de informação de que os Recorrentes reclamam nos autos se prendem não com o momento da subscrição do seguro, mas sim com o momento do accionamento do seguro, após o óbito do Falecido (…);
XIX. Os próprios Recorrentes não concretizam com um único facto qual a informação omitida pela Recorrida Caixa para accionamento do seguro, sabido que está dado como provado que o Segurado faleceu em 24.06.2009 e que tal falecimento foi comunicado à Recorrente Caixa em Setembro de 2009, escassos três meses após o ocorrido;
XX. Estando ainda dado por provado que a Recorrida Caixa solicitou diversos documentos para poder accionar o seguro junto da Recorrida Fidelidade que, depois de recepcionados e analisados concluiu o processo em 10.07.2010;
XXI. Face à necessidade de comprovação do motivo do falecimento e demais elementos que a própria Fidelidade pediu directamente à Recorrente (…), não parece poder concluir-se que não foi prestada a informação necessária e o apoio que os Recorrentes careciam, para efeitos de accionamento do mesmo;
XXII. Os Recorrentes não cumpriram validamente o disposto no artigo 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a), do C.P. Civil para impugnarem tal matéria de facto dada por provada;
XXIII. E o que resulta sem qualquer margem para dúvidas é que os segurados prestaram falsas declarações, omitindo padecimentos de saúde graves que sempre teriam de conduzir à nulidade do contrato de seguro, como resultou provado;
XXIV. Sendo, pois, neste aspecto, indiferente que a Recorrida Caixa tivesse prestado todas as informações, no momento da subscrição do seguro ou no do accionamento, na medida em que a omisão dos segurados sempre levaria à nulidade do seguro contratado;
XXV. Conforme aliás, resulta amplamente provado pelas declarações dos médicos da Seguradora que afirmaram que o seguro não seria contratado face àquela sintomatologia e acompanhamento em consulta de cardiologia, ou apenas seria contratado com um prémio muitíssimo agravado;
XXVI. A sentença recorrida não merece qualquer censura, antes devendo ser integralmente confirmada.
Nestes termos, negando provimento ao recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida, e a absolvição dos pedidos,
V. Exas farão, como sempre a costumada JUSTIÇA!
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso, tendo-se pronunciado, quanto às nulidades da sentença invocadas, pelo seu não procedimento, e, após ter sido recebido o recurso neste tribunal nos seus exactos termos e dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Objecto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da sentença;
2) Impugnação da matéria de facto;
3) Invalidade das cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro;
4) Insuficiência da matéria de facto provada; e
5) Validade do contrato de seguro.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1.1. (…) e (…) casaram civilmente entre si, sem convenção antenupcial, em 19 de Abril de 1997, casamento dissolvido por óbito de (…) em 24 de Junho de 2009 – art. 1º da petição inicial.
1.2. (…) nasceu em 11 de Junho de 1997 e é filho de (…) e (…) art. 1º da petição inicial.
1.3. (…) nasceu em 17 de Fevereiro de 2003 e é filha de (…) e (…) – art. 1º da petição inicial.
1.4. No âmbito do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros que correu termos sob o n.º .../2009 na Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de Vila Nova da Barquinha, em 24 de Julho de 2009, (…), na qualidade de cabeça-de-casal, declarou que o autor da herança, (…), faleceu em 24 de Junho de 2009, não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade e deixou como herdeiros (…), (…) e (…), não havendo quem com eles possa concorrer à sucessão – art. 1º da petição inicial.
1.5. (…) faleceu em 24 de Junho de 2009 no estado de casado com (…) – art. 2º da petição inicial.
1.6. (…) faleceu com 51 anos de idade, em consequência de síndrome de falência multiorgânica devida ou consecutiva a pneumonia – arts. 3º e 4º da petição inicial.
1.7. Por escritura pública, outorgada em 30 de Março de 2006, no Cartório Notarial do Entroncamento, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., na qualidade de primeira outorgante, aí representada por (…), (…) e (…), na qualidade de segundos outorgantes, declararam:
Que pela presente escritura a Caixa Geral de Depósitos, S.A., adiante designada apenas por Caixa ou credora concede aos segundos outorgantes adiante designados por parte devedora um empréstimo que se destina a liquidar ao Banco Espírito Santo, S.A., o financiamento concedido por este Banco aos segundos outorgantes, transferido hoje para a Caixa cujo valor nesta data é de sessenta e cinco mil duzentos e trinta e seis euros e quarenta cêntimos, importância de que estes se confessam desde já devedores.
Tal empréstimo reger-se-á pelas cláusulas constantes da presente escritura bem como pelas cláusulas constantes de um documento complementar elaborado nos termos do número 2 do Artigo 64º do Código do Notariado (…) art. 5º da petição inicial.
1.8. Em 25/01/2006, (…) subscreveu o boletim de adesão ao seguro de vida grupo, crédito habitação titulado pela apólice (…), celebrado entre as 1ª e 2ª RR, em que é tomadora e beneficiária a 2ª R. constante de fls. 80 v.º a 87º v.º, cujo teor e dá por integralmente reproduzido, relativamente ao acordo referido em 1.7., correspondendo ao certificado (…) – art. 6º, 7º e 8º da petição inicial.
1.9. Não obstante o conhecimento do falecimento do R. (…), a 2ª R. continuou a cobrar à 1ª A. as prestações do empréstimo referido em 1.7. – art. 10º da petição inicial.
1.10. A 2ª R. não promoveu junto da 1ª R. o acionamento da apólice de seguro de vida referida em 1.8. – art. 11º da petição inicial.
1.11. Foi através da 2ª R. que foi celebrado o acordo referido em 1.8. – art. 18º da petição inicial.
1.12. A 1ª A. e o (…) não tiveram qualquer contacto directo com a 1ª R. aquando do referido em 1.8. – art. 19º da petição inicial.
1.13. A 2ª R. apenas teve conhecimento, em data não concretamente apurada, do falecimento de (…) quando a 1ª A. accionou o seguro referido em 1.8. – art. 4º e 6º da contestação da 2ª R.
1.14. A 1ª A. acionou o seguro referido em 1.8. junto da 1ª R. e esta entendeu não estarem reunidas as condições de pagamento da indemnização reclamada, comunicando à 1ª A., por carta datada de 10 de Julho de 2010 que “a nossa Assessoria Médica concluiu que a patologia que esteve na origem do pedido de indemnização foi diagnosticada em data anterior ao início do contrato e que não foi a mesma declarada pela Pessoa Segura aquando da adesão ao seguro. Nos termos das Condições Gerais da Apólice, as omissões ou declarações inexactas ou incompletas que alteram a apreciação do risco tornam nulas as garantias do contrato susceptíveis de por elas serem influenciadas. Nesta conformidade, lamentamos informar que não nos será possível proceder ao pagamento da indemnização solicitada.” art. 10º da contestação da 2ª R.
1.15. No questionário clínico anexo ao boletim de adesão referido em 1.8., no que se refere ao estado de saúde à data da subscrição do mesmo, (…) respondeu “Não” às questões inserida no campo 1, números 1 a 5 e 7, de fls. 81, referentes à “Declaração do Estado de Saúde” e “Sim” à questão número 5, sobre se gozava de boa saúde – arts. 12º e 13º da contestação da 1ª R.
1.16. No referido questionário, (…) não consignou quaisquer antecedentes familiares – art. 14º da contestação da 1ª R.
1.17. No referido questionário, (…) respondeu “Não” às questões constantes do campo 3 de fls. 81, referentes aos antecedentes pessoais – art. 15º da contestação da 1ª R.
1.18. O falecimento de (…) foi comunicado, para efeitos de acionamento do seguro, à 1ª R., em Setembro de 2009 – art. 26º da contestação da 2ª R.
1.19. Para instrução do processo de sinistro aberto na 1ª R., esta solicitou à 1ª A., em 23/11/2009, para tomada de posição, o envio de relatório do médico assistente/de família mencionando a data de diagnóstico da patologia que esteve na origem da morte e relatório de autópsia – art. 29º da contestação da 1ª R.
1.20. Em data não concretamente apurada a 1ª A. remeteu à 1ª R. o relatório do médico assistente relativo a (…), informando que este não fora submetido a autópsia – art. 30º e 31º da contestação da 1ª R.
1.21. O falecimento de (…) deveu-se a síndrome de falência multiorgânica devida ou consecutiva a pneumonia – art. 32º da contestação da 1ª R.
1.22. No decurso do processo referido em 1.19., a 1ª A. remeteu à 1ª R. atestado médico subscrito por médico assistente de (…), datado de 10 de Maio de 2007, de que constava o seguinte: “o senhor (…) sofre, de acordo com os relatórios clínicos que me foram presentes da sua Cardiologista assistente, Dr.ª (…) e do Professor (…), (…), de regurgitação mitral grave desde, pelo menos, 2000, com agravamento progressivo e suspeita de ruptura da corda (…)” momento em que a 1ª R. teve conhecimento do aí referido – art. 34º e 45º da contestação da 1ª R.
1.23. (…) sofria desde, pelo menos 2000, de prolapso da válvula mitral, com regurgitação, alteração degenerativa, de carácter progressivo, sem queixas significativas ou sintomas ou sinais de insuficiência cardíaca, sendo seguido, pelo menos desde 2000, em consulta de cardiologia – art. 35º da contestação da 1ª R.
1.24. Em Novembro de 2006 foi diagnosticada a (…) regurgitação mitral grave com agravamento progressivo e sinais de possível ruptura da corda, tendo-lhe sido submetido a valvuloplastia mitral em 15 de Janeiro de 2007, após o que ficou sem regurgitação mitral significativa – art. 35º da contestação da 1ª R.
1.25. (…) tinha conhecimento do referido em 1.23. à data da subscrição do boletim de adesão referido em 1.8. e omitiu tal informação deliberadamente – art. 46º e 47º da contestação da 1º R.
1.26. Se (…) tivesse declarado no questionário referido em ser portador de regurgitação mitral grave, a 1ª R. não teria aceite a subscrição referida em 1.8. – art. 49º da contestação da 1ª R.
1.27. A A. é professora e aufere um vencimento mensal de cerca de € 1.300,00 – art. 39º de fls. 112.
E deu como não provados os seguintes factos:
2.1. Aquando da subscrição do boletim de adesão referido em 1.8. a 2ª R. não prestou qualquer esclarecimento a (…) e à 1ª A. – art. 16º de fls. 117.
2.2. As RR. votaram os AA. ao abandono – art. 21º da petição inicial.
2.3. As RR. não prestaram qualquer informação aos AA. no sentido de accionarem o seguro de vida relativo a (…) – art. 23º da petição inicial.
2.4. Em consequência do referido em 1.10. e 2.3., a 1ª A. entrou numa grande depressão – art. 24º da petição inicial.
2.5. Em consequência do referido em 1.10. e 2.3. a 1ª A. sofreu angústias, que foram transmitias aos seus filhos, e sofrimento e passou e passa muitas noites sem dormir – art. 29º e 30º da petição inicial.
2.6. Em consequência do referido em 1.10. e 2.3. os filhos da 1ª A. são crianças infelizes, cientes da responsabilidade do pagamento da prestação à 2ª R., tiveram consciência de que não podiam ser crianças como as outras e que não poderiam ter computadores, bicicletas, roupas de marca, actividades extracurriculares como inglês, futebol, natação, vendo-se privados de explicações de disciplinas nas quais tinham dificuldades – arts. 32º a 37º de fls. 111.
2.7. (…) sofria desde 2000 de regurgitação mitral grave – art. 46º da contestação da 1ª R.
2.8. O referido em 1.6. foi consequência do referido em 1.24. e 1.25. – art. 66º da contestação da 1ª R.
2.9. No momento da subscrição do seguro referido em 1.8. a 2ª R. explicou a (…) e à 1ª A. as condições gerais a que o mesmo se mostrava sujeito e entregou cópia das condições gerais do mesmo àqueles – art. 13º e 18º da contestação da 2ª R.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) a sentença recorrida é nula; (ii) o tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto; (iii) as cláusulas contratuais do contrato de seguro são inválidas; (iv) a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão proferida; e (v) o contrato de seguro é válido.
1 – Nulidade da sentença
Segundo os Apelantes, a sentença recorrida é nula:
a) nos termos do art. 607.º, nºs. 3 e 4 e 615.º, al. b), do Código de Processo Civil, por falta de fundamentação dos factos provados e não provados, sendo insuficiente a fundamentação relativa aos factos provados 1.25 e 1.26, o que equivale a falta de fundamentação;
b) nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, por omissão de pronúncia, uma vez que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a falta do dever de informação da 2.ª R. ao falecido (…) sobre as cláusulas contratuais gerais constantes no contrato de seguro, designadamente, sobre a cláusula em que se estabelece a anulabilidade do contrato de seguro de vida em caso de prestações inexactas ou incompletas, questão esta que, por lhe ter sido colocada, deveria ter apreciado.
Dispõe o art. 607.º do Código de Processo Civil que:
1 - Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6 - No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.

Dispõe ainda o art. 608.º do Código de Processo Civil que:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Dispõe, por fim, o art. 615.º do Código de Processo Civil que:
1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Cumpre decidir.
a) Para que se mostre verificado este vício, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que se verifique uma situação de ausência de fundamentação de facto ou de direito, não bastando, assim, uma mera situação de insuficiência, mediocridade ou erroneidade de tal fundamentação.
Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 02-06-2016, no âmbito do processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
II - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.

De igual modo se cita a explanação do professor Alberto do Reis[2] sobre esta específica nulidade:
Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Assim, desde logo, não é aceitável a conclusão retirada pelos Apelantes de que a insuficiente fundamentação fáctica quanto aos factos provados 1.25 e 1.26 equivale a falta de fundamentação, visto que falta de fundamentação é ausência de fundamentação e não insuficiência de fundamentação.
Atentemos agora na fundamentação fáctica da sentença recorrida, que se cita:
O Tribunal considerou demonstrados e não demonstrados os factos supra, com base no acordo das partes, na prova produzida em sede de audiência de julgamento e na previamente junta aos autos, nos moldes que se descreverão de seguida.
Assim, no que tange à prova produzida em sede de audiência foram ouvidos a 1ª A. em declarações de parte, bem como as testemunhas apresentadas pelos AA., (…) e (…), e as testemunhas apresentadas pelas RR. (…), (…), (…).
O vertido em 1.1. a 1.5. sustentou-se na seguinte documentação:
- cópia da cerydão de assento de óbito de … (fls. 14);
- cópia da certidão de assento de nascimento de … (fls. 16);
- cópia da certidão de assento de nascimento de … (fls. 18);
- cópia da certidão de assento de casamento da 1ª A. e … (fls. 20);
- cópia da certidão de habilitação de herdeiros de … (fls. 186 e ss.).
O vertido em 1.6. e 1.21. emerge, além da cópia da certidão de assento de óbito de (…), e da cópia do certificado de óbito constante de fls. 89 v.º.
O descrito em 1.7., além de merecer o acordo das partes, sustentou-se na documentação de fls. 21 a 35, cópia da escritura pública que titulou o mútuo invocado e documento complementar.
O consignado em 1.8. ancorou-se na documentação de fls. 80 v.º a 89, sendo que tal matéria não vem também questionada pelas RR. Note-se que neste ponto se teve em consideração o documento de fls. 80 v.º e ss. e não o junto pelos AA. a fls. 37 e ss., tendo em conta que estes alegam o certificado n.º … e não o … (que juntaram na petição inicial). Aliás, tendo em conta o montante do empréstimo titulado pela escritura de fls. 21 a 35, afigura-se-nos estar em causa efectivamente o certificado (…).
O que se deixou vertido em 1.9. a 1.12. emerge da admissão das RR., sendo que a 2ª R. confirma tal facto na sua contestação.
O descrito em 1.13. emerge das declarações de (…), funcionário da 2ª R., o qual não conseguiu indicar em que data a 2ª R. teve conhecimento daquele falecimento. Em declarações, a 1ª A. afirma que deu logo conhecimento do falecimento à 2ª R. e que aqui lhe indicaram que iam ver o que iam fazer. Em todo o caso, a testemunha (…) confirma que a 1ª R. teve conhecimento daquele falecimento em Setembro de 2009, sendo que, pelo menos, em Novembro de 2009 (fls. 97 v.º) foram solicitados à 1ª A. elementos com vista a instruir o processo.
O descrito em 1.14. emergiu do teor de fls. 56 e 57, teor das comunicações dirigidas à 2ª R. e à A. e de que constam expressos os fundamentos da recusa assumida pela 2ª R. De resto a A. (…) confirmou os motivos da recusa nas suas declarações.
Os factos descritos sob os pontos 1.15. a 1.17. emergem do teor de fls. 80 vº e 81, de que constam as respostas prestadas por (…) no questionário anexo ao boletim de adesão. Também neste ponto a A. (…) confirma, pese embora por referência ao questionário que lhe foi apresentado e explicitando que a própria e (…) não se encontravam no mesmo local quando responderam aos respectivos questionários, que as resposas eram fornecidas pelos próprios para o preenchimento do aludido questionário.
O descrito em 1.18. a 1.20. teve em consideração o depoimento da testemunha (…), responsável pelo sector de sinistros da 1ª R., o qual esclareceu os procedimentos adoptados no âmbito do processo interno da 1ª R. com vista a apurar das suas responsabilidades.
O descrito em 1.22. teve em consideração o teor de fls. 100, cópia do aludido atestado médico.
O que se deixou consignado em 1.23. e 1.24. teve em consideração informação constante do relatório médico de fls. 374 emitido pela médica cardiologista que acompanhou (…) em consultas de cardiologia desde o ano de 2000, aí mencionando o diagnóstico que motivou tal acompanhamento. De tal informação se extrai – e este se teve por mais relevante por emitida pela médica que acompanhava especificamente (…) em consulta de especialidade – que apenas em finais de 2006 foi detectada regurgitação mitral grave, como deflui de fls. 358 e 359 (relatório de cateterismo cardíaco datado de 23/11/2006). Na mesma informação se consigna já a preexistência de prolapso da válvula mitral com regurgitação, situação que motivava o seguimento em consultas de cardiologia.
O depoimento da testemunha (…) em nada altera a conclusão a que se chegou. Tal testemunha, enquanto médico de família de (…), referiu que este apenas em 2007, a seguir ao fim do ano se apresentou muito abatido e cansado, sendo que nessa ocasião lhe detectou, mediante auscultação, arritmias e paragens cardíacas, tendo, então aconselhado a procurar serviços especializados. Refere que em momento anterior nunca lhe detectou qualquer problema cardíaco, nem aquele (…) havia apresentado queixas nesse sentido.
Ora, este depoimento não invalida o que se extrai do relatório médico de fls. 374 e não contraria a informação que dele emerge quanto ao seguimento prévio de (…) em consultas de cardiologia desde, pelo menos, o ano de 2000, por causa de prolapso mitral com regurgitação.
Aliás, o relatório de fls. 374 é consentâneo com este depoimento na medida em que indica inexistirem queixas ou sintomas significativos até ao final de 2006. Do cotejo de tais elementos – e considerando que o prolapso mitral com regurgitação se assume como degenerativo e de agravamento progressivo – afigura-se-nos que a situação de regurgitação mitral grave constituiu um desenvolvimento daquela condição patológica pré-existente, desenvolvimento esse previsível atento o carácter degenerativo daquela cardiopatia.
Assim, não se estranha que apenas em 2007 a testemunha em causa tenha detectado aquele problema, o qual havia, aliás, sido já detectado em Novembro de 2006 como resulta de fls. 358 e 359 (e não pela testemunha …, como referiu a A. …).
Com esta fundamentação se deu também como não provado o vertido em 2.7. dos factos não provados. Efectivamente da documentação ora mencionada apenas é possível extrair que em Novembro de 2006 foi detectada a aludida regurgitação mitral grave, não resultando dos autos qualquer elemento que permita concluir que tal estado avançado da cardiopatia em causa se verificasse aquando da subscrição do boletim de adesão indicado em 1.8. É tão só, pois, possível concluir que nessa data se verificava a patologia descrita em 1.23.
O juízo probatório vertido em 1.25. emerge da consideração dos elementos acima mencionados. Pese embora a A. (…) e a testemunha (…) neguem que (…) tivesse conhecimento de qualquer patologia, o que é certo é que o mesmo era, pelo menos desde 2000 seguido em consultas de cardiologia com diagnóstico de prolapso mitral com regurgitação. Ora, não é crível que, sendo seguido em consultas de cardiologia (falamos de uma consulta de especialidade e não de medicina familiar) há, pelo menos, 5 anos à data da adesão ao contrato referido em 1.8. o mesmo não tivesse qualquer conhecimento de que padecia daquela cardiopatia. Aliás, resulta do preenchimento do questionário por (…) que o mesmo exercia a actividade de professor, não se podendo ter, assim, por pessoa de menor instrução e que facilmente podia ignorar a sua situação de saúde.
Em sede de resposta à matéria de excepção invocam os AA. que a 2ª R. não prestou qualquer esclarecimento ao falecido aquando do preenchimento do questionário em causa. Ora, não indicam sequer que o falecido tenha suscitado qualquer dúvida ou pedido esclarecimento sobre qualquer questão, nomeadamente relacionada com a relevância da patologia de que sofria. Nem a A. (…) confirmou o que naquela peça vem indicado de que estes “assinaram o questionário de cruz”, esclarecendo que o preenchimento foi de acordo com a informação que os mesmos prestaram. E, pese embora, indique aquela A., em declarações, que não foram solicitados quaisquer exames, a verdade é que as respostas de (…) foram negativas quanto a qualquer problema de saúde ou antecedente. Aliás, a testemunha (…), médica, e que presta assessoria médica no Ramo Vida para a 1ª R., esclareceu que a solicitação de outros exames e elementos depende das declarações prestadas pelo aderente ao seguro, sendo que tais elementos – como se compreende – não são solicitados caso não haja qualquer indicação de patologia. Aliás, em concreto, quanto à indicação de qualquer patologia cardíaca, a mesma testemunha referiu que nestas condições é necessário pedir outros elementos de forma a aferir as condições de assunção de risco pela seguradora.
Nesta medida, afigura-se-nos que a omissão de (…) quanto à sua condição de saúde apenas poderá ser imputada ao próprio, sem que o mesmo tenha sequer procurado esclarecer a relevância de tal facto.
O descrito em 1.26. emergiu com clareza do depoimento de (…), sendo que esta explicitou as características da regurgitação mitral grave e as suas consequências, designadamente possibilidade de morte súbita devido a formação de êmbolos. Neste contexto esclarece que nos casos de regurgitação mitral grave, sem intervenção cirúrgica, não é aceite pela seguradora o risco; mesmo após intervenção, o risco é aceite com condicionantes, designadamente agravamentos no prémio de seguro.
O vertido em 1.27. emergiu do teor das declarações da 1ª A. e da testemunha (…), sendo que nenhum outro elemento de prova as contrariou.
O descrito em 2.1. emergiu de ausência de prova quanto a tal matéria, sendo que nem sequer se mostra concretizado que esclarecimentos foram solicitados e não prestados.
O juízo probatório vertido em 2.2. e 2.3. resulta da ausência de prova quanto a tais factos. Aliás, os AA. alegam genericamente aquele “abandono” a que foram votados. Se bem compreendemos o teor da petição inicial, tal abandono parece referir-se à ausência da prestação de informação quanto ao accionamento do seguro ou a omissão de accionamento do seguro pela 2ª R. e ao facto de a 1ª R. ter recusado a responsabilidade no pagamento de indemnização.
Ora, dos elementos analisados não resulta minimamente qualquer falta de informação quanto à possibilidade de accionamento do seguro. Aliás, o mesmo foi accionado (pelo menos em Setembro de 2009) e concluído o procedimento, pelo menos, em 1 de Julho de 2010, data em que foi comunicada à 1ª A. a posição da 1ª R.
Note-se que a própria 1ª A. declara que se deslocou logo às instalações da 2ª R. dando nota do falecimento de (…) e pedindo ajuda e que aí lhe disseram que iam ver. Reconhece também que lhe foram solicitados elementos atinentes às circunstâncias em que decorreu aquele falecimento. Em todo o caso, não indica nas suas declarações que informação foi solicitada quanto ao accionamento do seguro e que não lhe foi prestada, sendo que dos autos resulta sobejamente que tal seguro foi accionado, instaurado procedimento de averiguações e assumida a posição de recusa da 1ª R.
A falta de informação veiculada nos autos e que conseguimos apurar reconduz-se à falta de informação quanto a eventuais montantes já liquidados no âmbito do empréstimo concedido, de acordo com o depoimento de (…), actual cônjuge da 1ª A. E, ainda, assim, tal falta de informação situar-se-á já após o casamento desta testemunha com a 1ª A., de acordo com o depoimento do próprio, já que afirma que após o casamento acompanhou a 1ª A. nestas lides e aí se depararam com tal falta de informação. Note-se que o casamento terá ocorrido já no ano de 2013, de acordo com esta testemunha. Ou seja, tal alegada falta de informação ocorreu muito após a comunicação da 1ª R. à 1ª A. e em nada se relacionou com a questão de accionamento do seguro.
No que tange à falta de assunção pela 1ª R. das responsabilidades emergentes do contrato de seguro, note-se que esta assumiu aquela posição fundadamente e não sem qualquer tipo de motivação em Julho de 2010, sendo que os AA. apenas vieram reagir a tanto mediante a interposição da presente acção, já em Abril de 2018.
Não encontramos assim, na prova produzida, qualquer elemento que permita concluir pelo aludido abandono.
No que tange ao vertido em 2.4. e 2.5., resulta dos autos que a 1ª A. é seguida em consulta de psiquiatria desde 2015 apresentando quadro depressivo ligeiro/moderado e crises de pânico. Tal elemento não foi contraditado por qualquer tipo de prova, sendo certo que não temos dúvidas de que a dura provação a que a 1ª A. foi submetida, com o falecimento do companheiro de vida de forma inesperada (na sequência de pneumonia), a assunção a seu cargo de dois filhos menores com as exigências do exercício da respectiva profissão, é, compreensivelmente, circunstância justificativa daquele quadro depressivo. Não ignoramos, também que o facto de ter de continuar a suportar os valores da prestação do empréstimo nestas condições constitui factor contributivo para aquele quadro.
Não obstante, e compreendendo-se todo o quadro de alteração de vida da 1ª A. motivado por aquele falecimento precoce do cônjuge, já não descortinamos da prova produzida que o mesmo estado tenha tido origem em qualquer condutas das RR., designadamente as concretamente imputadas – de falta de accionamento do seguro ou omissão da prestação de informação com ela relacionada. Por uma lado, porque o seguro foi efectivamente accionado e, por outro, porque não se demonstrou qualquer omissão de informação quanto a tal accionamento.
Como se referiu, o seguro foi accionado e a 1ª R. concluiu pela não assunção de responsabilidades já no ano de 2010. O quadro depressivo só foi objectivamente detectado já no ano de 2015, embora não se possa descartar da sua pré-existência que é, no entanto, desconhecida.
Não se duvida, pois, que todo o quadro traçado – falecimento do cônjuge, assunção de encargos familiares e com o empréstimo – tenham conduzido a 1ª A. àquele estado e lhe tenham provocado angústias e sofrimento. Não resulta é que tal situação tenha provindo de qualquer conduta das RR. alegada como fundamento de tanto.
No que tange ao vertido em 2.6., o tribunal teve em consideração o depoimento de (…), sendo que o esmo se referiu à alteração do nível de vida dos 2º e 3º AA. na medida em que o 3º A. teve de deixar o estudo do inglês e a 2ª A. teve de frequentar o ensino público, sendo que não podiam beneficiar de certos brinquedos ou roupas de marca. Sendo perfeitamente razoável admitir tais alterações no quadro de vida por força das despesas inerentes ao contrato de crédito assumido pela 1ª A. e seu falecido marido, não resulta, porém, deste depoimento que aqueles se tenham tornado infelizes por tais circunstâncias
O que se deixou consignado em 2.8. resulta da ausência de prova quanto ao nexo de causalidade entre a causa de falecimento e a patologia pré-existente, sendo que este nexo não se pode presumir e incumbia à 1ª R. a demonstração de tal nexo.
De facto – sem questionar a patologia pré-existente que se mostra atestada nos autos – emerge também de fls. 374 que (…) foi submetido a intervenção cirúrgica (valvuloplastia mitral) em Janeiro de 2007, com bom resultado cirúrgico e ficando sem regurgitação mitral significativa, debelando assim o risco decorrente daquela cardiopatia. Admitindo-se o oportunismo de maleitas como a pneumonia, não resulta, porém, dos autos que o falecido (…) tenha contraído tal patologia em consequência da patologia de que sofria ou da intervenção que a mesma motivou. Por um lado, porquanto a pneumonia que motivou a falência orgânica, causa de morte, terá sobrevindo mais de dois anos após a intervenção cirúrgica, tendo esta sido efectuada com sucesso. Por outro, desconhece-se se aquele (…) padeceria de outras circunstâncias que motivassem enfraquecimento do organismo e aumento de risco na contracção de tal maleita.
Note-se, também que, de acordo com questionário médico preenchido pela médica assistente no âmbito do processo de sinistro instaurado pela 1ª R. (fls. 98 e 98 v.º), aí é feita menção de que à data da última observação de (…), nada fazia prever o óbito do mesmo pelos motivos verificados.
Torna-se, assim, difícil concluir com segurança que a pneumonia e subsequente falência orgânica que motivaram o decesso de (…) tenham tido origem na cardiopatia de que o mesmo padecia ou na intervenção cirúrgica a que o mesmo foi submetido por causa desta.
Quanto ao consignado em 2.9., não resulta da prova o facto aí vertido, sendo que a testemunha (…), funcionário da 2ª R. não teve intervenção directa na contratação, apenas discorrendo sobre os procedimentos normais quanto àquela contratação.

Ora, da presente citação resulta, não só que a sentença recorrida apresentou fundamentação para todos os factos que deu como provados e não provados, como tal fundamentação se revela bastante exaustiva e esclarecedora, quer quanto aos factos provados 1.25 e 1.26, quer quanto aos demais factos provados e não provados, sendo certo que, mesmo que o não fosse, tal nunca implicaria a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.
Assim, quanto a esta nulidade, apenas resta concluir pela sua improcedência.
b) A presente nulidade, quando se reporta a uma situação de omissão de pronúncia, ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras.
Porém, não se deve confundir questões com considerações, argumentos ou razões.
Conforme bem referiu Alberto dos Reis[3]:
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação.
Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 15-12-2011, no âmbito do processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
IV - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.°, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
V - Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.

E isto é assim quer quanto à circunstância de o tribunal não se encontrar obrigado a pronunciar-se sobre toda a argumentação apresentada pelas partes quer quanto à circunstância de poder apresentar argumentação diversa da invocada.
Por outro lado, não se pode confundir omissão de pronúncia, que se terá de entender como ausência de apreciação, com deficiente ou obscura fundamentação.
Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 22-01-2015, no âmbito do Proc. 24/09.2TBMDA.C2.S2, consultável em www.dgsi.pt:
(…) a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados.

Transcreve-se ainda o que consta da obra O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[4]:
4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.

No caso em apreço, os Apelantes entendem que o tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre as consequências da falta do dever de informação da 2.ª R. ao falecido (…) relativamente às cláusulas contratuais gerais constantes no contrato de seguro, designadamente, sobre a cláusula em que se estabelece a anulabilidade do contrato de seguro de vida em caso de prestações inexactas ou incompletas, por tal questão lhe ter sido colocada.
Acontece, porém, conforme decorre da leitura quer da PI quer da réplica apresentada pelos Apelantes, que a validade da cláusula que estabelece a anulabilidade do contrato de seguro de vida em caso de prestações inexactas ou incompletas nunca foi colocada ao tribunal a quo, sendo que:
- na PI, os Apelantes apenas se reportam à não prestação de qualquer informação pelas RR. aos AA. no sentido de accionarem o seguro de vida do falecido (…), ausência essa de informação que foi causa de sofrimento por parte dos AA. e motivaria o direito a uma indemnização; e
- na réplica, os Apelantes apenas invocam que a 2.ª R. não prestou qualquer esclarecimento ao falecido (…) e à 1.ª A. (não concretizando sobre o quê), tendo colocado uma minuta à frente do falecido e da 1.ª A. para esta assinar de cruz, o que ambos fizeram, nunca tendo os Apelantes, porém, mesmo nessa réplica, solicitado o pedido de nulidade de todas as cláusulas contratuais gerais constantes desse contrato de seguro ou especificamente de alguma delas.
Ora, para além de, no contexto de tal réplica resultar que aquilo que a 1.ª A e o falecido (…) terão alegadamente assinado de cruz foram as respostas às questões sobre a sua saúde, e não o contrato de seguro, onde constam as cláusulas contratuais gerais (e concretamente a invocada em sede de recurso), verdade é que, sobre a questão da ausência de informação por parte da 2.ª R. aos Apelantes, a sentença recorrida pronunciou-se, ainda assim, nos seguintes moldes:
Note-se também a irrelevância da não demonstração do vertido em 2.9., considerando que os AA. não vêm invocar a seu favor qualquer nulidade de cláusula contratual geral ou do próprio contrato de seguro com fundamento em omissão de comunicação ou explicitação de cláusulas.

Ora, como a nulidade prevista nesta alínea apenas ocorre quando não existe qualquer pronúncia sobre a questão invocada, e não quando tal pronúncia seja insuficiente, desde logo, mesmo a considerar-se que o tribunal a quo tinha a obrigação de decidir sobre a questão deficientemente colocada pelos Apelantes, nunca estaríamos perante a nulidade invocada.
Por fim, sempre se dirá que, mesmo que a questão da nulidade de determinada cláusula contratual geral constante do mencionado contrato de seguro tivesse sido correctamente colocada em sede de primeira instância pelos Apelantes, o tribunal a quo, ao ter declarado a nulidade do referido contrato de seguro por vício na formação da vontade, a questão da validade dessa cláusula contratual geral, por pressupor necessariamente a validade do mencionado contrato de seguro, sempre se mostraria prejudicada, nos termos do n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir, também quanto à nulidade por omissão de pronúncia, pela sua improcedência.
2) Impugnação da matéria de facto
Vieram os Apelantes impugnar a matéria de facto nos seguintes termos:
a) O tribunal a quo errou, ao dar como não provado que não existiram danos não patrimoniais na pessoa dos AA. pela conduta omissiva das RR., desvalorizando por completo os depoimentos do médico assistente do falecido, Dr. (…), (…), actual marido da A., e do próprio depoimento de parte da A.; bem como errou ao dar como provado, sem provas, que a seguradora não aceitaria celebrar o contrato do ramo vida se tivesse tido conhecimento de que o falecido (…) padecia de uma ligeira regurgitação mitral; e
b) Por contradição entre os factos não provados 2.1 e 2.9.
Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Dispõe igualmente o art. 662.º, nºs. 1 e 2, al. c), do Código de Processo Civil, que:
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…);
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre o Recorrente, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016, no âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

Decidamos.
a) Relativamente à pretensão dos Apelantes em que os factos relativos aos danos não patrimoniais sofridos pelos AA., em virtude da conduta omissiva das RR., deveriam ter sido dados como provados, em face dos depoimentos das testemunhas (…) e (…) e do próprio depoimento de parte da 1.ª A., é manifesto que os Apelantes não deram qualquer cumprimento ao disposto na al. a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil, uma vez que se limitaram a invocar os mencionados depoimentos, os quais se mostram gravados, sem indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso ou sequer as passagens na gravação em que tais depoimentos se encontram.
Assim, e especificamente quanto a este ponto, por incumprimento do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil, rejeita-se o recurso nesta parte.
Relativamente à pretensão de que o facto provado, onde consta que a seguradora não aceitaria celebrar o contrato do ramo vida se tivesse tido conhecimento de que o falecido (…) padecia de uma ligeira regurgitação mitral, não deveria ter sido dado como provado, por falta de provas, desde logo, importa mencionar que, para além dos Apelantes não indicarem expressamente tal facto, o mesmo não consta do elenco dos factos que foram dados como provados.
Efectivamente, apenas foi dado como provado, no facto 1.26, que:
1.26. Se (…) tivesse declarado no questionário referido em ser portador de regurgitação mitral grave, a 1ª R. não teria aceite a subscrição referida em 1.8. – art. 49º da contestação da 1ª R.

Diga-se, desde já, que é diferente ter sido dado como provado que a 1.ª R. não teria subscrito o contrato de seguro se tivesse tido conhecimento de que o falecido (…) padecia de regurgitação mitral grave ou, como mencionam os Apelantes de que foi dado como provado (o que não é verdade) que a 1.ª R. não teria subscrito o contrato de seguro se tivesse tido conhecimento de que o falecido (…) padecia de regurgitação mitral ligeira.
Assim, por inexistir sequer no elenco dos factos que foram dados como provado o facto a que os Apelantes fazem menção, rejeita-se neste ponto o recurso.
b) Verificando-se a contradição alegada entre os factos não provados 2.1 e 2.9, nos termos do art. 662.º, nºs. 1 e 2, al. c), do Código de Processo Civil, o tribunal ad quem, mesmo oficiosamente, pode anular a decisão da 1.ª instância, se não constar do processo todos os elementos necessários para alterar, de imediato, a decisão sobre a matéria de facto.
Consta do facto não provado 2.1 que:
2.1. Aquando da subscrição do boletim de adesão referido em 1.8. a 2ª R. não prestou qualquer esclarecimento a (…) e à 1ª A. – art. 16º de fls. 117.

Consta do facto não provado 2.9 que:
2.9. No momento da subscrição do seguro referido em 1.8. a 2ª R. explicou a (…) e à 1ª A. as condições gerais a que o mesmo se mostrava sujeito e entregou cópia das condições gerais do mesmo àqueles – art. 13º e 18º da contestação da 2ª R.

Na realidade, importa distinguir um facto não provado de um facto negativo, pelo que da não prova de determinado facto não se pode dar como assente que se mostra provado o facto negativo que lhe seja simétrico e, de igual modo, da não prova de um facto negativo não se pode dar como assente que se mostra provado o facto positivo que lhe seja simétrico.
Veja a este propósito o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 11-04-2019, no âmbito do processo n.º 9477/16.1BCLSB, consultável em www.dgsi.pt:
I. Um facto não provado não se confunde com um facto negativo, não se podendo extrair da factualidade não provada que esteja assente o facto negativo que lhe seja simétrico.
II. Fundando a Administração Tributária a correção no teor de contrato assinado entre o sujeito passivo e uma sociedade e na declaração de retenções (não pagas) dessa mesma sociedade, cabe ao sujeito o ónus da prova de que o rendimento não lhe foi pago ou colocado à disposição.
III. A apreciação da prova de um facto negativo, devido às maiores dificuldades que lhe estão inerentes, deve ser feita considerando o princípio da proporcionalidade, implicando uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito.

Cita-se ainda a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 07-02-2008, no âmbito do processo n.º 07A4705, consultável em www.dgsi.pt:
A prova dos factos constitutivos, sejam eles positivos ou negativos, incumbe à parte que invoca o direito.
Não é pelo facto de estarmos perante um “facto negativo” que se inverte o ónus da prova nem tão-pouco pela dificuldade que isso naturalmente representa.

Assim, sempre que o facto negativo seja constitutivo de direitos deve o mesmo ser provado, competindo a prova desse direito a quem o arroga.
No caso dos autos, não se provou nem o facto negativo invocado pelos Apelantes, nem o facto positivo que lhe era simétrico invocado pela 2.ª Apelada, pelo que deverão os dois constar como não provados, competindo, em sede de aplicação do direito, apurar a quem competia o ónus da prova, atento o disposto nos arts. 342.º a 344.º do Código Civil, e que, por a não ter efectuado, não conseguiu provar o direito de que se arroga.
Nesta conformidade, improcede a invocada contradição entre aqueles dois factos não provados.
3) Invalidade das cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro
No entender dos Apelantes, a circunstância de a 2.ª R. não ter prestado o dever de informação sobre as cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro ao falecido (…), designadamente sobre a cláusula que estabelece a anulabilidade do contrato de seguro de vida em caso de prestação de declarações inexactas ou incompletas, incumbindo sobre aquela tal obrigação, nos termos do arts. 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25-10, deveria ter determinado a exclusão de tais cláusulas contratuais.
Importa, então, atentar nos fundamentos da sentença recorrida.
Nos termos de tal sentença foi declarada a nulidade do contrato de seguro celebrado entre o falecido (…) e a 1.ª R., com os seguintes fundamentos:
Considerando a data de adesão da pessoa segura – 25/01/2016[5] – à formação do contrato, matéria a que respeita a nulidade invocada pela 1ª R., não vigorava, ainda o DL 72/2008 já mencionado.
Assim, aplicável à situação dos autos é o preceituado no art. 429º do Código Comercial, o qual dispõe que: “Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou de circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que tenham podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.
Seguindo aqui, o vertido no Ac. TRL de 01/02/2018, processo n.º 3016/15.9T8CSC.L1-2, disponível no site www.dgsi.pt, que ora reproduzimos:
Numa interpretação actualista, tendo em consideração os regimes do erro e do dolo constantes do CC, não se percebendo um desvio tão grande em relação aos mesmos, vem-se entendendo que aquela invalidade corresponde a uma anulabilidade que não verdadeiramente a uma nulidade.
As condições do contrato de seguro variam em função do risco assumido – o segurado ou quem fez o seguro está (ou deveria estar) na posse dos elementos necessários para estimar esse risco, devendo comunicá-los sem reticências, inexactidões ou omissões. Como assinala J.C. Moitinho de Almeida o «contrato de seguro é um contrato assente na boa fé, pois o segurador, quer na sua decisão de assumir os riscos, quer na determinação da contraprestação (prémio), confia no segurado, nas informações por este fornecidas na declaração inicial do risco». Acrescentando mais adiante: «O segurado deve declarar todas as circunstâncias que tenham influência na opinião do risco do segurador, quer dizer, todas as circunstâncias que por qualquer forma sejam susceptíveis de tornarem o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências (probabilidade e intensidade do risco)».
A declaração inexacta consistirá na comunicação de elementos não conformes com a realidade; a declaração reticente traduz-se na omissão de factos ou circunstâncias com interesse para a formação da vontade contratual da outra parte. A obrigação que impende sobre o segurado ou tomador abrange todos os factos ou circunstâncias conhecidas e susceptíveis de influir na celebração ou no conteúdo do contrato – Moitinho de Almeida refere, aliás, que pressuposto do ónus deve ser o conhecimento pelo segurado da circunstância, ou, não a conhecendo, que a devesse razoavelmente conhecer.
A invalidade em referência tem em consideração o equilíbrio das prestações que não se verifica se o segurado o destruiu induzindo em erro a seguradora por força de inexactidões ou omissões, levando-a a praticar condições menos onerosas do que aquelas que praticaria se tivesse conhecimento exacto dos factos, ou que, mesmo até a poderiam levar a não contratar.
Deverão ser declaradas todas as circunstâncias que, de qualquer modo, sejam susceptíveis de tornar o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências, como supra aludido.”
Não são assim quaisquer declarações inexactas ou omissões que sustentam a nulidade/anulabilidade do contrato de seguro, mas tão só as que sejam conhecidas do subscritor e que poderiam influir na decisão de contratar da seguradora ou nas condições da contratação. Basta, portanto, a susceptibilidade do conhecimento daquelas informações que foram omitidas ou inexactamente declaradas poder influir naquela decisão de contratar.
Revertendo para o caso dos autos, temos, pois, que o falecido (…) subscreveu o boletim de adesão ao contrato de seguro referido em 1.8. em 25/01/2009[6] e, nessa ocasião, não declarou qualquer estado patológico ou doença no questionário anexo a tal boletim.
Demonstrou-se, ainda, que naquela data, e desde 2000, o referido (…) era portador de “prolapso da válvula mitral, com regurgitação, alteração degenerativa, de carácter progressivo”, por força do que era seguido, desde 2000, em consulta de cardiologia.
Mais resulta que, apenas em Novembro de 2006, já posteriormente à subscrição do acordo referido em 1.8., lhe foi diagnosticada “regurgitação mitral grave com agravamento progressivo e sinais de possível ruptura da corda, tendo-lhe sido submetido a valvuloplastia mitral em 15 de Janeiro de 2007”.
Nesta medida, a patologia de que o mesmo padecia, a qual era já de carácter degenerativo e progressivo, agravou redundando em regurgitação mitral grave a qual motivou intervenção cirúrgica.
Ora, (…) omitiu naquele questionário qualquer referência àquela condição de saúde, sendo que no mesmo questionário vêm consignadas questões referentes ao padecimento de qualquer defeito físico, doença, e, especificamente, doenças do coração.
Obviamente, não podia declarar a referida regurgitação mitral grave, porquanto a mesma apenas foi diagnosticada em Novembro de 2006, mas tinha conhecimento da patologia degenerativa de que padecia e que veio a reverter na referida regurgitação mitral grave, com necessidade de substituição da válvula mitral.
Afigura-se-nos, pois, que na omissão da referência a tal patologia – prolapso da válvula mitral – o referido (…) omitiu informações no preenchimento do questionário de adesão, informações essas que eram do seu conhecimento e que o fez deliberadamente, como resulta do vertido em 1.25.
Cabe agora aferir se tais informações, se conhecidas pela 1ª R. seriam susceptíveis de influir na decisão de contratar.
Ora, deu-se como provado o referido em 1.26. dos factos provados.
Efectivamente a 1ª R. alega que não teria contratado com o aludido (…) caso tivesse conhecimento da verificação de regurgitação mitral grave, o que se demonstrou. Não se provou, porém, que este à data da subscrição do boletim de adesão apresentasse aquele grau avançado da patologia pré-existente, mas tão só, pelo menos, prolapso da válvula mitral com regurgitação.
Não obstante, como acima foi referido, a patologia pré-existente, e que (…) conhecia era de carácter degenerativo e progressivo, ou seja, era expectável que a mesma viesse a agravar-se, como efectivamente ocorreu, obrigando inclusive a intervenção cirúrgica de substituição da válvula mitral (valvuloplastia). Neste quadro, afigura-se-nos que o conhecimento de tal patologia pré-existente – que implica um risco acrescido de vida para o segurado - era, pelo menos, susceptível de influir nos termos da contratação, nomeadamente quanto ao valor do prémio de seguro.
Como acima se disse, pressuposto da nulidade prevista no art. 429º do C. Comercial não é a circunstância de a omissão ou declaração inexacta influir efectivamente na decisão de contratar, mas tão só de ser susceptível de influir na decisão de contratar ou nos termos da contratação.
Nesta medida, afigura-se-nos que assiste razão à 1ª R. na medida em que pretende ver reconhecida a nulidade do contrato de seguro.

Diga-se, desde já, que concordamos com a presente explanação.
Efectivamente à data da adesão pelo falecido (…) do contrato de seguro (25-01-2006) encontrava-se em vigor o art. 429.º do Código Comercial, o qual dispunha que:
Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo.
§ único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio.

Em face da matéria que foi dada como provada (designadamente que, em 25-01-2006, o falecido … tinha conhecimento de que padecia, desde o ano 2000, de prolapso da válvula mitral, com regurgitação, a qual se traduz numa doença de alteração degenerativa, de carácter progressivo, ainda que até à data não tivesse queixas ou sintomas ou sinais de insuficiência cardíaca, sendo, porém, desde 2000, seguido em consultas de cardiologia, e apesar de tal conhecimento, omitiu tal informação deliberadamente, nessa data, aquando da subscrição do boletim de adesão ao contrato de seguro – factos 1.23 e 1.25 dos factos provados), e estando em causa uma patologia de carácter degenerativa e progressiva, era expectável, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, que a mesma se viesse a agravar, como efectivamente, aliás, aconteceu, pelo que o conhecimento pela 1.ª R. (a seguradora) de tal patologia pré-existente, que implicava riscos acrescidos para a saúde e vida do segurado, era susceptível de influir nos termos contratuais propostos, pelo menos, relativamente ao valor do prémio de seguro.
Atente-se, como bem se salientou na sentença recorrida, para que se possa declarar a invalidade do contrato de seguro, nos termos do citado art. 429.º do Código Comercial, não é necessário que se prove que a omissão ou declaração inexacta influiria efectivamente na decisão de contratar, sendo suficiente que tal omissão ou declaração inexacta seja susceptível de influir na decisão de contratar ou nos termos da contratação, o que, no caso concreto, se revela evidente.
Ao ter sido declarada, pela sentença recorrida, a invalidade do contrato de seguro por vício da vontade (erro) por parte da seguradora (1.ª R.), nos termos do art. 429.º do Código Comercial (e não em virtude de uma qualquer cláusula contratual geral), torna-se irrelevante apurar da validade das cláusulas contratuais gerais constantes de tal contrato, designadamente da que determinasse a anulabilidade do contrato de seguro de vida em caso de prestação de declarações inexactas ou incompletas, uma vez que a apreciação das clausulas ínsitas no contrato de seguro têm necessariamente de pressupor a validade e eficácia desse contrato de seguro, o que, no caso, não existe.
Conforme bem se salienta no acórdão do STJ, proferido em 02-12-2008, no âmbito do processo n.º 08A3737, consultável em www.dgsi.pt:
6) A sanção do artigo 429.º do Código Comercial mais não é do que a consequência de um caso de erro vício, essencial parcial, da disciplina do artigo 251.º do Código Civil.

Assim, por se mostrar prejudicada pela declaração de invalidade do contrato de seguro, nos termos do art. 429.º do Código Comercial, não se aprecia a validade das cláusulas contratuais gerais ínsitas em tal contrato declarado inválido.
4) Insuficiência da matéria de facto provada
No entender dos Apelantes, não ficou provado que existisse dolo, negligência ou má fé do segurado (…) relativamente à omissão ou inexactidão das suas declarações, o que tinha de ter sido provado, sendo, desse modo, insuficiente a conclusão do tribunal a quo, para julgar improcedente a acção interposta pelos Apelantes.
Nos termos do citado art. 429.º do Código Comercial, a inexactidão ou omissão das declarações prestadas pelo segurado pressupõem o dolo ou a negligência (factos ou circunstâncias que são do conhecimento do segurado), sendo que, em face da matéria que foi dada como provada no ponto 1.25 (“… tinha conhecimento do referido em 1.23. à data da subscrição do boletim de adesão referido em 1.8. e omitiu tal informação deliberadamente”), o segurado (…) actuou com dolo.
Conforme consta do já citado acórdão do STJ, proferido em 02-12-2008, no âmbito do processo n.º 08A3737, consultável em www.dgsi.pt:
3) Declaração inexacta é a declaração errada que tanto pode ser dolosa como negligente: já a declaração reticente traduz-se na omissão de factos ou circunstâncias que, importando para a avaliação do risco, são do conhecimento do tomador do seguro e interessam ao segurador.

Pelo exposto, apenas nos resta concluir que a matéria dada como provada é suficiente para permitir a declaração de invalidade do contrato de seguro, improcedendo, deste modo, nesta parte, a pretensão dos Apelantes.
5) Validade do contrato de seguro
Defendem os Apelantes que, por inexistir nexo de causalidade entre o facto omitido e o evento que deu origem a indemnização, ou seja, por inexistir nexo de causalidade entre a doença que o segurado omitiu aquando da adesão ao contrato de seguro e a causa da sua morte, o contrato de seguro não é nulo ou anulável, uma vez que não ficou provado que foi devido ao facto omitido na proposta de adesão, que se deu o causal evento que permitiu aos Apelantes reunir os pressupostos para accionar o seguro por morte.
Na realidade, apenas se aferiria da relevância do nexo de causalidade entre a omissão ou inexactidão da declaração prestada e o dano morte, constitutivo de eventual obrigação de indemnizar, se inexistisse vício da formação da vontade por parte da seguradora aquando da celebração do mencionado contrato de seguro, sendo tal invalidade resultante, não de um vício da formação da vontade na celebração do contrato, nos termos do citado art. 429.º do Código Comercial, antes sim, de determinada cláusula contratual que implicasse a invalidade do contrato de seguro perante toda e qualquer inexactidão ou omissão.
Citando-se de novo o acórdão do STJ, proferido em 02-12-2008, no âmbito do processo n.º 08A3737, consultável em www.dgsi.pt, no caso da invalidade prevista no art. 429.º do Código Comercial:
5) Irreleva, outrossim, o nexo de causalidade naturalístico entre a omissão (ou reticência) e o sinistro.

Pelo exposto, também quanto a este ponto, por o mesmo se mostrar prejudicado pela declaração de invalidade do contrato de seguro, nos termos do art. 429.º do Código Comercial, não se procederá à sua apreciação.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.
Notifique.
Évora, 23 de Abril de 2020
Emília Ramos Costa (relatora)
Conceição Ferreira
Rui Machado e Moura
__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Conceição Ferreira; 2.º Adjunto: Rui Machado e Moura.
[2] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 140.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.
[4] Almedina, 2018, p.737.
[5] Por lapso ficou a constar o ano de 2016, quando o ano correcto é o de 2006 (vide facto provado 1.8).
[6] Por lapso ficou a constar o ano de 2009, quando o ano correcto é o de 2006 (vide facto provado 1.8).