Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
503/12.4TTTMR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: Quando a empregadora, uma sociedade por quotas, detém 100% das quotas de outra sociedade por quotas, verifica-se uma relação de grupo entre as duas, por domínio total da primeira sobre a segunda, pelo que respondem as duas solidariamente pelo pagamento dos créditos dos trabalhadores, vencidos há mais de três meses.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 503/12.4TTTMR.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: MM, Lda (ré).
Apelados: BB e outros (autores).

Tribunal Judicial da comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Tomar, J1.

1. BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH intentaram ação sob a forma de processo comum contra:
1 - II, Lda, declarada insolvente e legalmente representada pelo senhor administrador judicial – …,
2 - JJ, SA, declarada insolvente e legalmente representada pelo senhor administrador judicial – …,
3 - KK, Lda,
4 - LL, SA,
5 - MM, Lda,
6 – NN,
7 - OO,
8 - PP,
Invocaram a existência de contratos de trabalho, o incumprimento da primeira R., a responsabilidade das demais rés e peticionaram o seguinte:
1 – Condenar-se solidariamente os RR. a pagar a cada um dos AA. os créditos salariais referidos nos art.ºs 17.º, 23.º, 29.º, 34.º, 39.º, 46.º, 52.º da petição;
2 – E ainda os juros vincendos à taxa legal, desde a data da propositura da ação até integral e efetivo pagamento.
Por despacho proferido a 20/11/2014 foi homologada a desistência da instância relativamente ao pedido formulado pelo A. HH.
Também nessa data foi proferido despacho a declarar a inutilidade superveniente da lide quanto à instância intentada pelos AA. EE e GG.
A 12/3/2015 foi homologada a redução dos pedidos dos seguintes autores:
- BB – 30 261, 90 € - 7 599, 45 € = 22 662, 45 €
- CC – 25 474, 70 € - 7 696, 63 € = 17 778 €
- DD – 16 320 € - 8 149, 95 € = 8 170 €
- FF – 16 169 € - 7 799, 78 € = 8 369, 22 €.
No dia 7/10/2015 foi proferido despacho a decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto às RR.:
- II, Lda,
- JJ, SA;
- NN; e,
- PP
Frustrou-se o acordo aquando da realização da audiência de partes.
As RR. foram regularmente notificadas para contestar, mas mantiveram-se revéis.
2. De seguida, foi proferida decisão nos seguintes termos:
Dispõe o art.º 57.º do Código de Processo do Trabalho, que:
1. Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
2 - Se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da ação, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor.
Entende-se que a situação dos autos, em vista dos factos alegados na petição e não impugnados, se reconduz a esta última situação quanto à R. MM, Lda.
No entanto, ressalva-se a situação da R. PP e da R. Herança Indivisa de …, na medida em esta pessoa e património claramente não se reconduzem à figura de sociedades em relação de participação recíprocas, de domínio ou de grupo, na aceção do art.º 334.º do Código do Trabalho. A R. PP e a R. Herança Indivisa de … são pessoas jurídicas ou judiciárias totalmente distintas do empregador, pelo que não há lugar à sua responsabilização pelas dívidas deste.
Por outro lado, a mera invocação da qualidade de gerente ou a emissão de notas de crédito (cfr. art.ºs 105.º e 115.º, da p.i.) é insuficiente para fundamentar a sua responsabilidade pelas dívidas da empregadora.
Por conseguinte, julgar-se-á a ação improcedente, por não fundamentada, quanto a estas rés.
4. Decisão.
4.1. Assim, em vista da revelia dos RR., da manifesta simplicidade da causa e com a ressalva acima expressa, decido considerar confessados os factos alegados pela A. e, em consequência, condeno a R. MM, Lda, a pagar aos AA. os seguintes montantes:
- BB = €22 662,45;
- CC = € 17 778;
- EE = € 35.115,46 € + € 1.287,57;
- DD = € 8 170;
- FF = € 8 369,22;
E ainda os juros vincendos à taxa legal, desde a data da propositura desta ação até integral e efetivo pagamento.
4.2. Julgo a presente ação parcialmente improcedente e absolvo os RR. PP a Herança Indivisa de … de todos os pedidos.
4.3. A R. MM, Lda, e os AA. BB, CC, EE, DD e FF vão condenados a pagar as custas do processo, na proporção de 4/5 e 1/5 respetivamente, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário.
4.4. Fixo o valor da causa: o dos pedidos - art.º 11.º, do Regulamento das Custas Judiciais.

2. Inconformada, veio a ré MM, Lda interpor recurso de apelação e concluiu que não se lhe aplica o disposto no art.º 334.º do CT, que regula as relações entre sociedades, e bem assim, as normas dos art.ºs 483.º n.º 1, 485.º n.º 1 e 486.º n.º 1 do CSC, que se referem a participações entre sociedades, nunca dos sócios.

3. Os apelados responderam e concluíram que alegaram na petição inicial os factos conducentes à responsabilidade solidária dos réus, incluindo a ré apelante, os quais não foram impugnados e por isso estão provados, pelo que a sentença recorrida deve ser confirmada de facto e de direito.

4. Após a prolação da sentença os AA. apelados viram requerer a retificação e reforma da sentença, a qual foi deferida por despacho proferido já depois de admitido o recurso e foi proferida nova decisão conforme o requerido, nos seguintes termos:
“Por conseguinte, será admitida a pretendida reforma da sentença e, pelas razões já expressas no dia 30/11/2015, decido condenar igualmente a R. LL, SA, a pagar (solidariamente com a R. MM, Lda) aos AA. os seguintes montantes:
- BB = € 22 662,45;
- CC = € 17 778;
- EE = € 35 115,46 + € 1.287,57;
- DD = € 8 170;
- FF = € 8 369,22;
E ainda os juros vincendos à taxa legal, desde a data da propositura desta ação até integral e efetivo pagamento.
A RR. MM, Lda, e LL, SA, e os AA. BB, CC, EE, DD e FF vão condenados a pagar as custas do processo, na proporção de 4/5 e 1/5 respetivamente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Esta decisão foi notificada e não foi objeto de recurso.

5. O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser mantida a sentença recorrida, quer de facto quer de direito.

6. Não foi apresentada resposta a este parecer.

7. Após os vistos, em conferência, cumpre decidir.

8. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.

A questão a decidir neste recurso consiste em apurar se a ré apelante deve ser responsabilizada pelo pagamento dos créditos dos trabalhadores.

II - FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a ter em conta são os alegados pelos autores na petição inicial e que não foram impugnados, pelo que se consideram provados, atendendo também, no que respeita às participações sociais, aos documentos apresentados que os confirmam e que não foram impugnados.
Com interesse para a decisão da questão em concreto colocada pela apelante, estão provados os factos seguintes:
1. A 1.ª R. detém 100% da 5.ª R., MM, Lda, aqui apelante.
2. A 5.ª R. é detida em 100% por NN, OO e tem como gerente a 8.ª R. – PP.
3. As 4.ª e 5.ª RR. têm como Administradora PP.
4. Os veículos das 1.ª e 4.ª RR. eram usados indistintamente ao serviço de todas as RR., assim como a maquinaria e o material informático.
5. O material faturado entre as várias empresas do grupo era a preço de custo, acrescido de 3% ou 5%, consoante os casos.

B) APRECIAÇÃO
A questão a decidir neste recurso, como já referimos, consiste em apurar se a ré apelante deve ser responsabilizada pelo pagamento dos créditos dos trabalhadores.

Prescreve o art.º 334.º do CT que por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
Os art.ºs do CSC para o qual remete o art.º 334.º do CT estão inseridos no título VI, sociedades coligadas.
O art.º 481.º n.º 1 do CSC prescreve que o presente título aplica-se a relações que entre si estabeleçam sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por ações.
Para este efeito, nos termos do art.º 482.º do CSC, consideram-se sociedades coligadas:
a) As sociedades em relação de simples participação;
b) As sociedades em relação de participações recíprocas;
c) As As sociedades em relação de domínio;
d) As sociedades em relação de grupo.
A 1.ª ré é uma sociedade por quotas que detém a totalidade do capital social da 5.ª ré, a aqui apelante, que é também uma sociedade por quotas.
Contrariamente ao referido pela apelante, no que concerne à sua responsabilidade solidária com a sociedade empregadora, esta não se funda no facto dos sócios serem os mesmos nas duas sociedades, mas sim na relação de grupo existente entre as duas sociedades. A única sócia da sociedade apelante é a sociedade 1.ª ré e não os sócios desta.
O art.º 489.º n.º 1 do CSC prescreve que a sociedade que, diretamente ou por outras sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º n.º 2, domine totalmente uma outra sociedade, por não haver outros sócios, forma um grupo com esta última, por força da lei, salvo se a assembleia geral da primeira tomar alguma das deliberações previstas nas alíneas a) e b) do número seguinte (n.º 1).
Não se mostra nos autos, nem é alegado, que nos seis meses seguintes à ocorrência dos pressupostos acabados de referir, a administração da sociedade dominante, a primeira ré, convocou a assembleia geral desta para deliberar, em alternativa, sobre: dissolução da sociedade dependente, a aqui apelante; ou a alienação de quotas ou ações da sociedade dependente, a aqui apelante (n.º 2, alíneas a) e b)).
Donde resulta que a 5.ª ré, a aqui apelante, e a 1.ª ré, a empregadora dos autores, estão numa relação de grupo, por domínio total da última sobre a primeira, pelo que a situação concreta enquadra-se na previsão do art.º 334.º do CT.
Nestes termos, a ora apelante está numa relação de grupo com a empregadora dos autores, pelo que é responsável pelos créditos destes, tal como esta, por se terem vencido há mais de três meses, em face do alegado na petição inicial e não impugnado.
Nestes termos, a apelação improcede e confirma-se a sentença recorrida.
Sumário: Quando a empregadora, uma sociedade por quotas, detém 100% das quotas de outra sociedade por quotas, verifica-se uma relação de grupo entre as duas, por domínio total da primeira sobre a segunda, pelo que respondem as duas solidariamente pelo pagamento dos créditos dos trabalhadores, vencidos há mais de três meses.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 12 de outubro de 2017.
Moisés Pereira da Silva (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço