Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CANELAS BRÁS | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS DANO APRECIÁVEL | ||
Data do Acordão: | 01/14/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | A alegação, pelo requerente da providência de suspensão de deliberação social, das consequências previstas na lei para o caso de incumprimento dos deveres societários de aprovar, atempadamente, as contas anuais, de dar destino aos resultados do exercício e de eleger os seus corpos gerentes periodicamente - e que justamente se pretendem evitar com a providência requerida - já consubstancia a invocação do prejuízo apreciável exigido para o decretamento da providência. | ||
Decisão Texto Integral: | RECURSO N.º 2479/20.5T8STR-A.E1 – APELAÇÃO (SANTARÉM) Acordam os juízes nesta Relação: O Requerente/Apelante (…), residente na Rua Dr. (…), n.º 161-3.º, Esq., em Ourém, vem, nestes autos de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, que instaurou no Juízo de Comércio de Santarém (de momento a correr por apenso à acção principal entretanto já instaurada), contra a Requerida/Apelada, “(…) – Indústrias de Revestimento de (…), S.A.”, com sede na Rua (…), n.º 75, em (…), Ourém – e onde lhe foram liminarmente indeferidos os inúmeros pedidos que nele formulara (que adiante se indicarão), por douta sentença proferida em 15 de Outubro de 2020 (a fls. 56 a 58 dos autos), com o fundamento aí aduzido de que “descendo ao caso concreto, logo se afere que o Requerente se limita a alegações abstractas e genéricas, que redundam necessariamente em especulações infundadas acerca do dano ou prejuízo causados pela execução da deliberação impugnada; (…) acresce, ainda, que, com elevada probabilidade, a deliberação que se pretende impugnar está já consumada, com o início da própria auditoria, circunstância que motivaria a inutilidade superveniente da lide, atenta a impossibilidade de suspender efeitos já inteiramente produzidos” – vem, dizíamos, recorrer dessa douta sentença, ora intentando a sua revogação e que a providência requerida venha a ser recebida para apreciação, apresentando doutas alegações que culmina com a formulação das seguintes Conclusões: I. O dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social ilegal, que a própria providência visa conjurar reconhecendo o periculum in mora na obtenção de decisão através da acção judicial de oposição a uma determinada deliberação. II. O dano apreciável não se presume, decorrendo a sua prova dos factos alegados pelo Requerente da providência cautelar. III. Ao Recorrente apenas compete demonstrar que a suspensão da deliberação de 24 de Setembro de 2020 é essencial para a verificação de um dano apreciável e que a prova dos factos alegados, no seu requerimento inicial, são suficientes para convencer o Tribunal da sua verificação. IV. A factualidade vertida nos artigos 57º a 68º do requerimento inicial, feita a sua prova, permite com segurança concluir pela existência dum nexo causal entre as deliberações ilegais tomadas e os danos futuros decorrentes da produção dos seus efeitos. V. Para o Recorrente, enquanto accionista, à luz das normas invocadas e do conhecimento do homem médio, a não aprovação das contas da sociedade no prazo legal é grave e tem para a sociedade recorrida as consequências previstas na lei. VI. Os factos alegados sobre a não aprovação das contas de 2019 no prazo legal, por si só, são mais do que suficientes para demonstrar o dano apreciável causado pelas deliberações impugnadas. VII. Igualmente a não eleição de órgãos e membros do Conselho de Administração para o quadriénio de 2020/2023 no prazo legal, tem necessariamente de levar à conclusão que afecta o normal funcionamento da sociedade e da gestão da mesma, o que deve ser considerado como um dano apreciável. VIII. No requerimento inicial apresentado pelo Recorrente foram alegados factos que preenchem todos os requisitos exigidos para o recebimento e apreciação do procedimento cautelar de suspensão de deliberação social. IX. A douta sentença em crise violou o disposto no artigo 380.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e, por isso, deve ser revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos. X. Segundo o Prof. Castro Mendes, em Direito Processual Civil, Vol. I, página 182, 1972, aos processos especiais, como são o caso dos procedimentos cautelares, as disposições gerais de processo civil são-lhe necessariamente aplicáveis em tudo o que não for aplicável pelas disposições próprias do processo especial. XI. O princípio da subsidiariedade das regras gerais do processo comum aos processos especiais está previsto no artigo 549.º do Código de Processo Civil. XII. Da conjugação e interpretação dos artigos 7.º, 590.º e 549.º do Código de Processo Civil, o juiz, findos os articulados, pode convidar as partes ao aperfeiçoamento dos mesmos, seja para o cumprimento de requisitos legais, seja para a junção de documentos essenciais, ou, mesmo, para suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada, com vista a dar uma solução justa ao litígio, em respeito pelo princípio da cooperação. XIII. Tendo o Juiz “a quo” invocado a insuficiência de matéria de facto alegada para concretizar o dano apreciável, não podia indeferir liminarmente o requerimento de procedimento cautelar, pois, ao fazê-lo, deixou de exercer o poderdever de prevenir a Requerente sobre as deficiências ou insuficiências que constatava no seu requerimento de procedimento cautelar. XIV. O Juiz “a quo” estava obrigado a cumprir o poder-dever de convidar o Recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial. XV. Ao não convidar o Recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, o juiz “a quo” violou o disposto nos artigos 7.º, 549.º e 590.º, todos do Código de Processo Civil. XVI. Deve, por isso, a douta sentença em crise ser revogada por outra que convide o Recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, com vista a sanar a alegada insuficiência da matéria de facto sobre a concretização do dano apreciável. Ao decidirem assim estarão V. Exas. a fazer a costumada Justiça! Não foi apresentada resposta. * Atendem-se aos seguintes factos e datas (opta-se por transcrever, aqui, os pedidos formulados na presente providência cautelar, justamente por estar em causa no recurso o seu indeferimento “in limine”, por ausência/insuficiência de factos alegados para sustentar tais pedidos): 1. Nestes autos de procedimento cautelar para suspensão de deliberações sociais, que correm actualmente termos por apenso à acção principal, entretanto já instaurada, no Juízo de Comércio de Santarém, o Requerente (…) havia formulado contra a Requerida “(…) – Indústrias de Revestimento de (…), SA”, o seguinte, conforme fls. 3 verso a 17, que deram entrada em 09 de Outubro de 2020 (a data de entrada está aposta a fls. 2): “A – Requer a Vossa Excelência que receba o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações socais; B – Deve Vossa Excelência julgar integralmente procedente por provado, o presente procedimento cautelar e, em consequência, decretar a imediata suspensão das seguintes deliberações tomadas na assembleia anual da sociedade Requerida de 24 de Setembro de 2020, a saber: 1 – Que a Assembleia Geral mandate o Conselho de Administração para, sob indicação e proposta do fiscal único, proceder à contratação de uma auditoria externa à ‘(…)’ no sentido de apurar estes e eventuais outras desconformidades; 2 – O Conselho de Administração fique mandatado para, de boa fé, diligenciar pela disponibilização de tudo quanto se venha a revelar necessário no sentido de apurar a veracidade ou falsidade dos documentos relativos ao processo n.º 266/15.1T8ORM e respectivo acordo extrajudicial; 3 – Mandatar o Conselho de Administração para suspender o mandato de advogada da ‘(…)’ à Sra. Dra. (…) até às conclusões da auditoria mencionada em 1. C – Requerer ainda a Vossa Exa. que o procedimento seja decretado sem audição da parte contrária, dado que o exercício do contraditório põe em causa a eficácia da providência, nos termos do artigo 366.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; D – Mais requer a Vossa Exa., nos termos do disposto no artigo 369.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a inversão do contencioso; E – Por último, requer a Vossa Exa. que, ao abrigo do disposto no artigo 366.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a Requerida seja citada do presente procedimento cautelar com a cominação expressa de que não lhe é lícito executar as deliberações objecto do presente procedimento”. 2. Pela douta sentença recorrida, proferida no dia 15 de Outubro de 2020, foram-lhe, porém, tais providências cautelares indeferidas in limine, nos termos e com os fundamentos que constam agora de fls. 55 a 58 dos autos, e cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido. 3. E em 02 de Novembro de 2020 foi apresentado recurso dessa decisão, que ora constitui o douto articulado de fls. 60 a 73 dos autos, aqui também dado por reproduzido na íntegra (a data de entrada está aposta a fls. 59). * Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se o Tribunal a quo decidiu bem indeferir, in limine, a providência cautelar que lhe foi apresentada pelo agora Apelante, ou se os autos devem prosseguir os seus normais termos até final. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado e que supra já se deixaram transcritas para facilidade de percepção. Pois, como é sobejamente conhecido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), naturalmente sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide o artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse Código). [E é para notar que estamos, aqui, no domínio da aparência do direito que é invocado, pelo que às partes ainda restará a acção principal (já intentada) para fazerem valer as suas pretensões. E, por isso, que a problemática que lhe subjaz não é para solucionar nesta sede – só se houvesse inversão do contencioso – e nem mesmo para abordar com grande profundidade, pois que nem o processo cautelar é o meio de se alcançar mais rapidamente o efeito pretendido com a acção (só aí é que se declarará, ou não, a existência dos actos enunciados), nem vamos formular aqui uma espécie de juízo antecipatório da decisão que terá que ser proferida nessa acção. Para já, nos termos da lei, importará apenas acautelar a utilidade da sentença a proferir no processo principal: a providência cautelar a decretar não poderá deixar de ser aquela que concretamente seja a adequada (e na exacta medida em que o for) a assegurar a efectividade do direito ameaçado. Mas, primeiro, haverá que verificar se foram alegados factos suficientes sequer à sua apreciação – que é, justamente, o thema decidendum do presente recurso.] Basicamente, é preciso alegar factos que enquadrem a titularidade de um direito violado, que se pretende acautelar (fumus boni juris) e o perigo/receio de que isso não possa, de outra maneira, vir a ser feito atempadamente, por se ter o mesmo por ameaçado de lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora), nos termos quer do artigo 362.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (que reza: “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”), quer do seu artigo 368.º, n.º 1 (que estatui: “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”). Recorde-se que estas disposições legais do procedimento cautelar comum se aplicam aos procedimentos nominados (como é o presente, de suspensão de deliberações sociais), por força do disposto no artigo 376.º, n.º 1, do C.P.Civil. Assim, é comum escrever-se que, neste tipo de decisões jurisdicionais, é de decretar-se a providência cautelar verificando-se que: a) haja aparência de um direito ou probabilidade séria da sua existência; b) haja justo receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação do mesmo direito; c) haja adequação da providência para evitar a lesão; d) que o prejuízo resultante da providência não seja superior ao que com ela se pretenda evitar. A douta decisão recorrida afirma “que o Requerente se limita a alegações abstractas e genéricas, que redundam necessariamente em especulações infundadas acerca do dano ou prejuízo causados pela execução da deliberação impugnada”. O Apelante aduz na conclusão VIII do seu recurso que “No requerimento inicial apresentado pelo recorrente foram alegados factos que preenchem todos os requisitos exigidos para o recebimento e apreciação do procedimento cautelar de suspensão de deliberação social”. E na conclusão IV que “A factualidade vertida nos artigos 57.º a 68.º do requerimento inicial, feita a sua prova, permite, com segurança, concluir pela existência de um nexo causal entre as deliberações ilegais tomadas e os danos futuros decorrentes da produção dos seus efeitos”. Vejamos se assim é – estando em causa o requisito do dano apreciável da previsão do artigo 380.º, n.º 1, ‘in fine’, do Código de Processo Civil, que assim reza: “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável” (sendo, por outro lado, certo que, pelo n.º 2 do seu artigo 381.º, “Ainda que a deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato, o juiz pode deixar de suspendê-la, desde que o prejuízo resultante da suspensão seja superior ao que pode derivar da execução”). E vemos que, pela distribuição legal do ónus da prova prevista no artigo 342.º do Código Civil, enquanto a alegação e prova da previsão ínsita naquele artigo 380.º, n.º 1, do C.P.C. (a do dano apreciável) não poderá deixar de caber ao Requerente da providência – enquanto facto constitutivo do seu direito –, já a do seu artigo 381.º, n.º 2 (a da avaliação da equivalência dos prejuízos, rectius a da proporcionalidade da providência) caberá, em primeira linha, à sociedade Requerida – enquanto facto impeditivo do direito que contra si é invocado pelo sócio –, e poderá, também, ser avaliado ex officio pelo próprio Tribunal, se tiver elementos para isso, tudo conforme à previsão, respectivamente, dos n.os 1 e 2 daquele mencionado artigo 342.º do Código Civil. Ora, volvendo já à matéria propriamente dita do recurso, salvaguardando sempre melhor opinião que a nossa, cremos que a douta decisão impugnada – a qual, como se viu, veio a considerar a petição inicial da providência destituída de factos suficientes para alicerçar o pedido nela formulado, mormente quanto ao referido requisito do dano apreciável – não enquadra devidamente a questão, pelo que haverá que retirá-la da ordem jurídica, tudo apontando para que ela (a dita petição inicial) disponha efectivamente da matéria de facto necessária à sua posterior apreciação de fundo (em termos cautelares, naturalmente, que é essa a sua única finalidade, e se outros impedimentos não surgirem que tal impeçam). O douto Tribunal a quo conclui, a tal propósito, que: “Descendo ao caso concreto, logo se afere que o Requerente se limita a alegações abstratas e genéricas, que redundam necessariamente em especulações infundadas acerca do dano ou prejuízo causados pela execução da deliberação impugnada. Alude em abstrato às eventuais consequências da não aprovação das contas no plano meramente teórico ou dogmático, sem qualquer respaldo ou concretude relativamente à sociedade requerida. Alude a que a não eleição dos órgãos e membros do conselho de administração para o quadriénio de 2020/2023 terá efeitos negativos no normal funcionamento da sociedade e que os atos de gestão da sociedade põem em causa o seu normal funcionamento, omitindo precisamente a razão pela qual o funcionamento da sociedade está comprometido e será afetado pela realização da auditoria. A tudo acresce, não se afigurar como certa e inequívoca a duração da auditoria, especulando o Requerente que a mesma se não ultimará dentro dos prazos necessários. Acresce ainda que, com elevada probabilidade, a deliberação que se pretende impugnar está já consumada, com o início da própria auditoria, circunstância que motivaria a inutilidade superveniente da lide, atenta a impossibilidade de suspender efeitos já inteiramente produzidos. Destarte e por todas as sobreditas razões, o procedimento é manifestamente improcedente, e nos termos do artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando o procedimento cautelar seja manifestamente improcedente, o juiz deve proceder ao seu indeferimento liminar, o que, salvo melhor e mais douta opinião, inexoravelmente ocorre” (sic – a fls. 57 verso dos autos). Cremos, porém, que – e pese embora se não possa considerar ser o douto requerimento inicial da providência cautelar um primor em matéria de alegação de factos consubstanciadores dos prejuízos que o Requerente antevê duma não suspensão das deliberações sociais aqui em causa, tomadas na assembleia-geral de accionistas da sociedade Requerida realizada no dia 24 de Setembro de 2020, podendo, realmente, como diz a douta sentença recorrida, terem-se concretizado verbi gratia os efeitos negativos para o normal funcionamento da sociedade que poderiam advir da não eleição atempada dos órgãos e membros do Conselho de Administração para o quadriénio de 2020/2023 (a que se reporta a alegação que vem feita no artigo 65º dessa douta petição inicial), daí podendo vir, mesmo, no futuro, um naufrágio da pretensão aduzida – ainda assim, pese embora tudo isso e essa abordagem (pelos mínimos, digamos assim) dos prejuízos antevistos pelo Requerente, se não poderá afirmar, sem mais, que tal douto requerimento inicial da providência não contenha em si a invocação da factualidade necessária a vir a alcançar os objectivos a que se propunha, que o mesmo é dizer que haja nele total ausência de factos para vir a enquadrar e fundamentar o pedido formulado. Já se isso se virá a confirmar, ou não, no transcurso do processo, é outra problemática. Pois que a ‘história’ pormenorizada que se conta ao longo do articulado –sobre os contornos da situação em que se encontra a sociedade (na visão, claro está, do próprio requerente) e a que, com a providência, pretende atalhar o mais depressa possível, maxime quanto à não aprovação nos prazos legais, das contas relativas ao ano de 2019, da aplicação dos resultados desse mesmo exercício e à eleição dos novos membros do Conselho de Administração para o quadriénio de 2020/2023 – não deixa de consubstanciar, em si, a invocação dos pressupostos fácticos relativos ao dano apreciável da providência que requer (invocação, que não ainda a respectiva prova, naturalmente). E é assim que se elencam as consequências legais dessas vicissitudes que advêm das deliberações que se pretendem suspender e tais consequências legais (vide, desde logo, os artigos 67.º e 376.º do Código das Sociedades Comerciais e o regime do Código do Registo Comercial) – possibilidade de instauração de inquérito judicial, de aplicação de coimas, impedimentos de registos como o de alteração do pacto social, o procedimento administrativo de dissolução ou até a própria declaração de insolvência, previstos para tais falhas da sociedade e que o requerente não deixa de invocar no seu douto articulado inicial – têm de ser consideradas consubstanciadoras de potencial dano para a sociedade requerida (se será tido como apreciável ou não, ver-se-á na decorrência e julgamento do próprio processo cautelar). E a verdade é que a douta decisão recorrida se não reporta, sequer, a tais consequências jurídicas, previstas na lei para o caso de incumprimento daqueles deveres societários de aprovar, atempadamente, as contas anuais, de dar destino aos resultados do exercício e de eleger os seus corpos gerentes periodicamente. A 1ª instância, se o tivesse feito e chegasse à conclusão que tais circunstâncias não eram suficientes para enquadrar o referido dano apreciável, teria julgado de fundo a causa cautelar e permitiria, agora, nesta 2ª instância, sindicar a bondade dessa pronúncia e confirmar ou infirmar a sua suficiência. Mas nada tendo dito sobre o tema (rectius, se os danos se verificavam ou não) e estando tal matéria efectivamente alegada pela parte, ainda terá então que emitir juízo sobre o dano apreciável, podendo, depois, em caso de recurso, vir a 2ª instância a pronunciar-se também. Até lá, tem o Juízo de Comércio a quo que emitir a sua pronúncia, não sendo adequado indeferir liminarmente a douta petição. Pelo que, tendo o requerente, no seu douto articulado inicial, realmente explicado/justificado a sua posição, com os contornos supra deixados descritos – sendo que não poderia haver aqui lugar, ao contrário do também defendido pelo Recorrente, a qualquer convite do juiz ao aperfeiçoamento desse articulado inicial pela simples mas decisiva razão de que se tratavam de elementos fácticos que constituíam, na arquitectura legal do instituto da suspensão de deliberações sociais, verdadeiros pressupostos materiais do procedimento cautelar pedido ao Tribunal e a falta da sua prova, e, por maioria de razão, sequer da sua alegação, não pode ser suprida dessa maneira, sob pena de se introduzirem, em processo que se quer equitativo e é de partes, elementos de injustiça para a contraparte (a responsabilidade da sua alegação é da parte interessada e se o não faz, assume as consequências) –, constando tais elementos da petição, dizíamos, importará, agora, tão-somente, dar seguimento à providência cautelar requerida e avaliar se há, ou não, fundamentos para a vir a decretar. São termos em que terá agora o recurso que proceder, admitindo-se ainda o prosseguimento dos autos (onde se poderá naturalmente ainda avaliar se neles surgiu, entretanto, algum facto que possa conduzir à inutilidade superveniente da lide, total ou parcial, a que se reportava, também, de resto – então, ainda só como mera possibilidade – a douta decisão ora impugnada no recurso). * Decidindo. Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso e revogar a douta sentença recorrida. Custas pelo vencido, a final. Registe e notifique. Évora, 14 de Janeiro de 2021 Mário João Canelas Brás Jaime de Castro Pestana Paulo de Brito Amaral |