Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
206/07.1TBBJA.1.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: Quando a liquidação depende de simples cálculo aritmético, o Tribunal “a quo”, onde foi proposta a execução de sentença, é o competente em razão da matéria para conhecer da execução (liquidação).
Decisão Texto Integral: ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No Tribunal Judicial da Comarca de Beja BANCO AA, S.A., instaurou em 10.03.2014 ação executiva para pagamento de quantia certa baseada em sentença a correr nos próprios autos contra BB e CC, indicando como título executivo: “Decisão Judicial Condenatória”, identificando na espécie “Exec Sentença próprios autos (Ag. Exec) c/ Desp Liminar
Na exposição de “Factos” faz ainda constar “Implementação da condenação constante de decisão judicial quantificada no campo liquidação da obrigação”.
No campo “Liquidação da obrigação”, aponta o valor líquido descrevendo a forma como alcançou tal valor, resultando as rubricas “Valor dependente se simples cálculo aritmético” e “Valor NÃO dependente se simples cálculo aritmético” a 0,00€.
Em sede liminar, foi proferido despacho que indeferiu a execução, por se entender que o título executivo não era líquido e a sua liquidação não dependia apenas de simples cálculo aritmético.
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Inconformada com esta decisão, interpôs a exequente, o presente recurso pelo qual pretende a revogação da decisão, terminando nas respetivas alegações, por formular a seguinte conclusão que se transcreve:
“Em conclusão, portanto, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 703º nº 1, alínea a) e nos nºs. 1 e 2 do artigo 716º, ambos do Código de Processo Civil, o disposto também no nº 4 do dito normativo legal, o disposto também nos artigos 358º a 361º e igualmente no artigo 297º do referido normativo legal, donde, atento o que dos autos consta, e por violação dos citados preceitos, o recurso dever ser julgado inteiramente procedente e provado e a sentença recorrida ser substituída por acórdão que determine que o Tribunal em 1ª Instância ordene o normal e regular prosseguimento dos autos, com o prosseguimento da execução, com a notificação dos recorridos para contestarem a liquidação.”
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Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, a questão a apreciar circunscreve-se em saber se a execução de sentença depende, ou não, de simples cálculo aritmético e neste caso se assiste ao exequente a faculdade de proceder à liquidação no requerimento executivo, nos termos do artº 716º, nºs 4 e 5 do CPC, ou se deveria ter deduzido o incidente de liquidação previsto no artº 358º do CPC.

Conhecendo da questão
Sustenta o recorrente que do título dado à execução, constam todos os elementos necessários para proceder à respetiva liquidação, bastando fazer contas.
No caso dos presentes autos, no título executivo sentença, foi proferida a seguinte decisão:
Julgo parcialmente procedente por provada a presente ação e, em consequência, condeno os Réus a pagar á Autora uma quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao capital em divida das prestações não pagas, após dedução da quantia relativa á venda do automóvel, acrescido de juros à taxa de 21,40% vencidos desde 10 de Abril de 2006 e vincendos, a que acresce o imposto de selo respetivo, até integral pagamento, absolvendo os Réus no mais peticionado”.
O exequente intentou execução de sentença contra os executados BB e mulher CC, com base na referida sentença transitada em julgado, especificando os valores que considera compreendidos na prestação devida, concluindo o requerimento executivo com um pedido liquido, no montante global de € 6.554,76, assim descriminado:
Capital Inicial…€ 3.985,41 [Correspondente ao capital em divida das prestações não pagas (34ª a 60ª)] – Vidé Plano Financeiro.
Em 07.11.2006, recebida a quantia de € 2.248,75, do produto da venda do veículo (quantia esta já aludida e considerada como provada no título dado à execução – sentença).
Juros vencidos à taxa de 21,40% desde 10.04.2006 até 07.11.2006…€ 493,03.
Imposto de selo à taxa de 4% até 07.11.2006…€ 19,72.
Capital após imputação, nos termos do artº 785º do C.Civil, do montante recebido em 07.11.2006…€ 2.249,41.
Juros vencidos à taxa de 21,40% sobre € 2.249,41, desde 08.11.2006 até ao trânsito em julgado da sentença em 19.02.2009…,€ 1.101,22.
Imposto de selo à taxa de 4% até 19.02.2009…€ 44,05.
Juros à taxa de 26,40% (21,40% + 5%, artº 829º-A, nº 4 C.Civil) desde 20.02.2009 até ao presente 10.03.2014…€ 3.001,76.
Imposto de selo à taxa de 4% até ao presente 10.03.2014…€ 120,07.
Taxa de justiça…€ 38,25.
Total (excluídos juros vincendos e imposto de selo desde 11.03.2014…€ 6.554,76.
Mais juros vincendos à taxa de 26,40% sobre € 2.249,41, desde 11.03.2014 até efetivo e integral pagamento e imposto de selo à taxa de 4% sobre esses juros.
No caso em apreciação nos autos, teremos de concluir que assiste razão ao recorrente.
A prestação diz-se ilíquida quando tem por objeto uma prestação cujo quantitativo não está ainda numericamente determinado.
Ora, refere o artº 716º, nº 1 do CPC que, sendo ilíquida a quantia em divida, cabe ao exequente o ónus de especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida, concluindo o requerimento executivo com um pedido líquido.
Cabendo ao executado, discordando da liquidação feita pelo exequente, opor-se à execução com fundamento no artº 729º alínea e) do CPC.
No caso presente a liquidação depende de mero cálculo aritmético, pelo que a liquidação “esgota-se” com a operação de liquidação no requerimento executivo, continuando, porém, o nº 2 do artº 716º do CPC, a determinar que no caso de juros vincendos, a liquidação total e definitiva é feita, a final, pelo agente de execução, em face do titulo executivo e documentos oferecidos complementarmente pelo exequente ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.
Como salientam Eduardo Paiva e Helena Cabrita (O Processo Executivo e o Agente de Execução, A Tramitação da Ação Executiva face às alterações introduzidas pelo decreto-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, Coimbra, Editora, 2009, 61/62), “dependendo a liquidação de simples cálculo aritmético, como a própria expressão o diz, no título executivo temos todos os elementos necessários para proceder à respetiva liquidação – basta fazer contas…”.
No mesmo sentido pronunciou-se Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol.III, 254, “a liquidação dependerá do simples cálculo aritmético quando a mesma possa realizar-se exclusivamente com base no que consta do titulo executivo e, por isso, sem recurso a quaisquer elementos a ele estranhos, como sucederá, por exemplo, nos casos da liquidação da obrigação de juros…”.
Ora, tendo o exequente, no próprio requerimento inicial para a ação executiva, especificado e calculado os valores tidos como compreendidos na prestação devida e tendo concluído o requerimento executivo com um pedido líquido no qual inclui os juros já vencidos, bem como deduz a quantia relativa à venda do automóvel, sendo que relativamente aos juros que continuem a vencer-se a sua liquidação só poderá ser efetuada a final, nos termos do artº 716º, nº 2 do CPC, ter-se-á de concluir, que o Tribunal de 1ª instância onde foi proferido o despacho recorrido é o materialmente competente para conhecer da liquidação porquanto dependente de simples operação aritmética, constituindo, pois titulo executivo. (vid. Acs. da R.L., proferido em 25/02/2016, proc.º 25276/15.5T8LSB.L1 e em 19/05/2016, procº 5318/14.2YYLSB.L1).
Assim sendo, o Tribunal “a quo”, onde foi proposta a execução de sentença é o competente em razão da matéria para conhecer da execução (liquidação) de sentença, cuja liquidação depende de simples operação aritmética e não de qualquer ato prévio de escolha, determinação ou concentração da prestação.
Nestes termos, relevam as conclusões do apelante, sendo de julgar procedente a apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que determine o prosseguimento dos ulteriores trâmites da execução de sentença.
Custas a cargo da parte vencida a final.

Évora, 15-12-206



Maria da Conceição Ferreira


Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura



Mário António Mendes Serrano