Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1488/18.9T9FAR-E.E1
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: INQUÉRITO CRIMINAL
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 08/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário:
I – Durante o inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público fazer cessar, ou não, a conexão e ordenar a separação de processos, não estando essa decisão sujeita a homologação ou concordância do JIC.
Decisão Texto Integral:
Acordam, precedendo conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1 - RELATÓRIO

1.1. Nos autos de inquérito n.º 1488/18.9T9FAR, que correm termos nos serviços do Ministério Público 2.ª Secção, DIAP, Faro, na sequência de 1.º interrogatório judicial de arguidos detidos, o Exm.º Sr. Juiz de Instrução Criminal de Faro, J2, por despacho de 2 de Maio de 2019, determinou, no que ao caso importa, que o arguido AA (também conhecido por AC), melhor identificado nos autos, aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito, às medidas de coação de termo de identidade e residência e ainda a prisão preventiva, ao abrigo do preceituado nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 194.º, n.º1 e 2, 196.º, 202.º, n.º1, alínea a) e 204.º, al. c), todos do Código de Processo Penal,

1.2. Inconformado com tal decisão, o arguido, em 4 de Junho de 2019, interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada, as conclusões que seguidamente se transcrevem:

I – São nulas TODAS as decisões proferidas após distribuição dos presentes autos para início do Inquérito, por JIC diferente do titular do Tribunal de Instrução Criminal de Portimão. Maxime, são nulas as todas as decisões proferidas no decurso do primeiro interrogatório judicial de arguido. Donde são nulas as validações das detenções, das buscas domiciliárias e das subsequentes apreensões, mas essencialmente são nulas as decisões que concretamente aplicaram as prisões preventiva aos Arguidos. Tudo por grosseira violação do princípio do juiz natural – artigo 32.º n.º 9 da CRP.

II – Contrariamente ao decidido em relação ao requerimento de fls. 3653 e ss, mal andou o Mm.º Juiz a quo, pois que ao não ter atendido à pretensão de o Recorrente ser sujeito a processo que aprecie a sua exclusiva conduta ou omissão criminosa, violou o disposto nos artigos 24.º, 29.º a contrario sensu e 30.º n.º 1 al.s a) e c) do CPP, sem nunca perder de vista a violação do disposto nos artigos 20.º n.º 4 e 32.º n.º 2 da CPR (prazo razoável e celeridade processual). Ou seja,

III – A interpretação feita pelo Mmo Juiz a quo, bem como qualquer outra que entende haver algum tipo de conexão do aqui Recorrente aos restantes arguidos e aos factos em causa nos autos, sobre os artigos 24.º, 29.º a contrario sensu e 30.º n.º 1 al.s a) e c) do CPP, viola do disposto nos artigos 20.º n.º 4 e 32.º n.º 2 da CPR (prazo razoável e celeridade processual).

IV – O Tribunal e JIC competentes para praticar os actos reservados a JIC nos presentes autos, é o Mm.º JIC de uma das secções do Tribunal de Instrução Criminal de Portimão.

V – O DIAP com competência para tramitar os presentes autos, é o de Portimão.

VI – Nem Juiz nem Magistrado do MP podem escolher os processos que querem proferir decisões, sem que os processos sejam distribuídos nos DIAPs e TICs TERRITORIAL e METERIALMENTE competentes em razão de lei em vigor à data que devam ocorrer as distribuições. Tudo sob cominação de nulidade insanável, como é o caso de todo o primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos – e logo veremos que outros actos praticados no inquérito, assim que o mesmo deixar de estar em segredo de justiça.

Tudo sopesado, nos termos da lei e do Direito sem esquecer o sempre Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes-Desembargadores, deverá ser revogado o despacho aqui trazido ao Vosso Alto Desembargo, substituindo-se por outro que restitua de imediato o cidadão AC à liberdade e sujeito TIR até que eventualmente um JIC legalmente competente (TIC de Portimão) determine o contrário.

Mais ainda, determinar-se que seja separado do processo dos demais Arguidos, porque com estes o Recorrente e os factos imputados a estes, não preencherem qualquer elemento de conexão previsto no CPP… nem o CPP se coaduna como juízos de “pode vir a ocorrer algum elemento de conexão” – isto, juízo de “pode vir a ser que…” não são admissíveis à luz do CPP, muito menos da nossa Grundsnorm.”

1.3. O recurso foi admitido por despacho de 6 de Junho (v. fls.43 destes autos).

1.4. O Ministério Público, como decorre do CD-R enviado (pois o que consta de fls.44 a 48 respeita a outro recorrente) respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência, dizendo, no essencial, o seguinte:

“1ª Salvo melhor opinião, não assiste razão ao ora recorrente.

2ª Com efeito, o arguido AC está fortemente indiciado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (previsto e punível pelo nº 1 do art. 21º do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro), sendo esses indícios consubstanciados pelos inúmeros elementos probatórios constantes dos autos, designadamente: transcrições de intercepções telefónicas, reportagens fotográficas, apreensões, etc….

3ª Em concreto, os elementos probatórios que indiciam o arguido AC foram recolhidos por meios de obtenção de prova autorizados pelo Juiz de Instrução Criminal do Juízo de Instrução Criminal de Faro, em função da instauração e respectiva tramitação do inquérito pela 2ª Secção de Faro do Departamento de Investigação e Acção Penal de Faro.

4ª Com efeito, a 2ª Secção de Faro do Departamento de Investigação e Acção Penal de Faro goza de competência para a tramitação da presente investigação, na medida em que a factualidade sob investigação ocorreu na comarca de Faro.

5ª Em consequência, é em função da distribuição do inquérito à 2ª Secção de Faro do Departamento de Investigação e Acção Penal de Faro que se fixa a competência do Juízo de Instrução Criminal de Faro.

6ª Tal conclusão resulta da interpretação sistemática dos artigos 10º e 17º do Código de Processo Penal com os artigos 38º e 39º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, artigo 73º do Estatuto do Ministério Público e artigo 32º, nº 9 da Constituição da República Portuguesa.

7ª Aliás, durante o inquérito a competência do Juiz de Instrução Criminal para intervir durante essa fase processual só está definida em termos de reserva de jurisdição (artigos 17º, 268º e 269º do Código de Processo Penal), não havendo qualquer norma que defina a sua competência territorial, sendo que a norma do art. 288º, nº 2 do Código de Processo Penal apenas prevê a aplicabilidade das regras de competência relativas ao Tribunal na fase da instrução.

8ª Deste modo, inexistindo qualquer preceito normativo sobre a competência territorial do Juiz de Instrução Criminal durante a fase de inquérito, restam os mencionados comandos consagrados na Lei da Organização do Sistema Judiciário.

9ª Neste caso, a competência territorial do Juízo de Instrução Criminal de Faro foi fixada com a distribuição do inquérito à 2ª Secção de Faro do Departamento de Investigação e Acção Penal de Faro.

10º No que respeita à decisão judicial que indeferiu a pretensão do recorrente à sua separação processual, sublinha-se que a competência material é do Ministério Público durante a fase de inquérito, nos termos do nº 1 do art. 263º do Código de Processo Penal, não sendo, por isso, sindicável em sede de recurso.

1.5. Nesta Relação, o Ministério Público entende que o recurso não merece provimento.

1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2 do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

1.7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso

Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cf. artigos 403.º, n.º 1 e 412.º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cf. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal).

Como resulta da compulsa dos autos de recurso que sob o n.º 1488/18.9T9FAR-D.E1 correm termos nesta Relação, os presentes autos visam apenas conhecer do recurso interposto do despacho de 16 de Maio de 2019, que indeferiu a separação de processos, porquanto naqueles autos será conhecido o recurso do despacho que decretou a prisão preventiva do mesmo arguido, a que se reportam as questões elencadas nas conclusões I, IV, V e VI (vide fls.44 daqueles autos).

Assim, no caso em análise, considerando as conclusões extraídas pelo arguido/recorrente, a única questão a apreciar aqui prende-se com a legalidade ou ilegalidade do despacho recorrido (conclusões II e III).

2.2. O despacho recorrido, na parte que aqui releva, é do seguinte teor:
«(…)
Veio ainda o arguido AA requerer a separação dos processos, devendo os autos quanto à sua pessoa correr autonomamente.

O Digno Magistrado do Ministério Público opôs-se a tal separação, porquanto considera que não se verificam os pressupostos legais previstos no art.º 30.º do Cód. Proc. Penal.

Apreciando.

Dispõe o referido art.º 30.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal:

“1 - Oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns processos sempre que:

a) Houver na separação um interesse ponderoso e atendível de qualquer arguido, nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva;

b) A conexão puder representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado;

c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos; ou

d) Houver declaração de contumácia, ou o julgamento decorrer na ausência de um ou alguns dos arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos.”

No caso em análise, concorda-se com o entendimento do Ministério Público. De facto, o único motivo que eventualmente poderia levar à separação do processo seria o constante da alínea a) do citado preceito legal.

Todavia, a verdade é que, contrariamente ao referido pelo arguido, a investigação criminal revela-se mais abrangente que aquela por si referida, sendo previsível obter uma ligação entre o arguido e demais suspeitos e arguidos.

Por outro lado, existem diligências investigatórias ainda pendente quanto a todos os arguidos – incluindo o requerente da separação –, pelo que, mesmo quanto a AA, existe ainda um determinado período temporal a decorrer até que pudesse vir a ser deduzida acusação, mesmo que isoladamente.

Assim, por não se verificar nenhum dos requisitos do art.º 30.º do Cód. Proc. Penal, indefere-se o requerido. Notifique.”

2.3. Conhecimento do recurso
O arguido recorreu, além do mais, do despacho supra transcrito, que recusou a separação de processos, alegando que não há indícios de qualquer conexão entre ele e os demais arguidos do processo, em relação aos factos e crimes em investigação, pelo que “muito mal andou, contra Lei e Direito o Mm.º Juiz a quo ao não ter determinado como lhe foi requerido que o AA fosse investigado e eventualmente acusado, num inquérito autónomo em relação aos restantes a Arguidos”, “pois que ao não ter atendido à pretensão de o Recorrente ser sujeito a processo que aprecie a sua exclusiva conduta ou omissão criminosa, violou o disposto nos artigos 24.º, 29.º a contrario sensu e 30.º n.º 1 al.s a) e c) do CPP, sem nunca perder de vista a violação do disposto nos artigos 20.º n.º 4 e 32.º n.º 2 da CPR (prazo razoável e celeridade processual).

Por sua vez, o Ministério Público junto do tribunal recorrido, sobre esta específica questão, veio dizer que “No que respeita à decisão judicial que indeferiu a pretensão do recorrente à sua separação processual, sublinha-se que a competência material é do Ministério Público durante a fase de inquérito, nos termos do nº 1 do art. 263º do Código de Processo Penal, não sendo, por isso, sindicável em sede de recurso.”

Vejamos:

Apesar de a questão da competência do MP vir suscitada no recurso interposto do despacho que decretou a prisão preventiva do arguido e aí será apreciada, não podemos deixar de abordar aqui essa questão, em face da resposta apresentada pelo recorrido acerca da sua competência material para conhecer do pedido de cessação da conexão processual, como questão prévia.

Em vista do disposto nos artigos 264.º a 266.º, do CPP, a questão da competência do Ministério Público para a realização dos actos de inquérito não se afere pelas regras que definem a competência do Tribunal.

E deste complexo normativo uma evidência se colhe (certamente como emanação da exclusividade que lhe cabe na direção do inquérito – art. 263.º, n.º 1, do Código de Processo Penal): tudo o que à dita competência respeita é da “responsabilidade” de Ministério Público, ou seja, é Ministério Público que define, ainda que vinculadamente, a competência para a realização do inquérito.

De modo que, no caso de a competência se vier a apurar, em termos diferentes dos iniciais, já no decurso do inquérito, o que ocorre é a transmissão dos autos ao magistrado do Ministério Público então competente. E quanto aos actos de inquérito realizados antes dela, a sua validade é a regra, pois somente são repetidos os que não puderem ser aproveitados. Ou seja, e dito de outro modo, a incompetência em nada afeta essa validade, não sendo certamente por força ou por causa dela que pode haver actos que não podem ser aproveitados, que, se bem vemos, se devem à sua eficácia quanto ao objeto do inquérito (a sua finalidade e âmbito encontram-se no art. 266.º, n.º 1, de C. de Processo Penal); de todo o modo, o que se pode (e deve) dizer, ainda, é que, havendo actos que não possam ser aproveitados (o que tem de pressupor uma posição, certamente fundada, porque se estaria, então, face à exceção, do Ministério Público), o que se tem de fazer é renová-los (igualmente, e em coerência, por imposição do Ministério Público).

Daqui decorre uma primeira conclusão, ao caso ajustada: a competência de Ministério Público para a realização do inquérito (que em termos de identificação tem o número 1488/18.9T9FAR) está definida, de modo que se não pode discutir, como se sabe (porque assente): Departamento de Investigação e Acção Penal de Faro – (2.ª Secção).

De acordo com o disposto no art. 263.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, cabe ao Ministério Público a direção do inquérito, sendo que, por isso, e para a realização das finalidades do inquérito, pratica os actos e assegura os meios de prova, nos termos do art. 267.º do mesmo diploma.

No entanto, e em conformidade com este mesmo preceito legal, actos de inquérito há que só podem ser praticados ou autorizados pelo juiz de instrução (estão eles espalhados pelos arts. 268.º, n.º 1, als. a) a f), e 269.º, n.º 1, als. a) a f), do CPP).

Ora, de acordo com o que dispõe o art. 17.º do Código de Processo Penal, compete ao juiz de instrução exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, nos termos previstos nesse Código. Deve-se dizer, já, numa primeira aproximação à solução, que estando intrinsecamente ligada ao inquérito a competência do juiz de instrução para a prática ou autorização dos acto0s jurisdicionais a ter aí lugar, sempre se teria de ver como ajustado que a competência em relação ao inquérito determinasse a competência relativamente a essa precisa intervenção do juiz de instrução; de outra maneira, sempre seria um autêntico absurdo, visto em si e por si mesmo, deferir a competência ora em causa, havendo-o, a juiz de instrução que não exercesse as suas funções no local onde Ministério Público que tem competência (e enquanto a mantiver) para o inquérito as exerce. Nesta sede, o que releva é a competência do juiz de instrução para a prática e determinação ou autorização de actos jurisdicionais num determinado inquérito; nada mais, isto é, nada tem a ver com a competência territorial, que não pode definir por estar definida, digamos assim, pela do inquérito.

E, finalmente, nada se perfila, na LOSJ, que imponha diverso entendimento, até porque, o que, de certo modo, se repete, aí se define a competência por referência ao inquérito – vide o que dispõem os arts. 119.º e 120.º.

Assim, a questão coloca-se quanto à competência material do JIC para apreciar o pedido que lhe foi formulado pelo requerimento certificado a fls.24 a 28 quanto à separação do processo em relação ao ora recorrente.

E salvaguardado o devido respeito, afigura-se-nos que a competência, em sede de inquérito, para conhecimento da pretensão aí formulada pelo ora recorrente é exclusiva do Ministério Público e não do JIC, porquanto a causa ainda não se encontra atribuída a um tribunal, como decorre expressamente do artigo 264.º, n.º5 do CPP, que remete para os artigos 24.º a 30.º.

Assim, já decidiu o STJ no seu aresto de 9 de Junho de 2011, proferido no processo n.º 4095/07.8TPPRT.P1.S1 – 5:º Secção, relatora Isabel Pais Martins, com a seguinte fundamentação: (“Contendo o art. 30.º, n.º 1, do CPP a descrição taxativa dos casos em que é admissível ao tribunal fazer cessar a conexão e ordenar a separação de processos e decorrendo do n.º 5 do art. 264.º a aplicação dessa norma ao inquérito, não parece que outro possa ser o alcance da “aplicação correspondente” do art. 30.º que não o de atribuir ao MP, competente para o inquérito, o poder (poder-dever) de fazer cessar a conexão de inquéritos e determinar a separação dos inquéritos nos casos exemplificados nesse art. 30.º, n.º 1, do CPP.
Por outro lado, as determinações relativas à conexão ou separação de processos não integram o elenco dos actos a praticar, ordenar ou autorizar pelo JIC (arts. 268.º e 269.º do CPP) e não se divisa qualquer norma que expressamente as reserve; assim, na fase de inquérito, a competência para ordenar a separação de inquéritos é do MP – cf. Ac. do TRP de 06-02-2002, Proc. n.º 140/2001.”

E o TC no seu aresto n.º21/2012, de 12 de Janeiro, decidiu não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 30.º, n.º1, al. b) e c), 264.º, n.º5 e 269.º, n.º1, al. f) do CPP, quando interpretadas no sentido de que o Ministério Público tem competência para, em fase de inquérito, determinar a separação processual, com fundamento nas razões previstas nas alíneas b) e c) do artigo 3º.º do CPP, quando o juiz de instrução foi já chamado a aí tomar decisões.”

Em resumo, o Juiz de Instrução, no domínio do inquérito, é, sobretudo, um juiz de garantias e de liberdades, não tendo qualquer intervenção de tipo hierárquico ou de supervisão jurisdicional dos atos do Ministério Público, para além, obviamente, das competências expressamente consagradas nos artigos 268º e 269º do C. P. Penal (acima enunciadas).

Em consequência, e fora dos casos taxativamente previstos na lei, dos despachos do Ministério Público apenas poderá haver reclamação ou recurso hierárquicos, de harmonia com os princípios constitucionalmente consagrados para os atos de natureza administrativa e de acordo com as regras internas estabelecidas no estatuto do próprio Ministério Público.

Por isso, na fase de inquérito é da competência do MP, titular do processo, fazer cessar a conexão e ordenar a separação de processos, não estando essa decisão sujeita a homologação ou concordância do JIC, como acontece nos casos previstos nos artigos 280.º e 281.º do CPP.

A reserva de competência judicial, nessa matéria, existe sim, necessariamente, quando o processo está em fase de instrução ou de julgamento (em fase judicial), e não ocorre, do mesmo modo, quando o processo se encontra ainda na fase de inquérito (fase não judicial - cuja titularidade é do Ministério Público).

Na fase de instrução e na fase de julgamento a separação de processos é ordenada, respetivamente, pelo juiz de instrução e pelo juiz presidente, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente.

A prática dos actos de inquérito pelo Ministério Público em nada ofende a Constituição, antes consubstancia uma consequência da estrutura acusatória do processo penal português.

Assim, o despacho sob censura é ilegal, porque o juiz de instrução praticou um ato para o qual lhe falecia competência na fase em que o processo se encontrava e não pode deixar de ser revogado, devendo ser substituído por outro que defira ao Ministério Público a competência para conhecer do pedido formulado pelo recorrente, ficando prejudicado o conhecimento do mérito do recurso.

O recurso, ainda que por diferentes fundamentos, procede parcialmente

3 – Decisão

Nestes termos e pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que defira ao Ministério Público a competência para conhecer do pedido formulado pelo recorrente AA.

Sem tributação (artigo513.º, n.º1 do CPP, a contrario sensu)

Processado por computador e revisto pelo relator.

Évora, 14 de Agosto de 2019


Fernando Ribeiro Cardoso


Maria de Fátima Bernardes