Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1028/19.2T8BJA.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RECIBO
RETRIBUIÇÃO
FÉRIAS
PAGAMENTO
VALOR PROBATÓRIO
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- Os recibos de vencimento assinados pelo trabalhador, valem como declaração de quitação das importâncias neles referidas.
2- Tais documentos particulares não possuem força probatória plena quanto ao efetivo gozo de férias, relativamente aos dias pagos a título de férias gozadas constantes dos recibos.
3- Tendo o trabalhador assinado o último recibo de vencimento, no qual constava o pagamento do valor de € 1.160,00, sob a rubrica “Compensação Resc. Contrato”, tal assinatura não permite concluir pela existência de um acordo (expresso ou tácito) de cessação do contrato de trabalho e que a quantia paga sob a aludida rubrica foi concertada para o efeito.
4- Tendo o empregador comunicado verbalmente a cessação do contrato de trabalho, tal comportamento, nas concretas circunstâncias do caso, consubstancia um despedimento ilícito, com as legais consequências.
5- O trabalhador tem direito a receber o pagamento dos dias de férias não gozadas. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
I… intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Agrícola Ganadera Gil, Lda., pedindo que seja considerada ilícita a cessação do seu contrato de trabalho e que, em consequência, seja a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade, no montante de € 2.900,00.
Mais peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe os seguintes créditos laborais em dívida: € 9.649,45 e € 4.521,28, referentes ao trabalho suplementar; € 3.058, respeitante às férias não gozadas; e, € 634,38, referente às horas de formação devidas. Sobre as quantis em dívida, reclamou o pagamento dos juros moratórios, à taxa legal de 4%, a partir do trânsito em julgado da decisão e até integral pagamento.
Alegou, em breve síntese, que a Ré lhe comunicou, verbalmente, a cessação do contrato de trabalho que vigorava entre ambos, o que constitui um despedimento ilícito, com as legais consequências. Em dívida, os créditos laborais peticionados.
Frustrada a conciliação realizada na audiência de partes, veio a Ré contestar, impugnando os créditos de que o Autor se arroga titular. Alegou, resumidamente, que o autor perfez 70 anos de idade durante a vigência do contrato de trabalho, pelo que o contrato se converteu, automaticamente, em contrato de trabalho a termo resolutivo, cuja caducidade ficou apenas sujeita ao aviso prévio de 60 dias. O contrato terminou por acordo das partes, e apesar de incumprido o aviso prévio, a ré procedeu ao pagamento do mesmo ao autor. Mais peticionou a condenação do Autor como litigante de má fé.
O Autor respondeu ao aludido pedido de condenação, pugnando pela sua improcedência.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar e identificou-se o objeto do litígio.
Fixou-se o valor da causa em € 20.763,36.
Após a realização da audiência final, foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo:
«Por tudo o exposto, o Tribunal, julga parcialmente procedente a ação intentada por I… contra AGRÍCOLA GANADERA GIL, LDA. e, em consequência:
1. Julga ilícito o despedimento promovido pela ré e, em consequência:
a. Condena a ré a pagar ao autor uma indemnização que se fixa em 30 dias de remuneração (no valor de ilíquido de € 580,00), por cada ano de antiguidade ou fração desde o inicio do contrato de trabalho até ao trânsito em julgado da presente decisão e que, em 26.01.2021, perfaz o montante global ilíquido de € 3.866,67 (três mil, oitocentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa civil desde a data do trânsito da presente sentença até efetivo e integral pagamento;
2. Condena a entidade empregadora, ora ré, a pagar ao autor:
a. O valor ilíquido de €3.031,82 (três mil, trinta e um euros e oitenta e dois cêntimos) a título de retribuição de 115 dias de férias não gozadas referentes aos anos de 2014 a 2018 (ano da cessação), a que acrescem juros de mora à taxa civil desde o trânsito em julgado da presente decisão até efetivo e integral pagamento.
b. O valor ilíquido de € 576,20 (quinhentos e setenta e seis euros e vinte cêntimos) a título de retribuição de formação e créditos de horas de formação, referentes aos anos de 2014 a 2018, acrescido de juros de mora à taxa civil vencidos desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efetivo e integral pagamento.
3. Absolve a empregadora ora ré do demais peticionado.
4. Absolve o autor do pedido de condenação como litigante de má-fé. (…)»
Não se conformando com o decidido, veio a Ré interpor recurso de apelação, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:
«1- O A. completou 70 anos de idade na pendência do contrato de trabalho sendo constatável tal realidade, por um lado, por o próprio A. sob a forma de manuscrito ter preenchido no seu Certificado de Formação Profissional, junto à contestação como Doc. Nº116 (3ª folha), a sua data de nascimento (10.04.1946) e demais dados de identificação pessoal (Nº B.I., validade, NIF, Nacionalidade, País de Origem, naturalidade e morada) que ele próprio manuscreveu pelo seu próprio punho.
2- Os recibos de vencimento (Doc. Nºs 13 a 114) e o certificado de formação profissional (Doc. Nº 116) juntos pela R. com a contestação, por falta de impugnação do A., têm força probatória plena em juízo (Artº374 e 376 do C.Civil) quanto aos factos neles contidos, mormente aqueles em cuja elaboração e autoria o A. teve intervenção direta como é o caso dos Recibos de Vencimento e Certificado de Formação Profissional do A., cuja genuinidade não foi tão pouco impugnada pelo A. (Artº 444 e seguintes do C.Proc.Civil).
3- A certidão de nascimento do A., ora junta, deve ser admitida nos presentes autos de cuja leitura se conclui, em conjugação com o certificado de formação profissional junto, que o mesmo, tendo nascido em 10.04.1946, completou 70 anos de idade em 10.04.2016, na pendência da relação laboral, pelo que o respetivo contrato de trabalho se converteu automaticamente em contrato a termo resolutivo (Artº 348 do C.Trabalho).
4- Tendo-se constatado no decurso da audiência de julgamento que o A. estava reformado, já antes do início da relação laboral, de igual forma se deve entender que o respetivo contrato de trabalho deverá ser considerado como contrato de trabalho a termo resolutivo (Artº 348, nº2, al. c) do C.Trabalho)
5- O A. a acrescer à sua situação de reformado e de maior de 70 anos de idade o A. mantinha uma vida de negócios pessoais de artigos elétricos (Facto Provado em 9) dos Factos Provados), sendo a relação de trabalho com a R. um mero complemento de rendimentos para o A;
6- Tendo o A. como tinha, à data da cessação da relação laboral, mais de 70 anos de idade que havia completado no dia 10.04.2016 e sendo reformado, o seu contrato de trabalho por força do disposto no Artº 348 do C.Trabalho, passou a estar sujeito ao regime definido por tal disposição para os contratos a termo resolutivo, ficando a caducidade do contrato sujeita a aviso prévio de 60 dias (Artº 348, nº2 alínea c) do C.Trabalho).
7- Em presença da prova gravada, atrás transcrita, combinada com a prova documental invocada (Doc.s nºs 13 a 114 e 116 e chave de acesso à certidão de nascimento) e com os demais depoimentos das testemunhas, incluída a própria Motivação da Meritíssima Juiz Recorrida, devem ser adicionados os números 20), 21), 22) e 23) à Matéria de Facto Provada com a seguinte redação (Artº 640, nº1 alíneas a), b) e c) do C.Proc.Civil):
20) Em 30 de Julho de 2018 A. e R. acordaram na cessação da relação laboral que mantinham entre ambos tendo a R. pago ao A. 60 dias de salário de Aviso Prévio no montante de 1.160,00 Euros cujo valor incluíram no recibo do salário de 31.07.2018 o qual o A. depois de ler e ter na sua conta bancária aquele valor em dinheiro assinou para ratificar a cessação da relação laboral.
21) Os dois vencimentos de Aviso Prévio pagos em acréscimo ao vencimento de julho de 2018 pela Ré ao A. resultaram do acordo entre ambos em pôr fim à relação laboral.
22) O A., nasceu em 10.04.1946 e perfez 70 anos de idade na pendência da relação laboral mantida com a Ré.
23) À data do início da relação laboral com a Ré em 26 de maio de 2014, o A. já estava reformado.
8- A matéria de facto incluída nas alíneas f), g) e h), em presença da reapreciação da prova neste Tribunal de Recurso, incluída a prova gravada, devem as mesmas alíneas ser eliminadas dos factos não provados por tais factos terem passado a constar dos pontos nºs 20), 21), 22) e 23) da matéria de facto provada.
9- Tendo em conta a nova factualidade provada (idade e reforma) e a circunstância invocada de que o A. ao assinar e receber o valor do Aviso Prévio de 60 dias (Artº 348, nº2 alínea c) do C.Trabalho) com perfeito conhecimento do significado do seu pagamento, não ocorreu no caso “sub judice” despedimento ilícito pelo que não deve a R. ser condenada a pagar ao A. qualquer valor a título de indemnização por despedimento ilícito, nem sequer do valor de 3.866,67 Euros em que foi indevida e injustificadamente condenada.
10- A sentença recorrida incorreu em errada qualificação jurídica dos factos e não levou em conta elementos de prova documentais que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida (Artº 615, nº1, al. c) e d) e Artº 616, nº2, al. a) e b) e 617, todos do C.Proc.Civil), como será o caso dos recibos de vencimento assinados pelo A. e certificado de formação profissional com manuscritos do próprio A. que refletem a sua idade de mais de 70 anos de idade, agora corroborado pela chave de acesso e certidão de nascimento do A. junta nos termos do Artº 651, nº1 parte final, do C.Proc.Civil.
11- A R. fez constar o gozo de período de férias do A. nos respetivos recibos de vencimento (Doc.s nºs 13 a 114 da Contestação) os quais este assinou depois de os ler e conhecer perfeitamente o seu conteúdo, não tendo contestado a sua genuinidade e autoria quando notificado da sua junção pela R. aos autos com a apresentação da contestação;
12- Tal como consta dos recibos de vencimento assinados pelo A., os quais este leu e conheceu perfeitamente o seu conteúdo, gozou efetivamente os seguintes períodos de férias:
- 2 dias de férias em 28 de agosto de 2014,
- 10 dias de férias em setembro de 2016,
- 5 dias em outubro do ano de 2016,
- 3 dias em novembro de 2016,
- 2 dias em dezembro de 2016,
- 1 dia de férias em março de 2017,
- 3 dias de férias em maio de 2017,
- 2 dias em junho de 2017,
- 14 dias em julho de 2017,
- 1 dia em janeiro de 2018,
- 5 dias em maio de 2018,
- 6 dias em junho de 2018,
- 22 dias em julho de 2018.
13- Não se provou que o A. tenha gozado férias nos seguintes períodos de tempo:
No ano de 2014 – 12 dias de férias;
No ano de 2015 – 22 dias de férias;
No ano de 2016 – 12 dias de férias;
No ano de 2017 – 4 dias de férias.
14- Os recibos de vencimento assinados pelo A. (Doc. nºs 13 a 114 juntos à contestação) fazem prova plena quanto aos factos deles constantes e declarações neles incluídas, os quais factos e declarações (períodos de férias gozados) por serem contrários aos interesses do A. declarante se devem considerar plenamente provados (Artº 376, nº2 do C.Civil)
15- A matéria de facto incluída no ponto 6) dos Factos provados deve ser considerada como não provada em face da prova documental inequívoca, não impugnada pelo A., de que gozou os períodos de férias que se refere na conclusão anterior nº 12 de acordo com o texto dos recibos de vencimento assinados pelo A. depois de os ler e ter perfeito conhecimento do sue conteúdo.
16- Tanto mais que por força do disposto no Artº 393, nºs 1 e 2 do C.Civil é, neste caso concreto, inadmissível a prova testemunhal quando oposta a prova documental com força probatória plena (Doc.s Nºs 13 a 114), inquinando a decisão recorrida de incorreta aplicação do direito quando sobrepõe o sentido do depoimento das testemunhas no que respeita aos períodos de férias (não) gozados pelo A. ao conteúdo e significado dos recibos de vencimento assinados pelo A.
17- Torna-se percetível da leitura dos factos provados 6), 7), 15) e 17) da existência de contradição insuperável e ininteligível (Artº615, nº1 alíneas b), c) e d) do C.Proc.Civil) pois da matéria de facto provada em 6) resulta que o A. nunca gozou férias quando dos factos provados em 7) e 15) resulta que o A. gozou todos os períodos de férias indicados no ponto 7) dos factos provados, sendo certo que o A. “só assinava os recibos depois de os ler e saber o que neles estava escrito” contradição insuperável e ininteligível que contagia a sentença recorrida.
18- A decisão recorrida – sentença – foi proferida com violação do disposto no Artº 615, nº1 alíneas c), d) e e) e 616, nº 2 alíneas a) e b), ambos do C.Proc.Civil, traduzida em contradição insanável da matéria de facto provada, erro na determinação das normas aplicáveis e também pela existência no processo de elementos da prova documental que fazem prova plena do significado do seu conteúdo (Recibos assinados pelo A.) que impõem só por si decisão diversa da proferida.
19- Face aos factos e direito que deveria ser aplicado a sentença recorrida na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a quantia de 3.031,82 Euros de retribuição de 115 dias de férias, não gozadas, é nula devendo ser revogada.
20- Por não se ter provado que o A. tivesse gozado férias nos 50 dias que se refere sob o Artº 8º da petição inicial terá o A. direito a haver uma retribuição equivalente a tal período de tempo que, à razão de 26,36 Euros/ dia (3.031,82 : 115 = 26,36), perfaz a quantia de 1.318,18 Euros.»
Junto com o recurso, foi requerida a junção da certidão de nascimento do apelado ao processo.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A 1.ª instância admitiu o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Tendo o processo subido à Relação, foi observado o prescrito no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O apelante respondeu, reiterando a posição assumida no recurso.
O recurso foi mantido e, por despacho proferido pela relatora, não foi admitida a junção da certidão de nascimento do apelado.
Devidamente notificado de tal despacho, o apelante nada disse.
Dispensados os vistos, com a anuência dos Exmos. Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões suscitadas no recurso:
1. Nulidade da sentença.
2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3. Não verificação de despedimento ilícito.
4. Inexistência de fundamento para a condenação no pagamento da quantia de € 3.031,82, relativa à retribuição por 115 dias de férias não gozadas.
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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1) O A. foi admitido ao serviço da R. em 26 de maio de 2014, por tempo indeterminado, para exercer a atividade da categoria profissional de Oficial Eletricista de 1.ª, sob a autoridade e direção desta.
2) O A. exercia as suas funções na Herdade da Tapada, propriedade da R. sita na freguesia de Safara, Concelho de Moura.
3) Auferindo a retribuição mensal de € 575,00 (quinhentos e setenta e cinco euros), acrescidos de subsídio de alimentação no montante diário de € 5,30 (cinco euros e trinta cêntimos), e ainda 1/12 avos de subsídio de férias e de natal.
4) O salário foi atualizado em 1 de janeiro de 2018, passando o autor a auferir a remuneração mensal de € 580,00 (quinhentos e oitenta euros).
5) Para além de eletricista o autor começou também a tratar dos animais existentes na herdade, distribuindo a ração, limpando os estábulos, reparando vedações, e outras funções normalmente executadas por um trabalhador agrícola.
6) O A. desde que esteve ao serviço da empresa nunca gozou férias.
7) Todavia constam dos recibos o gozo dos seguintes dias de férias:
a. - 2 dias de férias em 28 de agosto de 2014,
b. - 10 dias de férias em setembro de 2016,
c. - 5 dias em outubro do ano de 2016,
d. - 3 dias em novembro de 2016,
e. - 2 dias em dezembro de 2016,
f. - 1 dia de férias em março de 2017,
g. - 3 dias de férias em maio de 2017,
h. - 2 dias em junho de 2017,
i. - 14 dias em julho de 2017,
j. - 1 dia em janeiro de 2018,
k. - 5 dias em maio de 2018,
l. - 6 dias em junho de 2018,
m. - 22 dias em julho de 2018,
8) Em 30 de Julho de 2018 a R. transmitiu verbalmente ao A., que o contrato terminara e foi-lhe entregue um recibo com o pagamento de € 1.160,00[2], sob a rubrica “Compensação Resc. Contrato S/ Aviso (2,00 x 580,00)”.
9) O A., para além de trabalhador da R., era empresário, tinha uma oficina e vendia e reparava material elétrico e eletrodomésticos.
10) O A., ao longo dos anos por que durou a relação laboral, vendeu material elétrico e prestou serviços de montagens de artigos elétricos à R., nomeadamente no dia 30.07.2018, para o que emitia as devidas faturas.
11) O A., sempre que necessitava, ausentava-se do local de trabalho para tratar de assuntos pessoais e negócios próprios do seu estabelecimento de oficina mecânica e de venda de material elétrico, o que fazia com conhecimento e autorizado pelo “encarregado” da R., Sr. Simão, e compensava posteriormente.
12) Em 30 de Outubro de 2017, a R. pretendeu fazer cessar a relação de trabalho com o A., para o que lhe entregou uma comunicação de aviso prévio do termo do contrato, que o autor assinou, mas este pediu à R. para se manter ao seu serviço, chegando a chorar nesta ocasião, no que aquela acedeu.
13) No ano de 2017, a R. fez constar de carta entregue e assinada pelo autor, com data de 18 de maio de 2017, a aplicação de uma “repreensão registada” ao A. por, no dia 11 de maio desse ano, ter aberto, de livre arbítrio e contra expressas recomendações da ré, a comporta de uma fossa de resíduos animais que recolhe os dejetos das porcas entabuladas numa das naves onde este exercia trabalho, os quais se dirigiram para a fossa de recolha que transbordou e poderiam ter atingido uma Ribeira, causando dano ambiental, o que acabou por não suceder.
14) Para a decisão da R. de pôr termo ao contrato de trabalho com o A. contou a circunstância de o A., por já ter alguma idade, não corresponder às exigências físicas de algum trabalho braçal que devia realizar e por outro lado a exploração intensiva de suínos continuava por autorizar não justificando a manutenção do contrato de trabalho com o A..
15) O A. sempre assinou os recibos de vencimento entregues pela ré depois de os ler e saber o que neles estava escrito e ia assinar, tendo recebido as quantias neles inscritas.
16) O A. subscreveu e assinou os originais dos recibos referentes aos pagamentos dos meses de maio, junho e julho de 2018 sem qualquer “rasura ou emenda”.
17) Em agosto de 2018, já após a ré ter efetuado a transferência do valor constante do recibo datado de 31.07.2018, o A. assinou um documento datado de 31.07.2018, elaborado pela R., intitulado “LIQUIDAÇÃO DE TRABALHO EM AGRÍCOLA GANADERA GIL, LDA.”, com o seguinte teor “D. I…, recebe da empresa pecuária AGRÍCOLA GANADERA GIL, LDA. a quantia devida pelo trabalho realizado na empresa, incluindo remuneração extra e feriados, recebidas mensalmente, de forma voluntária, por isso considero resolvido até ao dia da chegada sem tenho nenhuma reclamação para a empresa por qualquer motivo”.
18) O autor, após a ré lhe ter comunicado o fim da relação de trabalho, manifestou a sua disponibilidade para continuar a prestar assistência à ré sempre que esta desejasse.
19) Durante os anos em que o autor trabalhou sob as ordens, direção e fiscalização da ré, esta proporcionou ao autor 3 horas de formação no dia 06.04.2016.
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E considerou que não se provaram os seguintes factos:
a) O A. cumpriu sempre um horário de trabalho semanal de 54 horas, da seguinte forma: de Segunda-feira a Sábado das 6:00h -13:00h e das 15:00h-17:00h.
20) E as poucas férias que marcou foram sempre consideradas faltas injustificadas, nomeadamente nos dias 1 de julho de, 26 e 29 de agosto de 2016 e 9 de março de 2018;
b) O autor mantinha uma vida de negócios pessoais muito ativa e enérgica, sendo a relação de trabalho com a R. um mero complemento de rendimentos para o A.;
c) Quando o A. se ausentava do local de trabalho durante o horário estabelecido sem conhecimento do “encarregado” da R., este marcava falta injustificada e dava, deste facto, conhecimento ao contabilista da R. que incluía tais faltas no recibo de salário do mês correspondente.
d) O A., com a concordância e conhecimento da R., usava os dias e os tempos de ausência do local de trabalho, em períodos laborais, como dias de férias, não tendo estes sido mencionados nos recibos salariais emitidos pela R..
e) Com este seu procedimento o A. substituiu os períodos de férias que invoca falsamente não ter gozado, pelos dias de trabalho em que não compareceu ao trabalho ou dele se ausentou com conhecimento da R., pelo menos, na pessoa do encarregado desta.
f) Em 30 de Julho de 2018, A. e R., estabeleceram verbalmente o acordo de que a relação de trabalho entre ambos cessava.
g) O A. nasceu em 10.04.1946 e perfez 70 anos na pendência da relação laboral mantida com a ré.
h) Os dois vencimentos pagos em acréscimo ao vencimento de julho de 2018 pela ré ao autor resultaram do acordo entre ambos em por fim à relação laboral;
i) A fim de receber o salário de julho de 2018 foi dito ao A. que teria de assinar um papel, de que não lhe foi entregue qualquer cópia, que o autor assinou mas sem dar o seu acordo e com o objetivo de receber a remuneração em falta.
j) A ré ministrou formação ao autor para além das 3 horas no dia 06.04.2016.
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IV. Nulidade da sentença
Veio a apelante arguir a nulidade da sentença, ao abrigo das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, invocando que existe uma contradição insuperável e ininteligível entre os factos provados sob os n.ºs 6, 7, 15 e 17.
Analisemos.
O referido artigo 615, n.º 1, subsidiariamente aplicável, consagra nas mencionadas alíneas, que a sentença é nula, quando:
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, constam da sentença recorrida os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e a Meritíssima Juíza a quo pronunciou-se sobre as questões que foram submetidas à sua apreciação.
Deste modo, não se verificam as situações previstas nas alíneas a) e c) mencionadas supra, sendo certo que a apelante também não veio propriamente invocar que a sentença se encontra viciada por falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.
Analisemos, então, se se verifica a alegada contradição entre os factos provados sob os n.ºs 6,7, 15 e 17.
Os aludidos pontos factuais têm o seguinte teor:
6) O A. desde que esteve ao serviço da empresa nunca gozou férias.
7) Todavia constam dos recibos o gozo dos seguintes dias de férias:
a. - 2 dias de férias em 28 de agosto de 2014,
b. - 10 dias de férias em setembro de 2016,
c. - 5 dias em outubro do ano de 2016,
d. - 3 dias em novembro de 2016,
e. - 2 dias em dezembro de 2016,
f. - 1 dia de férias em março de 2017,
g. - 3 dias de férias em maio de 2017,
h. - 2 dias em junho de 2017,
i. - 14 dias em julho de 2017,
j. - 1 dia em janeiro de 2018,
k. - 5 dias em maio de 2018,
l. - 6 dias em junho de 2018,
m. - 22 dias em julho de 2018,
15) O A. sempre assinou os recibos de vencimento entregues pela ré depois de os ler e saber o que neles estava escrito e ia assinar, tendo recebido as quantias neles inscritas.
17) Em agosto de 2018, já após a ré ter efetuado a transferência do valor constante do recibo datado de 31.07.2018, o A. assinou um documento datado de 31.07.2018, elaborado pela R., intitulado “LIQUIDAÇÃO DE TRABALHO EM AGRÍCOLA GANADERA GIL, LDA.”, com o seguinte teor “D. I…, recebe da empresa pecuária AGRÍCOLA GANADERA GIL, LDA. a quantia devida pelo trabalho realizado na empresa, incluindo remuneração extra e feriados, recebidas mensalmente, de forma voluntária, por isso considero resolvido até ao dia da chegada sem tenho nenhuma reclamação para a empresa por qualquer motivo”.
Salvaguardado o devido respeito, que é muito, não se verifica qualquer oposição entre os aludidos factos.
A circunstância de constar dos recibos de vencimento, assinados pelo apelado, que o mesmo gozou férias, não significa, em termos de realidade empírica, que o apelado tenha, efetivamente, gozado férias.
Poderá haver um erro na aplicação das normas de direito probatório quanto à decisão sobre a matéria de facto, mas esta é uma questão que será apreciada infra aquando da análise da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
O recebimento de quantias pagas a título de férias, também não é, em termos fácticos, incompatível com a falta do gozo das férias.
Assim sendo, entendemos que não se verifica uma contradição entre os mencionados factos, enquanto “ocorrências concretas da vida real”[3].
Em consequência, não se verifica a alegada ininteligibilidade decorrente da invocada contradição factual.
Em suma, improcede a arguida nulidade da sentença.
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V. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A apelante veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto, entendendo que devem ser aditados ao conjunto dos factos assentes os pontos 20 a 23, com a redação que indica e, consequentemente, devem ser eliminados dos factos não provados as alíneas f), g) e h). Considera igualmente mal julgado, o ponto 6 dos factos provados, que, no seu entender, deveria ter sido julgado não provado.
Tendo sido observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, nada obsta ao conhecimento da impugnação.
Principiemos pelo fim, isto é, pelo ponto 6 dos factos provados.
É a seguinte a redação deste ponto factual:
- O A. desde que esteve ao serviço da empresa nunca gozou férias.
Argumenta a apelante que o facto descrito não poderia ser julgado provado, uma vez que os recibos de vencimento (Docs n.ºs 13 a 114 juntos com a contestação), assinados pelo apelado, e não impugnados, fazem prova plena das declarações neles incluídas, nos termos do artigo 376.º, n.º 2 do Código Civil, e consta dos referidos recibos que o apelado gozou os seguintes períodos de férias:
a. - 2 dias de férias em 28 de agosto de 2014,
b. - 10 dias de férias em setembro de 2016,
c. - 5 dias em outubro do ano de 2016,
d. - 3 dias em novembro de 2016,
e. - 2 dias em dezembro de 2016,
f. - 1 dia de férias em março de 2017,
g. - 3 dias de férias em maio de 2017,
h. - 2 dias em junho de 2017,
i. - 14 dias em julho de 2017,
j. - 1 dia em janeiro de 2018,
k. - 5 dias em maio de 2018,
l. - 6 dias em junho de 2018,
m. - 22 dias em julho de 2018.
Analisemos, pois.
Os recibos de vencimentos, apresentados com a contestação, constituem documentos particulares, sujeito às regras de direito probatório fixadas nos artigos 373.º a 379.º do Código Civil.
Todos os recibos se mostram assinados pelo apelado.
Consta dos aludidos recibos que o apelado gozou os períodos de férias anteriormente indicados.
Devidamente notificado, o apelado não impugnou o teor dos documentos, nem a sua assinatura, no prazo legal[4].
Assim sendo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 373.º, n.º 1, 374.º e 376.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil, a assinatura do apelado considera-se verdadeira e os factos compreendidos nas declarações expressas no documento consideram-se provados.
Todavia, o que se mostra provado, em função dos recibos de vencimento assinados, é que o apelado recebeu as quantias que constam descritas nos aludidos recibos.
Como bem apreciou o tribunal a quo, «o facto do autor assinar os recibos apenas pode servir como declaração de quitação e nada mais do que isso».[5]
Em suma, a assinatura dos recibos de vencimento pelo apelado, apenas confere aos ditos documentos força probatória plena como documento de quitação das quantias descritas constantes dos recibos, pois relativamente aos demais factos inseridos no documento, ainda que contrários aos interesses do apelado, os referidos documentos estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova.
Concluindo, a prova documental invocada não possui força probatória plena para afastar o facto descrito no ponto 6 do elenco dos factos provados.
Improcede, assim, a impugnação, nesta parte.
Pretende ainda a apelante que seja retirada dos factos não provados a materialidade descrita nas alíneas f), g) e h) e que sejam aditados aos factos assentes os n.ºs 20 a 21, com o seguinte teor:
20) Em 30 de Julho de 2018 A. e R. acordaram na cessação da relação laboral que mantinham entre ambos tendo a R. pago ao A. 60 dias de salário de Aviso Prévio no montante de 1.160,00 Euros cujo valor incluíram no recibo do salário de 31.07.2018 o qual o A. depois de ler e ter na sua conta bancária aquele valor em dinheiro assinou para ratificar a cessação da relação laboral.
21) Os dois vencimentos de Aviso Prévio pagos em acréscimo ao vencimento de julho de 2018 pela Ré ao A. resultaram do acordo entre ambos em pôr fim à relação laboral.
22) O A., nasceu em 10.04.1946 e perfez 70 anos de idade na pendência da relação laboral mantida com a Ré.
23) À data do início da relação laboral com a Ré em 26 de maio de 2014, o A. já estava reformado.
Principiemos por analisar a questão da idade do apelado [alínea g) dos factos não provados e sugerido ponto 22].
A apelante alegou no artigo 20.º da contestação que o apelado nasceu em 10-04-1946 e que perfez 70 anos durante a vigência da relação laboral, concretamente no dia 10-04-2016.
É consabido que o nascimento é um facto obrigatoriamente sujeito a registo – artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do Código de Registo Civil.
Ora, a prova dos factos sujeitos a registo civil só pode ser feita pelos meios previstos no Código do Registo Civil, isto é, pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão de registo civil – artigo 211.º, n.º 1 do mencionado compêndio legal.
De acordo com os n.ºs 2 e 3 do referido artigo, faz igualmente prova, para todos os efeitos legais e perante qualquer autoridade pública ou entidade privada, a disponibilização da informação constante da certidão em sítio da Internet, em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. A disponibilização de tal informação não pode ser efetuada nos casos previstos no n.º 4 do artigo 214.º e, nos casos a que se referem os n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo, deve conformar-se com o preceituado em tais normas.
No vertente caso, a apelante não apresentou qualquer um dos meios de prova previstos pelo Código de Registo Civil.
Destarte, bem andou a 1.ª instância ao considerar não provada a dada de nascimento do apelado, sendo que o seu alegado 70.º aniversário durante a vigência da relação laboral seria uma conclusão que só poderia ser extraída a partir da prova da data de nascimento.
Enfim, nenhuma censura, pela nossa parte, relativamente à decisão que considerou o facto descrito na alínea g) como não provado. Consequentemente, não se verifica fundamento para aditar o visado ponto 22.
No que concerne ao pretendido aditamento do ponto 23, a materialidade em causa não foi alegada nos articulados.
É certo que o artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho permite a consideração de factos essenciais não articulados, desde que os mesmos sejam relevantes para a boa decisão da causa e sobre eles tenha incidindo discussão.
Todavia, os poderes conferidos pelo aludido artigo são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, não competindo à Relação ampliar o elenco dos factos provados com outros, que não tendo sido alegados, adquira por força da reapreciação da prova, nem pode ordenar à 1.º instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados[6].
Em face do exposto, improcede a impugnação relativamente ao visado aditamento do ponto 23.
Finalmente, resta apreciar a visada eliminação das alíneas f) e h) dos factos não provados e o pretendido aditamento dos pontos 20 e 21 aos factos provados.
Em causa, está o alegado acordo de cessação da relação laboral, que mereceu o pagamento, alegadamente acordado, de dois vencimentos (€ 1.160,00), correspondentes ao salário do aviso prévio.
Ora, extrai-se dos factos assentes que o tribunal a quo deu como provado que a relação laboral que vigorou entre as partes processuais cessou em 30 de julho de 2018, por comunicação verbal transmitida pela apelante ao apelado, e que a apelante pagou ao apelado a quantia de € 1.160,00, fazendo constar do recibo de vencimento do referido mês a rubrica “Compensação Resc. Contrato S/ Aviso (2,00 x 580,00)” – ponto 8 dos factos provados.
Mais ficou provado, que em agosto de 2018, após a apelante ter efetuado a transferência do valor constante do recibo datado de 31.07.2018, o apelado assinou um documento datado de 31-07-2018, elaborado por aquela, intitulado “LIQUIDAÇÃO DE TRABALHO EM AGRÍCOLA GANADERA GIL, LDA.”, com o seguinte teor “D. I…, recebe da empresa pecuária AGRÍCOLA GANADERA GIL, LDA. a quantia devida pelo trabalho realizado na empresa, incluindo remuneração extra e feriados, recebidas mensalmente, de forma voluntária, por isso considero resolvido até ao dia da chegada sem tenho nenhuma reclamação para a empresa por qualquer motivo” – ponto 17 dos factos provados.
A apelante não impugnou os pontos 8 e 17 dos factos provados, ou seja, aceitou a decisão do tribunal a quo, relativamente à materialidade em causa.
Como sabemos a impugnação da decisão de facto não pode ser tacitamente formulada, tendo em consideração que o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil exige que o recorrente especifique, sob pena de rejeição da impugnação, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – alínea a) do n.º 1 do artigo.
Face ao exposto, mostra-se incompreensível e incoerente a impugnação que incide sobre o modo como cessou a relação laboral.
Seja como for, para a desejada alteração da matéria de facto, a apelante baseou-se na seguinte argumentação:
«Tendo em conta as descritas e comprovadas circunstâncias pessoais vividas pelo A. – Reformado com mais de 70 anos de idade – e ainda o facto de ter recebido da Ré o valor de 60 dias de salário de Aviso Prévio cujo valor aceitou receber ao assinar em 06.08.2018 o Recibo de vencimento datado de 31.07.2018, de cujo valor já dispunha na sua conta bancária, pode concluir-se de tais factos que o A. acordou com a Ré pôr termo à relação laboral mediante o recebimento do mencionado valor de Aviso Prévio, de 1.160,00 euros[7], que lhe foram pagos sob a rubrica “Compensação Resc. Contrato” cujo recibo e declaração de não divida o A. assinou em agosto de 2018 já após a Ré ter efetuado a transferência do valor constante do recibo datado de 31.07.2018 (Factos Provados em 8), 15), 16), 17) e 18)).
Torna-se desta forma bem visível que o A. ratificou a cessação da relação laboral em 31.07.2018 com o recebimento do valor do Aviso Prévio e assinatura do recibo que reflete o seu pagamento.»
Salvaguardado o devido respeito, divergimos da posição sustentada pela apelante, pois a circunstância de o apelado ter assinado o recibo de vencimento relativo ao mês de julho de 2018, não permite concluir que existiu um acordo (expresso ou tácito) de cessação do contrato de trabalho e que a quantia paga sob a rubrica “Compensação Resc. Contrato” foi concertada para o efeito.
Idêntica conclusão se extrai da assinatura do documento intitulado “LIQUIDAÇÃO DE TRABALHO EM AGRÍCOLA GANADERA GIL, LDA.”.
Nesta conformidade, improcede, também nesta parte, a impugnação.
Concluindo, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto mostra-se totalmente improcedente.
*
VI. Não verificação do despedimento ilícito
A apelante não se conforma com o declarado despedimento ilícito, argumentando que o contrato de trabalho se converteu em contrato de trabalho a termo resolutivo, ao abrigo do artigo 348.º do Código do Trabalho, e que a relação laboral findou porque as partes processuais estabeleceram, verbalmente, um acordo de cessação do contrato.
No seguimento da posição manifestada, considera que não é devida a indemnização por despedimento ilícito em que foi condenada.
Desde já adiantamos que não lhe assiste razão, porquanto a mesma não logrou provar os pressupostos necessários à conversão do contrato de trabalho, previstos no artigo 348.º do Código do Trabalho. Ademais, ficou demonstrado que o contrato de trabalho, por tempo indeterminado, cessou em 30 de julho de 2018, mediante comunicação verbal feita pela apelante ao apelado, nesse sentido.
Assim, por total concordância, subscrevemos, sem reservas ou dúvidas, a fundamentação da decisão recorrida que, seguidamente, se transcreve:
«No caso e pese embora nada seja alegado pela ré quanto à situação de reforma do autor/trabalhador, certo é que a mesma não provou que este atingiu os 70 anos de idade durante a execução do contrato, facto cuja prova lhe competia nos termos do disposto no artigo 342º do Código Civil.
Concluímos assim que, à data da cessação da relação laboral, o contrato em vigor entre as partes era um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
O autor alegou que a rescisão unilateral do contrato de trabalho por parte da ré, sem precedência de procedimento disciplinar e sem justa causa é ilícito.
A ré alega que o autor acordou na aludida rescisão. No entanto não logrou provar tal facto.
E quanto à declaração emitida pela ré e assinada pelo autor sempre diremos que, não se logrando provar qualquer acordo ou negociação prévia entre as partes, esta nada mais configura do que uma declaração de quitação, não consubstanciando uma remissão abdicativa, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 863.º e segs. do Código Civil e artigo 349.º n.º 5 do Código do Trabalho, tanto mais que a declaração é de difícil compreensão, representando uma tradução deficiente do espanhol, e reporta-se a “horas extra e feriados” – neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 31-01-2019, relatado por Mário Branco Coelho, proc. 9/18.8T8PTM.E1, disponível em www.dgsi.pt, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.02.2019, com o seguinte sumário: «I. Não fica demonstrada a existência de qualquer vontade de remitir por parte do trabalhador, quando não só não se provou a existência de qualquer negociação prévia, como o teor do texto que o trabalhador assinou não sugere, nem alerta, para qualquer remissão abdicativa. II. A declaração negocial não pode valer com um sentido com o qual o declarante não podia razoavelmente contar e o declarante ao assinar um documento de quitação e pagamento de direitos não pode razoavelmente contar que o mesmo valha como remissão abdicativa.» - relatado por Júlio Gomes, proc. 1059/16.4T8PNF.P1.S1, disponível na mesma fonte).
Ora, dispõe o art. 381º que “(…) o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respetivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.”.
Assim e considerando que o contrato de contrato de trabalho em vigor à data da cessação do contrato era um contrato por tempo indeterminado; que a ré, em 30 de julho de 2018, disse ao autor - sem qualquer formalidade prévia e sem alegar justa causa -, que já não trabalhava mais para si, não logrando provar a existência de qualquer acordo na resolução do contrato (nem podendo considerar-se a disponibilidade que o trabalhador manifestou no sentido de ser chamado para prestar ajuda ou assistência no futuro como tal), é de concluir, como pede o autor, e como resulta do disposto no artigo 381º, alíneas b) e c), que a conduta da ré consubstancia despedimento ilícito.
Vejamos então das consequências do despedimento ilícito:
O despedimento ilícito confere ao trabalhador o direito:
- A indemnização por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais (artigo 389.º, n.º 1, alínea a) do diploma em referência):
- À reintegração no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.° e 392.° (artigo 389.º, n.º 1, alínea b) do diploma em referência).
- Às retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, deduzidas as importâncias que aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento; o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social (artigo 390º do mesmo diploma).
De esclarecer que, de acordo com o disposto no artigo 391º do Código de Trabalho, em substituição da reintegração o trabalhador pode optar por uma indemnização até ao termo da discussão da audiência final de julgamento cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade contados desde o inicio do contrato até ao trânsito em julgado da decisão que declare ilícito o despedimento, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, a qual não pode ser inferior a três meses.
Vejamos o caso concreto:
O autor/trabalhador pede apenas que, declarada a ilicitude do despedimento seja a entidade empregadora condenada a pagar-lhe uma indemnização correspondente a pelo menos 45 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, em substituição da reintegração e a pagar-lhe as retribuições complementares.
Considerando o tempo de trabalho prestado (perfaz 6 anos e 8 meses, à data de 26.01.2021 – data em que ainda não estará transitada a presente sentença), a remuneração do trabalhador (€ 580,00 de remuneração base) e a gravidade da ação da ré (para o que contribui o facto de estarmos perante uma ilicitude que resulta da falta de justa causa e de procedimento disciplinar), entendo fixar em 30 dias por ano de antiguidade ou fração a indemnização a pagar pela entidade empregadora ao trabalhador, a qual por reporte à data de 26.01.2021, assume o valor de € 3.866,67.»
Concluindo, bem andou o tribunal a quo em declarar a verificação de um despedimento ilícito e o consequente direito do apelado à indemnização fixada.
Improcede, pois, o recurso quanto à questão agora analisada.
*
VII. Sobre o pagamento das férias não gozadas
A 1.ª instância condenou a apelante a pagar ao apelado a quantia de € 3.031,82, a título de retribuição por 115 dias de férias não gozadas.
A apelante insurge-se contra esta condenação, baseando toda a sua alegação na alteração da decisão sobre o ponto 6 dos factos provados.
Todavia, não tendo procedido a impugnação quanto ao aludido ponto e mostrando-se a decisão recorrida conforme o direito aplicável, mais não resta do que confirmar a mesma e a sua fundamentação.
Para melhor esclarecimento, transcreve-se a fundamentação exposta na sentença recorrida:
«Da retribuição por férias vencidas e não gozadas
Pede o trabalhador que a ré seja condenada a pagar-lhe as férias que não gozou durante a execução do contrato (não está em causa o subsidio de férias).
A ré alegou que o autor gozou todas as férias a que tinha direito.
O direito a férias periódicas está consagrado a nível internacional no art. 24º da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10/12/1948 (publicada em Portugal no DR, 1ª série, de 9/03/1978), na Convenção n.º 132 da OIT e no art. 31º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, série C, 43º ano, n.º 364, de 18/12/2000).
A nível interno o direito a férias encontra fundamento no art. 59º, n.º 1, al. d) da Constituição da República Portuguesa (no qual se estabelece que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito a férias periódicas pagas), estando concretizado na lei ordinária, nomeadamente, nos artigos 237.º e seguintes do Código do Trabalho.
O direito a férias visa possibilitar a recuperação física e psíquica dos trabalhadores e assegurar-lhes condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural, sendo o período mínimo anual de férias de 22 dias úteis (art. 238, n.º 1 do Código do Trabalho).
O trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vencem em 1 de janeiro (cfr. art. 227º, n.º 1 do Código do Trabalho[8]).
O direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas não está condicionado à assiduidade ou efetividade de serviço (cfr. art. 227º, n.º 2 do C. Trabalho[9]).
A retribuição de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo (cfr. artigo 264º, n.º 1 do Código do Trabalho).
Quanto aos efeitos da cessação de contrato no direito a férias o artigo 245º do C.Trabalho estabelece que cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição de férias e respetivo subsídio: a) Correspondentes a férias vencidas e não gozadas; b) Proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação (nº1).
Mostra-se provado que o autor efetivamente não gozou férias durante a execução do contrato.
Considerando as disposições supra citadas tem o autor/trabalhador direito à retribuição de:
- 14 dias de férias - 2014;
- 22 dias – vencidos em janeiro de 2015;
- 22 dias – vencidos em janeiro de 2016;
- 22 dias – vencidos em janeiro de 2017;
- 22 dias – vencidos em janeiro de 2018;
- 13 dias – proporcionais de férias do ano de cessação do contrato.
No montante total de €3.031,82 (€ 580 : 22 x 115 dias).»

Concluindo, o recurso mostra-se totalmente improcedente.
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VIII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Notifique.
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Évora, 28 de outubro de 2021
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Moisés Silva (2.º Adjunto)
______________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] Na sentença constava o valor de € 1.1160,00, que, por se tratar de manifesto lapso material, corrigimos.
[3] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 406.
[4] Cf. Artigo 444.º do Código de Processo Civil.
[5] Neste sentido, v.g. Acórdãos da Relação do Porto de 15-03-2004, Proc. 0316045 e de 24-11-2003, Proc. 0315061, publicados em www.dgsi.pt.
[6] Hermínia Oliveira e Susana Silveira no VI Colóquio sobre Direito do Trabalho, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 22-10-2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt.
Também, Acórdãos da Relação de Évora de 31-10-2018, P. 2216/15.6T8PTM.E1 e de 26-04-2018, P. 491/17.0T8EVR.E1, acessíveis em www.dgs.pt.
[7] Realce da nossa responsabilidade.
[8] Mostra-se evidente que a 1.ª instância se pretendia referir ao artigo 237.º do Código do Trabalho.
[9] Idem.