Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MATA RIBEIRO | ||
Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA PRAZO DE CADUCIDADE DA ACÇÃO ÓNUS DA PROVA COMPROPRIEDADE | ||
Data do Acordão: | 06/27/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | 1 – Nas ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar de certa data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, como é o caso da ação de preferência em face do que dispõe o artº 1410º n.º 1 do CC, cabe ao réu a prova de o prazo já ter decorrido. 2 - No âmbito da compropriedade, a lei (cfr. artº 1409º do CC) apenas atribui o direito de preferência no caso de venda a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes. 3 - Estranho é uma pessoa que não faz parte de um grupo, de uma família, de uma casa, ou pessoa que não se conhece, pelo que não se pode reconhecer como estranho o consorte. 4 - Um comproprietário não tem preferência sobre um outro igual comproprietário do mesmo prédio, face a uma venda realizada por um terceiro comproprietário a um daqueles seus dois consortes. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA bb e cc intentaram ação declarativa, com processo comum contra dd e ee, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre (Juízo Local Cível de Elvas - Juiz 2) pedindo que lhes seja reconhecido o direito de preferência na aquisição da terça parte do prédio misto denominado Courela do C…, descrito na Conservatória do Registo Predial sob os artigos 417 da secção 1 A, a parte rústica, e 1826, 1827, 1828, 1829, 1830, 1831 e 1832, a parte urbana, da freguesia da Terrugem e Vila Boim, concelho de Elvas e descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o número 452, substituindo-se à 2.ª Ré, na quota por si adquirida ao 1.º Réu. Como sustentação do peticionado alegaram em síntese: - Os autores são donos de uma terça parte do prédio misto denominado Courela do C…, sendo que o Réu DD era dono de outra terça parte do mesmo prédio assim como a Ré EE e o seu falecido marido António S…, eram donos da restante terça parte do mesmo prédio; - Em 24 de Outubro de 2017, que os Autores tomaram conhecimento que o Réu DD tinha vendido a sua quota do referido prédio à Ré EE, por escritura outorgada em 19 de Julho de 2017, pelo preço de € 36.500 sem que os Autores fossem informados ou questionados pelo Réu DD sobre a venda da sua quota e seus termos, bem sabendo os Réus que os Autores tinham direito em preferir. Citados os réus vieram contestar por exceção e por impugnação, bem como reconvir. Naquela sede invocaram a intempestividade da propositura da ação, por haver decorrido o prazo de seis meses a que alude o art.º 1410, n.º 1 do C.C. à data da entrada da ação, porquanto os Autores tiveram conhecimento dos elementos essenciais da compra e venda do 1/3 do imóvel, logo após a data da escritura. Em sede de impugnação, salientaram que a ré EE é também comproprietária do mesmo prédio e, consequentemente, não era “estranha”, nos termos e para os efeitos consignados no art.º 1409, n.º 1 do C.C., sendo que o art.º 1409, n.º 1, do referido Código, somente contempla o direito de preferência dos demais consortes, no âmbito da compropriedade de um imóvel, na venda da quota efetuado por um dos consortes ou comproprietários a “estranhos”. Concluindo pedem a improcedência da ação. Em sede de reconvenção a ré EE pede a devolução do preço da compra e venda do 1/3 do imóvel pago pela compradora ao vendedor, igual ao montante de € 36.500,00 que foi por si depositado, bem como a condenação dos autores pagarem-lhe as seguintes despesas, por si efetuadas com essa aquisição (€ 542,62 de), custo da escritura e respetivo valor do Imposto Municipal de Transmissões Onerosas de Imóveis e Imposto do Selo (pelo valor de € 304,72). Os autores apresentaram réplica defendendo-se das exceções, bem como da pretensão reconvencional. Na fase do saneador foi admitido o pedido reconvencional, foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade processual, relegando-se para momento posterior o conhecimento da eventual ilegitimidade substantiva dos Autores, para os pedidos contra eles formulados pelos Réus. Realizada audiência de julgamento veio a ser proferida sentença na qual se decidiu: “Face às razões de facto e de direito indicadas, DECIDO: A) Julgar improcedente o pedido dos Autores, absolvendo os Réus do pedido; B) Julgar prejudicado o pedido reconvencional e, em consequência, absolvo os Autores do mesmo. Custas da ação a cargo dos Autores, por decaírem na causa e custas da reconvenção a cargo dos reconvintes, posto que os Autores não deram causa à reconvenção (art.º 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).” * Inconformados com a sentença final, vieram dela interpor recurso os autores, bem como os réus, estes na modalidade de recurso subordinado, os quais também pediram a título subsidiário a ampliação do recurso interposto pelos autores, terminando os recorrentes nas respetivas alegações por formularem as seguintes conclusões que se passam a transcrever:- Os autores - “I- Os primeiros Réus venderam à segunda Ré a, respetiva quota enquanto comproprietários do prédio em causa; II- A segunda Ré era estranha à quota dos primeiros, o que conferiu aos Autores o direito a exercer a preferência na aquisição, nos termos do Art. 1409º do Código Civil; III- O que fizeram, dentro do prazo e nas condições previstas pelo Art. 1410º e seguintes daquele Código.” - Os réus - “(…) II- RELATIVAMENTE AO RECURSO SUBORDINADO, DA PARTE DA SENTENÇA QUE NÃO CONSIDEROU PROCEDENTE, A EXCEÇÃO DE CADUCIDADE DA ACÇÃO DE PREFERÊNCIA, ORA APRESENTADO PELOS RRS. NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO ART.° 633, N.° 1 E 2, DO CPC: 10. NOS TERMOS DO ART.° 1410, N.° 1 DO CC, A PRESENTE ACÇÃO DE PREFERÊNCIA, DEVERIA TER SIDO REQUERIDA PELOS AAS./ORA RECORRIDOS, DENTRO DO PRAZO DE SEIS MESES, A CONTAR DA DATA EM QUE TIVERAM CONHECIMENTO DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DA ALIENAÇÃO. 11. NOS TERMOS DO FACTO ASSENTE N.° 4), DA SENTENÇA RECORRIDA - "EM 19 DE JULHO DE 2017, NO CARTÓRIO NOTARIAL DE ELVAS, O 1° RÉU, VENDEU À 2 RÉ, A SUA QUOTA INDIVISA DE 1/3 DO REFERIDO PRÉDIO MISTO...." 12. SENDO QUE, A PRESENTE ACÇÃO DEU ENTRADA EM 06 DE FEVEREIRO DE 2018. 13. PARA QUE A ACÇÃO DE PREFERÊNCIA PROCEDA É PRECISO PROVAR A EXISTÊNCIA DO DIREITO QUE OS AUTORES, SE ARROGAM, E AINDA QUE ESSE DIREITO NÃO CADUCOU. 14. TAL ÓNUS DA PROVA, INCUMBIA NESTA ACÇÃO DE PREFERÊNCIA A ELES, AAS./ORA RECORRIDOS, NESTE RECURSO SUBORDINADO - ATENDENDO AO DISPOSTO NOS ARTS.° 5°, N.° 1, 414° E 552°, N°.1, ALÍNEA D), TODOS DO CPC. 15. NA SENTENÇA RECORRIDA, FICOU PROVADO NO FACTO N.° 5 QUE "NO DIA 24 DE OUTUBRO DE 2017, OS AUTORES FORAM À CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE ELVAS E MUNIRAM-SE DE DOCUMENTO INFORMATIVO DOS TERMOS DO NEGÓCIO CELEBRADO EM 19 DE JULHO DE 2017 ENTRE O 1° E 2° RÉUS". 16. A RESPOSTA DADA A ESSE FACTO, NADA PROVA, RELATIVAMENTE À VERDADEIRA DATA, EM QUE OS AAS./ORA RECORRIDOS NESTE RECURSO SUBORDINADO, TIVERAM CONHECIMENTO DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DO NEGÓCIO.... 17. TEREM-SE "MUNIDO DO DOCUMENTO INFORMATIVO': NÃO SIGNIFICA QUE NÃO TENHAM TIDO CONHECIMENTO DOS TERMOS NEGÓCIO EM DATA ANTERIOR!! 18. SENDO QUE, LHES COMPETIA A ELES AAS. PROVAR A DATA EM QUE SOUBERAM EFETIVAMENTE DE TAL FATO; 19. PARA O EFEITO, OS AAS./ORA RECORRIDOS NESTE RECURSO SUBORDINADO, ARROLARAM UMA TESTEMUNHA - A QUAL INQUIRIDA EM SEDE DE JULGAMENTO, NÃO SOUBE RESPONDER CABALMENTE A TAL MATÉRIA POIS - "APENAS SOUBE DA REALIZAÇÃO DA VENDA DE UMA QUOTA ENTRE OS CONSORTES HÁ RELATIVAMENTE POUCO TEMPO (JÁ EM 2018)..." 20. OS AAS./ORA RECORRIDOS NESTE RECURSO SUBORDINADO, NÃO LOGRARAM ASSIM NA PRESENTE ACÇÃO, PROVAR QUE SÓ TINHAM TIDO CONHECIMENTO DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DA COMPRA E VENDA, EM 24/10/2017, TAL COMO POR SI HAVIA SIDO ALEGADO NA SUA PETIÇÃO INICIAL. 21. EM CONSEQUÊNCIA DO QUE A PRESENTA ACÇÃO, FOI INTENTADA ASSIM PELOS AAS., JÁ DECORRIDO O PRAZO DE SEIS MESES, PREVISTO NO ARTIGO 1410° N.° 1 DO CC. 22. PARA QUE A ACÇÃO DE PREFERÊNCIA PROCEDA É PRECISO PROVAR A EXISTÊNCIA DO DIREITO QUE O AUTOR, SE ARROGA, E QUE ESSE DIREITO NÃO CADUCOU. 23. A SENTENÇA RECORRIDA, NESSA PARTE VIOLOU ASSIM, O DISPOSTO NOS ART.°S 1410, N.° 1 DO CC E ART.°S 5°, N.° 1, 414° E 552°, N°.1, ALÍNEA D), TODOS DO CPC. 24. TERMOS EM QUE DEVE SER REVOGADA, NESSA PARTE A SENTENÇA RECORRIDA E ANTES SIM, SER RECONHECIDA E DECRETADA A CADUCIDADE DO INVOCADO DIREITO DOS AAS./ ORA RECORRIDOS NESTE RECURSO SUBORDINADO, PARA INTENTAREM A PRESENTE ACÇÃO DE PREFERÊNCIA, POR DECURSO DO PRAZO PREVISTO NO ART.° 1410, N.° 1 DO CC. 25. A INVOCADA CADUCIDADE, COMO EXCEÇÃO PERENTÓRIA QUE CASO TIVESSE SIDO DECRETADA, IMPORTARIA A ABSOLVIÇÃO TOTAL DO PEDIDO FORMULADO PELOS AAS. (ARTS. 576° E 579° DO C.P.C1VIL). 26. TERMOS EM QUE, DEVERÁ SER DECRETADA A CADUCIDADE DO PEDIDO FORMULADO PELOS AAS./ORA RECORRIDOS NESTE RECURSO SUBORDINADO, DEVENDO EM CONFORMIDADE SEREM OS RRS./ORA RECORRENTES, SEREM ABSOLVIDOS TOTALMENTE DO PEDIDO FORMULADO PELOS AAS., REVOGANDO-SE EM CONFORMIDADE, NESSA PARTE A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS. A NÃO SE CONSIDERAR DE TAL FORMA, QUALQUER UM DOS RECURSOS, ANTES INVOCADOS E MELHOR Aí EXPLICITADOS, O QUE POR DEVER DE PATROCÍNIO SE ADMITE: III- RELATIVAMENTE AO PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE AMPLIAÇÃO DOS RECURSOS, NA PARTE RELATIVA À APRECIAÇÃO DO PEDIDO RECONVENCIONAL SUBSIDIÁRIO, FORMULADO PELOS RRS., NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO ART.° 636, N.° 1, DO CPCIVIL: 27- NA SENTENÇA PROFERIDA, PROFERIDA PELO MERITÍSSIMO JUIZ "A QUO", DECIDIU ESTE, ESTE EM "B": "JULGAR PREJUDICADO O PEDIDO RECONVENC1ONAL E, EM CONSEQUÊNCIA, ABSOLVO OS AUTORES DO MESMO': 28. SER CONSIDERADO PROCEDENTE O RECURSO ORA APRESENTADO PELOS AAS, E A SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE O RECURSO SUBORDINADO, ORA TAMBÉM APRESENTADO PELOS RRS., ATENTO O DISPOSTO NO ART.° 636°, N.° 1 DO CPC, REQUEREM AINDA OS RRS, SUBSIDIARIAMENTE QUE SEJA APRECIADO E DECIDIDO O PEDIDO RECONVENCIONAL, FORMULADO PELOS RRS. NA SUA CONTESTAÇÃO.” * Apreciando e decidindo O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do artº 663º n.º 2, todos do CPC. Em face do conteúdo das conclusões, as questões em apreciação são as seguintes: 1ª - Da caducidade do direito de preferência (recurso dos réus); 2ª - Do preenchimento dos requisitos do direito de preferência (recurso dos autores); 3ª – Do direito de devolução do preço da compra e venda e respetivas despesas (ampliação do recurso dos autores formulado pelos réus). * Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual:1) Os Autores são donos e legítimos possuidores do direito a uma terça parte (1/3) do prédio misto denominado Courela do C…, descrito na Conservatória do Registo Predial sob os artigos 417 da secção 1 A, a parte rústica, e 1826, 1827, 1828, 1829, 1830, 1831 e 1832, a parte urbana, da freguesia da Terrugem e Vila Boim, concelho de Elvas e descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o número 452, cuja aquisição, por escritura, fizeram em 09/11/1994. 2) O Réu DD foi também dono e legitimo possuidor do direito a uma terça parte (1/3) do referido prédio, adquirido em simultâneo com os Autores na mesma data. 3) A Ré EE e o seu falecido marido António S…, eram donos e legítimos possuidores do remanescente direito a uma terça parte (1/3) do mesmo prédio, que também em simultâneo na mesma data adquiriram. 4) Em 19 de Julho de 2017, no Cartório Notarial de Elvas, o 1.º Réu vendeu à 2.ª Ré, a sua quota indivisa, de 1/3 do referido prédio misto, pelo preço declarado de €36.500,00 (trinta e seis mil e quinhentos euros). 5) No dia 24 de Outubro de 2017, os Autores foram à Conservatória do Registo Predial de Elvas e muniram-se de documento informativo dos termos do negócio celebrado em 19 de Julho de 2017 entre o 1.º e 2.ª Réus. 6) António S… faleceu em 30 de Junho de 2016, em Badajoz, Espanha, de onde era natural de Palencia de Negrilla, Salamanca, Espanha, com nacionalidade espanhola e teve a sua última residência habitual na Avenida Colon, …, …º A, em Badajoz, Espanha. 7) António S… casou com a Ré EE em 02 de Junho de 1962, na cidade de Salamanca, em primeiras núpcias de ambos, no regime de bens gananciales. 8) António S… deixou testamento realizado em 11 de Fevereiro de 1982, perante o Notário de Badajoz, Lionel Fernandez Huertas. 9) Nesse testamento, António S…: “a) Legou a sua mulher, EE [a ora Ré] o usufruto universal vitalício de todos os seus bens, com dispensa de caução; sendo que se algum herdeiro legitimário impugnasse o legado anterior ficaria o mesmo reduzido à sua legitima estrita, acrescendo a sua parte no resto da herança aos que tivessem aceitado o legado; sendo que para o caso de nenhum dos herdeiros acatar o usufruto universal, entender-se-á legado ao conjugue o pleno domínio da terça parte de livre disposição, sem prejuízo da sua quota legitimária; b) Institui herdeiros em partes iguais os seus três filhos, Maria J…, Ana M… e Antonio J….” 10) Nessa escritura de habilitação, aí declararam, os três filhos de António S… e EE: “Que o referido legado de usufruto universal não foi impugnado, estando eles filhos e herdeiros de acordo e aceitando o acima mencionado legado de usufruto”. 11) Nessa escritura de habilitação de herdeiros, aí declarou ainda, a ora Ré, EE: “É assim legatária da totalidade do direito de usufruto ela EE”. 12) Na mesma escritura de habilitação de herdeiros, aí declarou ainda, a ora Ré, EE: “São por vocação legal e testamentária; únicos herdeiros de António S…, três filhos, Maria J… …., Ana M… …. E António J… ….”. 13) Ficou também declarado pela ora Ré, EE: “Não há outras pessoas que, segundo a lei, possam concorrer com os declarados herdeiros à herança do mencionado António S….” 14) Por fim, aí declararam ainda, EE (a ora Ré) e os três filhos, em comum dela e de António S…: “Não solicitaram a intervenção dos executores, contadores partidores e avaliadores referidos no acima mencionado testamento”. 15) Consignou o Notário, a final, nessa escritura de habilitação, de António S…: “Atendeu-se no presente ato à lei sucessória espanhola, constante do Código Civil de Espanha aprovado pelo decreto real de 24 de Julho de 1989; e nomeadamente os seus artigos 657º e seguintes; e em especial os artigos 834º e 930º”. 16) A presente ação foi intentada pelos Autores em 06/02/2018 e encontra-se depositado à ordem dos autos desde 07/02/2018, o valor de €36.500,00 (trinta e seis mil e quinhentos euros). 17) Para realizar a aquisição aludida em 4), a 2.ª Ré suportou o custo da Escritura Notarial de Compra e Venda, celebrada no Notário de Elvas do Dr. Luís Meruje, e respetivo registo de aquisição, pelo valor total de €542,62. 18) Pagou o valor do IMT - Imposto Municipal de Transmissões Onerosas de Imóveis, referente à mesma transmissão objeto dos presentes autos, pelo valor de €2.422,00. 19) Pagou ainda e também o valor do IS - Imposto do Selo, referente à transmissão objeto dos presentes autos, pelo valor de € 304,72. Foram considerados não provados os seguintes factos: i) Os Autores tiveram conhecimento dos elementos essenciais da compra e venda do 1/3 do imóvel, a que se reporta a presente ação, logo após a data da escritura de compra e venda. ii) Os Autores foram informados da realização do negócio e termos em que poderiam adquirir a quota indivisa pertencente ao 1.º Réu sobre o prédio mencionado, que foi alienada à 2.ª Ré. Conhecendo da 1ª questão Defendem os réus que operou a caducidade do direito de instauração da presente ação por parte dos autores, sustentando que estes tiveram conhecimento dos elementos essenciais da compra e venda de 1/3 do imóvel em causa, logo após a data da escritura que se realizou em 19/07/2017 e, tendo a ação sido intentada em 06/02/2018, já havia decorrido o prazo de 6 meses a que se alude no artº 1410º n.º 1 do CPC (cfr. artºs 2º 5º e 6º da contestação). Ao autores invocaram na petição inicial que só, em 24/10/2017, tiveram conhecimento da venda, por terceiros, dado que os réus não lhes deram qualquer informação, e só a partir de então diligenciaram junto do Cartório Notarial de Elvas para em face do teor da escritura verificarem os elementos essenciais do negócios tendo-se provado, efetivamente, que no dia 24/10/2017 foram à aludida Conservatória e aí se muniram do documento informativo dos termos do negócio, não tendo resultado provada a versão dos réus segundo a qual os autores tinham em data anterior tido conhecimento dos elementos essenciais do negócio, bem como tinham sido informados que o negócio iria ser realizado [cfr. factos não provados I) e II)]. Os réus agora, nesta sede recursiva, invocando o disposto nos artºs 5º n.º 1, 414º e 552º n.º 1 al. d) do CPC, vêm argumentar que incumbia aos autores fazer a prova de que o direito de ação não havia caducado, o que em seu entender não fizeram. Em nosso entendimento tal posição não tem qualquer fundamento, desde logo porque nas ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar de certa data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, como é o caso da ação de preferência em face do que dispõe o artº 1410º n.º 1 do CC, cabe ao réu a prova de o prazo já ter decorrido conforme resulta expressamente do disposto no artº 343º n.º 2 do CC, prova esta que os réus não fizeram em face dos factos que foram dados como não provados, até porque se limitaram, apenas, a pôr em causa os factos que os autores alegaram relativamente ao conhecimento do negócio na petição, não invocando qualquer circunstancialismo concreto do qual, a ser provado, resultasse efetivamente que os autores tinham tido conhecimento no negócio antes da data da outorga da escritura, ou na data em que a mesma foi outorgada. Por isso, estamos em perfeita consonância com o que é dito na sentença recorrida sobre a problemática da caducidade do direito de ação, nomeadamente que: “(… ) Ante os factos provados, não restam dúvidas que assiste razão aos autores, na medida em que se provou que o negócio de compra e venda da quota sobre a propriedade comum foi realizada em 19 de Julho de 2017, através da qual o 1.º réu vendeu à 2.ª ré, a sua quota indivisa de 1/3 do referido prédio misto, pelo preço declarado de €36.500,00 (trinta e seis mil e quinhentos euros). Demonstrou-se que no dia 24 de Outubro de 2017, os autores foram à Conservatória do Registo Predial de Elvas, altura em que se muniram dos documentos informativos dos termos do negócio celebrado em 19 de Julho de 2017 entre o 1.º e 2.ª Réus. Não se provou que antes daquela data os autores tiveram conhecimento dos elementos essenciais da compra e venda do 1/3 do imóvel, a que se reporta a presente ação. Consequentemente, entre 24 de Outubro de 2017 e a data de entrada da presente ação (em 06 de Fevereiro de 2018), não decorreram seis (6) meses. (…) Assim sendo, sem necessidade de outras maiores ou particulares lucubrações, a exceção de caducidade invocada não tem fundamento…” Como parece evidente em face das disposições específicas que regulam o ónus da prova, cabia aos réus fazer a prova que o prazo para a instauração da ação já havia decorrido, o que não se dignaram fazer desde logo por falta de alegação de factos que pudesse conduzir a tal desiderato (limitaram-se a dizer ser falso que os autores só tivessem tomado conhecimento do negocio em 24/10/2017 – cfr. artº 4º da contestação) pelo que temos que reconhecer, em face dos factos provados, que a caducidade do direito de ação não operou. Improcede, nesta vertente, o recurso dos réus. Conhecendo da 2ª questão Os autores defendem que existiu uma inadequada aplicação ao caso do disposto no artº 1409º do CC, defendendo que o estranho à quota a que alude o normativo é todo aquele que não seja o respetivo titular, pelo que sempre o 1º réu tinha de comunicar aos autores enquanto comproprietários do prédio em causa a intenção de vender e os elementos essenciais do negócio a fim desses querendo poderem exercer o direito de preferência. Não podemos pactuar do entendimento dos autores em face do que dispõe a lei no âmbito do direito de preferência, pelo que sem dúvida entendemos ser de sufragar a posição expressa pelo Julgador a quo na sentença recorrida cuja fundamentação por ser clara e convincente se passa a descrever: «Determina o art.º 1409.º do CCiv. (Direito de preferência): “1. O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes. 2. É aplicável à preferência do comproprietário, com as adaptações convenientes, o disposto nos artigos 416.º a 418.º. 3. Sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas.” Este é o artigo que contém a regulação legal essencial para a questão suscitada pelas partes, as quais, de resto, o invocaram em seu favor, em função da interpretação que cada uma dele faz. Os factos, que na sua essência foram incontrovertidos, reclamam efetivamente a aplicação da referida regulação legal, competindo ao Tribunal, apenas, interpretar e aplicar a norma que ambas as partes suscitam em seu favor. Comecemos por dizer que a regra, no ordenamento português, é a da liberdade contratual (cf. art.º 405.º do CCiv.), donde resulta desde logo, para além das escolhas dos tipos contratuais, a liberdade de celebrar ou de não celebrar certo negócio jurídico, bem como a liberdade de aceitar celebrar negócios com certas pessoas ou não, ressalvadas as restrições legais (nomeadamente, as atinentes ao fornecimento de bens essenciais, seguros obrigatórios, etc.). Existe um conjunto de restrições à liberdade de alienação, que podem ser convencionais ou legais. Interessa-nos, agora, para o caso, deter a atenção nas preferências legais. Como é do conhecimento da comunidade jurídica, o ordenamento jurídico português está construído, por razões de interesse público, no sentido da unificação da propriedade ou de proteger a plenitude do direito de propriedade, disso sendo sintomático a própria noção legal de conteúdo de direito de propriedade, que prevê, como regra, o gozo “pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas” (art.º 1305.º do CCiv.). Com efeito, deixando de lado o direito de preferência atribuído a proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura (cfr. art.º 1380.º do CCiv.), cuja razão é a de permitir uma mais eficiente exploração agrícola, o exercício dos direitos legais de preferência leva à concentração numa só pessoa, ou num número mais restrito de pessoas, dos poderes que integram o direito de propriedade plena sobre uma determinada coisa. Também nos casos da preferência conferida ao proprietário do prédio onerado com uma servidão de passagem (art.º 1555.º do CCiv.), com o direito de superfície (art.º 1535.º do CCiv.) ou com um arrendamento urbano (art.º 1091.º do CCiv.) ou rural (art.º 31.º DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro), o objetivo é o de reunir numa mesma pessoa as faculdades que, contidas no direito de propriedade plena, se encontravam repartidas entre diversos titulares: entre o proprietário e o titular do direito real menor, nas duas primeiras hipóteses, entre aquele e o arrendatário na terceira (não interessando agora a discussão quanto à natureza do seu direito, já que o arrendamento onera o direito de propriedade de forma quase tão intensa como os direitos reais menores). É por isto que ao ser atribuído ao preferente, por lei, da faculdade de em igualdade de condições, se substituir ao adquirente de uma coisa, em certas formas de alienação, o direito legal de preferência afeta significativamente o poder de disposição que integra o direito de propriedade, já que retira ao proprietário o direito de escolha do outro contraente. A sua criação resulta, portanto, da verificação da existência de razões de interesse público que se sobrepõem àquela liberdade de escolha, enquanto integrante dos poderes do proprietário. Aqui chegados, tratando o caso de uma relação de e entre consortes (posto que a Ré EE e o seu falecido marido António S…, eram também eles donos e legítimos possuidores do remanescente direito a uma terça parte (1/3) do mesmo prédio, que também em simultâneo na mesma data adquiriram), a atribuição do direito de preferência aos comproprietários, em caso de venda ou dação em cumprimento a terceiros (art.º 1409º do CCiv.), tem em vista - também - a redução progressiva do número de (com)proprietários, de acordo com a ideia atrás aludida, de que a propriedade singular permite o melhor aproveitamento da coisa, desde logo porque elimina diversos conflitos que frequentemente se travam entre comproprietários. Estamos em crer que o elemento literal da norma, associado ao elemento teleológico (brevemente explorado supra), é suficientemente elucidativo que não tem apoio a interpretação, segundo a qual, um comproprietário tem preferência sobre um outro igual comproprietário do mesmo prédio, face a uma venda realizada por um terceiro comproprietário a um daqueles seus dois consortes. Isto porque a lei apenas atribui o direito de preferência no caso de venda “a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes”. Ora, um “estranho” é “uma pessoa que não faz parte de um grupo, de uma família, de uma casa, ou pessoa que não se conhece”[1]. Naturalmente que neste caso, que nos prende a atenção, não se tratam de estranhos, já que são todos eles consortes que disputam a aquisição de uma quota de um outro consorte. Por isso, do n.º 1 do artigo 1409.º do CCiv., extrai-se a lição que a preferência de consortes só existe na venda a estranhos. E se só existe preferência de consortes a estranhos, não tinham os Autores de ser consultados para uma eventual aquisição de uma quota, por um comproprietário, do direito sobre o imóvel do qual são também comproprietários. Numa outra formulação: não tinha o vendedor de cumprir o dever de transmitir o projeto de venda aos autores, nos termos do art.º 416.º do CCiv. “ex vi” art.º 1409.º n.º 2 do CCiv. Assim sendo, não procedem aqui as razões que determinam a atribuição do direito de preferência em caso de alienação de quotas a estranhos, e nem se retira do regime da preferência qualquer indicação no sentido de que se pretendeu, com a limitação que ele implica, igualar as quotas de comproprietários mas apenas limitar a existência de comproprietários. Exemplificando: existindo três comproprietários “A”, “B” e “C”, a venda a “B”, por “A”, da quota que detém sobre o mesmo imóvel, não dá ao “C” qualquer preferência no negócio celebrado. Mas já se o negócio for celebrado entre o “A” e um “D”, que não pertence à comunhão, têm “B” e “C” direito a ser informados do projeto de venda (nos termos do art.º 416.º do CCiv. “ex vi” art.º 1409.º n.º 2 do CCiv.) e a adquirir, na proporção das suas quotas, a parcela correspondente à quota alienada pelo “A”, em função do direito de preferência que detém. É este o sentido e alcance do n.º 3 do art.º 1409.º do CCiv.[2] Em abono desta interpretação, está também a autoridade académica de Pires de Lima e Antunes Varela, que em anotação ao mencionado artigo 1409.º, apontam para semelhante conclusão, nos trechos que se indicam, com interesse para o caso: “São três os fins principais que justificam a concessão da preferência no caso especial da compropriedade: a) fomentar a propriedade plena, que facilita a exploração mais equilibrada e mais pacífica dos bens; b) não sendo possível alcançar a propriedade exclusiva, diminuir o número dos consortes; c) impedir o ingresso, na contitularidade do direito de pessoas com quem os consortes, por qualquer razão, o não queiram exercer. Daí que, tal como na vigência da legislação anterior, a preferência só exista contra estranhos à comunhão, e não em face dos restantes contitulares a quem um deles pretenda vender ou dar em cumprimento a sua quota.”[3] – o sublinhado é nosso. Como corolário, mais adiante, os mesmos professores sustentam o seguinte: “O comproprietário que pretenda vender ou dar em cumprimento a estranhos a sua quota deve comunicar aos outros consortes o projeto de contrato e as respetivas cláusulas, para que estes digam se querem ou não preferir (art.º 416.º, por força do n.º 2 do art.º 1409.º).”[4] – o sublinhado é uma vez mais nosso. Ora, a conjugação do n.º 1, com os n.ºs 2 e 3 do art.º 1409.º do CCiv., só pode ser assim lida quando a perspetiva de venda seja feita a estranhos à quota (que não qualquer dos demais consortes), altura em que a adjudicação dessa quota é feita proporcionalmente aos consortes face à proposta de venda a terceiros, estranhos à comunhão. Por isso, como sustentam os autores que seguimos de perto, “compreende-se a preferência dos consortes sobre estranhos, porque ela, reduzindo o número dos comproprietários, é um passo no sentido da propriedade plena. Já não se compreende a licitação entre os consortes, quando se sabe que, seja qual for o vencedor, o número deles continuará o mesmo.”[5]» Efetivamente, no caso em apreço, tendo sido a venda efetuada a um dos consortes a questão da preferência a que alude o n.º1 do artº 1409º não se põe, não funciona, atendendo a que o mesmo ao contrário do que parecem defender os autores não pode ter-se como estranho, em face do que dispõe o preceito.[6] Improcede, assim, a questão suscitada pelos autores. Da 3ª questão Atendendo à sorte que mereceu a apelação interposta pelos autores, que determina a confirmação da sentença recorrida, por prejudicialidade, não se aprecia a questão suscitada pelos réus, até porque a sua pretensão inerente à reconvenção, foi formulada a título subsidiário no âmbito da ampliação do recurso, e por isso, só poderia ser alvo de apreciação se o recurso interposto pelos autores tivesse merecido procedência. Nestes termos improcedem ambas as apelações sendo de confirmar a sentença impugnada. DECISÂO Pelo exposto, decide-se julgar improcedentes as apelações e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas de parte, nos respetivos recursos, pelos apelantes (cfr. disposições combinadas dos artºs 663º n.º 2, 607º n.º 6, 527º n.º 1 e 2, 529º n.º 4 e 533º n.º 1 e 2, todos do CPC). Évora, 27 de junho de 2019 Mata Ribeiro Sílvio Teixeira de Sousa Maria da Graça Araújo __________________________________________________ [1] - Cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001, p. 1593. [2] - Veja-se, numa situação de venda a estranho, ainda que sob o ponto de vista processual, neste sentido, o Ac. do STJ de 22-09-2005 (proc. 04B557), disponível em www.dgsi.pt [3] - Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Ed., 2.ª Ed., 1987, p. 367. [4] - Sup. Cit., p. 369. [5] - Sup. Cit., p. 370. [6] - v. Ac. do STJ de 18/02/1989 in BMJ, 314º, 243; Abílio Neto in Código Civil Anotado, 20ª Edição, 1291; Antunes Varela in RLJ, 120º, 17. |