Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3737/09.5TDLSB.L2.E2
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: CASO JULGADO FORMAL PARCIAL
OFENSA A ORGANISMO OU PESSOA COLETIVA
DENÚNCIA CALUNIOSA
DIFAMAÇÃO AGRAVADA
OFENSAS À HONRA
BOA-FÉ
ERRO SOBRE AS CIRCUNSTÂNCIAS DE FACTO
PESSOA PÚBLICA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO
AUTOR DA NOTÍCIA
DIRETOR DO JORNAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIDOS EM PARTE
Sumário:
I - No recurso interposto de sentença proferida em substituição de sentença anteriormente anulada, não podem os recorrentes (res)suscitar questões já apreciadas e decididas por anterior acórdão da Relação proferido no processo, pois todas essas questões se encontram cobertas pelo efeito de caso julgado formal e os poderes de cognição da Relação não as abrangem.

II - A decisão tomada por um juiz implica o efeito negativo de precludir a reapreciação (“proibição de regressão”) e o “efeito positivo de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada”.

III - Este raciocínio vale para qualquer tipo de decisão, pois toda a decisão “contém um efeito de vinculação processual”, conceito que vale ainda “em relação aos poderes dos sujeitos processuais durante o processo”, pelo que “também as partes estão sujeitas aos mesmos princípios subjacentes ao exercício da função jurisdicional”. Existe uma “congruência entre o exercício da função jurisdicional e a actuação dos sujeitos processuais”, no sentido de que “cada resultado «adquirido», legítimo e incontestado, não só vincula o tribunal, como vincula, outrossim, os restantes sujeitos processuais”.

IV - A prolação de (nova) sentença em cumprimento de anterior acórdão da Relação não possibilita a renovação de questões já decididas em recurso anterior, e obsta também ao enunciado de outras diferentes, nunca suscitadas mas que poderiam já tê-lo sido. Tal não prejudica, porém, a cognoscibilidade de questões novas surgidas na sequência da elaboração da segunda sentença.

V - Impondo a lei (artº 15 da Lei nº 2/99) que as publicações periódicas contenham o nome ou denominação social do proprietário, e tendo os assistentes juntado aos autos exemplares do jornal em que a notícia foi publicada e nos quais figura o nome da demandada civil como sendo a empresa proprietária, demandada esta que sempre aceitou no processo essa qualidade, não se justifica a absolvição do pedido cível com o argumento de que os demandantes não fizeram prova suficiente da qualidade da demandada como proprietária do jornal.

VI - Ao absolver a demandada sociedade do pedido cível, o tribunal ignorou a obrigação legal de publicação daqueles dados, ignorou a prova documental existente nos autos e aplicou incorrectamente o art. 78º, n.º 3, do CPP.

VII - O art. 78º, n.º 3, do CPP - que preceitua que a falta de contestação do pedido de indemnização civil não implica confissão dos factos - visa assegurar que o arguido não seja penalizado por decidir permanecer em silêncio, num processo penal em que o facto criminoso imputado na acção penal é simultaneamente o facto ilícito objecto da acção cível enxertada. Esta compatibilização que o art. 78º do CPP tem de assegurar não está em causa relativamente ao concreto facto em discussão, imputado a uma demandada parte civil que nem é arguida.

VIII - O crime de denúncia caluniosa exige que o agente actue com consciência da falsidade da imputação e com uma intenção de que contra os visados seja instaurado procedimento, sendo de excluir a punibilidade a título de dolo eventual.

IX - Uma coisa é a publicação da notícia dar lugar a averiguações sobre a conduta profissional dos visados, outra diferente é o jornalista pretender, com a sua actuação noticiosa, que contra os visados seja instaurado processo disciplinar ou criminal.

X - Tendo em conta o dolo específico que exige a denúncia caluniosa, é insuficiente para a afirmação da tipicidade a actuação do arguido reveladora de intenção de elaboração de notícia-escândalo ou notícia-sensação, e que não visa a instauração de procedimento (criminal ou disciplinar) contra o visado.

XI - O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva tutela a credibilidade, o prestígio e a confiança da pessoa colectiva, da instituição ou do organismo que exerce a autoridade pública, e não uma qualquer ofensa ao bom nome de uma pessoa colectiva, organismo ou serviço.

XII - As imputações insultuosas e inverídicas dirigidas a um Procurador da República no exercício das suas funções, que se repercutem também na imagem do Ministério Público e do DIAP, mas que não atingem a credibilidade, prestígio e confiança destes de modo suficientemente significativo e com a intensidade exigida por um direito penal de ultima ratio e de mínima intervenção, não realizam o crime do art. 187º do CP.

XIII - Comete um e não três crimes de difamação agravada do artº 180º nº 2 do CP o jornalista que noticia falsamente a actuação profissional de três magistrados, mas que dirige apenas à pessoa de um deles as imputações falsas e insultuosas que faz, sendo ainda aquele o único Procurador da República realmente identificado (pelo seu nome) na notícia.

XIV - Ao contrário do que sucede com ele, as Senhoras Procuradoras também referidas nos artigos do jornal são-no sempre sem identificação do nome e como responsáveis de segunda linha, podendo inferir-se que foram mencionadas apenas porque o Procurador visado não esteve pessoalmente na busca e diligências relatadas.

XV - O interesse em nomear (pelo nome) o Procurador visado deve ser, depois, juridicamente avaliado tendo em conta o momento histórico em que a conduta foi praticada, pois não só o arguido deve responder, e só pode responder, pelo que fez no momento em que o fez, como a valoração das expressões utilizadas nas notícias se tem de fazer de acordo com o que se entenda por ofensa da honra num determinado contexto local, social, cultural e temporal.

XVI - Reconhecendo o direito à protecção da reputação, o TEDH tem lembrado que, estando em causa o exercício da liberdade de expressão jornalística, os limites da crítica admissível são mais amplos quando a pessoa age na qualidade de personalidade pública, e esta pessoa pública deve revelar maior tolerância à crítica.

XVII - Mas tendo ficado demonstrado que o arguido jornalista violou elementares regras profissionais (art. 14.º da Lei n.º 1/99), designadamente não procurando esclarecer-se junto dos visados na notícia e tendo ainda colhido informação em sentido oposto ao que noticiou, inexiste base factual da ocorrência de fundamento sério para, em boa-fé, poder reputar a imputação como verdadeira.

XVIII - Indevida é também a invocação de erro sobre as circunstâncias do facto: o n.º1 do art. 16.º do CP incide sobre os elementos do tipo de crime e a questão de saber se os factos relatados são ou não verdadeiros é um problema de ilicitude (de saber se ocorre causa de justificação); e o nº 2 do art. 16.º do CP não é sequer aplicável, pois estando em causa o tipo do art. 180.º do CP existe previsão expressa no nº 2 deste preceito.

XIX - Nos casos previstos no nº 2 do art. 180.º do CP, a conduta não é punível se o agente “tiver fundamento sério para, em boa-fé, reputar a imputação de verdadeira”, disposição que restringe o âmbito de aplicação do art. 16.º, nº 2 do CP sob pena de, assim não se considerando, o nº 2 do art. 180.º do CP ficar sem margem de aplicação.

XX - O juiz nacional aplica os direitos fundamentais de acordo com a jurisprudência do TEDH, Tribunal que, no conflito entre direito de liberdade de imprensa e direito à honra e ao bom nome, tem vindo a afirmar que, em princípio, é este último que deve ceder.

XXI - Tal não implica que o juiz nacional abdique da defesa dos direitos fundamentais em conflito e que a liberdade de imprensa tenha de prevalecer necessariamente. Os direitos fundamentais são direitos sociais e culturais, o seu conteúdo está fortemente ligado ao modo como os mesmos são tratados e vividos nacionalmente, e não pode o juiz nacional deixar de decidir com autonomia, na protecção dos direitos fundamentais dos seus nacionais.

XXII - É ofensiva da honra e consideração pessoal e profissional do visado em grau muito elevado, a imputação de uma actuação a Procurador da República em que se refere, não apenas que este foi incompetente ao não prender um arguido quando devia e podia tê-lo feito, mas em que se sugere que procedeu intencionalmente à “escolha” de arguidos. Ou seja, que o magistrado, cujo nome expressamente se nomeia, escolhe os arguidos que prende (os do processo C), em detrimento de outros que não prende (o “pedófilo” da notícia em crise), movido por critérios necessariamente não legais e, antes, de perseguição e de favorecimento.

XXIII - Sendo as imputações em causa falsas e ofensivas, em grau muito elevado, da honra e consideração do magistrado visado, inexistindo fundamento sério para que o arguido as pudesse ter reputado como verdadeiras, os factos provados realizam a prática, pelo jornalista subscritor das notícias, de um crime de difamação agravada dos arts 180.º, 183.º nºs1, als. a) e b) e 2, 184.º e 132.º nº2, al. l), do CP, e é devida a indemnização de € 15.000,00 ao assistente, a título de danos não patrimoniais, a pagar solidariamente pelo autor da notícia e pela empresa proprietária do jornal. [[1]]
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No processo comum singular nº 3737/09.5TDLSB, que correu termos no 3º Juízo Criminal de Lisboa, A. e B., haviam sido pronunciados, respectivamente como autor e como cúmplice, de um crime de ofensa a organismo ou pessoa colectiva do art. 187º, um crime de favorecimento pessoal do art. 367º nº1, três crimes de denúncia caluniosa do art. 365º nº1, três crimes de difamação agravada dos arts 180º, 183º nºs1, als. a) e b) e 2, 184 e 132 nº2, al. l), todos do C. Penal, e art. 31º nºs1 e 3 da Lei 2/99 de 13/01.

Na sentença que veio a ser proferida, decidiu-se: absolver o arguido B. da prática de todos os crimes de que se encontrava pronunciado e o arguido A. da prática dos crimes de favorecimento pessoal e de denúncia caluniosa; condenar o arguido A. como autor de três crimes de difamação agravada dos artsº 180 nº1, 183 nº2, 184 e 132 nº2, al. l), todos do C. Penal e Artº 31 nº1 da Lei 2/99 de 13/01, em três penas de 270 dias de multa, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva agravado dos arts 187º e 183º nº2 do CP, na pena de 180 dias de multa, em cúmulo jurídico, na pena única de 495 dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (multa total de € 3.960,00); absolver o arguido B. e a sociedade “P… – …, S.A.” dos pedidos de indemnização civis deduzidos pelos assistentes; condenar o arguido A. a pagar a cada um dos assistentes JG e AP a quantia de € 5.000,00 por danos não patrimoniais, absolvendo-o do remanescente pedido, sendo a quantia devida à assistente acrescida de juros.

Esta foi a segunda sentença proferida nos autos, em substituição de uma anterior anulada por acórdão desta Relação, que, na sequência dos recursos interpostos pelos mesmos recorrentes, mandara então proceder à reparação de uma nulidade de sentença que considerara verificada.

Inconformados de novo com o decidido, interpuseram recurso o arguido A e os assistentes JG e AP, concluindo:

O arguido A.:

“1.Para efeitos do disposto no número 5, do artigo 412º do Código do Processo Penal, o Recorrente desde já declara manter interesse em todos os recursos que apresentou e que se encontram retidos, nomeadamente, para além dos outros, o recurso que apresentou a fls…, sobre a competência territorial, o que apresentou a fls.., referente ao indeferimento dos meios de prova, bem como o que apresentou a fls… sobre a irregularidade que conheceu apenas antes do início da audiência de julgamento e que levantavam fundadas suspeitas sobre a decisão instrutória.

2.Entende o Recorrente que, a Sentença proferido pelo Tribunal “a quo” está em manifesta oposição com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, proferido nos autos que, com o número 17/07.04GBORQ.E2-A.S1 correram termos pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3.Salvo melhor opinião, a decisão proferida naquele Acórdão impõe uma decisão nos presentes autos que absolva o Recorrente do crime em causa.

4.Numa tentativa de sanar a omissão de não ter sido referido o elemento subjectivo, o Tribunal “a quo” inseriu elementos que entende serem adequados a preencher o elemento subjectivo, em concreto, os seguintes factos:

5.Nos “pontos 2.1.1.2) Provados (Segunda Sentença) ” o Tribunal “a quo” deu como provado que,

6. 43-A) A alusão nas notícias supra transcritas de que existia uma situação de flagrante delito não corresponde à verdade;”

7. “43-B) A alusão nas notícias supra transcritas de que o Assistente poderia ter detido o suspeito não correspondia à verdade.”

8. “43-C) A Alusão nas notícias supra transcritas de que as assistentes viram o menor deitado na cama do suspeito e que encontraram provas dos crimes aí cometidos não corresponde à verdade”

9.“43-D) O Arguido A. não tinha qualquer fundamento para reputar como verdadeira a situação de flagrante delito referida em 43-A)”

10.“43-E) As notícias supra referidas e o destaque daquelas edições, ofenderam a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Ministério Público junto do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.”

11.Isto porque, na referida jurisprudência entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que, “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º do Código do Processo Penal."

12.Tal como concretizou o Tribunal da Relação de Évora na decisão em recurso, “Sendo o crime, como bem se sabe desde os bancos da faculdade, doutrinariamente definido com facto típico, ilícito e culposo, os elementos da noção de crime, na definição de Cavaleiro Ferreira, “ … são partes do todo que é o crime, e não uma justaposição ou soma de elementos autónomos. Na análise do crime não se constrói a estrutura do crime pela sobreposição de elementos autónomos” (Lições de Direito Penal, I, 2010, pág. 85) Mas, se assim é, por razões metodológicas, de compreensão da norma e de correta subsunção de factualidade, há que decompor o crime em partes. A bipartição em tipo objectivo e tipo subjectivo é, como se disse, tradicionalmente seguida pela doutrina e unanimemente assumida pela jurisprudência.

13.Ora, não sendo o crime em causa punível a título de negligência (art. 13º do C. Penal), importa situar-nos na análise do tipo subjectivo do crime doloso de acção e/ou de omissão, na classificação quadripartida de Figueiredo Dias (Direito Penal, I, 2004, pág. 246), que se desdobra, muito sinteticamente, nas bem conhecidas componentes cognoscitiva ou intelectual e volitiva ou intencional, respectivamente correspondentes, ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto, sendo esta a estrutura do crime, especificamente no que ao dolo diz respeito, de todo o crime, por mais simples ou menos grave que seja, incluindo, aqueles pelos quais o arguido A. foi condenado.”

14.Tendo em conta o acima referido, a supra mencionada factualidade deverá ser considerada “não escrita” e o Recorrente absolvido do crime, por manifesta inexistência do elemento subjectivo.

15.Entende o Recorrente que, os pontos 43-A) a 43-E) não constam em parte alguma da acusação, nem foram aditados no decurso da audiência de discussão e julgamento, motivo pelo qual, a sua inclusão nos factos considerados “provados” nesta segunda sentença constitui uma nulidade, nos termos do disposto na alínea b), do número 1, do artigo 379º do Código do Processo Penal.

16. Para além disso, o aditamento dos referidos factos, constitui uma manifesta alteração substancial dos factos constantes da acusação e da violação do princípio da acusação, violando o disposto no artigo 358º do Código do Processo Penal, uma vez que inclui o elemento subjectivo em termos que não constavam da Acusação.

17.Ou caso se entenda que não se está perante uma alteração substancial, sempre teria de se ter considerado ter havido uma violação do disposto no artigo 359º do Código do Processo Penal, uma vez que, em momento algum foi o Arguido confrontado com a matéria de facto aditada à sentença, omissão que mais uma vez, constitui uma nulidade prevista na alínea b), do número 1, do artigo 379º do Código do Processo Penal.

18.Por último entende o Recorrente que os pontos 43-A) a 43-E) devem ser considerados “não escritos” por se tratar de verdadeiras conclusões e não de “factos”, motivo pelo qual nos termos da lei não poderia o Tribunal “a quo” considerar os mesmos como “provados”.

19. Concluindo, entende o Recorrente que os pontos 43-A) a 43-E) da matéria considerada “provada” deve ser considerada “não escrita” e o Arguido absolvido do crime de que foi condenado, uma vez que esta contém, na sua grande maioria, as fórmulas legais, juízos ou conclusões, que são inadmissíveis na decisão sobre a matéria de facto, motivo pelo qual, devem ser consideradas não escritas.

20. Entende o Recorrente existir uma manifesta oposição entre o facto constante do ponto 19) da matéria provada com a matéria ou conclusão, constante do ponto 43-A).

21. Em relação à matéria de facto: O ponto 43-A) não deveria ter sido considerada “provada”, com base nos depoimentos da testemunha JC, identificado no referido registo pelo nome, (30/09/2013 – 00:00:01 a 00:21:23), em concreto a “voltas” 8:58 a 11:28 como a “voltas” 20:20 a 20:40 do depoimento da referida testemunha.

22. No mesmo sentido, também as declarações do Arguido, identificada no suporte digital com o nome “A.” (16/09/2013) (00:00:01 a 00:33:04) em concreto o conteúdo a Voltas 6:33 – 7:58, Voltas 8:33 a 9:46, Voltas 10:25 a 11:50, Voltas 19:45 a 21:19.

23. Em relação à matéria de facto, entende o Recorrente que o Tribunal “a quo” não poderia ter dado como “provado” a matéria constante do ponto 30 da matéria provada.

24. Entende o Recorrente que, com base no registo digital identificado com o nome “A.” (16/09/2013) (00:00:01 a 00:33:04), em concreto Voltas 6:33 – 7:58; Voltas 8:33 a 9:46; Voltas 10:25 a 11:50, Voltas 19:45 a 21:19, a referida matéria deferia ter sido considerada “não provada”.

25. Entende também o Recorrente que o ponto 23 da “matéria provada” foi erradamente jugado, e que o Tribunal “a quo”, com fundamento no depoimento da testemunha JC, identificado no referido registo pelo nome, (30/09/2013 – 00:00:01 a 00:21:23), em concreto, a “voltas” 8:58 a 11:28 e a “voltas” 20:20 a 20:40, deveria ter considerada a referida matéria como “não provada”

26.A verdade é que tanto do depoimento da referida testemunha, resulta apenas que esta terá “discutido” a questão com o Arguido, onde ambos esgrimiram argumentos sobre a qualificação e enquadramento da questão, no conceito de “flagrante delito”.

27. Não resulta do referido depoimento, pelo contrário, que o Arguido tivesse ficado convencido de que a situação não se integrava, de todo, na de um “flagrante delito”.

28. Para além disso, entende o Recorrente que com base no registo digital identificado com o nome “A” (16/09/2013) (00:00:01 a 00:33:04), em concreto Voltas 6:33 – 7:58; Voltas 8:33 a 9:46; Voltas 10:25 a 11:50, Voltas 19:45 a 21:19, o tribunal “a quo” deveria ter considerado “provado” que: “o Recorrente tinha fundamentos sérios para em boa-fé, reputar a informação como verdadeira”

29.A tudo o acima referido, e sumariamente, entende ainda o Recorrente que a sentença é nula por ter aditado à “matéria provada” o ponto 23º, concretizando que, “na tarde do dia 17/09/2009, o Arguido A. contactou JC, agente da Polícia de Segurança Pública, o qual lhe explicou que aquando da busca referida em 13) não se tinha verificado qualquer situação de flagrante delito.”

30. Ora, foi com sustento na referida factualidade que o Tribunal sustentou a condenação do Arguido por entender que esta agiu “de má-fé” pelo menos em relação ao artigo publicado no dia 18/09/21009.

31. A verdade é que o referido facto não constava da Acusação nem da pronúncia, não tendo sido dado ao Arguido possibilidade sobre o mesmo tomar posição expressa.

32. Ora, diz o artigo 358.º nº 1 do Código do Processo Penal, “Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o Presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.”

33. Entende o Recorrente que o Tribunal “a quo” devia ter comunicado a supra referida alteração, não o tendo feito, entende o Arguido que estamos perante a nulidade prevista na alínea b), do número 1, do artigo 379º do Código do Processo Penal, por violação do disposto no artigo 358º e 359º do mesmo Código.

34. Em idêntica nulidade incorre a decisão quando decidiu alterar o “sujeito” do crime previsto no artigo 187º do Código Penal.

35. Na “queixa” inicialmente apresentada a fls…, referem os Assistentes que, “os responsáveis pela publicação das notícias supra descritas incorreram, em nosso entender, na prática do crime de ofensa a organismo ou pessoa colectiva, no caso o Ministério Público.”

36. Como tal, a “instituição” em causa era, e sempre foi em todas as fases do processo, o “Ministério Público” enquanto organismo.

37. Acontece que, em momento algum teve o Arguido a possibilidade de se defender sobre este facto, ou “intenção”, com base na qual acabou por ser condenado: ofender o “Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa”.

38. A alteração do “visado” e consequentemente do “ofendido” no referido crime, para passar a ser o “DIAP de Lisboa”, sem que para tal, tenha o Arguido sido notificado para se defender ou exercer contraditório, constitui também, a nulidade prevista na alínea b), do número 1, do artigo 379º do Código do Processo Penal, por violação do disposto no artigo 358º e 359º do mesmo Código.

39. Por fim, entende o Recorrente que constitui uma nulidade prevista na alínea c), do número 1, do artigo 379º do Código do Processo Penal, a falta de legitimidade dos Assistentes para apresentarem queixa em nome do Ministério Publico pelo crime de ofensa a pessoa colectiva, prevista no artigo 187º do Código Penal.

40. Na verdade, nos termos do Estatuto do Ministério Público, perante a falta de norma expressa, deve ser entendido que a representação caberá ao Procurador-Geral da República, cabendo a este decidir se o Ministério Publico deve ou não apresentar queixa por alegada ofensa à sua reputação.

41.Estatutos do Ministério Público, nomeadamente, os artigos 10º e 12º apontam para que, seja o Procurador-Geral da República quem tenha legitimidade para interpor acções, com fundamento na alegada ofensa ao bom-nome e reputação da instituição que dirige.

42. Foi igualmente violado o disposto no artigo 113º do Código Penal, por a queixa não ter sido apresentada pelo ofendido (Ministério Público).

43. Ora, não tendo havido essa decisão, o processo não poderia prosseguir, pelo que ao conhecer da “queixa” o Tribunal “a quo” conheceu de matéria em relação à qual estava impedido de conhecer.

44. Para além do acima referido, entende o Recorrente que, não se verificou qualquer crime de difamação agravada nem de ofensa a organismo público.

45. Para além disso, entende o Recorrente que, o “Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa”, não é um “órgão”, “serviço” nem muito menos uma “pessoa colectiva”, motivo pelo qual, não pode ser integrada na previsão do artigo 187º do Código Penal.

46. Como tal, ao entender que o DIAP pode ser “entidade” passiva do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, o Tribunal “a quo”, não interpretou adequadamente a referida norma.

47. Para além disso, salvo melhor opinião, não existem factos imputados às Assistentes, tendo o Arguido limitado a relatar as circunstâncias de facto com as quais o Ministério Público se deparou quando entrou em casa do suspeito de pedofilia.

48. Não existe qualquer juízo de valor sobre qualquer um dos Magistrados envolvidos no inquérito, e muito menos sobre o Ministério Público enquanto instituição ou o “Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa”.

49. Inexiste qualquer crítica ou juízo de valor sobre as pessoas envolvidas na referida decisão, sendo que, em momento algum do texto jornalístico se recorre a qualquer expressão humilhante ou consideração passível de ofender o bom-nome ou honra dos Assistentes.

50. Ora, “uma coisa é dizer que a decisão é um «disparate», uma «asneira», «terrorismo de Estado» «própria dos tempos da Inquisição» outra é atacar as qualidades pessoais de quem a profere e dizer que ela é um trabalho «de remendão, produto da esterilidade senil do seu autor”.

51. Pelo acima referido, entende o Recorrente que o Tribunal “a quo” não fez a correta interpretação do disposto nos artigos 180º e 183º, uma vez que, não é feito qualquer imputação de factos ofensivos aos Assistentes, nem se põe em causa a sua reputação, tendo o Recorrido limitado o texto aos elementos objectivos, e à concreta situação de facto que o Ministério Púbico se deparou ao entrar na casa do conhecido pedófilo.

52.A decisão viola o disposto nos artigos 180º, 183º, 184º e 187º todos do Código Penal.

53.Para além disso, não constam quaisquer referências expressas às Assistentes, pelo que nunca se poderá aceitar que o texto tenha tingido o bom-nome destas ou a sua reputação.

54. Quem leu a notícia não tinha elementos para dela retirar quem eram as “procuradoras” que trabalhavam com o Procurador JG, até porque, tal como os próprios Assistentes afirmavam, naquela altura o referido Procurador trabalhava com várias seções do DIAP.

55. Ora, entende o Recorrente que, o elemento objectivo do crime de difamação pressupõe que sejam feitas afirmações ou juízos de valor, sobre alguém em concreto, sendo que a mera referência de que as Assistentes eram Procuradoras que trabalhavam com o Dr. JG, não é suficiente, tendo em conta a universalidade de pessoas que com ele trabalhavam, para tornar a referência adequada a identificar as Assistentes.

56. A imputação tem obrigatoriamente de ser feita a alguém em concreto e identificável para a maioria das pessoas, pois só assim estaremos perante uma lesão da honra penalmente relevante.

57. A imputação tem de ser feita “a outra pessoa”, não sendo por isso adequado a preencher o crime de difamação, a referência feita em termos latos, indirectos ou abstractos.

58. Como tal, entende o Recorrente que, perante a ausência de qualquer referência às Assistentes no texto objecto dos presentes autos, a situação não é objectivamente enquadrável na previsão do artigo 180º do Código Penal.

59. Para além disso, acresce que também não foram imputados às Assistentes quaisquer factos.

60. A verdade é que, em momento algum se diz que as Assistentes tenham praticado qualquer facto, ou que devessem ter tomado postura diferente daquela que decidiram adoptar, perante a realidade que encontraram no apartamento onde pernoitava um conhecido pedófilo e um menor.

61. Não se diz que as Assistentes agiram conta a lei, que praticaram qualquer ilícito ou que o seu comportamento era digno de censura.

62. Contrariamente ao que se disse no decurso dos presentes autos, inexiste qualquer “imputação” ou “juízo de valor” em relação às Assistentes, motivo pelo qual, e salvo melhor opinião, entende o Recorrente que não se encontram preenchidos os elementos objectivos do crime de difamação agravada, pelo que não deveria o Tribunal “a quo” ter condenado o Recorrente pela prática do referido crime.

63.Como tal, entende o Recorrente que perante a ausência da imputação de factos às Assistentes, o comportamento do jornalista, não se integra na previsão do artigo 180º do Código Penal.

64. Para além disso, entende o Recorrente que se encontravam preenchidos os pressupostos adequados a afastar a ilicitude, nos termos do número 2, do artigo 180º do Código Penal, pelo que a Sentença em recurso, violou o disposto na referida norma ao condenar o Recorrente.

65. Isto porque, nos termos do número 1, do artigo 180º do Código Penal, “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.”

66. Por sua vez, dispõe ainda o número 2, do mesmo artigo que, a conduta não será punida quando: (a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos; e (b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.

67. No que diz respeito à realização de interesses legítimos, a sentença em recurso não merece qualquer reparo, uma vez que considerou, e bem, que o conteúdo do artigo objecto dos presentes autos, tinha indiscutível interesse público:

68. Assim, estando assente e não constituindo objecto de discórdia que o artigo em causa preenche o pressuposto da alínea a), do número 2, do artigo 180º do Código Penal, analisemos se no caso concreto, (i) os factos eram verdadeiros ou se (ii) existiam fundamentos sérios para, em boa-fé o Arguido os ter reputado como tal.

69. Como se disse, entende o Recorrente que, os factos relatados no artigo são verdadeiros e que a PSP e o Ministério Público se depararam com uma situação que era, passível de ser enquadrada na de um “flagrante delito”

70. Desde logo, nos termos do artigo 256º do Código de Processo Penal, “é flagrante delito, todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer.”

71. Mais, concretiza ainda o número 2, do mesmo artigo que, “reputa-se também de flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa, ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de cometer o crime ou nele participar.”

72. Ora, “o flagrante delito ocorre em qualquer fase de cometimento do crime e mesmo depois deste ter sido cometido. Assim, há flagrante delito, (a) durante a execução de atos preparatórios puníveis; (b) durante a prática de atos de execução puníveis; (c) no momento da consumação; (d) logo após a consumação, na condição neste caso de a pessoa ter sido de imediato perseguida ou encontrada com objetos ou sinais que mostrem claramente que acabou de cometer o crime”

73. Estas definições legais correspondem à distinção doutrinária de flagrante delito em sentido estrito (1.ª parte do n.º 1 do art.º 255.º), quase flagrante delito (2.ª parte do mesmo preceito legal) e presunção legal de flagrante delito (n.º 2 do art.º 255.º).

74. Assim, tendo em conta o supra referido enquadramento, e o quadro fático concreto descrito no artigo e que o Tribunal “a quo” considerou “provado” – ponto 19 da matéria provada: (a) a porta da casa foi arrombada por agentes da Polícia de Segurança Pública, após terem tocado por diversas vezes à campainha e ninguém ter aberto; (b) na casa apenas se encontrava o suspeito e um menor de 13 anos de idade; (c) o suspeito se encontrava de boxers; (d) o menor se encontrava de cuecas; (e) o menor se encontrava a dormir no único quarto a tal destinado; - era perfeitamente legítimo considerar a situação como de “flagrante delito”

75. Para além da factualidade acima transcrita, não poderá ser esquecido o depoimento da testemunha “AE, psicóloga, a qual disse ter visto o arrombamento, que a casa apenas dispunha de uma quadro para dormir e que viu o menor de cuecas, com quem falou no quarto, onde presenciou que existiam dois colchões no chão um ao lado do outro.” (sentença em recurso; p. 18)

76. A verdade é que, quando os agentes da PSP forçaram a sua entrada na residência do suspeito de pedofilia, (depois de terem tocado várias vezes à campainha e este se ter recusado abrir) lá encontraram um menor que sabiam (pelas escutas telefónicas realizadas no processo), que lá tinha pernoitado, ambos em roupa interior e após terem, aparentemente, partilhado leito.

77. Existem vários crimes, para além do abuso sexual de menores, que o conhecido pedófilo poderia ter acabado de praticar, ou poderia estar a preparar executar, não sendo necessário ou obrigatório que de abuso sexual de menores se tratasse.

78. Entende por isso o Recorrente que, os factos que relatou nos artigos, ou pelo menos os fundamentos que o Tribunal “a quo” recorreu para o condenar pela prática dos crimes de difamação agravada e ofensa a organismo, ocorreram e são verdadeiros

79. Ora, "A exceptio veritatis (exclusão da ilicitude penal por prova da verdade dos factos) é hoje aceite na maioria das legislações modernas, na medida em que oferece um controlo salutar pela opinião pública de comportamentos que se cuida censuráveis". Cfr. Código Penal anotado, Simas Santos e Leal-A.s, vol. II, pag. 319

80. A verdade é que, “Nesta situação em que a imputação do facto desonroso é verdadeira (exceptio veritatis) e se destina a realizar interesses legítimos, o legislador confere superioridade ao direito de liberdade de expressão e de informação sobre o direito do cidadão à sua integridade moral e aos seus bom-nome e reputação.” (Ac. TRL de 2/6/2010; www.dgsi.pt)

81. Assim, e salvo melhor opinião, deveria o Tribunal “a quo” ter considerado preenchido os pressupostos que, nos termos do número 2m do artigo 180º do Código do Processo Penal, afastam a ilicitude da alagada difamação, absolvendo o Arguido do crime de que vinha pronunciado.

82. Para além do acima referido, isto é, para além da situação descrita ser passível, salvo melhor opinião, de uma situação de “flagrante delito”, a verdade é que, o jornalista teve motivos para considerar a informação verdadeira.

83. O Tribunal “a quo” deu como provado no ponto 19º da sentença, todos os factos descritos no artigo, em especial, aqueles que seriam suficiente para considerar a situação de “flagrante delito”.

84. Ora, a verdade é que, tudo isto sugere a existência de fontes de informação fidedignas e/ou bastante credíveis.

85. Recorde-se que, a única questão em “debate” é a de saber se a referida factualidade, se integra ou não no conceito (jurídico) de “flagrante delito”.

86. A abrindo um parêntesis nesta discussão, é questionável se “conceitos jurídicos” como o de “flagrante delito” e os pressupostos de facto de que a referida circunstância depende, são passiveis de ser objecto de prova da “verdade”, pois estamos sempre, perante opiniões técnicas.

87. Igualmente pertinente é a questão de saber se, qualificar uma situação de “flagrante delito” (tendo existido rigor na descrição da situação de facto) se integra no previsão do artigo 180º do Código Penal. Entendemos que não, que o eventual erro na qualificação jurídica da situação, e inclusivamente das conclusões que desse qualificação se retirem, não constituem a prática de uma difamação.

88. Nas suas declarações o Recorrente explicou que lhe foi manifestado por variadas fontes (Ministério Público, polícias e advogados) que a situação em concreto, era passível de constituir um “flagrante delito”.

89. O que o Arguido sempre defendeu no decurso de todo o processo, foi que teve informações de fontes fidedignas de que a situação que descreveu (e que a sentença considerou provada), constituiria uma situação objectiva de “flagrante delito”.

90. Ora, em parte alguma da sentença se afasta tal afirmação.

91. Para além disso, entende o Recorrente que o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, entidade que o Tribunal “a quo” considerou ter sido a “ofendida” no crime do artigo 187º do Código Penal, como o nome indica, mais não é do que um “departamento” de investigação que, como tal, não constitui uma entidade autónoma do Ministério Público.

92. O DIAP de Lisboa mais não é do que um “departamento” e como tal, não é objectivamente passível de ser objeto de ofensa, por não ser um “organismo”, “serviço” ou “pessoa colectiva”, pelo que o comportamento não poderá ser considerado “típico”, não devendo por esse motivo ser considerado ilícito.

93. Caso assim não se entendesse, defende o Recorrente que, na situação dos presentes autos, estaríamos sempre, perante uma total ausência do “elemento voluntário”, circunstância que afasta necessariamente a ilicitude do facto.

94. Isto porque, “Embora para o preenchimento deste tipo de crime não seja necessária a verificação de qualquer dolo específico, designadamente o chamado “animus difamandi” continuamos a estar perante crimes essencialmente dolosos e, portanto, em que os respectivos factos típicos só serão puníveis se praticados por uma das formas previstas pelo art°. 14° do C.P.” (Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 28-01-2010; www.dgsi.pt)

95. Isto porque, nos termos do número 1 do artigo 16º do Código Penal, “o erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo.”

96. Ora, no caso concreto, para que o Arguido tivesse conhecimento da ilicitude do seu ato, era indispensável que não se encontrasse em erro quanto à situação de “flagrante delito”.

97. Ora, tendo em conta o acima referido, entende o Recorrente que deveria o Tribunal “a quo” ter considerado existir uma situação de “erro sobre as circunstâncias do facto”.

98. O Recorrente pensou que estaria a revelar um facto que era verdadeiro e que, por esse motivo, não estaria sequer a ofender o bom-nome ou reputação de qualquer um dos Assistentes.

99. É que, nos termos do número 1, do artigo 16º do Código Penal, “o erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre proibição cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo.”

100. Ora, não se diga que, o facto de constar da matéria provada que “na tarde do dia 17.09.2011, o Arguido A. contactou JC, agente da Polícia de Segurança Pública, o qual lhe explicou que aquando da busca referida em 13) não se tinha verificado qualquer situação de flagrante delito”, afasta automaticamente qualquer possibilidade de o Arguido ter considerado, por baseado em outras fontes mais objectivas, que a situação constituía “flagrante delito”.

101. Conforme o Recorrente declarou este sempre pensou que a situação descrita constituía “flagrante delito”.

102. Ora, nos termos do número 2, do artigo 16º do Código Penal, o erro que o número 1, da norma prevê, “abrange o erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente.”

103. Quer isto dizer que, o facto de o Recorrente ter atuado na convicção de que aquela factualidade se enquadraria num “flagrante delito” (e desta forma afastando toda e qualquer ilicitude), mesmo que o Tribunal “a quo” tivesse considerado que inexistia a referida situação de “flagrante delito” (tese que não se aceita), deveria pelo menos concordar que o Recorrente estava em erro, situação que afastaria a ilicitude e a culpa.

104. A decisão em recurso violou assim o disposto nos artigos 14º e 16º do Código Penal.

105. Mais, é essencial ter presente que, a questão em relação à qual o Recorrente estava em erro, não era sobre as circunstâncias concretas com as quais a PSP se deparou quando entrou na casa (pois essas oram consideradas provadas), mas apenas em relação à qualificação jurídica da circunstância.

106. Quer isto dizer que, mesmo que não se aceite que a circunstância constitui um “flagrante delito” a sua qualificação como tal, não é clara ou evidente, pelo que estamos perante um erro que é manifestamente desculpável para quem não tem qualquer formação jurídica.

107. Para além de todo o acima referido, entende o Recorrente que o seu comportamento, se encontra justificado, pelo legítimo exercício de um direito, em concreto, pelo exercício da Liberdade de Imprensa.

108. Motivo pelo qual, a Sentença em recurso ao não reconhecer ter havido esse exercício legítimo, está a violar o artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), o número 1, do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o número 1, do artigo 19º, do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos.

109. A Sentença não teve também presente, os artigos 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa, bem como o artigo 6º do Estatuto do Jornalista que prevê a Liberdade de Expressão e Informação.

110. Ora, entende ainda o Recorrente que, a Sentença viola o disposto no artigo 31º do Código Penal, que prevê que, “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”, concretizando o número 2 que, “não é ilícito o facto praticado (b) no exercício de um direito”

111.Por fim, entende o Recorrente que a Sentença não está em sintonia com o disposto no artigo 14º do Código Penal, por não ter existido qualquer dolo por parte do Arguido A..

112. Entende o Arguido que a Sentença viola os critérios previstos no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, desde logo porque, não estamos perante uma condenação ou limitação à liberdade de expressão que seja manifestamente “necessária” num Estado de Direito.

113. “A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e as garantias a serem oferecidas à imprensa são de particular importância. Enquanto a imprensa não deve ultrapassar o conjunto de limites, nomeadamente, no interesse da "protecção da honra ou dos direitos de outros", tem a incumbência de difundir informações e ideias de interesse público. Não só a imprensa tem a tarefa de transmitir tais informações e ideias: o público também tem o direito de recebê-los. Se não fosse assim, a imprensa seria incapaz de desempenhar o seu papel vital de "cão de guarda público" (ver, por exemplo, a v Observer e Guardian. Acórdão Reino Unido, de 26 de Novembro de 1991, Série A 216 não., Pp. 29- 30, § 59).” “No exercício de sua competência de fiscalização, o Tribunal deve olhar para a interferência na luz do caso como um todo, incluindo o conteúdo das observações realizadas em relação à recorrente e do contexto em que ele os fez. Em particular, ele deve determinar se a ingerência em questão foi "proporcional aos objectivos legítimos visados" e se os fundamentos invocados pelas autoridades nacionais para a justificar são "relevantes e suficientes" (acórdão Janowski v.Poland, já referido, § 30, ea v Barfod. julgamento Dinamarca, de 22 de Fevereiro de 1989, 149 série A, n., § 28). Ao fazê-lo, o Tribunal tem de se assegurar que as autoridades nacionais aplicado normas que estavam em conformidade com os princípios enunciados no artigo 10 e, além disso, que eles mesmos com base em uma avaliação aceitável dos factos relevantes (ver Jersild v.Denmark, acórdão de 23 de Setembro de 1994, 298 série A, n., § 31).”

114. Ora, tal como decidiu o TEDH no caso Lingens v. Austria; queixa nº 9815/82 de 8 de Julho de 1986, “o adjectivo “necessário” tal como o mesmo é utilizado no número 2, do artigo 10º pressupõe a existência de uma “necessidade social premente”. Os estados signatários têm alguma margem de análise para aferir se essa necessidade existe, mas tal estará sempre sujeita à análise do Tribunal europeu, (…) O Tribunal Europeu tem assim a ultima palavra sobre se a “restrição” ou a “penalidade” aplicada está em sintonia com a liberdade de expressão prevista no artigo 10º CEDH”

115. No mesmo sentido, decidiu a mesma instância que, “Tem sido apontado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora o adjectivo "necessário", utilizado no artigo 10, parágrafo. 2 (Art. 10-2), da Convenção, não é sinónimo de "indispensável", nem tem a flexibilidade de expressões como "admissível", "comum", "útil", "razoável" ou "desejável"; em vez disso, ela implica uma "necessidade social imperiosa".

116. Ora, tendo em conta os factos objecto dos presentes autos, a forma como o texto jornalístico estava composto, a condenação do jornalista por ter qualificado aquela concreta situação (conhecido pedófilo em roupa interior em casa com menor) de “flagrante delito” constituiu uma "necessidade social imperiosa".

117. Como se disse, o quadro fáctico que o Tribunal “a quo” considerou “provado” – ponto 19 da matéria provada: (a) porta da casa foi arrombada por agentes da Polícia de Segurança Pública, após terem tocado por diversas vezes à campainha e ninguém ter aberto; (b) na casa apenas se encontrava o suspeito e um menor de 13 anos de idade; (c) o suspeito se encontrava de boxers; (d) o menor se encontrava de cuecas; (e) o menor se encontrava a dormir no único quarto a tal destinado.

118. Para além da factualidade acima transcrita, não poderá ser esquecido o depoimento da testemunha “AE, psicóloga, a qual disse ter visto o arrombamento, que a casa apenas dispunha de uma quadro para dormir e que viu o menor de cuecas, com quem falou no quarto, onde presenciou que existiam dois colchões no chão um ao lado do outro.” (sentença em recurso; p. 18)

119. Ora, como se disse, “Flagrante delito é a actualidade do crime; é surpreendido a cometer o crime. No quase flagrante o agente já não está a cometer, mas é surpreendido logo no momento em que findou a execução, mas sempre ainda no local da infracção em momento no qual a evidência da infracção e do seu autor deriva da própria surpresa. Na presunção de flagrante delito o agente é perseguido por qualquer pessoa, logo após o crime, ou é encontrado a seguir ao crime com sinais ou objectos que mostrem claramente que o cometeu ou nele participou”.

120. No quase flagrante delito “valoriza-se a circunstância de o agente ser surpreendido na prática do crime ou com sinais que evidenciam a sua participação nele, o que facilita a prova e explica a permissão de detenção imediata por qualquer autoridade, entidade policial ou qualquer do povo e a submissão do agente a processo sumário, quando se verifiquem os demais pressupostos para adopção desta forma de processo especial; há uma relação de simultaneidade entre a actualidade da execução do crime e a sua constatação por terceiro. O quid proprium do flagrante delito consiste na actualidade e evidência probatória. Note-se, porém, que o flagrante delito não é uma qualidade ou requisito constitutivo do próprio crime. A actualidade e a presença de testemunhas na execução do crime é que caracterizam o flagrante delito. Por isso que se o crime foi presenciado, mas o agente não foi imediatamente detido, não pode sê-lo ulteriormente com fundamento em flagrante delito”.

121. Ora, no processo que estava a ser investigado, existiam extensas escutas que confirmavam que o suspeito levava menores para sua casa onde delas abusava sexualmente. Os agentes da PSP sabiam que, na manhã em que entraram na casa do suspeito iriam encontrar pelo menos um menor, pois tinham conhecimento por escutas efectuadas que aquele iria lá pernoitar, situação que se confirmou.

122. A verdade é que, quando os agentes da PSP forçaram a sua entrada na residência do suspeito de pedofilia, (depois de terem tocado várias vezes à campainha e este se ter recusado abrir) lá encontraram um menor que sabiam (pelas escutas telefónicas realizadas no processo), que lá tinha pernoitado, ambos em roupa interior e após terem, aparentemente, partilhado leito.

123. Ora, existem vários crimes, para além do abuso sexual de menores, que o conhecido pedófilo poderia ter acabado de praticar, ou poderia estar a preparar executar, não sendo necessário ou obrigatório que de abuso sexual de menores se tratasse.

124. Recorde-se que o suspeito não abriu a porta e as autoridades só lá conseguiram entrar depois de terem decidido o seu arrombamento.

125. Não consegue o Recorrente entender como é também o Tribunal na Sentença em recurso, entendeu que, tendo a PSP encontrado um menor de cuecas, em casa de alguém que se sabia ser um pedófilo, que partilharam nessa noite leito, entendeu que a situação não constituiria um “flagrante delito”. “Como decorre da lei e como salienta a doutrina, a essência do flagrante delito está na actualidade do crime e não na sua visibilidade (e, portanto, não é um conceito que se ligue com a prova directa do crime.”

126. Assim, tendo em conta os factos objecto dos presentes autos, a forma como o texto jornalístico estava composto, a utilização do conceito “flagrante delito” era factualmente justificável, motivo pelo qual, a condenação do jornalista não constituiu uma "necessidade social imperiosa". - “cabe ao Tribunal de Justiça decidir se a interferência em questão corresponde a tal necessidade, se é "proporcional ao objectivo legítimo prosseguido" e se as razões apresentadas pelas autoridades nacionais para a justificar são "relevantes e suficiente"(ver, nomeadamente, o acórdão Sunday Times acima mencionado, série A, n. 30, pp. 35-37, para. 59, e de 38 p., par. 62).”

127. Ora, entendemos que tendo em conta o artigo 10º da CEDH a condenação do Recorrente, corresponde a uma interferência na liberdade de expressão que: (i) Não era “necessária”, pois não estava em causa uma “necessidade social premente”; (ii) Não foi "proporcional ao objectivo legítimo prosseguido"; e (iii) Nem da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” objecto do recurso, resultam justificações "relevantes e suficiente" para a limitação aplicada.

128. Na verdade, não estando em causa uma “ofensa gratuita” nem a revelação de circunstâncias falsas ou desprovidas de um mínimo sustento factual, entendem os Recorrentes que a limitação não poderia ser considerada “premente”.

129. Importante é também perceber que a referência à expressão “flagrante delito” era efectivamente adequada para descrever a circunstância factual. Isto para concluir que, a condenação e limitação imposta à liberdade de expressão e imprensa no caso concreto, não se integra no conceito de "necessidade social imperiosa" que o artigo 10º da CEDH prevê tem de existir para que a limitação seja considerada legítima.

130. À luz destas considerações, o Tribunal considera que não houve uma "necessidade social premente" para restringir a liberdade de expressão do recorrente e que as autoridades nacionais não apresentaram razões "relevantes e suficientes" para justificar tal restrição. Uma vez que o requerente não tenha ido além dos limites da crítica aceitável nos termos do artigo 10.º da Convenção, a interferência em questão não pode ser considerada como tendo sido "necessária numa sociedade democrática".

131. Em relação aos danos, entende o Recorrente que a Sentença viola o número 1, do artigo 496º do Código Civil, uma vez que os “danos” (meras conclusões e não factos), não tinham a gravidade adequada a merecer a tutela do direito.

132. A decisão viola o disposto no artigo 483º do Código Civil, pois inexistiu da parte do Recorrente qualquer dolo.

133. A decisão viola ainda o disposto no artigo 494° do Código Civil, nem teve sequer os referidos critérios presentes na atribuição da indemnização.”

O assistente JG:

“.I- A DECISÃO RECORRIDA:

1. O assistente vem recorrer apenas da absolvição dos arguidos relativamente aos crimes em que tem essa qualidade e da decisão relativa ao pedido de indemnização civil, a saber:

•– Da absolvição do arguido B. da prática do crime de difamação agravada, p. e p. pelos artº.s 180º, 183º, nº. 1, als. a) e b), nº. 2, 184º e 132º, al. l), todos do CP e artº. 31º, nº. 3, da L 2/99 de 13.1.

•– Da absolvição dos arguidos A. e B. da prática do crime de denúncia caluniosa, p. e. p. pelo art. 365º, nº.s 1 e 2 do CP;

•– Da absolvição da demandada cível “P…, S.A.” e do arguido B- do pedido de indemnização civil;

•– Do montante indemnizatório arbitrado na sentença.

II. A MOTIVAÇÃO DO RECORRENTE:

2. O assistente não pode concordar com os argumentos aduzidos na fundamentação da decisão e entende, aliás, que tais argumentos e fundamentação, contrariam abertamente a letra e o espírito da lei e a jurisprudência existente sobre os temas tratados, bem como contrariam, flagrantemente, as regras da experiência comum e a lógica mais simples.

3. O presente recurso abrange impugnação de matéria de facto por existência de vícios de decisão previstos no artº. 410º, nº. 2, al.s b) e c) e por erro de julgamento, nos termos do art 412º nºs. 3 e 4 ,do CPP; e impugnação de matéria de direito – artº. 412º, nº. 2, do CPP, arguindo-se, ainda a nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artº. 379º, nº. 1, al. c) do CPP.

III. O NOSSO ENTENDIMENTO:
A – Quanto à absolvição do arguido B. da prática do crime de difamação agravada:

4. O arguido B. foi pronunciado, na qualidade de cúmplice, pela prática de três crimes de difamação agravada, nos termos dos arts. 180º, 183º nº. 1 als a) e b), nº. 2, 184º e 132º nº. 2 al. i), todos do CP e artº. 31º, nº. 3, da Lei de Imprensa – L. 2/99 de 13.1.

5. Na sentença recorrida foi dado como provado, de entre o mais:

- que “Nos dias 17 e 18.07.2009, os arguidos A. e B. exerciam, respectivamente, as funções de jornalista e director substituto do jornal diário “X”, (facto 29);

- que o arguido B., no desempenho de tais funções, “tomou prévio conhecimento do conteúdo das notícias [publicadas no jornal] através do arguido A. e nada fez para impedir que as mesmas fossem publicadas” (fact 31);

- que no dia 17.07.2009 foi publicado com destaque na primeira página da edição do X” o seguinte título: “Pais Vendem Filhos a Pedófilo” e na página 8 o título “Pedófilo vendia filmes que fazia com as vítimas”, (factos 1 e 6).

- que no dia 18.07.2009 foi publicado com destaque na primeira página da edição do jornal “X” o seguinte título: “Procurador … liberta pedófilo apanhado em flagrante”, fazendo-se referência à página 8, constando desta página como título “Magistradas vêm pedófilo em acção” (factos 7, 8 e 9);

- que “O título da edição do dia 17.0.2009 foi negociado entre o arguido B. e o editor [do jornal] ; e o título do dia 18.07.2009 é da autoria do arguido B. (Números 28 e 31 da fundamentação);

- que, de acordo com as “Regras da experiência comum, não sendo plausível colocar outra hipótese, é certo que os factos imputados aos assistentes são notoriamente depreciativos para os mesmos”. (Número 25 da fundamentação).

6. Porém, a sentença dá como não provado que “O arguido B. agiu sempre livre e conscientemente determinado sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”, (facto 50), e que este “não tinha qualquer fundamento para reputar como verdadeira a situação de flagrante delito”, (facto 57-A), fundamentando com a seguinte argumentação: “Face ao que supra se provou e não provou a ausência de prova concludente a esse respeito (…) o facto deste arguido ter tido conhecimento prévio das notícias não conduz necessariamente à conclusão que o arguido soubesse que a sua actuação era proibida por lei, pois para tanto era preciso que se provasse, o que não aconteceu, que o mesmo sabia que não existia uma situação de flagrante delito”. (Números 50 e 57-A da fundamentação) (Sublinhados nossos).

I – Questão:

7. No entanto, a sentença dá como provado: que “O arguido B. sabia que os artigos por si escritos iriam ser publicados, alcançando, desse modo, maior dimensão e impacto” (facto 26). E, para considerar este facto provado escreve-se que o Tribunal se baseou nas “declarações do arguido, por o mesmo ter admitido como verdadeira essa factualidade” (Número 26 da fundamentação).

8. Posto isto, não se faz na sentença, a reflexão consequente e necessária a tal prova, interrogando-se como é que o arguido A. sabia que “os artigos por si escritos iriam” ter a anuência do director em exercício, o arguido B, e “ser publicados”? (Sublinhados nossos).

9. A conclusão consequente e necessária destes factos, a retirar na sentença, era a de que os conteúdos dos artigos que o arguido A. iria escrever eram do conhecimento do arguido B. que garantiu àquele arguido que “os artigos por si escritos iriam ser publicados”, o que, aliás, seria coerente com o Número 31 da fundamentação: “Tendo o arguido B. admitido (…) que teve conhecimento em termos gerais, através do arguido A., das notícias em apreço, não é possível concluir de outros moldes”, o qual, arguido A., sabia que não havia qualquer situação de flagrante delito (cfr. todo o texto da fundamentação).

10. Ou seja quando negoceia os títulos e faz os títulos, o arguido B. sabia da história que as notícias contavam, através do arguido A.. Para o Tribunal, a nosso ver, erradamente, só não sabia a parte mais importante das notícias, que não havia nenhuma situação de flagrante delito.

II – Questão:
11. Na sentença (facto 28), escreve-se: “Os títulos das notícias dos dias 17 e 18.07.2009 não são da autoria do arguido A”.

Na fundamentação deste facto escreve-se que o tribunal se baseou nas “declarações do arguido B., o qual referiu que o título da edição do dia 17.07.2009 foi negociado com o editor e do dia seguinte é da sua autoria” – (Números 28 e 31 da fundamentação).

12. Ora, os títulos do dia seguinte, de 18.07.2009, transcritos nos factos 7 8 e 9 dos factos provados – “Procurador … liberta pedófilo apanhado em flagrante” e “Magistradas vêm pedófilo em acção” – são da autoria do arguido B., depois de, no dia anterior, o arguido A. ter contactado a PSP e ter sido expressamente informado que “não se tinha verificado qualquer situação flagrante delito”, (facto 23).

13. Deste modo, o Tribunal devia interrogar-se e a sentença reflectir a conclusão se, depois do impacto do artigo do dia 17, e para fazer o título do dia 18, o arguido B. não falou sobre o tema com o arguido A.? Se este não lhe disse que as imputações que fazia nos artigos aos assistentes eram falsas? Se o arguido A. mesmo com o comunicado da PSP e a informação expressa do agente que tinha participado nas buscas andou a mentir-lhe?

14. A sentença devia, também, concluir, como resulta das regras da experiência comum, que qualquer pessoa, sofrivelmente sensata, perante tamanha gravidade das imputações, à cautela, não escreveria tais títulos.
15. Senão, para afastar o dolo do arguido B., a sentença teria que concluir e ter dado esse facto como provado, o que não aconteceu, que este andou dois dias enganado pelo arguido A. e/ou o arguido A. lhe tinha mentido, ou que consequências teriam resultado para o arguido A. por ter enganado o arguido B. – director em exercício – e, com aquelas notícias, ter atingido a credibilidade do jornal “X”.

16. Deste modo, a conclusão necessária dos factos era a de que o Arguido B. sabia exactamente que as imputações que se faziam aos assistentes nos artigos e nos títulos que ele próprio negociou e elaborou eram falsas! Aliás em coerência com a fundamentação (Número 31): “o arguido B. teve conhecimento em termos gerais, através do arguido A., das notícias em apreço”. (Sublinhados nossos), o facto não provado 57-A, deveria ter sido dado como facto provado.

III – Questão:
17. Na sentença escreve-se, no facto provado 43-A “A alusão nas notícias supra transcritas de que existia uma situação de flagrante delito não correspondia à verdade”; no facto provado 43-B “A alusão nas notícias supra transcritas de que o assistente poderia ter detido o suspeito não correspondia à verdade”; no Número 43-D da fundamentação: “O assistente negou ter estado no local, o que foi corroborado pelas declarações de ambas as assistentes, logo jamais poderia ter detido suspeito”. Ainda no ponto 2.2.1.2 da sentença – Fundamentação de Direito; Crime de difamação agravada, escreve-se que: “a inexistência de flagrante delito veio a ser reconhecida pelo próprio arguido A.. (…).

Pelo que, sendo falso que existisse uma situação de flagrante delito, afigura-se inquestionável que os elementos objectivos do tipo se encontram preenchidos, porquanto a situação imputada a todos os assistentes, no contexto que consta dos demais factos provados, visando magistrados do Ministério Público, são objectivamente mais que adequados e idóneos a lesar a consideração a que os mesmos têm direito, tanto mais que, a descrição da actuação é efectuada em termos de ter sido uma opção daqueles magistrados de não terem procedido à detenção do suspeito do crime investigado”.

18. No facto provado 30, escreve-se: “O arguido A. agiu sempre livre e conscientemente determinado, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

19. Considerando o teor dos artigos ofensivo da honra e consideração dos assistentes, a sentença fundamenta-se nas: “Regras da experiência comum, dado que, de todo, não é plausível colocar outra hipótese, quando é certo que os factos imputados aos assistentes são notoriamente depreciativos dos mesmos”. E, ainda, “O tribunal considerou, tal-qualmente, as declarações dos assistentes” e das testemunhas arroladas. (Número 25 da fundamentação).

20. E, no facto provado, 31, escreve-se, que: “O arguido B., no desempenho das funções [de director substituto], tomou prévio conhecimento do conteúdo das notícias e nada fez para impedir que as mesmas fossem publicadas”. (Sublinhados nossos). Como é que o arguido B. pode não ter sabido ou cuidado de se certificar que tais imputações eram falsas?

21. Assim, a sentença desconsidera intelectualmente arguido B., porquanto, todos, arguido A., assistentes, testemunhas e o próprio Tribunal consideraram “os factos imputados aos assistentes notoriamente depreciativos” e “objectivamente mais que adequados e idóneos a lesar a consideração a que os mesmos têm direito”, excepto o arguido B..

22. Deste modo, a sentença devia ter aplicado a mesma regra ao arguido B .e retirar as mesmas consequências e conclusão para o arguido B. que se retiraram para o arguido A..

IV – Questão:
23. A sentença deu como provado no ponto 31, que o arguido B.“tomou prévio conhecimento do conteúdo das notícias e nada fez para impedir que as mesmas fossem publicadas”, sem se interrogar porque é que nada fez?!

Assim, também quanto a esta questão a sentença não retira a conclusão necessária ao apuramento dos factos:

24. A responsabilidade do arguido B. manifesta-se em duas vertentes: Por um lado toma conhecimento prévio e nada faz para impedir a publicação das notícias “notoriamente depreciativas dos assistentes”. Por outro lado, ele é o autor dos títulos das notícias, tendo até que ter negociado com o editor para conseguir que elas fossem assim publicadas Entre esses títulos “Procurador … liberta pedófilo apanhado em flagrante” e “Magistradas vêm pedófilo em acção”. Um “Pedófilo vendia filmes que fazia com as vítimas” e a quem os “Pais Vendem Filhos a Pedófilo”.

25. Assim, não podia na sentença concluir-se que o arguido B., por um lado não sabia que o teor das notícias não era verdadeiro e que era ofensivo da honra e consideração dos assistentes e que, por outo lado, não sabendo que o teor das notícias não era verdadeiro, não soubesse que a sua conduta era punida por lei.

26. A única conclusão possível, consequente e necessária, é a de que também o arguido B. quis a publicação daquelas notícias, com aqueles conteúdos ofensivos da honra e consideração dos assistentes e com os títulos que ele próprio elaborou, sabendo que as mesmas não eram verdadeiras.

27. E, sabendo que as mesmas não eram verdadeiras, agiu também motivado porque sabia que os artigos assim escritos iriam ter, “maior dimensão e impacto”, como referiu o arguido A. – facto 26.

V – Questão:
28. Nos termos do nº. 2, al. b), do artº. 180º do CPP, para que a conduta do arguido B. não fosse punível, era ele que teria que “provar a verdade da mesma imputação ou fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira”.

Ou seja, era sobre o arguido B. que recaía o ónus da prova.

29. Ainda, nos termos do artº. 20º, da Lei de Imprensa são funções do director e compete-lhe, nº. 1 al. a): “Orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação”.

E dispõe o artº. 31º, nº. 3, “O director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais (…)”.

30.Também por esta razão, não tendo sido provado na sentença que o arguido B.se opôs, através de qualquer acção, à publicação dos artigos em causa, teria necessariamente, que retirar-se conclusão diversa daquela que se tirou quanto este arguido.

VI – Questão:

31. No Número 50 da fundamentação, escreve-se que “Face ao que supra se provou, e não provou, ausência de prova concludente a este respeito, sendo certo que, o facto deste arguido ter tido conhecimento prévio das notícias não conduz necessariamente à conclusão que o arguido soubesse que a sua actuação era proibida por lei, pois para tanto era preciso que se provasse, o que não aconteceu, que o mesmo sabia que não existia uma situação de flagrante delito”.

32. Porém, é dado como não provado (facto 57) “que o arguido A. apenas depois de publicadas as notícias dos dias 17 e 18.07.2009, foi informado que, do ponto de vista jurídico, a situação detectada aquando da busca poderia não consubstanciar o conceito de flagrante delito”, porquanto, escreve-se na fundamentação que: “se fez prova dissemelhante” (Número 57da fundamentação).

Relativamente à notícia de 17.07.2009, por ausência de prova credível a esse respeito e “se fez prova dissemelhante do que foi afirmado” pelo arguido A. de que “apenas após a publicação foi alertado que não se verificava uma situação de flagrante delito”. Relativamente à notícia do dia 18.07.2009, conforme resulta do facto provado 23.

33. Ou seja, o arguido A. já sabia no dia 17.07.2009, antes de publicadas as notícias, que “a situação detectada aquando da busca não consubstanciava o conceito de flagrante delito”, além de nesse dia, ter sido expressamente informado e ainda como resultava do comunicado emitido pela PSP do qual tomou conhecimento que não tinha havido qualquer situação de flagrante delito.

34. Deste modo, como é possível que o arguido B. não soubesse? Perante a enormidade e gravidade destes factos: “Pais vendem Filhos a Pedófilo” e “Pedófilo vendia filmes que fazia com as vítimas”, títulos da edição do dia 17.07,2009, “Procurador …liberta [este] pedófilo apanhado em flagrante” e, “Magistradas vêm pedófilo em acção” títulos da edição do dia 18.07,2009, de que foi responsável e autor, não cuidou de saber, como decorre das regras do senso comum e como estava obrigado, se tal era verdade?

35. Assim, também nesta parte, a dúvida que a sentença coloca, não é uma dúvida razoável, não decorre das regras da experiência comum e, ao coloca-la, decide em contradição com o Número 31 da fundamentação: “Tendo o arguido B. admitido (…) que teve conhecimento em termos gerais, através do arguido A., das notícias em apreço, não é possível concluir de outros moldes”. (Sublinhados nossos).

36. A sentença incorreu, assim, nos vícios de contradição entre a fundamentação e a decisão e ainda de erro notório na apreciação da prova, vícios previstos respectivamente nas alíneas b) e c) do nº2 do art. 410º do CPP, os quais deverão ser supridos pelo tribunal de recurso, nos termos do art 426º nº1 do CPP, a contrario.

VII – Questão:

37. A sentença recorrida incorreu em flagrante erro de direito, por errada interpretação do disposto nos artº.s. 19º a 21º, 29º e 31º, nº. 3 da Lei de Imprensa (Lei 2/99), e artº.s 180º, 183º, nº. 1 als a) e b), nº. 2, 184º e 132º nº. 2 al. l), do CP.

38. Para fundamentarmos o invocado erro de direito, seguiremos a argumentação lapidar expendida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.07.2008, (proc. 08P1410) - Relator Conselheiro A.s Gaspar, cujos excertos do respetivo sumário, por integralmente decalcáveis ao caso em apreço no presente recurso, se passam a transcrever:

“XXV- Da conjunção normativa dos arts. 19.º a 21.º e 29.º da Lei 2/99, de 13-01 (Lei de Imprensa), sobre as competências e as obrigações do director, resulta que, por directa imposição da lei, a orientação e a determinação do conteúdo da publicação competem àquele – ou a quem legalmente o substitua nas ausências e impedimentos –, ficando constituído em primeiro e último responsável pelos «escritos ou imagens» inseridos em publicação periódica que dirija (cf., também, Ac. do STJ de 14-05-2002, Proc. n.º 4212/01, e Ac. do TC n.º 270/87, BMJ 369.º/250).

XXVI - A imputação ao director da publicação do «escrito», que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento, integra, na construção conceptual, uma presunção legal, que dispensa o interessado da prova do facto (o conhecimento, a aceitação e a imputação da publicação) a que a presunção conduz (art. 350.º, n.º 1, do CC), admitindo, porém, que o onerado ilida a presunção mediante prova em contrário (art. 350.º, n.º 2, do CC). Deste modo, demandado civilmente o director, e vista a amplitude da formulação dos termos da responsabilidade e da consequente presunção, basta invocar os factos que integrem o ilícito (no caso, a publicação do «escrito») e a qualidade de director do demandado, cabendo a este ilidir a presunção, alegando e provando que o escrito foi publicado sem o seu conhecimento ou com oposição sua ou do seu substituto legal.

XXVII- Não tendo o director do jornal, demandado civil, alegado sequer qualquer facto que, se provado, permitisse ilidir a base da presunção, há que concluir, segundo as regras materiais e processuais referidas, que agiu com culpa, por ter aceite, expressa ou tacitamente – ou por, no cumprimento dos deveres do cargo, não ter impedido –, a publicação dos textos questionados.” (Sublinhados nossos). Ainda em sentido idêntico os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa: Ac. TRL de 28.3.2007, (processo 2761/07), 3ª Secção – Relator: Desembargador Carlos Almeida; Ac. TRL de 13.4.2005, (processo 3169/05), 3ª Secção – Relator: Desembargador Varges Gomes;

39. A sentença ao fundamentar e concluir, a fls. 22 e 28 que :“Para que o arguido B. pudesse ser condenado pela prática deste crime [de difamação agravada] necessário seria que se tivesse dado como provado que o mesmo tinha conhecimento de que aquando da busca em causa não existia uma situação de flagrante delito, o que não resultou provado, pelo que, quanto a este arguido, é cristalina a conclusão que o mesmo tem que ser absolvido da prática dos três crimes de difamação de que se encontra acusado”, incorreu em erro de direito.

40. A sentença devia, ao invés, ter concluído que por directa imposição da Lei, nos termos conjugados dos artº.s 19º a 21º, 29º e 31º, da Lei de Imprensa, a orientação e a determinação do conteúdo da publicação competem ao director, ou a quem legalmente o substitua – no caso o arguido B.– impendia o especial dever de obstar à publicação de escritos ou imagens que possam constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, ou de responsabilidade criminal. ficando este constituído em primeiro e último responsável pelos artigos inseridos no jornal “X”.

41. A imputação ao arguido B.da publicação dos artigos em causa, que resulta da própria titularidade e exercício da sua função de substituto do director e dos inerentes deveres de conhecimento, integra, na, uma presunção legal, que dispensa o interessado da prova do facto (o conhecimento, a aceitação e a imputação da publicação) a que a presunção conduz.

42. A tal acresce a responsabilidade do arguido B. na autoria dos títulos das edições daquele jornal, nas edições dos dias 17 e 18.07.2009, “no desenvolvimento dos quais o arguido A. escreveu os artigos por si assinados”, conforme, aliás, a sentença deu como provado nos factos 4 e 10.

43. E recordemos que, relativamente ao arguido A., autor dos “Artigos, Subtítulos e Pormenores”, pelos fundamentos constantes de fls. 28 a 31 da sentença, se considerou que “não se verificando qualquer causa de escusa de exclusão da ilicitude ou da culpa, a conduta do arguido A. integra a prática de três crimes do ilícito penal ora apreciado “ [crime de difamação agravada]

44. Ora, a sentença recorrida não faz qualquer menção a que o arguido B., ao actuar na qualidade de director substituto, tenha sequer alegado qualquer facto que, se provado, permitisse ilidir a base da presunção legal da sua responsabilidade estabelecida no artº. 31º, nº 3 e no artº. 29º nº 2 da Lei de Imprensa (Lei 2/99).

45. Ao decidir de forma diversa, a sentença incorreu em evidente erro de direito.

46. E, ainda, nos termos do disposto no art. 180º nº. 1, nº. 2, al. b) e nº. 4, impunha-se que a sentença tivesse concluído que, cumprindo ao arguido B. fazer prova de sua actuação de boa-fé, a este cabendo o ónus de provar “que tinha cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação”, o arguido B. não fez tal prova.

47. Perante a clareza da fundamentação do Acórdão do STJ, supra transcrita, atento o disposto nos arts 19º a 21º, 29 e 31º, nº. 3, da Lei de Imprensa (Lei 2/99) e o disposto no art. 180º nº 1, nº 2 e nº 4 do CP, forçoso se torna concluir que a sentença incorreu em erro de direito na apreciação das normas legais referidas ao proferir decisão de absolvição do arguido B., na qualidade de director substituto do jornal “X”, da prática dos crimes de difamação agravada, tal como também incorreu em erro de direito ao proferir decisão de absolvição da prática do crime de denúncia caluniosa, e do pedido de indemnização civil contra este, solidariamente, formulado.

48. No que concerne à impugnação de matéria de facto, resulta do próprio texto da sentença, de per si ou em conjugação com as regras da experiência, a existência de vícios da decisão a que se reporta o nº. 2, do artº. 410º do CPP.

Na verdade, quando na sentença recorrida se dá como provado que:

- o arguido B., na qualidade de director substituto “tomou prévio conhecimento do conteúdo das notícias e nada fez para impedir que as mesmas fossem publicadas” ( facto 31);

-que “o título da edição do dia 17.0.2009 foi negociado entre o arguido B. e o editor e o título do dia 18.07.2009 “Procurador… liberta pedófilo apanhado em flagrante” é da autoria do arguido B.”;

- ao proferir decisão de condenação do jornalista arguido A. pela prática dos crimes de difamação agravada, com o fundamento de “não se verificar qualquer causa de escusa de exclusão da ilicitude ou da culpa deste arguido”, e ainda decisão de condenação no pedido de indemnização civil,

- vindo a proferir decisão de absolvição relativamente ao arguido B., o qual actuou na qualidade de director substituto do jornal “X”, dos crimes de difamação agravada e do pedido de indemnização civil, não poderá deixar de concluir-se ter a sentença incorrido no vício de contradição entre a fundamentação e a decisão e no vício de erro notório na apreciação da prova, por flagrante violação das regras da experiência comum.

B – Quanto à absolvição dos arguidos A. e B. da prática do crime de denúncia caluniosa:

I – Questão:
49. Na sentença, são dados como provados todos os elementos objectivos do crime [do crime] de denúncia caluniosa, p. e p. peço artº. 365º, do CP, e, ainda, do elemento subjectivo, o seu segmento cognitivo.

50. A sentença apenas não considerou provado o segmento volitivo do dolo – “a intenção de que de conseguir que contra” o(s) assistente(s) “se instaurasse procedimento” – (facto 49 e 57-B), dando não provado que “ambos os arguidos pretenderam que contra os assistentes fosse instaurado procedimento disciplinar e/ou criminal”. e, que “Os arguidos (…), sugeriram com clareza que aqueles assistentes estariam incursos na prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”.

51. Na sua fundamentação, escreve-se “Ausência de prova concludente a este respeito. De facto, não tendo sido feita prova que existia qualquer desentendimento entre os arguidos e os assistentes, não é crível, de todo, face às regras da experiência comum, que os arguidos visassem a intenção em apreço. Por outro lado, não existe prova segura que os arguidos tenham representado a instauração de um procedimento disciplinar ou criminal como consequência necessária dadas notícias em apreço, pois para assim concluir, necessário seria que em momento prévio, os arguidos tivessem representado que os assistentes por via da sua actuação tivessem praticado qualquer crime, nomeadamente de prevaricação e de denegação de justiça, o que não se afigura verosímil, dado aos arguidos não ser conhecidos especiais conhecimentos de direito, razão pela qual, também, não se dá como provada tal hipótese”. (Número 49 e 57-B ) (Sublinhados nossos).

52. Assim, a sentença, fazendo uso do princípio in dubio pro reo: a “ausência de prova concludente”, e não existência “de prova segura”, afasta o dolo directo e o dolo necessário, alicerçando esta sua decisão em dois pontos:

• Para afastar o dolo directo, entende que, “Ausência de prova concludente” por “não ter sido feita prova que existia qualquer desentendimento entre os arguidos e os assistentes”, não é crível que os arguidos “visassem a intenção em apreço”;

• Para afastar o dolo necessário, entende que “não existe prova segura que os arguidos tenham representado a instauração de um procedimento disciplinar ou criminal”. Tal representação deveria ocorrer “em momento prévio” e que tivessem representado que com a actuação imputada “os assistentes tivessem praticado qualquer crime (…) o que não se afigura verosímil, dado aos arguidos não ser conhecidos especiais conhecimentos de direito”.

53. Ora, o Tribunal não dá como provado que as condutas/actuação imputada aos assistentes nas notícias e seus títulos, não era idónea … ou integradora da prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”. Apenas, dá como não provado que os arguidos tenham sugerido “com clareza” que os assistentes “estariam incursos na prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”.

Ou seja, a sugestão apenas não era clara! Sendo certo que para a verificação do tipo do art. 365º do CP, basta “lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime”.

54. Por outro lado, se o teor das notícias era de molde a integrar o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos artºs. 187º e 183º, nº. 2 do CP, como foi dado provado (facto 43-E) “As notícias supra referidas e o destaque daquelas edições, ofenderam a credibilidade, o prestigio e a confiança devidos ao Ministério Público junto do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa”, pelo qual o arguido A. foi condenado, então quais as consequências lógicas – directas ou necessárias - para os supostos autores das condutas/actuação referidas naquelas notícias?

Ao agirem do modo descrito nas notícias e seus títulos, os assistentes ou quem quer que fosse, não incorreriam em procedimento e não seriam sancionados por isso? Com certeza!

55. Porém, o que resulta das regras da experiência é precisamente o contrário daquilo que se conclui na sentença. É que nenhuma dúvida razoável se coloca de que “os arguidos tiveram a intenção de conseguir que contra os assistentes se instaurasse procedimento” e, muito menos se coloca qualquer dúvida que “os arguidos representaram” que, com a sua conduta, iria necessariamente ser instaurado procedimento contra os assistentes.

56. Para a imputação de uma conduta criminosa não era necessário afirmar nas notícias a prática de um determinado crime. Para tanto, basta afirmar os factos noticiados, integradores de crime, ainda que através do lançamento de suspeita – artº. 365º do CP.

57. Para aferir o que são as regras da experiência, requisito da apreciação da prova a que alude o art. 127º do CPP, há-de ter-se em consideração o juízo do cidadão médio sobre o facto. O juízo do cidadão médio trata-se, e é, um juízo de senso comum, a partir da informação mediana sobre os factos.

58. Para o cidadão médio ou mesmo sofrivelmente informado, destinatário dos artigos em apreço, que tomasse conhecimento do seu teor concluiria, necessária e inequivocamente, que os autores dos factos aí relatados, agindo do modo aí descrito, praticando aqueles factos, ou tendo aquele comportamento, seriam castigados. Não restariam dúvidas a qualquer um.

59. Porque, ainda para mais, tratando-se de magistrados responsáveis por um processo, no uso dos seus poderes-deveres e no exercício das suas funções, a procederem do modo descrito nos artigos, qualquer cidadão médio ou mesmo sofrivelmente informado, concluiria, necessariamente, que a conduta que lhes era imputada nos artigos, «não podia deixar de ser crime!».

60. Porque, os factos imputados aos assistentes, tinham sido praticados no meio judiciário, reportando-se a questões de grande repercussão social, como a violação e o abuso sexual de crianças e a impunidade dos pedófilos agressores, associados ao “processo da Casa Pia” que, durante tão longo tempo esteve e ainda estava na ordem do dia da sociedade portuguesa com enorme repercussão.

61. Porque, tais notícias estavam a ser divulgadas quando ainda decorria o julgamento do “processo da Casa Pia”, encontrando-se já na sua fase final e quando era grande a expectativa da sociedade em geral e dos meios e órgãos de comunicação social em particular, sobre o seu desfecho. E eram atribuídas, com particular destaque, a um dos magistrados do Ministério Público responsável por aquele processo, o ora recorrente.

62. Porque, prevaricar nestas circunstâncias, designadamente o recorrente, que apesar das imposições da Lei – fazendo agora o contrário, deliberadamente e contra a Lei, do que tinha feito com arguidos «importantes» no “processo da Casa Pia”, deixava um pedófilo violador, apanhado em flagrante delito, à solta, necessariamente levaria ao sancionamento dos assistentes.

63. Porque, o que resulta das regras da experiência comum, é que não cabendo na ideia cidadão médio ou mesmo sofrivelmente informado, que as condutas imputadas aos assistentes, designadamente ao recorrente, não sejam crime, como efectivamente são, o mesmo também não podia ter deixado de ser do conhecimento dos arguidos.

64. Ao cidadão médio não são exigidos conhecimentos de direito nem é necessário que tenham ou lhe sejam conhecidos “especiais conhecimentos de direito” ou, sequer que saibam exactamente a definição do tipo de crime que está a ser imputado, para discernir sobre o que supra se refere. Deste modo, o grau de exigência não podia ser maior para os arguidos, como a sentença requer, tanto mais que nos artigos se descreverem, afirmativa e peremptoriamente, factos que constituem todos os elementos do crime de prevaricação e denegação de justiça.

65. Ambos os arguidos, são pessoas que por razão da sua formação académica, pela formação e informação que decorre das características e exercício da sua profissão e, pelo seu estatuto social, sendo o arguido B. director-adjunto de um dos jornais com maior publicação e o arguido A. um jornalista de temáticas judiciárias, estão muito acima da informação mediana dos factos e temas referidos e tratados nos artigos publicados (factos 29,40,41, e Número 48 da fundamentação).

66. Não se colocou ao Tribunal a quo a reflexão que necessariamente se coloca ao cidadão médio – o aferidor das regras da experiência comum – que aos assistentes, designadamente, ao recorrente “procurador do processo …” seriam «pedidas contas» pelos factos imputados nos artigos publicados pelos arguidos?

67.Também nesta parte a sentença ignorou as regras da experiência comum incorrendo no vício de erro notório na apreciação da prova, porquanto:

“II - Verifica-se o vício do erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente uma conclusão sobre o significado da prova contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito de factos relevantes para a decisão de direito, ou pelo menos que a prova não poderia fundamentar a decisão do tribunal sobre essa matéria de facto”, na expressão do Acórdão do STJ de 03-01-2002, proc. 01P3264, Relator: Cons. Armando Leandro.

“2. A livre convicção não significa, no entanto, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objectivos ou objectiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica.

7.As presunções naturais são o produto das regras de experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro.

8. Na ilação derivada de uma presunção natural tem de existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico,

9. O afastamento das regras das presunções naturais integra o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, n° 2, alínea c), do CPP”, na expressão do. Acórdão do STJ de 09.02.2005, proc. 04P4721, Relator: Cons. A.s Gaspar.

68. A conclusão de que, só se se tivesse feito prova de que “existia qualquer desentendimento entre os arguidos e os assistentes” é que poderia ser dado como provado que os arguidos “visassem a intenção em apreço”, de que contra aqueles se instaurasse procedimento disciplinar ou criminal, fazendo depender a prova deste facto – o desentendimento – é, completamente contra a lógica das coisas e as regras da experiência comum. Não é assim nas relações inter-sociais, não é assim na vida.

69. Pode haver uma denúncia com a intenção de que contra determinada pessoa seja instaurado procedimento por um sem número de motivações e interesses. Para além de outros que possam existir, quanto a motivações ou interesses os artigos são bastante explícitos.

70. Assim, a prova da intenção do agente não depende de prova da motivação mas há-de retirar-se da sua conduta e de todo o circunstancialismo que a envolveu.

Pelo que, neste ponto, a sentença confunde a intenção de denunciar com motivação da denúncia.

71. Por outro lado, a mediana capacidade de leitura dos textos das notícias e seus títulos, leva à conclusão directa, necessária e segura – com toda a clareza – que os factos imputados integram crime e/ou são sancionados. Concluir de outro modo é reduzir à indigência a capacidade de compreensão daqueles textos pelos seus destinatários: o público em geral maxime o cidadão médio.

72. Também as razões que a sentença encontra para afastar a possibilidade de que os arguidos tivessem representado como consequência necessária dos artigos publicados a instauração de procedimento contra os assistentes, diminuindo-os intelectualmente, menorizando a sua capacidade de discernir o impacto e as consequências das imputações que fazem aos assistentes e é contraditório com o que, em relação aos arguidos se dá como provado - factos 29,40,41, e na referência do Número 48 da fundamentação.

73. Deste modo, as razões apresentadas na sentença para absolver os arguidos não são razoáveis, vão contra a lógica das coisas e da vida e contra as presunções naturais, contrariando, flagrantemente as regras da experiência, incorrendo a sentença do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artº. 410º, n° 2, alínea c), do CPP.

II – Questão:

74. Ainda, a sentença conclui que: “não existe prova segura que os arguidos tenham representado a instauração de um procedimento disciplinar ou criminal” e de que os arguidos tivessem representado que “os assistentes, por via da sua actuação, tivessem praticado qualquer crime” (Número 49 da fundamentação), absolvendo os arguidos da prática do crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo artº. 365º nº.1 do CP.

75. Porém, a pronúncia a fls. 381, reproduz “os factos constantes da peça acusatória de fls. 203 a 208”, onde se escreve: “pretenderam os arguidos que contra os magistrados ofendidos fosse instaurado processo disciplinar e/ou criminal”.

76. Assim, faltou concluir e a sentença deveria ter-se pronunciado também, sobre se os arguidos representaram, ou não, que os “assistentes, por via da sua actuação, tivessem praticado” quaisquer faltas disciplinares e, ainda, se também para tal representação eram necessários os tais conhecimentos especiais de direito. Quanto a esta questão a sentença é omissa.

77. Constituindo tal omissão, uma omissão de pronúncia, nulidade prevista no art. 379º nº1 al. C) do CPP: “É nula a sentença quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar”, a sentença enferma de nulidade ao deixar de pronunciar-se sobre se a conduta dos arguidos era susceptível de integrar a prática do crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo nº. 2 do artº. 365º do CP: “Se a conduta consistir na falsa imputação de contra-ordenação ou falta disciplinar, o agente é punido com pena (…)”.

78. Ora, para além do que resulta da simples leitura dos textos dos artigos, que são peremptórios nas afirmações e imputações que atribuem aos assistentes podemos destacar “PODIA TER SIDO PRESO: O procurador J, apesar das imposições da lei, podia ter detido o violador de 61 anos: foi apanhado em flagrante delito”.

Ou seja o assistente ao qual a lei lhe impunha deter o violador que foi apanhado em flagrante delito, deixou em liberdade. Todo o teor de ambos os artigos se afirma e reafirma que o violador tinha sido apanha do em flagrante delito em que o assistente deixou em liberdade ou mandou soltar, deixando em “Liberdade Absoluta” um “Pedófilo que vendia filmes que fazia com as vítimas”.

79. A sentença não valorou prova que consta dos autos e designadamente das declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento onde foi referido pelos assistentes, e pelas testemunhas que, após e como consequência da prolação das notícias, foram solicitados aos assistentes pela hierarquia do Ministério Público esclarecimentos tendentes à averiguação preliminar das condutas que lhes eram imputadas. Tal averiguação, levou a que inicialmente fossem prestados esclarecimentos imediatos via telefone, fax e posteriormente por ofício, os quais foram prestados perante a Procuradora Geral Adjunta, Directora do DIAP de Lisboa e também perante a Procuradoria Geral Distrital de Lisboa.

Tais factos constam amplamente explanados pelas testemunhas, conforme as declarações:
- Do assistente JG – 20130920935_161922_64576.wma, ao minuto 17m40s;
- Da assistente AP – 20130930103544_161922_64576.wma, ao minuto 21m10s;
- Da testemunha MM – 20131015102011_161922_64576.wma, ao minuto 06m07s;
- Da testemunha AT – 20131015104327_161922_64576.wma, ao minuto 08m39s;
- Da testemunha CS – 20131015105632_161922_64576.wma, ao minuto 04m35s.

Pelo que, nos termos do art.º 412º, n.º 3 e 4 do CPP, impugnam-se os factos Não Provados 49 e 57-B, e respectivos segmentos da fundamentação da sentença, devendo os mesmos passar a ser dados como Provados.

80. Deste modo, não poderia a sentença ter deixado de concluir que arguidos bem sabiam ou necessariamente representaram que tais conteúdos constituíam faltas disciplinares e consequentemente, contra os assistentes seria instaurado procedimento.

81. Por todo o exposto, foram violadas as seguintes normas legais:
• do Código Penal; arts. 180º, nº. 1 e 2, al. b), 183º, nº. 1 als a) e b), nº. 2, 184º e 132º nº. 2 al. l), 2 e, ainda, o artº. 365º, nºs 1 e 2.

• da Lei de Imprensa; arts. 19º a 21º, 29º e 31º, nº. 3, da Lei de Imprensa (Lei 2/99 de 13.1)

• do Código de Processo Penal, artº.s 127º e 379, nº. 1 al. c), 410º, nº. 2, als. b) e c) e 412º nºs.1 e 2 al. a) e b), nº. 3 e nº. 4 , do CPP.

Ca)- Da absolvição do Arguido e demandado cível B.

82. Resultando evidente das motivações atrás expendidas – como parece lapidar ao recorrente – que a sentença recorrida deveria ter condenado o arguido B. pela prática dos crimes de difamação agravada e de denúncia caluniosa, não poderá deixar de se entender que, por um lado, se encontram preenchidos, quanto ao mesmo arguido, os pressupostos da responsabilidade civil “facto voluntário”, “ilícito” e “imputação do facto ao agente”, e, quanto aos restantes pressupostos dúvidas não restarão, sendo, aliás - e para usar uma expressão do próprio Tribunal a quo -, “cristalinamente evidente” que também os mesmos se encontram preenchidos, designadamente a “existência de dano” e o “nexo de causalidade entre o facto e o dano” (cfr. factos provados 25, 32 a 36, 39).

83. A ser assim, como se crê que ser, é manifesto o erro notório quanto à apreciação da prova de que padece a sentença recorrida ao absolver o arguido B. do pedido de indemnização civil que contra si foi deduzido pelo Assistente, ora Recorrente, porquanto, encontrando-se preenchidos todos os pressupostos necessários para o efeito, deveria a Sentença Recorrida, contrariamente ao que sucedeu, ter julgado procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido contra este arguido.

Cb) - Da absolvição da demandada cível “P…, SA;

84. O mesmo se diga quanto à parte da Decisão Recorrida que decidiu absolver a Demandada Cível P…,SA do pedido cível deduzido pelo Assistente, com fundamento no facto de que este não terá feito prova de que o Jornal X é propriedade desta sociedade, cujo erro notório de que padece é, igualmente, ostensivo.

85. Com efeito, ao dar como “Não Provado” o facto, referido sob o n.º 56), de que “O Jornal X é propriedade da demandada civil.”, quando (i) consta dos autos, designadamente de informações expressa e obrigatoriamente mencionadas nas edições do Jornal X juntas aos autos (designadamente, na pág. 15 da edição do Jornal X de 17/07/2009, que constitui o denominado “Apenso 1”; na pág. 14 da edição do Jornal X de 18/07/2009, que constitui o denominado “Apenso 2”; na pág. 19 da edição do Jornal X de 19/07/2009, que constitui o denominado “Apenso 3”; e, por fim, na pág. 15 da edição do Jornal X de 21/07/2009, que constitui o denominado “Apenso 4”), que a propriedade/editora do Jornal X é a sociedade “P…, SA”, aqui Demandada, com o “Cap. Social: 6.660.000€. Contribuinte n.º ---. CRC de Lisboa n.º .... ERC n.º --- Liv B-14. Depósito Legal 1333/82.”, que (ii) essa informação – atinente à propriedade do jornal – constitui, aliás, nos termos do art.º 15º/2 da Lei de Imprensa, entre outras, uma das informações que as publicações periódicas, como o X, devem conter, sob pena de ilegalidade e, por fim, que (iii) o assistente, no seu pedido de indemnização civil, ofereceu, como sua, a “prova da acusação” a qual inclui, inequivocamente, a prova documental constituída pelos apensos 1 a 4 em apreço (cfr. Acusação junta a fls.), mais do que notório, o erro de que padece a Sentença Recorrida é ostensivo, pelo que deve ser revogada a Sentença Recorrida e, consequentemente e ao invés, deve a sociedade P…, SA ser condenada solidariamente com os Arguidos no pagamento ao assistente, ora Recorrente, do pedido cível.

D- Do montante indemnizatório arbitrado.

86. De acordo com a jurisprudência unanime e pacificamente proferida sobre esta questão a gravidade do dano depende, por um lado, da intensidade das afirmações feitas e da divulgação que lhes foi dada e, por outro, da personalidade e funções do visado, assumindo particular acuidade o caso de alguém que desempenha funções públicas e com alguma exposição mediática, bastando, neste caso, atentar no montante arbitrado a título de indemnização pelo Tribunal a quo para se concluir, sem mais, que nada disso foi tido em consideração peloTribunal devendo tê-lo sido. Efectivamente,

87. Ao afirmar-se o que se afirma nas notícias sobre o assistente,– designadamente “Pedófilo deixado à solta por J, que acusou C”, “…PSP já tem provas (…). Mas o procurador da República J (que acusou C, J e B, entre outros, no Processo C) optou por nem apresentar o bancário ao Juiz, deixando-o à solta…”, “PODIA TER SIDO PRESO: O procurador J apesar das imposições da lei, podia ter detido o violador de 61 anos: foi apanhado em flagrante delito.”; “Procurador… liberta pedófilo apanhado em flagrante”; “Adjuntas do procurador J soltaram predador sexual que tinham acabado de apanhar, de cuecas, com um menino de 12 anos na sua cama.”; “De cuecas, o ex-bancário foi apanhado na cama com o menino, de 12 anos. As procuradoras do Ministério Público viram tudo, mas, em contacto telefónico com o coordenador J do DIAP de Lisboa, deixaram o violador de várias crianças em liberdade” (cfr. factos provados n.º 4, 5, 7, 9) – é manifesta a gravidade da ofensa dirigida aos assistentes e, muito em particular, ao assistente aqui recorrente o qual, como resulta da prova, é procurador da república (cfr. facto provado n.º 34), cuja notoriedade decorre de ter exercido tais funções no conhecido “Processo C” (cfr. facto provado n.º 4 e 7). Acresce que,

88. De acordo, com a factualidade provada “Em Junho de 2009, a tiragem média diária do Jornal X era de 153938”, além do que as notícias em questão, de 18 e 19/07/2009, foram, ainda, objecto de divulgação pela internet tendo registado 11.717 e 44.176 leituras, respectivamente” (cfr. factos provados n.º 39, 32 e 33), pelo que foi enorme a extensão da divulgação e repercussão pública das notícias em questão facto que tão pouco foi feito relevar na fixação do montante indemnizatório.

89. O Tribunal considerou provado que com as notícias em apreços os assistentes, e concretamente o aqui recorrente, se sentiram ofendidos na sua honra e consideração pessoal e profissional, dado que “…os factos imputados aos assistentes são notoriamente depreciativos para os mesmos.” (cfr. facto provados n.º 25 e respectiva motivação). Porém, não fez relevar a gravidade e intensidade de tais imputações, afirmações e ofensas na indemnização arbitrada.

90. De resto, sendo o assistente, ora recorrente, particularmente visado e ofendido nas notícias em questão – já que, quer nos títulos, quer nos textos das referidas notícias, repete-se, por diversas vezes, não só o seu nome e é referido como o responsável pelos factos relatados nas notícias mas, igualmente, quer as suas especiais responsabilidades (como responsável por uma Secção do DIAP), quer também, a função por si exercida no conhecido processo “C” - tão-pouco resulta da medida da indemnização fixada, por comparação com a atribuída à outra assistente.

91. Assim, o muito maior grau de exposição do assistente deveria ter tido reflexo na graduação do montante indemnizatório que lhe foi arbitrado na sentença recorrida.

92. Finalmente, conforme resulta de tudo quanto se referiu supra nas presentes motivações, sendo os demandados cíveis B. e P. SA, como se pretende e requer, condenados solidariamente com o arguido A. a ressarcir os assistentes, entre os quais o aqui recorrente, dos danos que lhes foram causados, também por isso deverá o quantum indemnizatório ser substancialmente aumentado por forma a traduzir essas condenações acrescidas, não só porque são mais os “agentes” a responder pelos danos causados mas, igualmente, porque a sua “situação económica” – a que o Tribunal atendeu e deve atender de acordo com o disposto no art.º 494º do CC – é, assim, substancialmente diferente conforme resulta dos factos provados n.º 40 e 56 que, como se referiu supra, deve ser dado como provado e, ainda, atendendo à situação económica da demandada P…, SA, com um capital social de 6.660.000€.

93. A sentença recorrida, ao fixar o quantum indemnizatório como fixou, condenando apenas o arguido A. no pagamento ao assistente, ora recorrente, do montante de € 5.000,00 a título de indemnização não teve em conta, contrariamente ao que lhe era imposto, quer a (i) intensidade e gravidade da ofensa, quer a intensidade e gravidade dos danos causados, em particular e especialmente, ao assistente, aqui recorrente, o (ii) facto de o mesmo ter sido ele quem foi especialmente visado nos títulos e nas notícias em questão e, tão-pouco, (iii) a extensão da sua divulgação e impacto público que tais notícias atingiram (iv) o facto de se tratar de vários responsáveis civis e a situação económica de cada um, pelo que preteriu, violando, de uma assentada, o preceituado nos artºs. 496º e 494º, ambos do Código Civil.

94. Pelo que, ponderado todo este circunstancialismo e, ainda, o grau de ilicitude dos factos, que é elevado, a actuação dolosa dos demandados cíveis, a enorme e extensa publicidade e divulgação dos factos e, por fim, as graves e intensas consequências/danos que o teor das notícias em questão tiveram no lesado/recorrente, é de concluir que apenas a fixação de uma indemnização no valor peticionado pelo assistente, ou próximo deste, em cujo pagamento a este sejam condenados todos os demandados cíveis, será conforme à intensidade e gravidade da ofensa e dos danos a este especialmente causados e à enorme e extensa divulgação e impacto que atingiram tais notícias.”

A assistente AP:
“1.A assistente vem interpor recurso, nos termos dos artigos 399º, 401º, nº. 1, al. b), 402º, 403º, 410º, nº. 2, als b) e c), 411 e 412.º, nºs 1 e 2 als a) e b), do Código de Processo Penal, das seguintes decisões:

• Da absolvição do arguido B. da prática do crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts 180º, 183º, nº. 1, als. a) e b), nº. 2, 184º e 132º, al. l), todos do CP e artº. 31º, nº. 3, da L 2/99 de 13.1.

• Da absolvição dos arguidos A. e B. da prática do crime de denúncia caluniosa, p. e. p. pelo art.365º, nº.s 1 e 2 do CP;

• Da absolvição da demandada cível “P…, S.A.” e do arguido B. do pedido de indemnização civil;

• Do montante indemnizatório arbitrado na sentença.

2. A assistente não concorda com os argumentos aduzidos na fundamentação da decisão proferida e entende, que tais argumentos e fundamentação, contrariam abertamente a letra e o espírito da lei e a jurisprudência existente sobre os temas tratados, bem como contrariam, flagrantemente, as regras da experiência e a lógica mais simples.

3. O presente recurso abrange impugnação de matéria de facto por existência de vícios de decisão previstos no artº. 410º, nº. 2, al.s a) b) e c) do CPP, por C. Penal, por erro de julgamento, nos termos do art 412º nº 3 e 4 ,do CPP e impugnação de matéria de direito – artº. 412º, nº. 2, do CPP, arguindo-se, ainda a nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artº. 379º, nº. 1, al. c) do CPP.

Quanto à absolvição dos arguidos A. e B. da prática do crime de denúncia caluniosa:

4. Na sentença, resultam provados todos os elementos objectivos do crime do crime do crime de denúncia caluniosa e, ainda, do elemento subjectivo, o seu segmento cognitivo.

5. A sentença apenas não considerou provado o segmento volitivo do dolo – “a intenção de que de conseguir que contra” o(s) assistente(s) “se instaurasse procedimento” – (facto 49), dando não provado que “ambos os arguidos pretenderam que contra os assistentes fosse instaurado procedimento disciplinar e/ou criminal”, e, que “Os arguidos (…), sugeriram com clareza que aqueles assistentes estariam incursos na prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”.

6. Na sua fundamentação, escreve-se (Número 49 e 57B): - “Ausência de prova concludente a este respeito. De facto, não tendo sido feita prova que existia qualquer desentendimento entre os arguidos e os assistentes, não é crível, de todo, face às regras da experiência comum, que os arguidos visassem a intenção em apreço. Por outro lado, não existe prova segura que os arguidos tenham representado a instauração de um procedimento disciplinar ou criminal como consequência necessária dadas notícias em apreço, pois para assim concluir, necessário seria que em momento prévio, os arguidos tivessem representado que os assistentes por via da sua atuação tivessem praticado qualquer crime, nomeadamente de prevaricação e de denegação de justiça, o que não se afigura verosímil, dado aos arguidos não ser conhecidos especiais conhecimentos de direito, razão pela qual, também, não se dá como provada tal hipótese”.

7. Assim, a sentença, fazendo uso do princípio in dubio pro reo: a “ausência de prova concludente”, e não existência “de prova segura”, afasta o dolo directo e o dolo necessário, alicerçando esta sua decisão em dois pontos:

- Para afastar o dolo directo, entende que, “Ausência de prova concludente” por “não ter sido feita prova que existia qualquer desentendimento entre os arguidos e os assistentes”, não é crível que os arguidos “visassem a intenção em apreço”;

- Para afastar o dolo necessário, entende que “não existe prova segura que os arguidos tenham representado a instauração de um procedimento disciplinar ou criminal”. Tal representação deveria ocorrer “em momento prévio” e que tivessem representado que com a actuação imputada “os assistentes tivessem praticado qualquer crime (…) o que não se afigura verosímil, dado aos arguidos não ser conhecidos especiais conhecimentos de direito,

8. Ora, o Tribunal não dá como provado que as condutas/actuação imputada aos assistentes nas notícias e seus títulos, não era idónea … ou integradora da prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”. Apenas, dá como não provado que os arguidos tenham sugerido “com clareza” que os assistentes “estariam incursos na prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”.

Ou seja, a sugestão apenas não era clara! Sendo certo que para a verificação do tipo do artº. 365º do CP, basta “lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime”.

9. Por outro lado, se o teor das notícias era de molde a integrar o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187º e 183º, nº 2 do CP, como foi dado provado (facto 43-E) “As notícias supra referidas e o destaque daquelas edições, ofenderam a credibilidade, o prestigio e a confiança devidos ao Ministério Público junto do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa”, pelo qual o arguido A. foi condenado, então quais as consequências lógicas – directas ou necessárias - para os supostos autores das condutas/actuação referidas naquelas notícias?

Ao agirem do modo descrito nas notícias e seus títulos, os assistentes ou quem quer que fosse, não incorreriam em procedimento e não seriam sancionados por isso? Com certeza!

10. Porém, o que resulta das regras da experiência é precisamente o contrário daquilo que se conclui na sentença. É que nenhuma dúvida razoável se coloca de que “os arguidos tiveram a intenção de conseguir que contra os assistentes se instaurasse procedimento” e, muito menos se coloca qualquer dúvida que “os arguidos representaram” que, com a sua conduta, iria necessariamente ser instaurado procedimento contra os assistentes.

11. Para a imputação de uma conduta criminosa não era necessário afirmar nas notícias a prática de um determinado crime. Para tanto, basta afirmar os factos noticiados, integradores de crime, ainda que através do lançamento de suspeita – art. 365º do CP.

12. Para o cidadão médio ou mesmo sofrivelmente informado, destinatário dos artigos em apreço, que tomasse conhecimento do seu teor concluiria, necessária e inequivocamente, que os autores dos factos aí relatados, agindo do modo aí descrito, praticando aqueles factos, ou tendo aquele comportamento, seriam castigados. Não restariam dúvidas a qualquer um.,

13. Porque, ainda para mais tratando-se de magistrados responsáveis por um processo, no uso dos seus poderes-deveres e no exercício das suas funções, a procederem do modo descrito nos artigos, qualquer cidadão médio ou mesmo sofrivelmente informado, concluiria, necessariamente, que a conduta que lhes era imputada nos artigos, «não podia deixar de ser crime!».

14. Porque, os factos imputados aos assistentes, tinham sido praticados no meio judiciário, reportando-se a questões de grande repercussão social, como a violação e o abuso sexual de crianças e a impunidade dos pedófilos agressores, associados ao “processo da C” que, durante tão longo tempo esteve e ainda estava na ordem do dia da sociedade portuguesa com enorme repercussão.

15. Porque, tais notícias estavam a ser divulgadas quando ainda decorria o julgamento do “processo da C ”, encontrando-se já na sua fase final e quando era grande a expectativa da sociedade em geral e dos meios e órgãos de comunicação social em particular, sobre o seu desfecho.

16. Porque, prevaricar nestas circunstâncias necessariamente levaria ao sancionamento dos autores designadamente da ora assistente, que apesar das imposições da Lei – fazendo agora o contrário, deliberadamente e contra a Lei, conduziria necessariamente a um sancionamento da assistente.

17. Com efeito, resulta das regras da experiência, é que não cabe na ideia do cidadão médio ou mesmo sofrivelmente informado que as condutas imputadas aos assistentes, designadamente à recorrente, não seja crime, como efectivamente é. Pelo que também tal não podia ter deixado de ser do conhecimento dos arguidos.

18. Ao cidadão médio não são exigidos conhecimentos de direito nem é necessário que tenham ou lhe sejam conhecidos “especiais conhecimentos de direito” ou, sequer que saibam exactamente a definição do tipo de crime que está a ser imputado, para discernir sobre o que supra se refere. Deste modo, o grau de exigência não podia ser maior para os arguidos, como a sentença requer, tanto mais que nos artigos se descreverem, afirmativa e perentoriamente, factos que constituem a prática de crime.

19. Ambos os arguidos, são pessoas que por razão da sua formação académica, pela formação e informação que decorre das características e exercício da sua profissão e, pelo seu estatuto social, sendo o arguido B. director-adjunto de um dos jornais com maior publicação e o arguido A. um jornalista de temáticas judiciárias, estão muito acima da informação mediana dos factos e temas referidos e tratados nos artigos publicados (factos 29,40,41, e Número 48 da fundamentação).

20. Não se colocou ao Tribunal a quo a reflexão que necessariamente se coloca ao cidadão médio – o aferidor das regras da experiência comum – que aos assistentes, designadamente, ao recorrente “procurador do processo da C” seriam «pedidas contas» pelos factos imputados nos artigos publicados pelos arguidos?

21. Também nesta parte a sentença ignorou as regras da experiência comum incorrendo no vício de erro notório na apreciação da prova.

22. A conclusão de que, só se se tivesse feito prova de que “existia qualquer desentendimento entre os arguidos e os assistentes” é que poderia ser dado como provado que os arguidos “visassem a intenção em apreço”, de que contra aqueles se instaurasse procedimento disciplinar ou criminal, fazendo depender a prova deste facto – o desentendimento – é, completamente contra a lógica das coisas e as regras da experiência comum. Não é assim nas relações inter-sociais, não é assim na vida.

23. Pode haver uma denúncia com a intenção de que contra determinada pessoa seja instaurado procedimento por um sem número de motivações e interesses. Para além de outros que possam existir, quanto a motivações ou interesses os artigos são bastante explícitos.

24. Assim, a prova da intenção do agente não depende de prova da motivação mas há-de retirar-se da sua conduta e de todo o circunstancialismo que a envolveu.

Pelo que, neste ponto, a sentença confunde a intenção de denunciar com motivação da denúncia.

25. Por outro lado, a mediana capacidade de leitura dos textos das notícias e seus títulos, leva à conclusão directa, necessária e segura – com toda a clareza – que os factos imputados integram crime e/ou são sancionados. Concluir de outro modo é reduzir à indigência a capacidade de compreensão daqueles textos pelos seus destinatários: o público em geral maxime o cidadão médio.

26. Também as razões que a sentença encontra para afastar a possibilidade de que os arguidos tivessem representado como consequência necessária dos artigos publicados a instauração de procedimento contra os assistentes, diminuindo-os intelectualmente, menorizando a sua capacidade de discernir o impacto e as consequências das imputações que fazem aos assistentes e é contraditório com o que, em relação aos arguidos se dá como provado - factos 29,40,41, e na referência do Número 48 da fundamentação.

27. A sentença não valorou prova que consta dos autos e designadamente das declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento onde foi referido pelos assistentes, e pelas testemunhas, que após a prolação das notícias, foram solicitados aos assistentes pela hierarquia do Ministério Público, esclarecimentos tendentes à averiguação preliminar das condutas que lhes eram imputadas.

28. Tais factos constam amplamente explanados pelas testemunhas, conforme as declarações:

Do assistente JG - 20130920935_161922_64576.wma, ao minuto 17m40s.

Da assistente AP - 20130930103544_161922_64576.wma, ao minuto 21m10s,

Da Testemunha MM,
20131015102011_161922_64576.wma, ao minuto 06m07s,

Da Testemunha AC, 20131015104327_161922_64576.wma, ao minuto 08m39s,

Da Testemunha CJ, 20131015105632_161922_64576.wma, ao minuto 04m353s.

Deste modo, nos termos do artº. 412º, nºs. 3 e 4, do CPP, impugnam-se os factos não provados 49 e 57-B, e respectivos segmentos da fundamentação da sentença, devendo os factos 49 e 57-B passar a serem dados como provados.

29. Deste modo, não poderia a sentença ter deixado de concluir que arguidos bem sabiam ou necessariamente representaram que tais conteúdos constituíam faltas disciplinares e consequentemente, contra os assistentes seria instaurado procedimento.

30. Deste modo as razões apresentadas na sentença não são razoáveis e contrariam flagrantemente as regras da experiência, incorrendo ainda a sentença do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, n° 2, alínea c), do CPP.

31. Por esta via, ainda nos termos do artº. 379º nº 1 al. c), verifica-se que o tribunal deixou de se pronunciar sobre uma questão que deveria apreciar, o facto 49, o que consubstancia uma nulidade da sentença.

Quanto à absolvição do arguido B. da prática do crime de difamação agravada e do Pedido de Indemnização Civel:

Uma primeira questão:

32. O arguido B. foi pronunciado, na qualidade de cúmplice, pela prática de três crimes de difamação agravada, nos termos dos artº.s. 180º, 183º nº. 1 als a) e b), nº. 2, 184º e 132º nº. 2 al. i), todos do CP e artº. 31º, nº. 3, da Lei de Imprensa – L. 2/99 de 13.1.

33. Na sentença recorrida foi dado como provado, de entre o mais que:

“Nos dias 17 e 18.07.2009, os arguidos A. e B. exerciam, respectivamente, as funções de jornalista e director substituto do jornal diário “X”, (facto 29);

- O arguido B., no desempenho de tais funções, “tomou prévio conhecimento do conteúdo das notícias [publicadas no jornal] através do arguido A. e nada fez para impedir que as mesmas fossem publicadas” (facto 31);

- No dia 17.07.2009 foi publicado com destaque na primeira página da edição do X” o seguinte título: “Pais Vendem Filhos a Pedófilo” e na página 8 o título “Pedófilo vendia filmes que fazia com as vítimas” (factos 1 e 6).

34. Que no dia 18.07.2009 foi publicado com destaque na primeira página da edição do jornal “X” o seguinte título: “Procurador … liberta pedófilo apanhado em flagrante”, fazendo-se referência à página 8, constando desta página como título “Magistradas vêm pedófilo em acção”, e subtitulo“ “Adjuntas do procurador JG soltaram predador sexual que tinham acabado de apanhar, de cuecas, com um menino de 12 anos na sua cama.” E ”Guardava imagens de actos sexuais com algumas da oito vítimas”, (factos 7, 8 e 9);

- “O título da edição do dia 17.07.2009 foi negociado entre o arguido B.e o editor [do jornal] ; e o título do dia 18.07.2009 é da autoria do arguido B. (Números 28 e 31 da fundamentação);

- Que de acordo: “ Regras da experiência comum, não sendo plausível colocar outra hipótese, é certo que os factos imputados aos assistentes são notoriamente depreciativos para os mesmos”.

35. Porém, a sentença dá como não provado que “O arguido B. agiu sempre livre e conscientemente determinado sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”, (facto 50), e que este “não tinha qualquer fundamento para reputar como verdadeira a situação de flagrante delito”, (facto 57-A), fundamentando que: “Face ao que supra se provou e não provou a ausência de prova concludente a esse respeito (…) o facto deste arguido ter tido conhecimento prévio das notícias não conduz necessariamente à conclusão que o arguido soubesse que a sua actuação era proibida por lei, pois para tanto era preciso que se provasse, o que não aconteceu, que o mesmo sabia que não existia uma situação de flagrante delito”. ”, (Números 50 e 57-A da fundamentação).

Primeira Questão:

36. No entanto, a sentença dá como provado: que “O arguido A. sabia que os artigos por si escritos iriam ser publicados, alcançando, desse modo, maior dimensão e impacto” (facto 26). E, para considerar este facto provado escreve-se que o Tribunal se baseou nas “declarações do arguido, por o mesmo ter admitido como verdadeira essa factualidade” (Número 26 da fundamentação).

37. Perante isto, não se faz na sentença, a reflexão consequente e necessária a tal prova, interrogando-se como é que o arguido A. sabia que “os artigos por si escritos iriam” ter a anuência do director em exercício, o arguido B., e “ser publicados”?

38. A conclusão consequente e necessária destes factos era a de que os conteúdos dos artigos que o arguido A. iria escrever eram do conhecimento do arguido B. que garantiu àquele arguido que “os artigos por si escritos iriam ser publicados”. Conclusão esta em consonância com o facto vertido no Número 31 da fundamentação da matéria de facto provada, onde se escreve: “Tendo o arguido B. admitido (…) que teve conhecimento em termos gerais, através do arguido A. , das notícias em apreço, não é possível concluir de outros moldes”, o qual, arguido A., sabia que não havia qualquer situação de flagrante delito (cfr. todo o texto da fundamentação).

39. Ou seja quando negoceia os títulos e faz os títulos, o arguido B. sabia da história que as notícias contavam, através do arguido A.. Para o Tribunal, a nosso ver, erradamente, só não sabia a parte mais importante das notícias, que não havia nenhuma situação de flagrante delito.

Uma segunda questão a apreciar:

40. Na sentença (facto 28) da matéria probatória, escreve-se: “Os títulos constantes das notícias dos dias 17 e 18.07.2009 não são da autoria do arguido A.”. Na fundamentação (Números 28 e 31), para considerar este facto provado escreve-se que o tribunal se baseou nas “declarações do arguido B., o qual referiu que o título da edição do dia 17.07.2009 foi negociado com o editor e o do dia seguinte é da sua autoria”

41. Ora, os títulos do dia seguinte, de 18.07.2009, transcritos nos factos 7, 8 e 9 dos factos provados – “Procurador … liberta pedófilo apanhado em flagrante” e “Magistradas vêm pedófilo em acção” e subtitulo“ “Adjuntas do procurador JG soltaram predador sexual que tinham acabado de apanhar, de cuecas, com um menino de 12 anos na sua cama” são da plena autoria do arguido B., que os escreveu mesmo depois de, no dia anterior, o arguido A. ter contactado a PSP e ter sido expressamente informado que “não se tinha verificado qualquer situação flagrante delito”, (facto nº 23).

42. Devia assim ter-se interrogado o Tribunal se, depois do impacto do artigo do dia 17, e para fazer o título do dia 18, o arguido B. não falou sobre o tema com o arguido A.? Se este não lhe disse que as imputações que fazia nos artigos aos assistentes eram falsas? Se o arguido A. mesmo com o comunicado da PSP e a informação expressa do agente que tinha participado nas buscas andou a mentir-lhe?

43. Deste modo, para afastar o dolo do arguido B., a sentença teria que concluir que este, foi intencionalmente enganado pelo arguido A..

44. A sentença não podia deixar de considerar que atentas as regras da experiencia comum, depois do impacto que a noticia teve no dia 17, para fazer o título do dia 18, o arguido B. não tivesse conversado sobre o assunto com o arguido A., e este não lhe referisse os conhecimentos que tinha dos factos e que as imputações que fizera nos artigos aos assistentes não correspondiam à realidade, pois não é concebível, admitir-se de que aquele não tivesse comentado tais factos com o arguido B..

45. A sentença devia, também, concluir, como resulta das regras da experiência comum, que qualquer pessoa, sofrivelmente sensata, perante tamanha gravidade das imputações, à cautela, não escreveria tais títulos.

46. Porém, ao se entender que o arguido B., não tinha tal conhecimento e estivesse induzido em engano pelo arguido A., a sentença teria que ter dado esse facto como provado, o que não aconteceu.

47. Tal facto, era até por si susceptível de manifestar uma agravação da culpa do arguido A. e geradora de um dolo acentuado.

48. Deste modo, a conclusão factual necessária a extrair, da prova produzida em concordância com as regras da experiencia comum, era a de que o Arguido B. sabia exatamente que as imputações que se faziam aos assistentes nos artigos e nos títulos que ele próprio negociou e elaborou eram falsas! Aliás em coerência com a fundamentação (Número 31): “o arguido B. teve conhecimento em termos gerais, através do arguido A., das notícias em apreço”. (Sublinhados nossos), pelo que o facto não provado 57-A, deveria ter sido dado como facto provado.

Uma terceira questão a apreciar:

49. Na sentença escreve-se, no facto provado 43-A “A alusão nas notícias supra transcritas de que existia uma situação de flagrante delito não correspondia à verdade”; no facto provado 43-B “A alusão nas notícias supra transcritas de que o assistente poderia ter detido o suspeito não correspondia à verdade”; no Número 43-D da fundamentação: “O assistente negou ter estado no local, o que foi corroborado pelas declarações de ambas as assistentes, logo jamais poderia ter detido o suspeito”.

50. Ainda no ponto 2.2.1.2 da sentença – Fundamentação de Direito; Crime de difamação agravada, escreve-se que: “a inexistência de flagrante delito veio a ser reconhecida pelo próprio arguido A.. (…)

Sendo falso que existisse uma situação de flagrante delito, afigura-se inquestionável que os elementos objectivos do tipo se encontram preenchidos, porquanto a situação imputada a todos os assistentes, no contexto que consta dos demais factos provados, visando magistrados do Ministério Público, são objectivamente mais que adequados e idóneos a lesar a consideração a que os mesmos têm direito, tanto mais que, a descrição da actuação é efectuada em termos de ter sido uma opção daqueles magistrados de não terem procedido à detenção do suspeito do crime investigado”. (Sublinhado nosso).

51. No facto provado 30, escreve-se: “O arguido A. agiu sempre livre e conscientemente determinado, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”

52. Considerando o teor dos artigos ofensivo da honra e consideração dos assistentes, a sentença fundamenta-se nas: “Regras da experiência comum, dado que, de todo, não é plausível colocar outra hipótese, quando é certo que os factos imputados aos assistentes são notoriamente depreciativos dos mesmos”. E, ainda, “O tribunal considerou, tal-qualmente, as declarações dos assistentes” e das testemunhas arroladas. (Número 25 da fundamentação).

53. E, no facto provado, 31, escreve-se, que: “O arguido B., no desempenho das funções [de director substituto], tomou prévio conhecimento do conteúdo das notícias e nada fez para impedir que as mesmas fossem publicadas”. (Sublinhados nossos), Como é que o arguido B. pode não ter sabido ou cuidado de se certificar que tais imputações eram falsas?

54. Assim, a sentença desconsidera intelectualmente arguido B., porquanto, todos, arguido A., assistentes, testemunhas e o próprio Tribunal consideraram “os factos imputados aos assistentes notoriamente depreciativos” e “objectivamente mais que adequados e idóneos a lesar a consideração a que os mesmos têm direito”, excepto o arguido B..

55. Deste modo, a sentença devia ter aplicado a mesma regra ao arguido B. e retirar as mesmas consequências e conclusão para o arguido B. que se retiraram para o arguido A..

uma Quarta questão a apreciar:

56. Tendo sido dado como provado no ponto 31, que o arguido B.“tomou prévio conhecimento do conteúdo das notícias e nada fez para impedir que as mesmas fossem publicadas”, a sentença porém, não retira a conclusão necessária ao apuramento dos factos, de forma a saber Porque é que este nada fez?! Assim, também quanto a esta questão a sentença não retira a conclusão necessária ao apuramento dos factos:

57. A responsabilidade do arguido B. manifesta-se em duas vertentes, e que, aliás constam dos factos provados:

- Por um lado toma conhecimento prévio e nada faz para impedir a publicação das notícias “notoriamente depreciativas dos assistentes”.

-Por outro lado, ele é o autor dos títulos das notícias, tendo até que ter negociado com o editor para conseguir que elas fossem assim publicadas, Entre esses títulos “Procurador … liberta pedófilo apanhado em flagrante” e “Magistradas vêm pedófilo em acção”. Um “Pedófilo vendia filmes que fazia com as vítimas” e a quem os “Pais Vendem Filhos a Pedófilo”.

58. Assim, não podia na sentença concluir-se que o arguido B., por um lado não sabia que o teor das notícias não era verdadeiro e que, por outo lado, não sabendo que o teor das notícias não era verdadeiro, não soubesse que a sua conduta era punida por lei.

59. A única conclusão possível é a de que também o arguido B. quis a publicação daquelas notícias, com aqueles conteúdos e com os títulos que ele próprio elaborou, sabendo que as mesmas não eram verdadeiras.

60. E sabendo que as mesmas não eram verdadeiras., agiu também motivado porque sabia que os artigos assim escritos iriam ter, “maior dimensão e impacto”, como referiu o arguido A. – facto 26.

Uma Quinta questão a apreciar:

61. O artº. 20º nº 1 , al. a) , da Lei de Imprensa estabelece quanto às funções do Director, que lhe compete: “Orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação”.

62. O nº. 2, al. b), do artº. 180º do CPP, refere que, para que a conduta do arguido B. não fosse punível, era ele que teria que “provar a verdade da mesma imputação ou fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira”, ou seja era sobre o arguido B. que recaía o ónus da prova.

63. Não o tendo feito, e dispondo a Lei de Imprensa – artº. 31º, nº. 3, que “O director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais (…)”, impunha-se a condenação daquele.

64. Também por esta razão, não tendo sido provado na sentença que o arguido B.se opôs, através de qualquer acção, à publicação dos artigos em causa, teria necessariamente, que retirar-se conclusão diversa daquela que se tirou quanto este arguido.

Uma Sexta questão a apreciar:

65. No Número 50 da fundamentação, escreve-se que “Face ao que supra se provou, e não provou, ausência de prova concludente a este respeito, sendo certo que, o facto deste arguido ter tido conhecimento prévio das notícias não conduz necessariamente à conclusão que o arguido soubesse que a sua actuação era proibida por lei, pois para tanto era preciso que se provasse, o que não aconteceu, que o mesmo sabia que não existia uma situação de flagrante delito”.

66. Porém, é dado como não provado (facto 57) “que o arguido A. apenas depois de publicadas as notícias dos dias 17 e 18.07.2009, foi informado que, do ponto de vista jurídico, a situação detectada aquando da busca poderia não consubstanciar o conceito de flagrante delito”, porquanto, “se fez prova dissimelhante”. Relativamente à noticia do dia 18.07.2009, conforme resulta do facto provado 23 e, relativamente à notícia de 17.07.2009, por ausência de prova credível a esse respeito e “se fez prova dissimelhante do que foi afirmado” pelo arguido A. de que “apenas após a publicação foi alertado que não se verificava uma situação de flagrante delito”.

67. Ou seja, o arguido A. já sabia no dia 17.07.2009, antes de publicadas as notícias, que “a situação detectada aquando da busca não consubstanciava o conceito de flagrante delito” e nesse dia, também, fora expressamente informado que não tinha havido qualquer situação de flagrante delito. E, ainda mais, tal resultava do comunicado emitido pela PSP do qual tomou conhecimento.

68. Não é coerente com as regras da experiencia comum que o arguido B. não tivesse ele também, conhecimento desses factos, e não cuidasse de os conhecer, como tal se lhe impunha e a que estava obrigado. Tal resulta, não só, perante a enormidade e gravidade dos factos que eram imputados aos assistentes, e consubstanciados nas notícias e nos títulos que por ele foram elaborados

69. Assim, também nesta parte, a dúvida que a sentença coloca, não é uma dúvida razoável, não decorre das regras da experiência e, ao coloca-la, decide contra o direito, em contradição com com o Número 31 da fundamentação: “Tendo o arguido B. admitido (…) que teve conhecimento em termos gerais, através do arguido A., das notícias em apreço, não é possível concluir de outros moldes”. (Sublinhados nossos).

70. A sentença incorreu, assim, nos vícios de Contradição entre a fundamentação e a decisão e ainda de erro notório na apreciação da prova;

71. A sentença recorrida incorreu ainda em flagrante erro de direito, por errada interpretação do disposto nos arts. 19º a 21º, 29º e 31º, nº 3 da Lei de Imprensa (Lei 2/99), e arts 180º, 183º, nº. 1 als a) e b), nº. 2, 184º e 132º nº. 2 al. l), do CP. e nos vícios de contradição entre a fundamentação e a decisão e ainda de erro notório na apreciação da prova, vícios previstos respectivamente nas alíneas b) e c) do nº2 do art. 410º do CPP, os quais deverão ser supridos pelo tribunal de recurso, nos termos do art 426º nº1 do CPP, a contrario.

72. A sentença incorreu em erro de direito ao fundamentar e concluir, a fls. 22 e 28, nos seguintes termos :“Para que o arguido B. pudesse ser condenado pela prática deste crime [de difamação agravada] necessário seria que se tivesse dado como provado que o mesmo tinha conhecimento de que aquando da busca em causa não existia uma situação de flagrante delito, o que não resultou provado, pelo que, quanto a este arguido, é cristalina a conclusão que o mesmo tem que ser absolvido da prática dos três crimes de difamação de que se encontra acusado” [e pronunciado, acrescentamos nós].

73. Ao invés, aquela sentença devia ter concluído, por directa imposição dos arts 19º a 21º, 29º e 31º, da Lei de Imprensa, que a orientação e a determinação do conteúdo da publicação compete ao director, ou a quem legalmente o substitua – no caso o arguido B. – ficando este constituído em primeiro e último lugar responsável pelos artigos inseridos no jornal “X”.

74. A imputação ao arguido B. da publicação dos artigos em causa, que resulta da própria titularidade e exercício da sua função de substituto do director e dos inerentes deveres de conhecimento, integra, uma presunção legal, que dispensa o interessado da prova do facto (o conhecimento, a aceitação e a imputação da publicação) a que a presunção conduz.

75. A tal acresce a responsabilidade do arguido B.na autoria dos títulos das edições daquele jornal, nas edições dos dias 17 e 18.07.2009, “no desenvolvimento dos quais o arguido A. escreveu os artigos por si assinados”, conforme, aliás, a sentença deu como provado nos factos 4 e 10.

76. Sendo que, relativamente ao arguido A., autor dos “Artigos”, pelos fundamentos constantes de fls. 28 a 31 da sentença, ali foi considerado que “não se verificando qualquer causa de escusa de exclusão da ilicitude ou da culpa, a conduta do arguido A. integra a prática de três crimes do ilícito penal ora apreciado “[crime de difamação agravada]

77. E recordemos que, relativamente ao arguido A., autor dos “Artigos, Sub-títulos e Pormenores”, pelos fundamentos constantes de fls. 28 a 31 da sentença, se considerou que “não se verificando qualquer causa de escusa de exclusão da ilicitude ou da culpa, a conduta do arguido A. integra a prática de três crimes do ilícito penal ora apreciado “[crime de difamação agravada]. Igual imputação que se impunha ter sido aplicada ao arguido B..

78. A sentença recorrida não faz qualquer menção a que o arguido B., ao actuar na qualidade de director substituto, tenha sequer alegado qualquer facto que, se provado, permitisse ilidir a base da presunção legal da sua responsabilidade estabelecida no artº. 31º, nº. 3 e no artº. 29º nº. 2 da Lei de Imprensa (Lei 2/99).

79. Nos termos do disposto nos citados arts. 19º a 21º, 29 e 31º da Lei da Imprensa, impunha-se que a sentença tivesse decidido que impendia sobre o director ou quem legalmente o substituía o especial dever de obstar à publicação de escritos ou imagens que possam constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, ou de responsabilidade criminal.

80. Ao decidir de forma diversa, a sentença incorreu em evidente erro de direito.

81. E, ainda, nos termos do disposto no artº. 180º nº. 1, nº. 2, al. b) e nº. 4 do CP, impunha-se que a sentença tivesse concluído que, cumprindo ao arguido B. fazer prova de sua actuação de boa-fé, a este cabendo o ónus de provar “que tinha cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação”, o arguido B. não fez tal prova.

Da absolvição do demandado cível “B.do pedido de indemnização civil;

82. Do fundamento da absolvição do arguido B. quanto ao Pedido Cível, resulta que (fls. 41 da sentença): “Conforme referido a propósito da apreciação aos crimes ora em apreço, não se provou qualquer acção ilícita praticada por parte deste arguido, donde resulta evidente que os pedidos em causa terão forçosamente que improceder totalmente quanto ao mesmo”.

83. Não resulta absolutamente claro da fundamentação apresentada pelo tribunal “a quo” qual a interpretação das normas aplicáveis ao arguido, atenta a lei 2/99 de 13/01, contudo ela aponta no sentido de que o tribunal considera, quanto aos crimes que “para que o mesmo pudesse ser condenado pela prática deste crime, necessário seria que se tivesse dado como provado que o mesmo tinha conhecimento de que aquando da busca em causa não existia uma situação de flagrante delito, o que não resultou provado”.

84. Porém, ainda que se mantem em apreciação a matéria tendente à responsabilidade civil, e determina o artigo 20º, nº1, alínea a) da Lei nº2/99 de 13/01 que ao director compete orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação, e de acordo com o nº1 do art. 21º da mesma lei o director pode ser coadjuvado por um ou mais directores-adjuntos ou subdirectores, que o substituem nas suas ausências ou impedimentos.

85. Tem sido entendimento pacifico dos tribunais superiores que “podendo haver em determinadas condições, substituto legal do director, director adjunto e subdirector- aos quais é aplicável com as necessárias adaptações o mesmo regime do director, determinando o art. 29º, nº2 daquela lei que “no caso de escrito ou imagem inseridos em publicação periódica com conhecimento ou sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado”.

86. Da conjugação dos artigos supra referidos da Lei 2/99 de 13.01, e do artº 29º da mesma lei, resulta uma presunção legal de culpa do director do jornal relativamente aos artigos aí publicados pelos jornalistas, pelo que bastava apenas alegar a publicação do escrito e a qualidade de director do demandado, e resulta ainda que impende sobre o director ou sobre quem legalmente o substitua o dever de obstar à publicação de escritos ou imagens que possam constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil.

87. A imputação ao director da publicação do escrito resulta pois da titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento e funciona na base de uma presunção legal que dispensa o interessado da prova do facto (do conhecimento e aceitação da publicação), cabendo pois ao director a elisão da presunção, alegando e provando que o escrito foi publicado sem o seu conhecimento ou com oposição sua ou do seu substituto legal.

88. Forçoso é concluir que a responsabilidade civil do director e dos directores adjuntos se pode efectivar de duas formas: a primeira quando o director tem conhecimento da notícia e não impede a sua publicação, a segunda ocorre quando, ainda que não tenha tido conhecimento, o director tendo o dever de o conhecer e de impedir a sua publicação, em virtude do não cumprimento desses deveres, permitiu a publicação da notícia originadora da responsabilidade civil.

89. No caso vertente, o arguido embora tenha admitido a elaboração dos títulos e subtítulos, e discussão destes com o co-arguido A. apenas alegou o desconhecimento, que obviamente, lhes incumbia provar, o que não conseguiu.

90. Devia assim, o arguido B. ter provado o desconhecimento da publicação, o que obviamente não lhe era possível porquanto o mesmo havia até elaborados os títulos, pelo que não o tendo feito, o arguido teria assim sempre que ser condenado pela segunda forma de efectivação de responsabilidade, decorrente do incumprimento dos deveres funcionais subjacentes ao cargo que desempenha.

91. Sendo um dever dos directores o de conhecer antecipadamente as noticias que são publicadas, a violação desse dever, é por si só apta a originar a responsabilidade dos réus pela publicação de notícias lesivas do bom nome, não sendo, neste caso, necessário, alegar mais do que a publicação do escrito e a qualidade de director, e tal matéria considera-se provada;

92. Será esta a correcta interpretação das normas contidas nos arts 20º e 21º da Lei da Imprensa, porquanto, não será justo vir o arguido invocar o desconhecimento da falsidade da noticia, que é uma violação de um dever funcional, esquivando-se à sua responsabilidade, e vendo assim premiado o incumprimento de um dever que lhe incumbe enquanto director (substituto) do jornal e que salvo melhor opinião, se insere no núcleo duro da definição das suas funções.

93. É que é ao director que cabe precisamente escrutinar a credibilidade das notícias que o jornal que dirige publica e salvaguardar a imagem do mesmo, pois de outra forma descartariam sempre a sua responsabilidade bastando para tanto que assumissem o desconhecimento das notícias geradoras de responsabilidade, remetendo-se ao papel de directores formais que nada sabem e tudo desconhecem do que é publicado nos seus jornais.

94. Resultando evidente das motivações atrás expendidas – como parece lapidar ao recorrente – que a sentença recorrida deveria ter condenado o arguido B. pela prática dos crimes de difamação agravada e de denúncia caluniosa, não poderá deixar de se entender que, por um lado, se encontram preenchidos, quanto ao mesmo arguido, os pressupostos da responsabilidade civil “facto voluntário”, “ilícito” e “imputação do facto ao agente”, e, quanto aos restantes pressupostos dúvidas não restarão, sendo, aliás - e para usar uma expressão do próprio Tribunal a quo -, “cristalinamente evidente” que também os mesmos se encontram preenchidos, designadamente a “existência de dano” e o “nexo de causalidade entre o facto e o dano” (cfr. factos provados 25, 32 a 36, 39).

95. A ser assim, como se crê que ser, é manifesto o erro notório quanto à apreciação da prova de que padece a sentença recorrida ao absolver o arguido B. do pedido de indemnização civil que contra si foi deduzido pelo Assistente, ora Recorrente, porquanto, encontrando-se preenchidos todos os pressupostos necessários para o efeito, deveria a Sentença Recorrida, contrariamente ao que sucedeu, ter julgado procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido contra este arguido.

96. Termos em que aplicando o entendimento acima explanado das normas contidas nos arts 20º, nº1, alínea a) e 21º, nº1, 29, nº 2 da lei nº 2/99, deve o arguido B. ser condenados com os demais arguidos, no pagamento à Assistente da indemnização peticionada.

97. Atento o disposto nos arts 19º a 21º, 29 e 31º, nº. 3, da Lei de Imprensa (Lei 2/99) e o disposto no artº. 180º nº. 1, nº. 2 e nº. 4 e 235º nº 1 e 2 do CP, forçoso se torna concluir que a sentença incorreu em erro de direito na apreciação das normas legais referidas ao proferir decisão de absolvição do arguido B., na qualidade de director substituto do jornal “X”, da prática dos crimes de difamação agravada, tal como também incorreu em erro de direito ao proferir decisão de absolvição da prática dos crimes de Difamação denúncia caluniosa, e do pedido de indemnização civil contra este, formulado.

98. No que concerne à impugnação de matéria de facto, resulta do próprio texto da sentença, de per si ou em conjugação com as regras da experiência, a existência de vícios da decisão a que se reporta o nº 2 do artº. 410º do CPP.

99. Na verdade, quando na sentença recorrida se dá como provado que:- o arguido B., na qualidade de director substituto “tomou prévio conhecimento do conteúdo das notícias e nada fez para impedir que as mesmas fossem publicadas” ( facto 31); -que “o título da edição do dia 17.0.2009 foi negociado entre o arguido B. e o editor e o título do dia 18.07.2009” é da autoria do arguido B., e ao proferir decisão de condenação do jornalista arguido A. pela prática dos crimes de difamação agravada, com o fundamento de “não se verificar qualquer causa de escusa de exclusão da ilicitude ou da culpa deste arguido”, e ainda decisão de condenação no pedido de indemnização civil. E por sua vez, vindo a proferir decisão de absolvição relativamente ao arguido B., o qual actuou na qualidade de director substituto do jornal “X”, dos crimes de difamação agravada e do pedido de indemnização civil. Não poderá deixar de concluir-se ter a sentença incorrido no vício de contradição entre a fundamentação e a decisão e no vício de erro notório na apreciação da prova, por flagrante violação das regras da experiência comum, nos termos do artº 410º nº 2 al. b) e c).

100. Concluindo-se, que o demandado B., tinha ainda presuntivo conhecimento e violando os seus deveres não se opôs à publicação das notícias, a correcta interpretação e aplicação da norma contida no nº2 do art. 29º da Lei da Imprensa determina logicamente a condenação daquele no pagamento à autora da indemnização peticionada.

Da absolvição da demandada cível “P…,, S.A.”;

101. No Ponto 2.2.7.1 da sentença condenatória, veio a demandada “P…, S.A.”, a ser absolvida do pedido cível contra si deduzido, porquanto, “os assistentes apesar de alegarem, não provaram que o Jornal X é propriedade da demandada civil.”

102. Porém, entende-se que foi produzida no processo prova de que o X é propriedade daquela sociedade.

103. A responsabilidade criminal pela elaboração e publicação da notícia no jornal “CM” foi imputada ao arguido A. jornalista, o qual trabalha para o referido jornal, perante tal factualidade é inquestionável que a “P…,, S.A.”, também ela, deve ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização considerada devida.

104. Dispõe o artº 29º, nº 1, da Lei nº 2/99, de 13/01 (Lei de Imprensa), sob a epígrafe ”responsabilidade civil”, que «na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais», e no nº 2 determina-se que «no cas496° e 494° ambos do Código Civil o de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem a 496° e 494° ambos do Código Civil oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado».

105. A assistente/demandante deduziu o pedido cível contra a P…, S.A.”, ofereceu a prova que consta da acusação e por conseguinte a prova dos autos.

106. Nos autos constam como prova 4 apensos, que constituem apensos I, II, III, IV, os quais contêm elementos probatórios de que a "P…., SA" é proprietária do X.

107. Cada um desses apensos corresponde a uma edição completa do X.

No apenso I – consta uma edição do X, datada de 17/07/2009, na qual na página 15 daquela edição consta que a P...,SA.”, é proprietária do X.

No apenso II, consta uma edição do X, datada de 18/07/2009, na qual na página 14 daquela edição consta que a P...,SA.”, é proprietária do X.

No Apenso III, consta uma edição do X, datada de 19/07/2009, na qual na página 18 daquela edição consta que a P...,SA.”, é proprietária do X.

No apenso IV, consta uma edição do X, datada de 21/07/2009, na qual na página 15 daquela edição consta que a “P...,SA.”, é proprietária do X.

108. O artº 15 da Lei da Lei nº 2/99, de 13/0, (Lei de Imprensa), impõe que:

“….2 - As publicações periódicas devem conter ainda, em página predominantemente preenchida com materiais informativos, o número de registo do título, o nome, a firma ou denominação social do proprietário, o número de registo de pessoa colectiva, os nomes dos membros do conselho de administração ou de cargos similares e dos detentores com mais de 10% do capital da empresa, o domicílio ou a sede do editor, impressor e da redacção, bem como a tiragem. “

109. Ao absolver a demandada “P…” do pedido Cível, o tribunal "a quo", ignorou a obrigação de publicação daqueles dados e como tal do que consta de tal preceito legal.

110. Por sua vez, ao exigir, qua a assistente fizesse de novo prova já feita no processo, tal constituiria a prática de um acto inútil.

111. A sentença, deve tomar em consideração os factos que considere provados – nomeadamente por documentos - desde que se considere que se trata de factos alegados pelas partes.

112. O facto conducente à prova da propriedade do X foi alegado pelos assistentes, porém, não foi considerado como provado, não obstante existir nos autos prova documental desse facto, nos apensos acima enunciados.

113. Doutro passo, a demandada Cível “P...,SA.”, foi notificada como proprietária do X, do peticionado pedido cível, e assumindo essa qualidade veio apresentar contestação ao Pedido de Indemnização Cível, não tendo suscitado a sua ilegitimidade, assumindo nos autos a qualidade de demandada Cível, como proprietária do Jornal “X”.

114. Não tem pois qualquer cabimento nem sustentação legal a decisão de absolver da instância a demandada P...,SA., por falta de prova da propriedade do X.

115. Não foi indicada como matéria de facto provada como se impunha, que a Sociedade “P...,SA.”, é proprietária do X (nº 56 dos factos não provados), tal está em manifesta contradição com o constante dos apensos I, II, III e IV, dos autos, pelo que ao assim decidir a decisão sob recurso violou o artigos 71.° a 73 do C.P. Penal, pelo que tal constitui ainda um erro notório na apreciação da prova a que alude o artº 410º nº 2 al. c) do CPP.

116. Deve assim, a decisão recorrida ser nesta parte revogada e decidir-se que esta decisão interpretou e aplicou erradamente o disposto nos arts 20º, nº1, alínea a), 21º, nº1 e 29º, nº 2 da Lei nº 2/99 e que a interpretação correcta destes artigos impunha que se considerasse ilícita, culposa e causalmente determinante de danos indemnizáveis a conduta dos demandados Cíveis, B. e P, e aqueles condenados com o arguido A. no pagamento da indemnização peticionada.”.

D) Do montante indemnizatório arbitrado.

117. A assistente/demandante veio nos autos deduzir contra os demandos cíveis, pedido de indemnização civil no montante de € 25.000,00, a pagar solidariamente pelos demandados.

118. Da matéria dada como provada resultou que a assistente/demandante AP se sentiu: “ofendida na sua honra consideração pessoal e profissional” e ainda “humilhada, frustrada, angustiada, triste e injustiçada”

119.Foi o arguido A., condenado ao pagamento de uma indemnização civil à demandada no montante de € 5.000,00 euros, sem que contudo da douta sentença recorrida, resulte qualquer fundamentação para a redução drástica da indemnização arbitrada, isto considerando todos os danos que ficaram demonstrados e provados e como tal resultam da douta sentença.

120. O bem-estar moral é bem fundamental para o adequado desempenho da actividade profissional de um Magistrado do Ministério Público, na prossecução do interesse público e na defesa da justiça, bem maior de um povo, não é assim admissível, a atribuição de tão reduzido valor, a tão elevado desvalor da acção do arguido quanto à assistente/demandante.

121. Tanto mais, se tivermos em conta o elevado benefício auferido pela demandada P, S.A. com o aumento da tiragem que tais notícias provocaram, à custa das lesões à honra e dignidade pessoal e profissional da assistente/demandante.

122. As notícias em causa nos autos, bem como as demais que, na comunicação social, nela se fundaram, foram lidas/ouvidas por muitos milhares de pessoas, e passaram para a opinião pública uma imagem de incompetência, irresponsabilidade, da assistente demandante, que se viu, então, forçada até perante a sua hierarquia a dar “explicações” sobre a falsidade da notícia em causa.

123.Todavia, muitas pessoas, desconhecendo os factos e bem assim não conhecendo a assistente atento o teor das notícias ficaram convencidos da veracidade das noticias.

124. Estes factos provocaram à assistente / demandante profunda indignação, humilhação, frustração, angustia, tristeza e injustiça, pois, que pese embora a imagem de rigor e competência de que a assistente. goza essa imagem foi abalada na sequência da notícia proferidas.

125. Dispõe o número 1 do artigo 496° do Código Civil que, "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".

126. A douta sentença do tribunal “a quo” apesar de ter entendido que, os factos, mereciam, pela sua gravidade, tutela do direito, veio a arbitrar uma indemnização, sem ter presente os critérios previstos nos artigos 494° e 496° ambos do Código Civil, Entende-se assim, a demandante que a decisão não foi equitativa e por esse motivo violou expressamente o disposto no número 3 do artigo 496° do Código Civil.

127. Considera ainda a recorrente que o Tribunal “a quo” ao aplicar mal os artigos 496° e 494° ambos do Código Civil, não teve presente os critérios estabelecidos pela Jurisprudência para a atribuição de indemnizações por danos não patrimoniais.

128. Do mesmo modo, na sua decisão o tribunal “a quo” não teve presente os critérios e valores adoptados pelos Tribunais superiores, violando assim o disposto no número 3 do artigo 8° do Código Civil.

129. A decisão proferida constitui ainda uma violação do direito, artº 71º e 73º C.P.P., dos artºs 496° e 494° ambos do Código Civil e arts 19º a 21º, 29 e 31º, nº. 3, da Lei de Imprensa (Lei 2/99)e ainda uma profunda injustiça para com a assistente/demandante.

130. Razão pela qual deve a douta decisão proferida pelo tribunal “a quo” ser substituída, por outra que condene todos os demandados e no valor peticionado pela demandante.

131. Mostrando-se desta forma violados, com a sentença em apreciação, os seguintes preceitos legais:

i. do Código Penal; arts. 180º, nº. 1 e 2, al. b), 183º, nº. 1 als a) e b), nº. 2, 184º e 132º nº. 2 al. l), 2 e, ainda, o artº. 365º, nºs 1 e 2.

ii. Da Lei de Imprensa; arts. 15º, 19º a 21º, 29º e 31º, nº. 3 da Lei de Imprensa (Lei 2/99 de 13.1)

iii. do Código de Processo Penal., arts 71 a 73º 127º e 379, nº. 1 al. c), 410º, nº. 2, als. b) e c) e 412º nº.1 e 2 al. a) e b), nº. 3 e nº. 4, do CPP.

iv. Do código Civil: 496° e 494°.

Atento o exposto, entendemos que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a decisão recorrida nos termos motivados.”

O Ministério Público respondeu aos recursos, remetendo para a resposta apresentada aos três recursos interpostos da primeira sentença, no qual o Ministério Público se pronunciara no sentido da improcedência de todos eles.

Também os três recorrentes responderam, pronunciando-se, todos eles, no sentido da improcedência dos recursos contra si dirigidos.

Nesta Relação, o Sr. Procurador-geral Adjunto limitou-se a apor um visto, não tendo emitido parecer e não se tendo pronunciado sobre nenhuma das questões suscitadas em recurso.

Colhidos os vistos, teve lugar a Conferência.

2. Na sentença, foram dados como provados os factos seguintes:

“1) No dia 17.07.2009, foi publicado com destaque na primeira página da edição do Jornal X, o seguinte título: “PAIS VENDEM FILHOS A PEDÓFILO”.

2) E o seguinte subtítulo: “Ex bancário de 61 anos de Queluz, foi detido, mas magistrado libertou-o.”

3) No aludido subtítulo fazia-se referência à página 8.

4) Na mencionada página 8, e no desenvolvimento do referido título e subtítulo, em artigo assinado pelo arguido A., com o título “Pais vendem filhos a predador sexual” e os subtítulos “PEDÓFILO DEIXADO À SOLTA POR JG, QUE ACUSOU C” e “Divisão de Investigação Criminal da PSP apanhou violador de oito crianças”, consta, entre outro, o seguinte texto:

“Durante anos a fio, o bancário estava a habituado a sair do trabalho ao fim da tarde e abrir as portas de casa a crianças. Terão sido dezenas de menores violados pelo pedófilo no seu andar em Queluz, Sintra. Já reformado, o homem de 61 anos mantém os hábitos sexuais, mas, agora que os ex-parceiros são adultos, faz negócio com eles para que o deixem violar os seus filhos – meninos de apenas dez, onze anos.

A Divisão de Investigação Criminal (DIC) da PSP já tem provas de pelo menos uma situação de negócio com os pais das vítimas, entre mais de oito casos de crianças alvo de abusos. Mas o procurador da República JG (que acusou C, J e B, entre outros, no processo C optou por nem apresentar o bancário ao juiz, deixando-o à solta, com simples termo de identidade e residência. (…).

Há pelo menos um caso em que a contrapartida era dinheiro para os pais das vítimas, também eles violados na infância pelo pedófilo. (…)”

5) E, numa caixa destacada com a indicação PORMENORES, consta o seguinte texto:

“PAIS INVESTIGADOS

Os pais que entregaram os filhos ao pedófilo a troco de dinheiro são jovens, também alvo de abuso quando crianças. A investigação continua e deverão ser constituídos arguidos.”

PODIA TER SIDO PRESO
O procurador JG, apesar das imposições da lei, podia ter detido o violador de 61 anos: foi apanhado em flagrante delito.

LIBERDADE ABSOLUTA
A medida de coacção mais simples permite ao pedófilo andar por onde quiser no País.”

6)E, sob o título “Pedófilo vendia filmes que fazia com as vítimas”, consta, entre outro, o seguinte texto:

“A Divisão de Investigação Criminal avançou ontem de manhã para três buscas domiciliárias em casa do ex-bancário e de mais dois homens que, ao que o CM apurou, são suspeitos de comprar filmes ao violador de Queluz, com imagens deste a abusar das crianças no seu apartamento. A investigação da PSP vai continuar, nomeadamente através de perícias ao conteúdo do material apreendido: cinco computadores, portáteis e desktops de marcas diferentes; dispositivos externos de armazenamento de dados – discos rígidos e pen-drives; dois telemóveis; duas máquinas de filmar; quatro máquinas fotográficas; vários CD e SDVD com interesse para a investigação. Além disto, em casa dos suspeitos havia armas de intimidação, que foram apreendidas: uma pistola de alarme e uma pistola de pressão de ar.”

7) No dia 18.07.2009, foi publicado com destaque na primeira página da edição do jornal X, o seguinte título: “Procurador … liberta pedófilo apanhado em flagrante”.

8) No mencionado destaque referido em 7) fazia-se referência à página 8.

9) Na aludida página, consta como título “Magistradas vêem pedófilo em acção” e subtítulos “Adjuntas do procurador JG soltaram predador sexual que tinham acabado de apanhar, de cuecas, com um menino de 12 anos na sua cama” e “Guardava imagens de actos sexuais com algumas da oito vítimas”.

10) Em desenvolvimento dos referidos títulos e subtítulos, em artigo assinado pelo arguido A., consta, entre outro, o seguinte texto: “O pedófilo estava em escuta telefónica no preciso momento em que, na quarta-feira à noite, ligou à mãe de uma criança a dizer que esta dormia lá em casa. Foi por isso que a PSP avançou na manhã seguinte e, na presença de duas magistradas, arrombou a porta do apartamento em Monte Abraão. De cuecas, o ex-bancário foi apanhado na cama com o menino, de 12 anos. As procuradoras do Ministério Público viram tudo, mas, em contacto telefónico com o coordenador JG, do DIAP de Lisboa, deixaram o violador de várias crianças em liberdade. O trabalho da Divisão de Investigação Criminal PSP, através da equipa da esquadra do Calvário, já durava há oito meses. E, a prova estava feita para, pelo menos, oito casos de abusos sexuais de crianças por parte deste predador. Culminou com um flagrante delito, na manhã de quinta-feira, em que um menino vendido pelos pais, conforme o CM avançou ontem, estava na cama do pedófilo, de 61 anos. Mais: as duas procuradoras do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa que presidiam à busca encontraram, além da criança deitada com o pedófilo, provas documentais sobre vários crimes sexuais ali praticados. Dentro de um apartamento imundo num primeiro andar em Monte Abraão, Sintra (...) as duas procuradoras-adjuntas de JG viram várias fotografias tiradas pelo predador em actos sexuais com o menino de 12 anos. Os agentes da PSP tocaram primeiro à porta, mas, ao perceber que era uma busca da polícia, o ex-bancário não abriu. Decidiram arrombar e depararam-se com o suspeito de cuecas, junto à criança deitada em cima de um colchão já preto de sujidade, sem lençóis e sem higiene. O predador foi conduzido à esquadra do Calvário, em Alcântara, e por ordem do Ministério Público saiu rapidamente com simples termo de identidade e residência, medida que lhe permite tudo, até voltar ao convívio com crianças.

11) No dia 21.07.2009, foi publicado na página 12 da edição do jornal X, o seguinte título: “Lei ainda liberta pedófilos” e os seguintes subtítulos: “Procurador JG impedido de prender predador sexual de Queluz” e “Nova Lei de Politica Criminal também não deixa Ministério Publico deter fora de flagrante delito.”

12) Em desenvolvimento dos referidos títulos e subtítulos, em artigo assinado pelo arguido A., consta, entre outro, o seguinte texto: “Há quase dois anos que Ministério Publico (MP) e polícias são impedidos por lei de deter o pior dos criminosos fora de flagrante delito, por ficar afastado o perigo de fuga. É notificado para se apresentar mais tarde. E com a nova lei de politica criminal, já publicada em Diário de República, o MP continua de mãos atadas. Ou seja, magistrados do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, por exemplo, vão continuar a deixar à solta pedófilos apanhados de cuecas com crianças, dentro de casa, só porque não o viram em pleno acto sexual. Foi o que aconteceu na última quinta-feira à equipa do procurador JG obrigada a cumprir o que diz o Código de Processo Penal (CPP). (…), No caso do pedófilo de Queluz, recorde-se, o homem era investigado há meses e estará indiciado por abuso sexual de oito crianças. O MP avançou quinta-feira para a busca domiciliária, sabendo que lá estava uma criança de 12 anos, mas, sem flagrante delito de sexo com o menor, não pôde deter.”

13) As notícias ante parcialmente transcritas reportam-se a uma busca domiciliária, realizada em 16.07.2009, no âmbito do NUIPC ---/07.4TDLSB, que tinha por objecto a averiguação de vários crimes, nomeadamente, de abuso sexual de menores.

14) O processo de inquérito referido em 13) foi distribuído à 2ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.

15) Ao tempo supra referido, o assistente JG era o responsável pela 2ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.

16) A única titular do processo de inquérito referido em 13) era a assistente AP.

17) A competência para a execução dos mandados da diligência referida em 14) foi deferida à Polícia de Segurança Pública.

18) As assistentes AP e SB acompanharam a realização da diligência referida em 14)

19) Aquando da busca referida em 13), aconteceu e foi constatado o seguinte circunstancialismo:

- A porta da casa foi arrombada por agentes da Polícia de Segurança Pública, após estes terem tocado por diversas vezes à campainha e ninguém a ter aberto;

- Na casa apenas se encontrava o suspeito e um menor com 13 anos de idade;

- O suspeito se encontrava de boxers;

- O menor se encontrava de cuecas;

- O menor se encontrava a dormir no único quarto a tal destinado;

- Foram aprendidos os objectos referidos na notícia do dia 17.07.2009.

20) No dia 16.07.2009, no site da Internet da Polícia de Segurança Publica foi publicado o seguinte comunicado:
“O Comando Metropolitano da PSP de Lisboa, através da Divisão de Investigação Criminal, durante a manhã do dia 16JUL09, no período compreendido entre as 08h00m e as 11h00, realizou 3 (três) buscas domiciliárias na zona da Amadora, no âmbito de uma investigação, com início há cerca de 8 meses, por actos sexuais com adolescentes, abuso sexual de crianças, lenocínio de menores e pornografia de menores.

A operação dirigida e acompanhada pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, teve como resultados a apreensão de documentação diversa relacionada com os ilícitos praticados bem como:

5 Computadores, portáteis e desktops de diferentes marcas;
Dispositivos externos de armazenamento de dados – discos rígidos e pen drives;
2 Telemóveis;
2 Máquinas de filmar;
4 Máquinas de filmar;
Vários CD’s e DVD’s com interesse para a investigação;
1 Pistola de alarme; e
1 Pistola de pressão de ar.

O suspeito visado neste processo foi constituído arguido, sendo um indivíduo do sexo masculino, com 61 anos de idade, tendo igualmente prestado Termo de identidade e residência.”

21) O arguido A. teve conhecimento da busca em apreço através do comunicado da PSP.

22) Após, procurou junto de diversas fontes apurar os factos respeitantes à busca.

23) Na tarde do dia 17.09.2009, o arguido A. contactou JC, agente da Polícia de Segurança Pública, o qual lhe explicou que aquando da busca referida em 13) não se tinha verificado qualquer situação de flagrante delito.

24) As notícias em apreço, publicadas em 17 e 18.09.2009, ofenderam a credibilidade e confiança devidos ao Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.

25) Os assistentes, com os conteúdos das notícias em apreço, publicadas em 17 e 18.09.2009, sentiram-se ofendidos na sua honra, consideração pessoal e profissional, sendo que, o assistente ainda se sentiu humilhado e a assistente AP se sentiu humilhada, frustrada, angustiada, triste e injustiçada.

26) O arguido A. sabia que os artigos por si escritos iriam ser publicados, alcançando, desse modo, maior dimensão e impacto público.

27) O arguido A. antes de escrever as notícias em apreço não contactou os magistrados que aí refere.

28) Os títulos constantes das notícias dos dias 17 e 18.07.2009 não são da autoria do arguido A..

29) No dia 17 e 18.07.2009, os arguidos A. e B. exerciam, respectivamente, as funções de jornalista e director substituto do jornal diário “X.”

30) O arguido A. agiu sempre livre e conscientemente determinado, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

31) O arguido B., no desempenho das funções referidas em 29), tomou prévio conhecimento do conteúdo das notícias e nada fez para impedir que as mesmas fossem publicadas.

32) A notícia do dia 18.07.2009 foi objecto de divulgação pela internet, através do site “www.xxxxxxx.pt”, tendo registado 11.717 leituras.

33) A notícia do dia 19.07.2009 foi objecto de divulgação pela internet, através do site “www.xxxxx.pt”, tendo registado 44.176 leituras.

34) O assistente é procurador da república.

35) O assistente é reputado, pelos que consigam trabalham, como um profissional competente, diligente e sério no exercício da sua actividade profissional.

36) As notícias em apreço foram conhecidas e comentadas pelo público, por amigos, colegas, inclusive da sua hierarquia, e funcionários do assistente.

37) A assistente AP é magistrada do Ministério Publico e labora com o assistente.

38) A assistente AP é reputada profissionalmente pelos seus colegas de trabalho.

39) Em Junho de 2009, a tiragem média diária do Jornal X era de 153938.

40) O arguido B. vive em casa própria pela qual paga a uma instituição bancária uma prestação mensal de cerca de € 850,00. Aufere mensalmente da sua actividade profissional cerca de € 4.200,00 líquidos, dos quais afecta € 2.000,00 ao pagamento de uma prestação de alimentos aos seus dois filhos, com 11 e 14 anos de idade. Tem como habilitações literárias, uma licenciatura em comunicação social.

41) O arguido A. vive só em casa própria, pela qual nada paga. Aufere mensalmente da sua actividade profissional cerca de € 1.400,00 líquidos, dos quais afecta € 500,00 ao pagamento de uma prestação de alimentos ao seu filho de 3 anos de idade. O único meio de transporte próprio de que dispõe é um veículo automóvel, de marca Mercedes, com matrícula do ano de 2003. Tem como habilitações literárias, o 12º ano de escolaridade.

42) Do certificado do registo criminal do arguido B., nada consta.

43) Do certificado do registo criminal do arguido A. consta que o mesmo por factos ocorridos em 06.01.2008, por decisão proferida em 10.03.2011, transitada em julgado em 27.02.2012, foi condenado pela prática de um crime de difamação agravada, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, a qual foi declarada extinta, pelo cumprimento (pagamento), por despacho proferido em 19.04.2012.
2.1.1.2) Provados (segunda sentença):

43-A) A alusão nas notícias supra transcritas de que existia uma situação de flagrante delito não correspondia à verdade.

43-B) A alusão nas notícias supra transcritas de que o assistente poderia ter detido o suspeito não correspondia à verdade.

43-C) A alusão nas notícias supra transcritas de que as assistentes viram o menor deitado na cama do suspeito e que encontraram provas dos crimes aí cometidos não correspondia à verdade.

43-D) O arguido A. não tinha qualquer fundamento para reputar como verdadeira a situação de flagrante delito referida em 43-A).

43-E) As notícias supra referidas e o destaque daquelas edições, ofenderam a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Ministério Público junto do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.”

Foram considerados como não provados os factos seguintes:

“2.1.1.3) Não provados (primeira sentença):

44) A assistente SB estava a cargo do processo de inquérito referido em 13).

45) Para além do contacto referido em 23) o arguido tenha contactado com outros agentes da Polícia de Segurança Publica, tendo por estes sido informado que aquando da busca referida em 13) não se tinha verificado qualquer situação de flagrante delito.

46) Seja falsa a situação a que se alude na notícia respeitante aos pais dos menores.

47) Com a publicação das notícias dos dias 17 e 18.09.2009, os arguidos criaram obstáculos no que tange à recolha de prova, nomeadamente, ao depoimento dos menores ofendidos, e prejudicaram a investigação em curso no inquérito supra referido.

48) Os arguidos quiseram criar obstáculos à recolha de prova no inquérito supra referido.

49) Ambos os arguidos pretenderam que contra os assistentes fosse instaurado processo disciplinar e/ou criminal.

50) O arguido B. agiu sempre livre e conscientemente determinado, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

51) As notícias dos dias 17 e 18.07.2009 foram objecto de divulgação em noticiários televisivos e análise e comentários em programas de televisão, entre os quais os programas “Você na TV” e “Tardes de Júlia”, emitidos nos dias seguintes às notícias, nomeadamente no dia 31.07.2009.

52) O assistente tem cerca de 28 anos de antiguidade.

53) O assistente no seu percurso profissional obteve sempre classificações de mérito.

54) A laboração referida em 37) perdure há 5 anos.

55) A assistente AP viu algum programa televisivo onde se fez alusão às notícias em apreço.

56) O Jornal X é propriedade da demandada civil.

57) O arguido A. apenas depois de publicadas as notícias dos dias 17 e 18.07.2009, foi informado que, do ponto de vista jurídico, a situação detectada aquando da busca, poderia não consubstanciar o conceito de flagrante delito.

2.1.1.4) Não provados (segunda sentença):

57-A) O arguido B. não tinha qualquer fundamento para reputar como verdadeira a situação de flagrante delito referida em 43-A).

57-B) Os arguidos ao atribuírem aos assistentes a falta de promoção da detenção do alegado autor de vários crimes de abuso sexual de menores, quando era seu dever, decorrente do exercício das suas funções, sugeriram com clareza que aqueles assistentes estariam incursos na prática do crime de prevaricação e denegação de justiça.

O exame crítico da prova na sentença é o seguinte:

“2.1.1.3) Motivação e análise crítica da prova:

2.1.1.3.1) Factos provados (primeira sentença):
A convicção do tribunal resultou dos seguintes meios de prova:

• Números 1) a 12): Edições do jornal em apreço, que constam do apenso denominado “Apensos (4)”.

• Números 13), 14) e 17): Certidão de parte do processo de inquérito em apreço que constitui fls. 38 a 56, da qual resulta esta concreta factualidade, sendo que relativamente ao facto 17), mormente fls. 38, dado que aí consta “A cumprir pela PSP”.

• Número 15): Declarações do assistente em apreço, por ter confirmado esta factualidade, tendo aquelas sido corroboradas pelas declarações da assistente AP.

• Número 16): Declarações de todos os assistentes, em razão de todos terem confirmado esta factualidade.

• Número 18): Declarações de ambas as assistentes em apreço, as quais asseveraram corresponder à verdade esta factualidade, a qual foi corroborada pelos depoimento das testemunhas AJ e JM, ambos agentes da Polícia de Segurança Publica, que declararam ter intervindo na diligência em causa.

• Número 19): Quanto aos objectos apreendidos, certidão de parte do processo de inquérito em apreço que constitui fls. 38 a 56, mormente fls. 39 a 40 que constitui o auto de busca e apreensão. Relativamente à demais factualidade, depoimento da testemunha AB, agente da Polícia de Segurança Pública (o qual afirmou que a porta da residência foi arrombada, foi o primeiro a entrar na casa do suspeito, e não obstante não ter visto quem encontrou o menor, se apercebeu que o mesmo estava a dormir num colchão insuflável ao lado da cama do suspeito, que o suspeito se encontrava de boxers e o menor de cuecas), depoimento da testemunha JR, agente da Polícia de Segurança Pública (o qual confirmou o arrombamento, por ninguém ter aberto a porta após terem tocado à campainha, que entrou na casa a seguir às testemunhas AB e JC, que presenciou o menor de cuecas e de t-shirt e o suspeito de cuecas ou de boxers e com uma camisola com alças, que a casa apenas dispunha de um quarto de dormir), depoimento da testemunha AE, psicóloga (a qual disse ter visto o arrombamento, que a casa apenas dispunha de um quarto para dormir e que viu o menor de cuecas, com quem falou no quarto, onde presenciou que existiam dois colchões no chão, um ao lado do outro).

• Número 20): No que tange à data da publicação do comunicado, as declarações do arguido A., por ter afirmado que teve conhecimento da busca, através deste comunicado, no dia anterior à publicação da primeira notícia. Quanto ao conteúdo do comunicado, fotocópia do mesmo que constitui fls. 14.

• Números 21) e 22): Declarações do arguido A., que merecerem credibilidade, tanto mais que resulta das regras da experiência comum, que exercendo a actividade profissional de jornalista, após ter conhecimento de algum acontecimento, o que é o caso dos autos, contacte as suas fontes.

• Número 23): Depoimento do agente em apreço, o qual, na qualidade de testemunha, com serenidade, isenção e espontaneidade, razão pela qual o seu depoimento foi assaz credível, relatou que o arguido A. o contactou na tarde da publicação da notícia (referindo-se à notícia referida em 1)), questionando se aquando da diligência em causa tinha se verificado ou não uma situação de flagrante delito, tendo-lhe explicado que não e aduzido a razão de tal afirmação.

• Número 24): Sendo incontroverso que os três magistrados referidos nas notícias eram, um enquanto procurador da república e as outras duas enquanto procuradores-adjuntos, representantes do Ministério Público no DIAP, conforme em questão prévia já foi melhor explicitado, e sendo, igualmente incontroverso que ocorreu um propalar de um facto de que se estava perante uma situação de flagrante delito (o que não correspondia à verdade), facto este que associado à não detenção do suspeito perpassava a ideia que o DIAP não estava a cumprir diligentemente as suas competências, através da actuação dos seus representantes (os assistentes), e que o DIAP não era confiável, ao não deter o suspeito quando o deveria ter feito, conforme é afirmado na notícia (“O procurador JG, apesar das imposições da lei, podia ter detido o violador de 61 anos: foi apanhado em flagrante delito.), não é possível concluir noutro sentido.

• Número 25): Regras da experiência comum, dado que, de todo, não é plausível colocar outra hipótese, quando é certo que os factos imputados aos assistentes são notoriamente depreciativos para os mesmos. O tribunal considerou, tal-qualmente, as declarações de todos os assistentes, em razão de todos terem evidenciado, quer pela forma como prestaram declarações (revoltados, mas ainda assim muito isentos) quer pelo afirmado pelos mesmos, que se mostram ofendidos nos termos ora em apreço e, ainda, no que respeita ao assistente JG, o depoimento da testemunha AF, amiga deste assistente, a qual relatou ao tribunal que após ter lido as notícias telefonou ao assistente e constatou que o mesmo se sentia ofendido, o depoimento da testemunha PA, colega de trabalho do assistente, a qual também referiu que depois de ter lido as notícias falou com o assistente e notou que o mesmo se encontrava revoltado, a testemunha MJ, igualmente magistrada do Ministério Publico, a qual narrou ao tribunal que o assistente se sentia injustiçado, a testemunha MF, também colega de trabalho do assistente, o qual disse ao tribunal que o assistente se sentia humilhado e, por fim, a testemunha AT, colega de trabalho do assistente, a qual referiu que quando falou com o assistente sentiu que o mesmo estava perturbado, e no que respeita à assistente AP, o depoimento da mesma testemunha AT, a qual referiu que a assistente se sentia indignada e a testemunha ML, oficial de justiça, a qual disse que a assistente ficou transtornada e perturbada.

• Número 26): Declarações do arguido em apreço, por o mesmo ter admitido como verdadeira esta factualidade.

• Número 27): Declarações do arguido em apreço, por o mesmo ter aduzido esta factualidade, razão pela qual não se comunica ao mesmo esta alteração não substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia.

• Número 28): Declarações do arguido B., o qual referiu que o título da edição do dia 17.09.2009 foi negociado com o editor e que o do dia seguinte é da sua autoria.

• Número 29): Declarações de ambos os arguidos, por terem admitido como verdadeira esta factualidade.

• Número 30): Regras da experiência comum, dado que não é crível colocar qualquer outra hipótese.

• Número 31): Tendo o arguido B. admitido que o título da edição do dia 17.09.2009 foi negociado com o editor e que o do dia seguinte é da sua autoria, e que teve conhecimento em termos gerais, através do arguido A., das notícias em apreço, não é possível concluir noutros moldes.

• Número 32): Fls. 55 da edição do jornal em apreço do dia 19.07.2009, que consta do apenso denominado “Apensos (4)”, cuja fotocópia constitui fls. 1097 dos presentes autos.

• Número 33): Fls. 51 da edição do jornal em apreço do dia 20.07.2009, que consta do apenso denominado “Apensos (4)”, cuja fotocópia constitui fls. 1095 dos presentes autos.

• Número 34): Declarações do próprio, que o tribunal reputou por verdadeiras.

• Número 35): Declarações das testemunhas PA e MJ, ambas colegas de trabalho do assistente, por terem confirmado esta factualidade, mormente a última, a quem o assistente reportava directamente.

• Número 36): Depoimento da testemunha AF amiga e magistrada do Ministério Público, a qual relatou ao tribunal que falou com o assistente a este propósito, testemunha PA, magistrada do Ministério Público, a qual também relatou ao tribunal que falou com o assistente a este propósito e que alguns colegas das varas lhe tinham perguntado o que se tinha passado, depoimento da testemunha MJ, magistrada do Ministério Público e superior hierárquica do arguido, a qual confirmou que interpelou o assistente a propósito das notícias, depoimento da testemunha MF, magistrado do Ministério Público, o qual relatou ao tribunal que falou com o assistente a este propósito e a testemunha AT, magistrada do Ministério Público, que para além de ter descrito ao tribunal que falou com o assistente a este propósito, muitos colegas, porque sabiam que conhecia o assistente, a questionaram, bem como amigos pessoais e a testemunha CJ, então funcionário do assistente, o qual disse que no DIAP esta situação foi muito comentada e inclusive disse que foi ele quem deu a conhecer ao assistente a primeira notícia.

• Número 37): Declarações da própria, que o tribunal reputou por verdadeiras.

• Número 38): Depoimento das testemunhas AT e AS, ambas colegas de trabalho da assistente em apreço, as quais referiram que a assistente AP é uma profissional exemplar.

• Número 39): Canto superior direito da última página das edições dos dias 17, 18, 19 e 21.07.2009.

• Número 40): Declarações do próprio, que o tribunal reputou de sinceras.

• Número 41): Declarações do próprio, que o tribunal reputou de sinceras.

• Número 42): Documento em apreço que constitui fls. 964 (um novo certificado encontra-se a fls. 2640).

• Número 43): Doc. em apreço que constitui fls. 961 a 963 (um novo certificado encontra-se a fls. 2637 a 2639).

2.1.1.3.2) Factos provados (segunda sentença):

• Número 43-A): De harmonia com o disposto no artigo 256º, n.º 1, do Código de Processo Penal “É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer”. Cotejando esta definição legal com a factualidade provada compreendida no facto provado número 19), é possível concluir, sem qualquer margem para dúvida, que, na vertente de se estar a cometer um crime, efectivamente, não se verificava qualquer situação de flagrante delito. Mutatis mutandis, na vertente de existir flagrante delito, por se ter acabado de cometer um crime, uma vez que o quadro fáctico constante do aludido facto provado, que se deparou às assistentes e aos agentes da Polícia de Segurança Pública (AB, JC, JR, NR) que tiveram intervenção na diligência em causa, não permitia concluir nesse sentido, conforme por todos explicado em sede de audiência de julgamento. Acresce que, é evidente, que o facto de uma pessoa ser suspeito da prática de crime de abuso sexual de menor e na sua casa ser encontrado um menor aí a pernoitar, inexistindo qualquer outra prova, como era o caso, não permite concluir pela aludida situação de flagrante delito, por se ter acabado de cometer um crime. Assim, está demonstrada a falta de verdade da factualidade em apreço.

• Número 43-B): O assistente negou ter estado no local, o que foi corroborada pelas declarações de ambas as assistentes, logo jamais poderia ter detido o suspeito. Por outro lado, conforme já evidenciado não existia uma situação de flagrante delito, logo o suspeito não poderia ser legalmente detido, por falta de base legal. Assim, está demonstrada a falta de verdade da factualidade em apreço.

• Número 43-C): Ambas as assistentes negaram ter visto o menor deitado na cama do suspeito, bem como a existência das provas em apreço. Assim, está demonstrada a falta de verdade da factualidade em apreço.

• Número 43-D): O arguido A. tinha conhecimento que o suspeito não foi detido, o que evidenciava, à saciedade, mesmo para um jornalista, que não verificava uma situação de flagrante delito, pois se assim não fosse, o magistrado do Ministério Público não estaria a ser diligente no desempenho da sua função. Por outro lado, provou-se que na tarde do dia 17.09.2009, o arguido A. contactou JC, agente da Polícia de Segurança Pública, o qual lhe explicou que aquando da busca em apreço não se tinha verificado qualquer situação de flagrante delito, logo, é evidente que o arguido, ao menos, no que concerne à notícia publicada no dia 18.07.2009, quando refere a existência de uma situação de flagrante delito, sabia que esta situação não correspondia à verdade. Acresce, ainda, que se impunha que o arguido tivesse, pelo menos, tentado o contacto com os assistentes, o que o mesmo não alegou nem provou, nem resultou da prova produzida em audiência, ou seja, impunha-se que o arguido tivesse respeitado o estatuído na alínea e) do artigo 14º do Estatuto do Jornalista - aprovado pela Lei 1/99 - (os jornalistas devem procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem). Assim, está demonstrada a falta de fundamento para reputar como verdadeira a situação de flagrante delito.

• Número 43-E): Resulta das regras da experiência comum, uma vez que, salvo melhor opinião, é evidente que noticiar que existe uma situação de flagrante delito de crime de abuso sexual de menores e o suspeito não ser detido por representantes do DIAP de Lisboa, acarreta uma efectiva ofensa à credibilidade, prestígio e confiança devidos ao DIAP de Lisboa.

2.1.1.3.3) Factos não provados (primeira sentença):
• Número 44): Por se ter feito prova dissemelhante, conforme resulta do facto provado n.º 16.
• Número 45): Ausência de prova a este respeito.
• Número 46): Total ausência de prova a este respeito.
• Número 47): Ausência de prova a este respeito. Com efeito, nenhuma das testemunhas inquiridas a este propósito, aduziu factualidade concreta que permitisse concluir nestes moldes, tendo antes sido feitas várias referências a generalidades.
• Número 48): Face ao que supra se provou e não provou, ausência de prova concludente a este respeito. De todo o modo, sempre se impõe dizer que, face às regras da experiência comum, não é, seguramente, crível que os arguidos pretendessem tal desiderato. De facto, sendo facto notório que o Jornal X é conhecido por publicar notícias relacionadas com abuso sexual de menores, não se concebe que os jornalistas que aí trabalham pretendam, ao mesmo tempo que dão conta de tais acontecimentos, favorecer os suspeitos de tão horrendas práticas. Não se afigura um procedimento consentâneo com o fim pretendido pela publicação das notícias. Enfim, é caso para dizer que concorde-se ou não com a política editorial de um determinado jornal, a verdade é que não é verosímil, de todo, que o autor das notícias, no caso o arguido A., ao elaborá-las tenha pretendido auxiliar seja quem for.
• Número 49): Ausência de prova concludente a este respeito. De facto, não tendo sido feita prova que existia qualquer desentendimento entre os arguidos e os assistentes, não é crível, de todo, face às regras da experiência comum, que os arguidos visassem a intenção em apreço. Por outro lado, não existe uma prova segura que os arguidos tenham representado a instauração de um procedimento disciplinar ou criminal como consequência necessária da publicação das notícias em apreço, pois para assim se concluir, necessário seria que, em momento prévio, os arguidos tivessem representado que os assistentes por via da sua actuação tivessem praticado um qualquer crime, nomeadamente de prevaricação e denegação de justiça, o que não se afigura verosímil, dado aos arguidos não ser conhecidos especiais conhecimentos de direito, razão pela qual, também, não se dá como provada tal hipótese.
• Número 50): Face ao que supra se provou e não provou, ausência de prova concludente a este respeito, sendo certo que, o facto deste arguido ter tido conhecimento prévio das notícias não conduz necessariamente à conclusão que o arguido soubesse que a sua actuação era proibida por lei, pois para tanto era preciso que se provasse, o que não aconteceu, que o mesmo sabia que não existia uma situação de flagrante delito.
• Número 51): Ausência de prova concludente a este respeito. Com efeito, a este propósito apenas a testemunha MF referiu que soube das notícias através da televisão, mas não soube concretizar em que termos, e a testemunha CJ referiu que viu um programa onde se falou no assunto. Ou seja, nenhuma das testemunhas declarou ter conhecimento que as notícias em causa foram objecto de divulgação nos termos em que constam da factualidade ora em apreço.
• Números 52) a 55): Total ausência de prova a este respeito.
• Número 56): Total ausência de prova a este respeito, sendo certo que o ónus da prova desta concreta factualidade incumbe aos assistentes, não tendo o tribunal que diligenciar pela obtenção da mesma, sendo ainda certo que, o facto de a demandada não ter contestado este facto, não conduz necessariamente à prova desta factualidade, dado que de harmonia com o disposto no artigo 78º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a falta de contestação do pedido de indemnização civil não implica confissão dos factos.
• Número 57): Quanto à publicação do dia 18.07.2009, por se feito prova dissemelhante, conforme resulta do facto provado n.º 23). No que respeita à demais publicação, ausência de prova credível a este respeito, não podendo o tribunal valorar as declarações do arguido A. quando disse que apenas após a publicação foi alertado que não se verificava uma situação de flagrante delito, tanto mais que, relativamente ao dia 17, se fez prova dissemelhante do que por si foi afirmado.

2.1.1.3.4) Factos não provados (segunda sentença):
• Números 57-A) e 57-B): Ausência de prova concludente a este respeito.
O tribunal não apreciou, em termos de factualidade provada ou não provada, a demais factualidade constante da pronúncia, dos pedidos de indemnização civis e das contestações, por a ter considerado irrelevante para o desfecho da decisão ou notoriamente conclusiva.”

3. Apresenta-se incontroverso que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Da decisão final interpuseram recurso o arguido condenado e os dois assistentes.

Tratando-se de recursos interpostos de uma sentença elaborada já em cumprimento de um anterior acórdão proferido por esta Relação, cumpre começar por precisar quais as questões presentemente suscitadas que integram o objecto de apreciação. A clarificação impõe-se na medida em que não é a primeira vez que as questões problematizadas nos três recursos principais agora interpostos são colocadas a esta instância superior e, algumas delas, encontram-se decididas no processo.

3.1. Da excepção do caso julgado parcial e da delimitação do objecto dos recursos

A sentença recorrida foi proferida na sequência de anterior acórdão desta Relação, como se disse, que, conhecendo de recursos interpostos de uma primeira sentença, determinou o regresso do processo à primeira instância.

No dispositivo desse acórdão podia logo ler-se: “… decide-se : - Negar provimento aos três recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos e, em consequência, manter os despachos recorridos. - Declarar a nulidade da sentença recorrida, a qual deve ser suprida pelo tribunal a quo, proferindo-se nova decisão que supra as deficiências apontadas. - Não conhecer, por ora, dos recursos deduzidos pelos assistentes”.

A sentença agora recorrida materializa uma segunda decisão final que substituiu a anterior, a fim de proceder ao suprimento de nulidade anteriormente detectada.

Na verdade, haviam já recorrido da primeira sentença todos os agora recorrentes, tendo então esta Relação, após identificação das questões suscitadas nos seis recursos interpostos, passado a conhecer das questões de que podia conhecer até detecção da nulidade que então declarou.

Assim, neste momento processual, permanecem por conhecer integralmente os (dois) recursos interpostos pelos assistentes, que agora os renovaram ao interpor novo recurso da segunda sentença; está por conhecer também o recurso principal interposto pelo arguido A., mas, neste caso, parcialmente.

No reverso, a Relação conheceu já dos (três) recursos interlocutórios interpostos pelo mesmo arguido A. (que estão decididos no anterior acórdão) e conheceu também de algumas das questões suscitadas no seu recurso principal (que estão igualmente resolvidas no primeiro acórdão).

Daqui resulta que nenhuma destas questões, já apreciadas e decididas por acórdão da Relação, pode ser de novo sujeita a impugnação e a reapreciação.

Todas as questões já apreciadas e decididas encontram-se cobertas pelo efeito de caso julgado formal e os poderes de cognição da Relação já não as abrangem.

O caso julgado formal consiste na imodificabilidade das decisões judiciais proferidas ao longo do processo e ocorre quando a decisão já não pode ser impugnada nesse processo. Esta torna-se definitiva e exequível, e esgota-se o poder jurisdicional quanto à matéria que constituiu objecto de conhecimento.

Embora o actual Código de Processo Penal, contrariamente ao que sucedia com o de 1929 (vide arts. 138º, 141º e 148º a 154º do CPP de 1929), não trate da excepção do caso julgado (encontrando-se apenas referências nos arts 84º e 467º), a disciplina do art. 613.º do CPC é aplicável ao processo penal por força do disposto no seu art. 4º.

Sob a epígrafe “extinção do poder jurisdicional e suas limitações”, esta norma estabelece que “1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa” e “3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos”.

Eduardo Correia, subscrevendo a afirmação de Nagler de que “o caso julgado não se pode reconduzir a uma pura categoria, a um conceito apriorístico da ciência do direito criminal”, lembra que “o fundamento central do caso julgado radica numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar, através dele, aos cidadãos, a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto” (A Teoria do Concurso em Direito Criminal, I – Unidade e Pluralidade de Infracções, II – Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, 1983, p.301/2).

Ensina Damião da Cunha que “os conceitos de «efeito de vinculação intraprocessual» e de «preclusão» - referidos ao âmbito intrínseco da actividade jurisdicional – querem significar que toda e qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) tomada por um juiz, implica necessariamente tanto um efeito negativo, de precludir uma «reapreciação» (portanto uma proibição de «regressão»), como um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada (sob pena de, também aqui, «regredir» no procedimento).

“Este raciocínio vale, não só em primeira instância, como em segunda ou terceira instância (embora o grau de vinculação dependa da especificidade teleológica de cada grau de recurso). E este mecanismo vale - ao menos num esquema geral – para qualquer tipo de decisão independentemente do seu conteúdo, isto é, quer se trate de uma decisão de mérito, quer de uma decisão processual” (O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória), 2002, p. 143/4).

Ainda com Damião da Cunha, é pois de reconhecer que “qualquer decisão, mesmo que não esteja em causa uma decisão de mérito, contém um efeito de vinculação processual” (loc. cit., p. 144).

Acompanhamos também o autor quando refere, com relevância especial no caso sub judice, que “os mesmos conceitos podem ser utilizados para além da categoria do procedimento, portanto, para além do exercício interno da função jurisdicional, em relação aos poderes dos sujeitos processuais (das “partes”, utilizando uma expressão do processo civil) durante o processo.”

Nesta perspectiva, já não da mera “dimensão do procedimento”, mas da dimensão “do processo”, abarca-se “o modo e a forma por que o procedimento jurisdicional deve progredir”, ou seja, “o modo como os sujeitos processuais devem fazer actuar e fazer progredir o procedimento jurisdicional. Neste âmbito, também as partes estão sujeitas aos mesmos princípios que vimos estarem subjacentes ao exercício da função jurisdicional” (loc. cit. p. 148).

Damião da Cunha fala, assim, numa congruência entre o exercício da função jurisdicional e a actuação dos sujeitos processuais, no sentido de que “cada resultado «adquirido», legítimo e incontestado, não só vincularia o tribunal, como vincularia, outrossim, os restantes sujeitos processuais” (sem prejuízo de, como alerta o autor, esses nexos terem de derivar, fundamentalmente, de regras de direito material) (loc cit., p. 148/9).

Esta exigência de congruência entre o exercício da função jurisdicional e a actuação dos sujeitos processuais tem repercussão na fase de recurso e repercute-se, concretamente, no caso em apreciação.

A prolação da nova sentença deu cumprimento ao anterior acórdão da Relação (procedeu ao suprimento da nulidade detectada na primeira decisão, a qual obstara ao conhecimento das demais questões colocadas em recurso e ainda não conhecidas) e não possibilita a renovação de questões já decididas em recurso, nem o enunciado de outras diferentes, nunca suscitadas. No entanto, seriam sempre cognoscíveis questões novas surgidas na sequência da elaboração da segunda sentença.

De tudo resulta que, tendo a Relação conhecido de algumas das questões que se mostram agora novamente suscitadas no recurso do arguido A. Machado, delas não se tomará conhecimento, atento o caso julgado que entretanto se formou no processo, como se explicou.

O objecto dos recursos confina-se, assim, ao conhecimento das questões sobrantes, ou seja, das questões suscitadas nos presentes três recursos principais interpostos da sentença (o do arguido e os dos assistentes) e que ainda não se encontrem decididas por acórdão desta Relação.

Mas resulta também que o objecto do recurso se restringe apenas às questões suscitadas nos três recursos que tenham sido já colocadas nos recursos anteriores ou, não o tendo sido, se apresentem como novas porque surgidas na segunda sentença. Ou seja, que o não tenham sido por não o poderem ter sido, por terem surgido na decorrência da elaboração da sentença nova.

A possibilidade de aditamento destas questões, surgidas na sequência da segunda sentença, resultaria sempre da cláusula rebus sic stantibus e das suas repercussões no caso julgado, sendo de reconhecer um caso julgado rebus sic stantibus em processo penal (sobre o caso julgado rebus sic stantibus em processo penal, vide A. Salinas, Os Limites Objectivos do Ne Bis In Idem, 2012, v. digital, p. 6).

Os assistentes recorreram, renovando toda a impugnação apresentada nos recursos anteriores, pelo que as questões que suscitam são de conhecer na íntegra uma vez que sobre elas não tomou posição a Relação no anterior acórdão (bastando para tanto que os recorrentes as tivessem renovado, o que fizeram).

As questões suscitadas nos recursos dos assistentes e que constituem objecto do recurso são, assim, todas as já identificadas no anterior acórdão e ainda não decididas (por o seu conhecimento ter resultado prejudicado com a anulação da sentença).

As questões suscitadas no recurso do arguido e que constituem objecto do recurso são todas as identificadas no anterior acórdão que ainda não se encontram ali resolvidas, e as aditadas por este recorrente na sequência da prolação da segunda sentença (assim sucede, por exemplo, com um dos pontos de facto – facto novo - impugnado).

Ficam, assim, excluídas do objecto de apreciação, porque, apesar de (indevidamente) renovadas pelo arguido, se encontram fora dos poderes de cognição da Relação que se exauriram nessa parte por força do caso julgado formal, todas as questões suscitadas nos recursos interlocutórios (que já estão decididos) e as questões suscitadas no recurso principal identificadas até ao item 9 (inclusive) no acórdão anterior desta Relação (que foram igualmente conhecidas, à excepção do “erro de julgamento” na parte relativa ao novo ponto de facto aditado).

Assim, das vinte questões inicialmente identificadas no anterior acórdão da Relação como integrantes do objecto do(s) (três) recurso(s) – que foram as seguintes: 1) Falta de legitimidade na queixa pelo crime de ofensa a pessoa colectiva; 2) Constituição de assistentes; 3) Nulidade dos actos praticados desde a acusação; 4) Pedido de junção de documentos de outro processo; 5) Incompetência territorial do tribunal de julgamento; 6) Aditamento de factos à acusação; 7) Alteração do ofendido no crime de ofensa a pessoa colectiva; 8) Erro de julgamento; 9) Ausência de referências ao dolo nos crimes objecto de condenação; 10) Inexistência do crime de difamação agravada; 11) Preenchimento do disposto no art. 180º nº2 do CP; 12) Inexistência do crime do art. 187º do CP; 13) Preenchimento do disposto no art. 16º do CP; 14) Exercício regular da liberdade de expressão; 15) Absolvição dos arguidos do crime de denúncia caluniosa; 16) Absolvição do arguido B. do crime de difamação agravada; 17) Pressupostos da responsabilidade civil; 18) Absolvição do arguido B. do pedido de indemnização civil; 19) Absolvição da demandada P. do pedido de indemnização civil; e 20) Valor dos danos – mantêm-se para decisão as questões 10ª a 20ª, havendo que aditar a estas (para conhecimento) as surgidas na sequência de alterações introduzidas na sentença, estando assim por conhecer, também, o “erro de julgamento” (questão 8ª) invocado nos recursos dos assistentes.
De tudo resulta que são as seguintes as questões a conhecer no presente acórdão:

a) Questões suscitadas na sequência da prolação da segunda sentença e/ou não ainda identificadas no acórdão anterior: a.1) Alteração de factos e violação do AUJ nº 1/2015; a.2) Impugnação pelo arguido da matéria de facto nova; a.3) Impugnação da matéria de facto nova pelos assistentes; a.4) Vícios da sentença previstos no art. 410º, nº 2 do CPP.

b) Questões identificadas no anterior acórdão e ainda não conhecidas na Relação: b.1) Impugnação da matéria de facto pelos assistentes e arguição de vícios da sentença previstos no art. 410º, nº 2 do CPP; b.2) Inexistência do crime de difamação agravada; b.3) Preenchimento do disposto no art. 180º nº 2 do CP; b.4) Inexistência do crime do art. 187º do C. Penal; b.5) Preenchimento do disposto no art. 16º do CP; b.6) Exercício regular da liberdade de expressão; b.7) Absolvição dos arguidos do crime de denúncia caluniosa; b.8) Absolvição do arguido B.do crime de difamação agravada; b.9) Pressupostos da responsabilidade civil; b.10) Absolvição do arguido B.do pedido de indemnização civil; b.11) Absolvição da demandada P- do pedido de indemnização civil; e b.12) Valor dos danos.

Definidos os poderes de cognição que a Relação detém sobre objecto do processo, e delimitado o objecto dos recursos nos termos expostos, passa a conhecer-se das questões elencadas segundo este novo alinhamento.

3.2. a) Questões suscitadas na decorrência da prolação da segunda sentença e/ou não ainda identificadas no acórdão anterior:

3.2.a.1) Da alteração de factos e da violação do AUJ nº 1/2015
Esta questão aparece como nova, mas é-o apenas na vertente da sua suscitação em recurso.

Na verdade, no que respeita a repetições de temáticas já apreciadas nos autos pelo tribunal ad quem, para além do que resulta mais cristalino do confronto (no sentido explanado em 3.1.) das questões trazidas agora pelo arguido, com o teor do primeiro acórdão da Relação (onde se encontram resolvidas), coberta pelo caso julgado está também a decisão - que o arguido renova portanto indevidamente - sobre a ilegalidade de um invocado aditamento de factos novos, pretensamente escorada agora no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência publicado em data posterior ao primeiro acórdão da Relação.

Consigna-se que não nos estamos a referir ao facto especificado no ponto 23. da sentença, pois este foi objecto de apreciação própria no acórdão anterior. E foi-o nos termos seguintes: “B.6. Do aditamento de factos à acusação: Invoca o arguido A. uma nulidade da sentença recorrida, nos termos da al. b) do nº1 do Artº 379 do CPP, porquanto a matéria fixada no nº 23 da factualidade apurada traduz num facto novo, não constante da acusação ou da pronúncia, que se mostrou essencial para a sua condenação e que foi aditado pelo tribunal a quo, que não deu ao ora recorrente a possibilidade de sobre o mesmo se pronunciar ao abrigo do estatuído nos Artsº 358 e 359, ambos daquele diploma legal. Importa assim e antes de mais, atentar na base factual assumida como provada e não provada pela instância recorrida (transcrição):

Analisando a questão, ter-se-á de concluir que não assiste razão ao arguido. Com efeito, sendo indiscutível que a materialidade plasmada no nº 23 da factualidade apurada não constava, nesses exactos termos, da acusação e da pronúncia, a mesma não só é uma mera decorrência do ponto anterior, como resultou da prova efectuada em Audiência de Julgamento, designadamente, das declarações do próprio arguido A.. Se no nº 22 da factualidade assumida como assente, se diz que o arguido A., após ter conhecimento da busca em apreço procurou, junto de diversas fontes, apurar os factos respeitantes à dita busca, plasma-se a seguir que, na tarde do dia 17/09/09, o arguido A. contactou JC, agente da PSP, o qual lhe explicou que aquando da mencionada busca não se tinha verificado qualquer situação de flagrante delito. Como se vê, há uma sequência lógica entre os dois factos apurados, o que implica que, em bom rigor, o expresso no Artº 23 da factualidade provada não deve ser considerado um facto novo para efeitos do disposto nos Artsº 358 e 359 do CPP.

Todavia, ainda que assim não se entenda, é seguro que o mesmo foi adquirido tendo por base, para além do testemunho do mencionado agente JC, as declarações do próprio arguido A., que afirmou, em Audiência de julgamento, « …ter contacto com pessoas junto da PSP… », que « …houve pessoas ligadas à investigação que me contaram determinados pormenores…» e que os factos constantes da notícia lhe foram dados a conhecer « …por fontes ligadas à investigação…» Mais afirmou, a dado passo do seu depoimento: «A PSP é uma estrutura hierarquizada, desde o Comando de Lisboa, até à própria Divisão de Investigação Criminal, tem Comandantes, tem pessoas com responsabilidades, tem os próprios agentes que vão presidir, que vão executar diligências e que são os responsáveis, portanto estamos a falar de uma série de pessoas com responsabilidades… Senhor Doutor posso-lhe dizer que neste caso concreto eu contactei mais do que fonte dentro da própria polícia … » Como resulta, inequivocamente, destas declarações, o arguido A. assume que para escrever a notícia em causa contactou com diversas fontes da PSP ligadas à investigação do processo, nomeadamente, os agentes que executaram as diligências e que lhe forneceram pormenores acerca da dita busca, sendo certo que o agente JC foi um dos agentes da PSP que esteve presente na busca domiciliária causadora das notícias em causa. Deste modo, sem esforço se pode concluir que ainda que a dita factualidade revista a natureza de facto novo em relação ao teor da acusação e da pronúncia, a verdade é que a mesma é proveniente das declarações do próprio arguido A., o que naturalmente faz com que o tribunal a quo estivesse dispensado de proceder a qualquer comunicação ao arguido, como o diz o nº2 do Artº 358 do CPP, pois tal alteração factual derivava da defesa. Bem se compreende, aliás, que assim seja. Se os factos novos são trazidos, directa ou indirectamente, pelo próprio arguido, de modo que se perceba que o mesmo deles tem pleno conhecimento, nenhuma razão existe para que o tribunal os comunique ainda que constituam uma alteração não substancial da acusação, porquanto não representando eles qualquer novidade para o arguido, não justificam a preparação de uma complementar defesa. Assim sendo, não ocorrendo qualquer violação do preceituado nos Artsº 358 e 359, ambos do CPP, não padece a sentença recorrida da invocada nulidade, improcedendo, nesta parte, o recurso do arguido A..”

Referimo-nos, sim, aos factos provados 43-A) a 43-E) da sentença (sob a referência de “factos provados segunda sentença”).

Na alegação do recorrente, o aditamento destes factos integraria agora uma “alteração de factos” não comunicada ao arguido, e seria também ilegal por violar o AUJ nº 1/2015.

Na decisão uniformizadora, publicada já em data posterior ao anterior acórdão desta Relação, como se disse, o STJ fixou jurisprudência no sentido de que «a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358º do CPP.»

Na alegação do recorrente, para além do referido aditamento (dos pontos 43-A) a 43-E) nos factos provados) ser violador do acórdão uniformizador em referência, deveria ainda ser dado como “não escrito” por se tratar de “conclusões e não de factos”, motivo pelo qual “nos termos da lei não poderia o Tribunal a quo considerar os mesmos como provados”.

Acontece que a questão colocada foi decidida pela Relação no acórdão anterior, que muito justamente ordenou a inclusão de tais factos no tema da prova. E ordenou-a, por ter precisamente considerado que a matéria em causa, embora constante da acusação e da pronúncia, não havia merecido o tratamento que se impunha, na “decisão de facto” da sentença.

E se a Relação observou que tal matéria constava da acusação e da pronúncia (tendo sido, por isso, deixada fora da primeira sentença indevidamente), não faz sentido invocar agora o AUJ nº 1/2015, pois este visou precisamente uniformizar a jurisprudência aplicável nas situações opostas à que ocorre aqui. Ou seja, é aplicável aos casos em que ocorre uma insuficiente descrição factual do dolo na acusação, deficiência, essa sim, que não pode vir a ser suprida em julgamento. Essa insuficiência não ocorria na hipótese presente.

Também as repercussões da problemática “questão de facto versus questão de direito” na descrição dos enunciados em crise foi já objecto de apreciação.

Com efeito, no acórdão anterior da Relação pode ler-se: Descendo ao concreto da situação dos autos, constata-se que o tribunal a quo, com o devido respeito, não se pronunciou sobre matéria constante da acusação que se configura como essencial para a fixação deste elemento subjectivo dos crimes em causa.

Trata-se de três segmentos da acusação pública, acolhidos pela pronúncia, que o tribunal a quo ignorou, não os colocando nos factos provados nem nos não provados, os quais, sempre com o natural respeito por opinião contrária, se configuram como essenciais para o desenho da dimensão subjectiva dos ilícitos pelos quais o arguido A. foi objecto de condenação.

São eles os seguintes:
- “Os conteúdos das referidas notícias não correspondiam à verdade e os arguidos não tinham qualquer fundamento para os reputar como verdadeiros”

- “As notícias supra referidas e o destaque daquelas edições, ofenderam a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Ministério Público junto do departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa”

- “Ao atribuírem àqueles magistrados a falta de promoção da detenção do alegado autor de vários crimes de abuso sexual de menores, quando era seu dever, decorrente do exercício das suas funções, sugeriram com clareza que aqueles magistrados estariam incursos na prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”

Talvez que o tribunal a quo tenha entendido que se tratava de matéria conclusiva e, por isso, não a tenha julgado provada ou não provada.
Todavia, mau grado algum tom conclusivo que impende sobre a mesma - que deve ser expurgada na resposta respectiva - a verdade é que ela não só se reporta a factos concretos, como se revela essencial para a prova dos elementos subjectivo dos ilícitos em causa e ainda, em certa medida, sobre a própria configuração dos delitos, nomeadamente, no que respeita ao crime de difamação agravada.

Com efeito, a prova sobre a falsidade das notícias em causa – tendo por referência, naturalmente, a actividade dos assistentes ali descrita e o quadro factual que se lhes apresentou naquela busca domiciliária – e sobre a circunstância do arguido A. não poder, fundadamente considerar, que tais notícias eram verdadeiras, permitirá resolver, factualmente falando, todas as dúvidas que se colocam com o eventual preenchimento do nº 2 do artº 180 do C. Penal.

É certo que o tribunal discorre sobre essa matéria na fundamentação de direito, mas ignora-a em termos factuais, apesar dela estar especificamente relatada na acusação pública.

Caberia assim ao tribunal recorrido ter respondido se o conteúdo das referidas notícias – no que respeita, obviamente, à conduta dos assistentes que ali se descreve – é ou não verdadeira, assim se debruçando, tacitamente, sobre a questão do flagrante delito e se os arguidos tinham, ou não, algum fundamento para o reputar verdadeiro.

Igualmente caberia ao tribunal recorrido concretizar se das notícias em causa existiu uma efectiva ofensa á credibilidade, prestígio e confiança devidos ao DIAP, o que é algo diferente de se apurar que este organismo do MP se sentiu ofendido com as mesmas.

Por fim, não esclareceu o tribunal recorrido se os arguidos, com as ditas notícias, quiseram sugerir que os assistentes no exercício das suas funções, tinham incorrido na prática dos crimes de prevaricação e denegação de justiça.

Como se vê, são matérias decisivas para o desenho do dolo dos arguidos nos crimes que lhes eram imputados – ou para a formulação das circunstâncias que o excepcionem – o qual não pode ser preenchido pela genérica expressão «actuou livre, consciente e deliberadamente», que é, por isso insuficiente para cumprir as exigências de descrição do facto (doloso e em qualquer uma das modalidades previstas no Artº 14 do C. Penal) passível de sanção penal.

É que é também factualmente que tem de resultar que o agente quer e sabe que comete o crime pelo qual vem acusado, devendo por isso a base factual abranger esses domínios estruturantes do dolo – a intenção do cometimento do facto típico e ilícito e o conhecimento desse cometimento nesses moldes – sem os quais se torna impossível a consequente imposição do direito.

Daí que, apesar de se dizer na sentença recorrida, aquando da determinação da medida da pena, que o arguido «agiu com dolo directo», a verdade é que tal assunção não tem correspondência com os factos provados.

Há assim uma omissão de pronúncia, relativa aos factos atrás descritos, constantes da acusação e que o tribunal a quo sobre os mesmos não se pronunciou, fosse nos factos provados, fosse nos não provados.

Esta circunstância gera uma nulidade da decisão recorrida, nos termos do Art. 379º nº 1 al. c) do CPP, sanável pela baixa dos autos á 1ª instância para que seja proferida nova sentença, nos termos do nº 2 do mesmo comando legal.

Caberá assim ao tribunal recorrido proferir nova decisão, onde se dê cumprimento ao atrás exposto de modo a suprir tal nulidade, a qual, sendo de conhecimento oficioso, pois trata-se de um vício reportado ao Artº 374 do CPP, tem uma tramitação própria e diferenciada do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais (Cf., entre outros, Ac. da RL de 25/10/11, e jurisprudência citada na nota 12 do Ac. da RP de 01/02/12).”

A propósito da (necessidade de) descrição factual do dolo (e referimo-nos ao dolo do tipo), consigna-se também a nossa anuência à passagem do anterior acórdão desta Relação, que o recorrente arguido aliás reproduz nas suas conclusões 12ª e 13ª: “12.Tal como concretizou o Tribunal da Relação de Évora na decisão em recurso, “Sendo o crime, como bem se sabe desde os bancos da faculdade, doutrinariamente definido com facto típico, ilícito e culposo, os elementos da noção de crime, na definição de Cavaleiro Ferreira, “ … são partes do todo que é o crime, e não uma justaposição ou soma de elementos autónomos. Na análise do crime não se constrói a estrutura do crime pela sobreposição de elementos autónomos” (Lições de Direito Penal, I, 2010, pág. 85) Mas, se assim é, por razões metodológicas, de compreensão da norma e de correta subsunção de factualidade, há que decompor o crime em partes. A bipartição em tipo objectivo e tipo subjectivo é, como se disse, tradicionalmente seguida pela doutrina e unanimemente assumida pela jurisprudência; 13. Ora, não sendo o crime em causa punível a título de negligência (art. 13º do C. Penal), importa situar-nos na análise do tipo subjectivo do crime doloso de acção e/ou de omissão, na classificação quadripartida de Figueiredo Dias (Direito Penal, I, 2004, pág. 246), que se desdobra, muito sinteticamente, nas bem conhecidas componentes cognoscitiva ou intelectual e volitiva ou intencional, respectivamente correspondentes, ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto, sendo esta a estrutura do crime, especificamente no que ao dolo diz respeito, de todo o crime, por mais simples ou menos grave que seja, incluindo, aqueles pelos quais o arguido A. foi condenado.”

Revemo-nos no excerto reproduzido, tanto mais que ele é a transcrição do que temos repetido ipsis verbis em decisões várias que tiveram como relatora a presente, como pode ver-se no acórdão TRE de 11.09.2012 (proc. nº 43/12.1PAPTM, publicado em www.dgsi.pt) e noutros publicados posteriormente tendo já como Desembargadora-adjunta a do presente acórdão.

Por tudo, inexiste a invocada alteração de factos pretensamente não comunicada ao arguido e não ocorre também violação ao AUJ do STJ nº 1/2015.

3.2. a.2) Da impugnação, pelo arguido, da matéria de facto nova; a.3), a.4) e b.1) Da impugnação da matéria de facto pelos assistentes e dos vícios da sentença previstos no art. 410º, nº 2 do CPP

Os recursos dos assistentes encontram-se integralmente por conhecer, como se disse.

Dada a similitude encontrada nas questões colocadas e no modo como se encontram problematizadas, procede-se a apreciação conjunta, sem prejuízo das individualizações que se justifiquem.

Pela via do recurso amplo, os assistentes impugnam os factos não provados da sentença nos pontos 49. (Ambos os arguidos pretenderam que contra os assistentes fosse instaurado processo disciplinar e/ou criminal”) e 57-B (“Os arguidos ao atribuírem aos assistentes a falta de promoção da detenção do alegado autor de vários crimes de abuso sexual de menores, quando era seu dever, decorrente do exercício das suas funções, sugeriram com clareza que aqueles assistentes estariam incursos na prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”), factos que consideram dever passar a integrar os factos provados, face às provas que especificam e na argumentação que desenvolvem.

Pela via da arguição de vício de texto, impugnam ainda os factos não provados nos pontos 50) (“O arguido B.agiu sempre livre e conscientemente determinado, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”), 57-A) (“O arguido B. não tinha qualquer fundamento para reputar como verdadeira a situação de flagrante delito referida em 43-A)”) e 56) (“O Jornal X é propriedade da demandada civil”).

Já relativamente ao recurso do arguido, e na coerência do explicitado em 3.1., a impugnação da matéria de facto é de considerar restrita às conclusões 21. e 28. (do recurso), uma vez que o questionamento dos factos (provados) especificados em 23. e 30. da sentença (quer em sede de recurso da matéria de facto, quer em sede de pretensa violação dos arts 358º e 359º do CPP) foi já objecto de decisão no anterior acórdão (em sentido desfavorável ao recorrente), encontrando-se esgotantemente decidida.

Os três recorrentes pretendem, em suma, impugnar a matéria de facto lançando mão, quer do disposto no art. 412º, nº 3 do CPP, quer do disposto no nº 2 do art. 410º, nº 2 do CPP.

A impugnação da decisão na parte relativa à matéria de facto pode, efectivamente, processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº2, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado por revista alargada, ou por via do recurso amplo ou efectivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP.

O sujeito processual que discorda da “sentença de facto” e dela recorre pode, assim, optar pela invocação de um erro notório de facto, que é o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença podem também ser conhecidos oficiosamente, independentemente de arguição e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito, conforme acórdão uniformizador de 19.10.95) ou de um erro não notório de facto, que é aquele que a sentença por si só não demonstra.

No primeiro caso, a discordância deve traduzir-se na invocação de um vício da sentença e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de se socorrer de provas produzidas ou examinadas em audiência.

O recurso de facto, seja qual for o modo de impugnação adoptado, tem sempre na base uma discordância relativamente às conclusões a que o tribunal de julgamento chegou ao nível da factualidade, e essa discordância materializa-se, em recurso, na invocação de um erro de julgamento.

O recorrente arguido centra a impugnação no facto provado 43-A) (“A alusão nas notícias supra transcritas de que existia uma situação de flagrante delito não correspondia à verdade”), que deveria em seu entender ser considerado não provado, e pretende ainda que seja considerado provado que “o recorrente tinha fundamentos sérios para em boa-fé reputar a informação como verdadeira”.

Procede à indicação das provas em que funda a impugnação, fazendo-o por referência à prova gravada consistente em passagens das suas declarações e do depoimento da testemunha JC. São de considerar satisfeitas as exigências formais de impugnação da matéria de facto, uma vez que o recorrente procedeu ao cumprimento dos ónus de especificação dos pontos de facto com referência às concretas provas (art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP).

Do cotejo das declarações de arguido com o referido depoimento, defende o recorrente que resulta apenas que esta (testemunha) terá “discutido” a questão com o Arguido, onde ambos esgrimiram argumentos sobre a qualificação e enquadramento da questão, no conceito de flagrante delito” e que “não resulta do referido depoimento, que o Arguido tivesse ficado convencido de que a situação não se integrava, de todo, na de um “flagrante delito” e que das declarações do arguido deveria o tribunal ter retirado que “o tribunal “a quo” deveria ter considerado “provado” que “o Recorrente tinha fundamentos sérios para em boa-fé, reputar a informação como verdadeira””.

Procedendo-se, então, à sindicância da “sentença de facto” (consistente sempre nos factos provados e não provados e no exame crítico das provas) no confronto das razões da discordância apresentada pelo recorrente e sustentada nas concretas provas que indica, adianta-se nada justificar que se conclua agora no sentido da incompreensibilidade da ausência de dúvida razoável, por parte do juiz de julgamento, relativamente ao facto provado, assim sucedendo, mutatis mutandis, relativamente ao facto não provado.

Na verdade, justificou-se na sentença:

“Número 43-A): De harmonia com o disposto no artigo 256º, n.º 1, do Código de Processo Penal “É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer”. Cotejando esta definição legal com a factualidade provada compreendida no facto provado número 19), é possível concluir, sem qualquer margem para dúvida, que, na vertente de se estar a cometer um crime, efectivamente, não se verificava qualquer situação de flagrante delito. Mutatis mutandis, na vertente de existir flagrante delito, por se ter acabado de cometer um crime, uma vez que o quadro fáctico constante do aludido facto provado, que se deparou às assistentes e aos agentes da Polícia de Segurança Pública (AB, JC, JR, NR) que tiveram intervenção na diligência em causa, não permitia concluir nesse sentido, conforme por todos explicado em sede de audiência de julgamento. Acresce que, é evidente, que o facto de uma pessoa ser suspeito da prática de crime de abuso sexual de menor e na sua casa ser encontrado um menor aí a pernoitar, inexistindo qualquer outra prova, como era o caso, não permite concluir pela aludida situação de flagrante delito, por se ter acabado de cometer um crime.

Assim, está demonstrada a falta de verdade da factualidade em apreço.

Número 43-B): O assistente negou ter estado no local, o que foi corroborada pelas declarações de ambas as assistentes, logo jamais poderia ter detido o suspeito. Por outro lado, conforme já evidenciado não existia uma situação de flagrante delito, logo o suspeito não poderia ser legalmente detido, por falta de base legal. Assim, está demonstrada a falta de verdade da factualidade em apreço.

Número 43-C): Ambas as assistentes negaram ter visto o menor deitado na cama do suspeito, bem como a existência das provas em apreço. Assim, está demonstrada a falta de verdade da factualidade em apreço.

Número 43-D): O arguido A. tinha conhecimento que o suspeito não foi detido, o que evidenciava, à saciedade, mesmo para um jornalista, que não verificava uma situação de flagrante delito, pois se assim não fosse, o magistrado do Ministério Público não estaria a ser diligente no desempenho da sua função. Por outro lado, provou-se que na tarde do dia 17.09.2009, o arguido A. contactou JC, agente da Polícia de Segurança Pública, o qual lhe explicou que aquando da busca em apreço não se tinha verificado qualquer situação de flagrante delito, logo, é evidente que o arguido, ao menos, no que concerne à notícia publicada no dia 18.07.2009, quando refere a existência de uma situação de flagrante delito, sabia que esta situação não correspondia à verdade. Acresce, ainda, que se impunha que o arguido tivesse, pelo menos, tentado o contacto com os assistentes, o que o mesmo não alegou nem provou, nem resultou da prova produzida em audiência, ou seja, impunha-se que o arguido tivesse respeitado o estatuído na alínea e) do artigo 14º do Estatuto do Jornalista - aprovado pela Lei 1/99 - (os jornalistas devem procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem). Assim, está demonstrada a falta de fundamento para reputar como verdadeira a situação de flagrante delito.”

Do transcrito resulta que os factos provados não só se encontram suficientemente justificados no exame crítico da sentença, como das provas agora especificadas nada se retira de diverso ou de diferente do considerado pelo juiz de julgamento, no sentido de se evidenciar um erro de julgamento. As provas não impõem decisão oposta à tomada.

Na verdade, nos excertos especificados das declarações do arguido resulta até que este reconheceu em julgamento ter noticiado factos que não correspondiam à verdade. Ou seja, o menor não se encontrava realmente na cama do visado aquando da busca, e não foram encontradas na casa do visado quaisquer fotografias de menores, de cariz sexual.

É certo que o recorrente referiu em julgamento ter sabido da falsidade só posteriormente. Mas sucede que do depoimento que especifica resulta também que lhe fora previamente comunicada e explicada, pela testemunha, a situação de ausência de flagrante delito. Flagrante delito em sentido técnico-jurídico, como aqui defende em recurso, mas também no sentido que o termo adquire na linguagem comum (que afinal não difere muito daquele). Pois é sobretudo deste sentido que se trataria aqui, do sentido que os vocábulos adquirem correntemente. Só assim se compreende a utilização da expressão “flagrante delito” nos artigos que o arguido subscreveu, publicados no Jornal “X” e destinados logicamente ao seu público (ao público do diário em causa e, não, a especialistas em direito).

Das provas resulta, igualmente, que o arguido não procurou esclarecer-se nem informar-se junto dos Procuradores visados na notícia. Ou seja, nada fez para confirmar, ou infirmar, uma circunstância concretamente tão importante no contexto da notícia, como seja a existência ou não de um flagrante delito de “pedofilia”.

Por último, lembra-se que o recurso em matéria de facto visa a reparação de erros de facto, não é um segundo julgamento, como vêm afirmando, sem dissensão, a jurisprudência e a doutrina.

A Relação não reaprecia as provas na mesma medida em que o faz o tribunal de julgamento, o que sucede, desde logo, porque o objecto do recurso não coincide com o objecto da decisão do tribunal de julgamento (este decide sobre a acusação, aquele decide sobre a sentença), mas também, e sobretudo, porque a segunda instância não se encontra em idêntica posição perante as provas – não dispõe de uma imediação total (embora tenha uma imediação parcial, relativamente às provas reais e à componente voz da prova pessoal) e não interage com a prova pessoal (estando impedida de questionar directamente e de orientar o decurso da produção da prova).

Tem de aceitar-se, assim, que existe uma impressão causada no julgador, pelo prestador da prova oral (nesta assumindo particular destaque o arguido e a testemunha, o que disseram e como disseram) que a imediação em primeira instância possibilita ao nível mais elevado. E tem de aceitar-se, em interpretação não desconforme à Constituição, que no modelo de recurso plasmado no Código de Processo Penal existe uma margem de insindicabilidade na decisão do juiz de primeira instância, sobre a matéria de facto.

Por tudo o que se disse, e olhando o caso no confronto das razões do recurso com a decisão da matéria de facto da sentença e a sua fundamentação (que inclui os factos provados, os não provados e a sua explicação de acordo com as provas examinadas em julgamento) resulta que do recurso do arguido nada se retira quanto ao reconhecimento de um erro de julgamento.

A sentença, no exame crítico da prova, responde às objecções suscitadas, nada sendo de retirar das provas especificadas que imponha decisão oposta à tomada ali.

Permanece suficientemente justificada, tanto a demonstração do facto provado impugnado - “A alusão nas notícias supra transcritas de que existia uma situação de flagrante delito não correspondia à verdade” – como a ausência de demonstração do facto não provado igualmente questionado - “o arguido tinha fundamentos sérios para em boa-fé reputar a informação como verdadeira”.

Do exposto resulta já que inexiste também a manifesta oposição entre o facto constante do ponto 19) da matéria provada com a matéria constante do ponto 43-A)”, alegada na conclusão nº 20 do recurso do arguido.

Atendo-nos agora à estrita apreciação dos enunciados linguísticos em confronto, exclusivamente com vista à detecção de alguma eventual contradição insanável entre ambos, constata-se que, do circunstancialismo (provado) descrito em 19., não se retira que a situação descrita configure necessariamente um flagrante delito (ou mesmo quase flagrante delito) de crime contra a autodeterminação sexual, ou seja, que os enunciados linguísticos se excluam mutuamente no seu sentido.

Da descrição do ponto 19. resulta apenas que, aquando da busca, foi possível constatar que no interior da residência em causa se encontrava um adulto, de boxers, e um menor de 13 anos, este de cuecas e a dormir. A casa teria só um quarto, onde estaria a dormir o menor, mas do ponto 19. não resulta que adulto e menor tenham sido surpreendidos a pernoitar em conjunto, a compartilhar a mesma cama ou até o mesmo quarto (a casa teria pelo menos mais uma sala…). Também a circunstância de se encontrarem de cuecas e boxers sofre a desvalorização decorrente dos factos se passarem em meados de Julho, ou seja, em época de muito calor.

Nenhuma contradição insanável se detecta, pois, entre os dois factos provados em apreciação.

Consigna-se, também, a correcção do juízo de “provado” formulado quanto aos factos do dolo do tipo considerados como tal, agora na vertente do segmento objectivo impugnado, ou seja, do “querer” e do “saber” relativo à inexistência de uma concreta situação de flagrante delito.

Os factos que integram o dolo, os actos interiores ou internos, por respeitarem à vida psíquica raramente se provam directamente. Na ausência de confissão, em que o agente reconhece ter sabido e querido os factos do tipo objectivo, a prova do dolo faz-se por ilações, a partir de indícios, através de deduções retiráveis do comportamento global, exterior e visível do agente e de todos os factos externos avaliados no seu conjunto. O julgador decide sobre a factualidade relativa ao dolo apreciando e justificando se o agente terá agido internamente da forma como o terá revelado externamente.

Reportando-se aos factos do tipo objectivo, traduzindo-se num conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, é natural e normal que os factos do dolo possam derivar daqueles. Tal não significa que assim seja sempre e necessariamente. O dolo não se presume, a prova é “particularística sempre” e “o caso concreto pode ficar fora do caso típico” (Paulo de Sousa Mendes, A prova penal e as Regras da experiência, Estudos em Homenagem ao prof. Figueiredo Dias, III).

Mas no presente caso a sentença explica, de modo racional e lógico, por que razão, tendo sido dada como provada toda a actuação “externa e visível” do arguido, já analisada, foi também viável retirar dela os “factos do dolo”, o que, apesar de não expressamente impugnado nesta vertente, não quis deixar de se consignar.

A impugnação da matéria de facto soçobra também na parte referente aos recursos dos assistentes, à excepção dos pontos de facto que se referirão a final.

Como se enunciou, pela via do recurso amplo os assistentes impugnam os factos não provados da sentença nos pontos 49. (“Ambos os arguidos pretenderam que contra os assistentes fosse instaurado processo disciplinar e/ou criminal”) e 57-B (“Os arguidos ao atribuírem aos assistentes a falta de promoção da detenção do alegado autor de vários crimes de abuso sexual de menores, quando era seu dever, decorrente do exercício das suas funções, sugeriram com clareza que aqueles assistentes estariam incursos na prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”).

As provas especificadas consistiram aqui nos excertos de declarações dos assistentes e de depoimentos das testemunhas MM, AC e de CS.

Na argumentação dos assistentes, ancorada nos excertos de prova que especificam, a sentença não teria valorado estes depoimentos, dos quais resultaria que, em consequência da prolação das notícias, “foram solicitados aos assistentes, pela hierarquia do Ministério Público, esclarecimentos tendentes à averiguação preliminar das condutas que lhes eram imputadas. Tal averiguação, levou a que inicialmente fossem prestados esclarecimentos imediatos via telefone, fax e posteriormente por ofício, os quais foram prestados perante a Procuradora Geral Adjunta, Directora do DIAP de Lisboa e também perante a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa”.

Retiram daqui os assistentes que “deste modo não poderia a sentença ter deixado de concluir que os arguidos bem sabiam ou necessariamente representaram que tais conteúdos constituíam faltas disciplinares e consequentemente, contra os assistentes seria instaurado procedimento.”

Mantêm-se as considerações de ordem genérica sobre recurso em matéria de facto efectuadas a propósito do arguido, particularmente as respeitantes à delimitação dos poderes da Relação. E das provas especificadas não se retira uma imposição de decisão oposta à tomada na sentença, relativamente aos factos não provados aqui impugnados.

Na verdade, uma coisa é a publicação da notícia ter dado realmente lugar a “averiguações” sobre a conduta profissional dos assistentes, coisa diferente (e que não o implica necessariamente) é os arguidos, com a sua actuação noticiosa, “pretenderem que contra os assistentes fosse instaurado processo disciplinar e/ou criminal” ou terem “sugerido com clareza que aqueles assistentes estariam incursos na prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”.

As provas especificadas não alteram a coerência do decidido na sentença, tanto mais que o exame crítico da prova explica suficientemente o resultado probatório a que, neste ponto, o tribunal chegou.

O quadro de vida configurado em julgamento, sempre na limitação do caso processualizado, é certo, evidencia as peculiaridades em que o tribunal mostra ter atentado, e as explicações factuais da sentença mantêm-se válidas.

Pode ler-se na sentença: “Número 49): Ausência de prova concludente a este respeito. De facto, não tendo sido feita prova que existia qualquer desentendimento entre os arguidos e os assistentes, não é crível, de todo, face às regras da experiência comum, que os arguidos visassem a intenção em apreço. Por outro lado, não existe uma prova segura que os arguidos tenham representado a instauração de um procedimento disciplinar ou criminal como consequência necessária da publicação das notícias em apreço, pois para assim se concluir, necessário seria que, em momento prévio, os arguidos tivessem representado que os assistentes por via da sua actuação tivessem praticado um qualquer crime, nomeadamente de prevaricação e denegação de justiça, o que não se afigura verosímil, dado aos arguidos não ser conhecidos especiais conhecimentos de direito, razão pela qual, também, não se dá como provada tal hipótese.”

O conhecimento, em recurso, da questão relativa ao “erro de facto” precede, por regra, o do do “erro de direito”. O erro de direito assenta num incorrecto enquadramento jurídico de factos, o que pressupõe a estabilização prévia da matéria de facto a tratar juridicamente. À semelhança do que sucede com a elaboração da sentença, na decisão do recurso cuida-se da questão de facto com precedência à questão de direito.

No entanto, a questão de facto em análise não dispensa, em concreto, a pré-compreensão do direito a aplicar, e a precedência-regra no tratamento da questão de facto sobre a questão de direito não permite agora o tratamento dissociado das duas questões (que aqui impressivamente se entrecruzam, no “insolúvel círculo lógico” referido por Castanheira Neves).

Na verdade, os enunciados fácticos referentes a um “dolo de denúncia caluniosa” (a descrição factual do tipo subjectivo do crime) foram formulados e estão apreciados na decorrência de uma determinada “interpretação de sentido” dada aos factos do tipo objectivo praticados pelos arguidos, no contexto da globalidade do episódio de vida em que se inserem e no âmbito do qual têm de ser valorados, e tendo, por fim, em conta as especificidades que o concreto tipo subjectivo assume.

Se o dolo não se presume, mesmo o genérico e em qualquer das modalidades do art. 14º do CP, assim sucede mais impressivamente quando o tipo exige um dolo específico, como ocorre no caso do presente, ou seja, quando o tipo de ilícito exige determinados elementos para além do dolo genérico, um elemento subjectivo especial.

O tipo subjectivo da denúncia caluniosa (art. 365.º, n.ºs 1 e 2, do CP) requer, além do mais, que o agente aja com consciência da falsidade da imputação e com intenção de que contra a pessoa visada seja instaurado procedimento, podendo o dolo revestir as duas formas previstas nos nºs 1 e 2 do art. 14º do CP (dolo directo e dolo necessário), mas sendo seguramente de excluir a punibilidade a título de dolo eventual, previsto no nº 3 do art. 14º do CP (assim, Costa Andrade, Comentário Conimbricense ao Código Penal, III, p. 548-51).

Num processo penal em que inexiste repartição de ónus de prova e em que a dúvida razoável beneficia sempre o arguido, a explicação dada na sentença para a não demonstração do facto em crise (a prova da específica intenção “instauração de procedimento” que teria norteado a actuação externa dos arguidos) continua válida. E as razões invocadas pelos assistentes não a abalam, como se disse.

É certo que esse facto, que seria aquele que no articulado da acusação completaria o tipo subjectivo do concreto crime imputado, poderia ter resultado dos restantes factos provados. Isso não constituiria uma impossibilidade. Mas do episódio de vida em apreciação não se retira que a instauração de procedimento contra os visados na notícia tenha sido o motivo predominante da actuação dos arguidos, ou que tenha sido sequer um dos seus motivos. Quanto muito, poder-se-ia ter deduzido (factualmente) que pudessem ter admitido essa consequência como possível e que tivessem actuado conformando-se com essa possibilidade.

Porém, o tipo subjectivo do crime em apreciação exigiria mais do que isso, mais do que a simples previsão com conformação próprias de um dolo eventual.

Assim sendo, não é detectável, também aqui, o erro de facto. E o que se disse sobre a intenção (directa e/ou necessária, mas sendo insuficiente a “eventual”) de que contra a pessoa visada seja instaurado procedimento, vale tanto na vertente de procedimento criminal como de procedimento disciplinar, pelo que inexiste a omissão de pronúncia invocada na conclusão nº 77 do recurso do assistente.

Pela via da arguição de vício de texto, os assistentes impugnam ainda os factos não provados nº 50) (“O arguido B. agiu sempre livre e conscientemente determinado, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”), nº 57-A) (“O arguido B. não tinha qualquer fundamento para reputar como verdadeira a situação de flagrante delito referida em 43-A)”) e nº 56) (“O Jornal X é propriedade da demandada civil”).

Invocam os vícios da contradição entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova, previstos nas alíneas b) e c) do nº 2 do art. 410º do CPP, respectivamente

O erro notório na apreciação da prova consiste num erro (ignorância ou falsa representação da realidade) evidente, facilmente detectado, e resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum. Consiste em considerar-se provado algo notoriamente errado, que não pode ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador das regras da experiência comum. É uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si (…) Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se respeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 74).

Já a contradição insanável da fundamentação e da fundamentação e da decisão ocorre quando a fundamentação da decisão recorrida aponta no sentido de decisão oposta à tomada, ou no sentido da colisão entre os fundamentos invocados. É uma “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a decisão probatória e a decisão. Ou seja, há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os factos provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 71).

Relativamente aos factos nº 50 e nº 57-A, adianta-se que estes vícios de texto da sentença não se verificam, pois o resultado de “não provado” a que se chegou encontra-se suficientemente suportado nas provas produzidas e na apreciação que delas foi feita no exame crítico, inexistindo também colisão entre os factos ou entre estes e a fundamentação.

Defendiam os recorrentes que não podia ter-se concluído que o arguido B. não sabia que o teor das notícias não era verdadeiro, que era ofensivo da honra e consideração dos assistentes e que a sua conduta era punida por lei; que a única conclusão possível, consequente e necessária, seria a de que também este arguido quis a publicação das notícias com aqueles conteúdos ofensivos da honra e consideração dos assistentes e com os títulos que ele próprio elaborou, sabendo que as mesmas não eram verdadeiras.

Como nos termos do nº 2, al. b), do art. 180º do CP, para que a conduta não seja punível o o agente tem que “provar a verdade da imputação ou ter fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira”, e como nos termos do art. 20º, nº 1, al. a), da Lei de Imprensa são funções do director “orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação”, não tendo sido provado na sentença que o arguido se opôs, através de qualquer acção, à publicação dos artigos em causa, segundo os recorrentes assistentes teria necessariamente que retirar-se conclusão diversa daquela que se tirou quanto ao arguido B..

Mais uma vez, matéria de facto e matéria de direito se entrecruzam aqui, mostrando-se acertadas as considerações jurídicas formuladas em abstracto pelos assistentes. No entanto, destas considerações abstractas não se retira que, no caso em análise, inexistisse necessariamente um fundamento sério para este arguido pudesse ter reputado o teor da notícia como verdadeiro.

Na verdade, da globalidade dos factos objectivos provados resulta que a situação de ausência de flagrante delito se apresentava como algo que, em concreto, não era aparentemente evidente. Não se apresentava claro para um terceiro, posição que, para o efeito, ocupava o arguido B.. Para um terceiro que não o arguido A. pessoa sobre a qual recaiu o especial dever de se informar, dever que não só em concreto incumpriu nos moldes determinados, designadamente procurando ouvir os visados, como desconsiderou os esclarecimentos adequados que obteve, todos em sentido oposto ao depois por si noticiado. Mas uma coisa é o que o arguido A. sabia sobre a ausência de flagrante delito, outra, o que saberia disso o co-arguido B..

Assim, contrariamente ao que os assistentes pretendem, continua a fazer sentido a passagem da motivação da matéria de facto relativa ao facto nº 50: Face ao que supra se provou, e não provou, ausência de prova concludente a este respeito, sendo certo que, o facto deste arguido ter tido conhecimento prévio das notícias não conduz necessariamente à conclusão que o arguido soubesse que a sua actuação era proibida por lei, pois para tanto era preciso que se provasse, o que não aconteceu, que o mesmo sabia que não existia uma situação de flagrante delito”.

Da circunstância do arguido A. saber da inverdade do teor da notícia que relatava (e este facto está realmente demonstrado), não decorre necessária e forçosamente esse mesmo conhecimento por parte do co-arguido, como se disse.

Daí que a argumentação dos assistentes - de que “se o arguido A. já sabia antes de publicadas as notícias, que “a situação detectada aquando da busca não consubstanciava o conceito de flagrante delito”, além de nesse dia, ter sido expressamente informado e ainda como resultava do comunicado emitido pela PSP do qual tomou conhecimento que não tinha havido qualquer situação de flagrante delito, como é possível que o arguido B. não soubesse?” - não consiga evidenciar um “erro notório na apreciação da prova”

Nenhuma contradição inexiste também “com o nº 31 da fundamentação: Tendo o arguido B. admitido (…) que teve conhecimento em termos gerais, através do arguido A., das notícias em apreço, não é possível concluir de outros moldes, pois uma coisa é ter tido conhecimento da notícia, do teor da notícia e do que lhe foi transmitido pelo arguido A., outra o ter sabido (conhecido e querido) da falsidade dos relatos.

Daí que do acórdão do STJ de 10.07.2008 (Rel. A.s Gaspar) citado no recurso também nada se retira em sentido oposto ao que afirmamos, como resulta da leitura dos excertos transcritos pelos recorrentes:

“XXV- Da conjunção normativa dos arts. 19.º a 21.º e 29.º da Lei 2/99, de 13-01 (Lei de Imprensa), sobre as competências e as obrigações do director, resulta que, por directa imposição da lei, a orientação e a determinação do conteúdo da publicação competem àquele – ou a quem legalmente o substitua nas ausências e impedimentos –, ficando constituído em primeiro e último responsável pelos «escritos ou imagens» inseridos em publicação periódica que dirija (cf., também, Ac. do STJ de 14-05-2002, Proc. n.º 4212/01, e Ac. do TC n.º 270/87, BMJ 369.º/250).

XXVI - A imputação ao director da publicação do «escrito», que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento, integra, na construção conceptual, uma presunção legal, que dispensa o interessado da prova do facto (o conhecimento, a aceitação e a imputação da publicação) a que a presunção conduz (art. 350.º, n.º 1, do CC), admitindo, porém, que o onerado ilida a presunção mediante prova em contrário (art. 350.º, n.º 2, do CC). Deste modo, demandado civilmente o director, e vista a amplitude da formulação dos termos da responsabilidade e da consequente presunção, basta invocar os factos que integrem o ilícito (no caso, a publicação do «escrito») e a qualidade de director do demandado, cabendo a este ilidir a presunção, alegando e provando que o escrito foi publicado sem o seu conhecimento ou com oposição sua ou do seu substituto legal.”

Note-se que a passagem transcrita é a conclusão de um sumário que se inicia e desenvolve do modo seguinte, não referido no recurso:

“I -O art. 71.º do CPP («processo de adesão») consagra a interdependência das acções penal, para aplicação das reacções criminais adequadas, e civil, para a reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado causa.

II - A interdependência das acções significa que mantêm a independência nos pressupostos e nas finalidades (objecto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção, e a acção civil dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (art. 129.º do CP) nos respectivos pressupostos, e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das acções significa, pois, independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível ao processo penal.

III - Aderindo ao processo penal, o pedido («a acção») para indemnização civil mantém, no entanto, alguma autonomia funcional, quer por regras procedimentais próprias a que está vinculado (art. 73.º e ss. do CPP), quer pela possibilidade de intervenção dos responsáveis meramente civis que, enquanto tais, seriam extraneus no processo penal.

IV - A obrigatoriedade, como regra, da adesão (que só por excepção e nos casos enumerados cede – art. 72.º do CPP, permitindo-se, então, o uso autónomo dos meios processuais civis), determina, porém, para respeitar a finalidade funcional do princípio, que a autonomia qualitativa dos pressupostos se sobreponha e exija a continuidade instrumental do processo para apreciação do pedido de indemnização sempre que, cedendo por circunstâncias próprias a acção penal, se mantenham, ainda assim, em aberto possibilidades de verificação dos pressupostos da reparação civil.

V - Os fundamentos da acção que, aderindo ao processo penal, ficam interdependentes, sendo qualitativamente diversos, têm, no entanto, que revelar uma unidade material que constitui a base relevante para a verificação, positiva ou negativa, dos respectivos pressupostos. A reparação fundada na prática de um crime reverte, na base, às correlações factuais e ao complexo de factos que constituem, ou são processualmente identificados como constituindo, um crime: tipicidade dos factos, ilicitude, imputação ao agente, dignidade penal.

VI - Consistindo a ilicitude penal numa «ilicitude qualificada», não está excluído que uma base factual, com autonomia e identidade próprias, que não atinja a dimensão «qualificada» do nível de ilicitude, possa suportar ou exigir uma valoração de outro nível segundo uma outra fonte de antinormatividade, nomeadamente no plano dos pressupostos da responsabilidade civil.

VII - Deste modo, se o arguido for absolvido de um crime e subsistir, apesar da absolvição, uma base factual com autonomia que suscite, ou permita suscitar, outros níveis de apreciação da normatividade como pressuposto ou fonte de indemnização civil (autonomia qualitativa dos pressupostos), haverá que considerar o pedido de reparação civil (dependência ou adesão especificamente processual) que se possa fundamentar nos mesmos factos – seja responsabilidade por facto ilícito, seja responsabilidade pelo risco.”

Como se vê, tratava-se ali de uma absolvição em matéria penal, tendo sido considerado, naquele processo, que o director do jornal não incorrera em responsabilidade criminal. Assim, a citação em causa de nada serve à demonstração do pretenso erro de apreciação da prova dos factos relativos à responsabilidade criminal. A condenação proferida naquele processo foi-o em matéria civil, e porque, naquele caso, se verificaram os pressupostos da obrigação de indemnizar.

Não se detectam, pois, na sentença, os vícios de contradição entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova relativamente aos dois pontos de facto em causa.

Resta apreciar a justificação que a sentença expõe para o ponto de facto nº 56) (“O Jornal X é propriedade da demandada civil”) também questionado e considerado ali como não provado.

Neste ponto, assiste razão aos recorrentes assistentes.

Como justificação da não demonstração do ponto de facto sobrante, disse-se no exame crítico das provas: “nº 56): Total ausência de prova a este respeito, sendo certo que o ónus da prova desta concreta factualidade incumbe aos assistentes, não tendo o tribunal que diligenciar pela obtenção da mesma, sendo ainda certo que, o facto de a demandada não ter contestado este facto, não conduz necessariamente à prova desta factualidade, dado que de harmonia com o disposto no artigo 78º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a falta de contestação do pedido de indemnização civil não implica confissão dos factos.”

Como referem agora os assistentes, a demandada P., S.A. foi absolvida do pedido cível contra si deduzido, porquanto, “os assistentes apesar de alegarem, não provaram que o Jornal X é propriedade da demandada civil.”

Mas como os mesmos argumentam, “foi produzida no processo prova de que o X é propriedade daquela sociedade; A responsabilidade criminal pela elaboração e publicação da notícia no jornal “CM” foi imputada ao arguido A. jornalista, o qual trabalha para o referido jornal, perante tal factualidade é inquestionável que a “P...,SA.”, também ela, deve ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização considerada devida; A assistente/demandante deduziu o pedido cível contra a P...,SA., ofereceu a prova que consta da acusação e por conseguinte a prova dos autos”.

E acompanhando sempre a argumentação dos assistentes, que é inteiramente de sufragar, “Nos autos constam como prova 4 apensos, que constituem apensos I, II, III, IV, os quais contêm elementos probatórios de que a "P…., SA" é proprietária do X.

Cada um desses apensos corresponde a uma edição completa do X.

No apenso I – consta uma edição do X, datada de 17/07/2009, na qual na página 15 daquela edição consta que a P...,SA.”, é proprietária do X.

No apenso II, consta uma edição do X, datada de 18/07/2009, na qual na página 14 daquela edição consta que a P...,SA.”, é proprietária do X.

No Apenso III, consta uma edição do X, datada de 19/07/2009, na qual na página 18 daquela edição consta que a P...,SA.”, é proprietária do X.

No apenso IV, consta uma edição do X, datada de 21/07/2009, na qual na página 15 daquela edição consta que a “P...,SA.”, é proprietária do X.

O artº 15 da Lei da Lei nº 2/99, de 13/0, (Lei de Imprensa), impõe que:

“….2 - As publicações periódicas devem conter ainda, em página predominantemente preenchida com materiais informativos, o número de registo do título, o nome, a firma ou denominação social do proprietário, o número de registo de pessoa colectiva, os nomes dos membros do conselho de administração ou de cargos similares e dos detentores com mais de 10% do capital da empresa, o domicílio ou a sede do editor, impressor e da redacção, bem como a tiragem. “

Ao absolver a demandada “P” do pedido Cível, o tribunal "a quo", ignorou a obrigação de publicação daqueles dados e como tal do que consta de tal preceito legal.

Por sua vez, ao exigir, qua a assistente fizesse de novo prova já feita no processo, tal constituiria a prática de um acto inútil.”

A sentença, deve tomar em consideração os factos que considere provados – nomeadamente por documentos - desde que se considere que se trata de factos alegados pelas partes.”

O facto conducente à prova da propriedade do X foi alegado pelos assistentes, porém, não foi considerado como provado, não obstante existir nos autos prova documental desse facto, nos apensos acima enunciados.

Doutro passo, a demandada Cível “P...,SA.”, foi notificada como proprietária do X, do peticionado pedido cível, e assumindo essa qualidade veio apresentar contestação ao Pedido de Indemnização Cível, não tendo suscitado a sua ilegitimidade, assumindo nos autos a qualidade de demandada Cível, como proprietária do Jornal “X”.

Não tem pois qualquer cabimento nem sustentação legal a decisão de absolver da instância a demandada P...,SA., por falta de prova da propriedade do X.

115. Não foi indicada como matéria de facto provada como se impunha, que a Sociedade “P...,SA.”, é proprietária do X (nº 56 dos factos não provados), tal está em manifesta contradição com o constante dos apensos I, II, III e IV, dos autos, pelo que ao assim decidir a decisão sob recurso violou o artigos 71.° a 73 do C.P. Penal, pelo que tal constitui ainda um erro notório na apreciação da prova a que alude o artº 410º nº 2 al. c) do CPP”.

A clareza da argumentação desenvolvida e a consignação do seu acerto dispensam outra fundamentação.

De acrescentar apenas que, na resposta ao recurso, a demandada P, que nunca contestou no processo a sua qualidade de proprietária do jornal, continuou a não contestar esse facto sobre o qual nem se pronunciou.

E se é certo que o art. 78º, n.º 3, do CPP preceitua que a falta de contestação do pedido de indemnização civil não implica confissão dos factos, é também conhecida a razão de ser da estatuição em causa. Ela visa assegurar que o arguido não seja prejudicado pela circunstância de decidir permanecer em silêncio relativamente a factos que lhe são imputados, num processo penal em que o facto criminoso imputado na acção penal é simultaneamente o facto ilícito objecto da acção cível enxertada.

É esta compatibilização que o art. 78º do CPP tem de assegurar, que não está de todo em causa no que respeita a uma demandada parte civil não arguida e ao concreto facto em crise.

A acção cível enxertada não perde totalmente as suas características de acção civil. Mantém natureza híbrida e afeiçoa-se às regras do processo penal de modo a assegurar os direitos do arguido, num processo penal essencialmente construído para o arguido. A prova do facto em causa seria sempre indiferente à decisão sobre a responsabilidade penal dos arguidos. E beneficiá-los-ia até, concretamente, em sede de responsabilidade civil. No presente contexto, fica por compreender o rigor cego colocado na apreciação da prova do facto em causa, tanto mais que essa prova encontra-se nos autos. Ela consiste nos documentos que os assistentes especificam em recurso.

Ao ter entendido diferentemente, o tribunal incorreu num erro de julgamento que resulta evidente no texto da sentença.

Procede-se à sua correcção, nos termos peticionados pelos recorrentes, devendo o facto nº 56 “O Jornal X é propriedade da demandada civil” passar a integrar a matéria de facto provada da sentença.

Para concluir a decisão dos recursos em matéria de facto, e embora não directamente suscitado, cumpre proceder à reparação oficiosa de um vício da sentença (AFJ do STJ de 19.10.95).

A “sentença de facto” enferma de erro (notório) na apreciação da prova relativamente a um dos enunciados cuja inclusão na matéria de facto fora ordenada no anterior acórdão da Relação. Referimo-nos ao facto provado43-E) As notícias supra referidas e o destaque daquelas edições, ofenderam a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Ministério Público junto do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa”, que deverá passar a integrar os factos não provados da sentença.

Tratando-se de um enunciado conclusivo, teria de conseguir retirar-se (esse enunciado) de outros factos provados que lhe servissem de premissa. Mas assim não sucede.

Na verdade - como se dirá melhor em sede de integração jurídica dos factos provados e no conhecimento dos recursos em matéria de direito (mais uma vez facto e norma se entrecruzam aqui impressivamente) - resulta do episódio de vida em apreciação que o visado nas notícias (visado no sentido de identificado como o responsável dos procedimentos altamente negativos noticiados) foi JG Procurador; JG Procurador, mais do que o Procurador JG (como se desenvolverá adiante).

Da leitura das notícias, da análise minuciosa dos factos noticiados e das suas circunstâncias, não se deduz, e não se retira como conclusão, que a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Ministério Público e ao Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa tenham sido atingidos (tenham sido os atingidos), ou seja, que o tenham sido de modo suficientemente significativo ou com a intensidade que sempre se exigiria aqui.

A demonstração deste facto, que passa agora a integrar a matéria de facto não provada da sentença, terá resultado ali de uma determinada compreensão menos correcta do direito do caso, a qual não é de sufragar, como se explicará melhor adiante.

Estabilizada a matéria de facto, passa a conhecer-se dos recursos em matéria de direito.

3.2.b) Questões colocadas na mera decorrência dos recursos da matéria de facto e/ou questões prejudicadas pelo conhecimento dos recursos da matéria de facto

Algumas das questões suscitadas em matéria de direito mostram-se formuladas na decorrência da eventual procedência das impugnações da matéria de facto. Estas impugnações procederam parcialmente, o que se repercutirá em matéria de direito.

Na parte do(s) decaimento(s), há que consignar agora a ausência de base factual bastante que permita a (e conduza à) identificação dos erros de direito (erros de subsunção) correspondentes, invocados nos três recursos.

Assim sucede quanto a toda a matéria respeitante à totalidade da responsabilidade (penal e civil) do arguido B. e à responsabilidade do arguido A. pelo crime de denúncia caluniosa, ou seja, aos pontos identificados em 3.2.b.7) Absolvição dos arguidos do crime de denúncia caluniosa; 3.2.b.8) Absolvição do arguido B. do crime de difamação agravada; e 3.2.b.10) Absolvição deste mesmo arguido do pedido de indemnização civil.

Gorada a demonstração dos factos nº 49 (“Ambos os arguidos pretenderam que contra os assistentes fosse instaurado processo disciplinar e/ou criminal”), nº 57-B (“Os arguidos ao atribuírem aos assistentes a falta de promoção da detenção do alegado autor de vários crimes de abuso sexual de menores, quando era seu dever, decorrente do exercício das suas funções, sugeriram com clareza que aqueles assistentes estariam incursos na prática do crime de prevaricação e denegação de justiça”), nº 50 (“O arguido B. agiu sempre livre e conscientemente determinado, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”), nº 57-A (“O arguido B. não tinha qualquer fundamento para reputar como verdadeira a situação de flagrante delito referida em 43-A”), há que reconhecer a correcção da absolvição total do arguido B., da absolvição do arguido A. do crime de denúncia caluniosa, proferidas na sentença.

Na verdade, começando pelo crime de denúncia caluniosa, e como se disse já, uma coisa é a publicação duma notícia dar lugar a “averiguações” sobre a conduta profissional dos visados nessa notícia, coisa diferente (que não o implica necessariamente e que seria aqui imprescindível à realização do tipo incriminador) é o jornalista pretender, com a sua actuação noticiosa, que contra os visados seja instaurado processo disciplinar e/ou criminal.

Tendo ficado por demonstrar, relativamente aos dois arguidos, um dolo de denúncia caluniosa (art. 365.º, n.ºs 1 e 2, do CP), mesmo relativamente à pessoa do assistente JG, que é o principal visado nas publicações, como se desenvolverá adiante – dolo que exigiria, além do mais, que aqueles tivessem agido não só com consciência da falsidade da imputação mas com uma intenção de que contra as pessoas visadas fosse instaurado procedimento -, e podendo o dolo revestir aqui as duas formas previstas nos nºs 1 e 2 do art. 14º do CP (dolo directo e dolo necessário), mas não a prevista no nº 3 do art. 14º do CP, sendo de excluir a punibilidade a título de dolo eventual (assim, Costa Andrade, Comentário Conimbricense ao Código Penal, III, p. 548-51), a absolvição é de manter, por falta de preenchimento do tipo subjectivo.

Na verdade, a actuação em causa será mais reveladora de uma intenção de elaboração de notícias-escândalo, de notícias-sensação, do que de notícias com vista à instauração de procedimento (criminal ou disciplinar) contra o(s) visado(s). O que, tendo em conta o dolo específico que o tipo exige, se revela factualmente insuficiente para a afirmação da tipicidade.

Também relativamente ao crime de difamação agravada imputado ao arguido B. a improcedência da acusação, decidida na sentença, se mostra correcta.

Nos termos do nº 2, al. b), do art. 180º do CP, para que a conduta não seja punível basta que o agente tenha actuado com fundamento sério para, em boa-fé, reputar a notícia como verdadeira. Como igualmente se explicou supra (em sede de apreciação da matéria de facto), ficou por demonstrar que fosse de excluir esse fundamento sério, no presente caso.

Dispensando-nos de repetições, reitera-se apenas que resulta da globalidade do episódio de vida em apreciação que a situação de “ausência de flagrante delito” se apresentou aqui como algo aparentemente não evidente para um terceiro.

Não se apresentava claro para um terceiro, posição que, para o efeito, ocupava o arguido B.. Para um terceiro, que não o arguido A., pessoa sobre a qual recaiu o especial dever de se ter informado previamente, dever que não só em concreto incumpriu nos moldes expostos (designadamente diligenciando por ouvir os visados), como desconsiderou os esclarecimentos adequados que ainda obteve, todos em sentido oposto ao teor do que depois noticiou.

Mas uma coisa é o que o arguido A. sabia sobre a ausência de flagrante delito, outra, o que saberia disso o co-arguido B..

Não tendo o arguido B. incorrido, assim, em responsabilidade criminal, soçobra igualmente, no presente caso, a sua responsabilização civil, indemonstrada que ficou a ligação do mesmo ao facto ilícito, facto ilícito que seria, simultaneamente o facto gerador da responsabilidade penal e da responsabilidade civil.

E do acórdão do STJ de 10.07.2008, citado nos recursos dos assistentes e igualmente já analisado supra, também nada resulta em sentido oposto ao que afirmamos.

Na verdade, não se contesta que, como ali se diz, “da conjunção normativa dos arts. 19.º a 21.º e 29.º da Lei 2/99, de 13-01 (Lei de Imprensa), sobre as competências e as obrigações do director, resulta que, por directa imposição da lei, a orientação e a determinação do conteúdo da publicação competem àquele – ou a quem legalmente o substitua nas ausências e impedimentos –, ficando constituído em primeiro e último responsável pelos «escritos ou imagens» inseridos em publicação periódica que dirija” e que “a imputação ao director da publicação do «escrito», que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento, integra, na construção conceptual, uma presunção legal, que dispensa o interessado da prova do facto (o conhecimento, a aceitação e a imputação da publicação) a que a presunção conduz (art. 350.º, n.º 1, do CC), admitindo, porém, que o onerado ilida a presunção mediante prova em contrário (art. 350.º, n.º 2, do CC). Deste modo, demandado civilmente o director, e vista a amplitude da formulação dos termos da responsabilidade e da consequente presunção, basta invocar os factos que integrem o ilícito (no caso, a publicação do «escrito») e a qualidade de director do demandado, cabendo a este ilidir a presunção, alegando e provando que o escrito foi publicado sem o seu conhecimento ou com oposição sua ou do seu substituto legal.”

Sucede que não era da demonstração da ausência desse conhecimento nem da prova da oposição à publicação de que se tratava aqui.

Mau grado a verificação positiva do “conhecimento” e da “ausência de oposição”, tratava-se, sim, da constatação da existência de um quadro de circunstâncias que não permitiriam concluir (e não o permitiram em concreto) no sentido do afastamento da previsão do segmento final da al. b), do nº 2, do art. 180º do CP (“A conduta não é punível quando… o agente tiver tido fundamento sério para em boa fé reputar a imputação como verdadeira”), o que se imporia para a condenação e não ocorreu.

3.2.b.4) Da inexistência do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva (art. 187º do CP).

O arguido defendeu em recurso a sua absolvição do crime do art. 187º, nº 1, do CP por considerar que nunca emitiu qualquer juízo de valor sobre o Ministério público e sobre o DIAPL.

Tendo resultado indemonstrado que “43-E) As notícias supra referidas e o destaque daquelas edições, ofenderam a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Ministério Público junto do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa”, impõe-se concluir que a conduta dos arguidos não realiza o tipo de crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva (art. 187º do CP).

Com efeito, alterada a matéria de facto da sentença na sequência da parcial procedência do recurso da matéria de facto, e passando o ponto 43-E a integrar os factos não provados, impõe-se a absolvição do arguido condenado pela prática deste crime, bem como o reconhecimento do acerto na absolvição do co-arguido.

Considerara-se na sentença ser evidente que noticiar que existe uma situação de flagrante delito de crime de abuso sexual de menores e o suspeito seu agente não ser detido por representares do DIAP, é factualidade objectivamente susceptível de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos ao ente colectivo em questão, o que dispensa qualquer consideração adicional”. Esta conclusão, logo face á matéria de facto objectivamente provada, não seria de sufragar.

Mas sendo certo também que, como se explicou, a decisão sobre a factualidade sofreu aqui a “contaminação” decorrente duma estreita ligação entre matéria de facto e matéria de direito, impõe-se acrescentar alguma fundamentação, sob pena da argumentação se fechar num círculo materialmente infundamentado.

Como se exporá em mais detalhe na análise do ponto seguinte, decorre do episódio de vida em apreciação que o visado nas notícias – “visado” no sentido de identificado como responsável pelos procedimentos (falsos) altamente negativos noticiados - foi sempre JG, Procurador da República.

Da leitura das notícias, da leitura minuciosa dos relatos jornalísticos, das suas circunstâncias e das circunstâncias “históricas” que antecederam as notícias dadas (tudo sempre de acordo com os factos provados da sentença), não se retira que o bem jurídico protegido pela norma incriminadora em apreciação tenha sido concretamente atingido.

O art. 187º do CP persegue “quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação”. À afirmação da tipicidade falha, no caso sub judice, o preenchimento do elemento “capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a”.

O bem jurídico que o art. 187º do CP quer proteger não é a honra do organismo, serviço ou pessoa colectiva, “não bastando por consequência, uma qualquer ofensa ao bom nome de uma pessoa colectiva, organismo ou serviço” (Faria Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Org. Figueiredo Dias, vol. I, 2ª ed., p. 985); é a credibilidade, o prestígio e a confiança da pessoa colectiva, da instituição ou do organismo que exerce a autoridade pública.

Com a divulgação das notícias falsas, a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Ministério Público e ao Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa não resultam atingidos de modo suficientemente significativo, ou seja, com a intensidade que sempre se exigiria num direito penal de ultima ratio e de mínima intervenção.

É certo que os relatos inverídicos noticiados não foram elogiosos do Ministério Público e do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, e que estes acabam por ser atingidos, pelo menos mediata e indirectamente. É também certo que a imagem do Órgão e do Departamento em causa resultou de algum modo diminuída.

Mas as únicas referências directas que lhes foram feitas, e que se conseguem ler nas notícias, são as seguintes: “Nova Lei de Politica Criminal também não deixa Ministério Publico deter fora de flagrante delito”, “Há quase dois anos que Ministério Publico e polícias são impedidos por lei de deter o pior dos criminosos fora de flagrante delito, por ficar afastado o perigo de fuga”, “O Ministério Publico continua de mãos atadas. Ou seja, magistrados do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, por exemplo, vão continuar a deixar à solta pedófilos apanhados de cuecas com crianças, dentro de casa, só porque não o viram em pleno acto sexual”. Diz-se ainda que JG é “procurador no DIAP de Lisboa”.

Tudo o mais se mostra direccionado para a pessoa do assistente JG, como se desenvolverá, sendo ainda pontualmente referidas “as duas procuradoras” presentes na busca.

Olhando as expressões transcritas descontextualizadas da globalidade das notícias, não se pode sequer considerar que sejam insultuosas do organismo e departamento visados. Desresponsabilizam até o Ministério Público, comprometendo, no reverso, a lei e o legislador. No entanto, aceita-se que no contexto geral da notícia adquiram já o sentido que a sentença refere, algo depreciativo dos organismos em causa.

Mas tem de reconhecer-se que, no exercício do direito de liberdade de expressão, são aceitáveis certos exageros de linguagem. E que existe alguma tolerância social (que não necessariamente aceitação social) para essa margem de aspereza que coabita com o correspondente “poder de encaixe” por parte dos sujeitos visados nas notícias. Exageros de linguagem que o próprio leitor saberá, depois, triar. Pois, como refere Teixeira da Mota em crítica ao que denomina de “castrante paternalismo” dos Tribunais portugueses, os leitores não são “pessoas incultas, primárias, acriançadas e despidas de sentido crítico”, que “só lêem os títulos e só percebem o que é evidente”, “que é necessário proteger, evitando-lhes o confronto com opiniões ou informações polémicas, agressivas e contundentes sobre as figuras do poder já que são incapazes de pensar por si próprias e tudo o que lerem ou que ouvirem tomam como verdadeiro(Francisco Teixeira da Mota, A Liberdade de Expressão em Tribunal, p. 98).

Muito dificilmente seria de considerar a eventual agressão em apreciação como penalmente significativa.

Roxin teorizou a doutrina da insignificância penal (Geringfügigkeitsprinzip), cuja ideia base era já conhecida no direito romano (minima non curat praetor). O princípio da insignificância intervém como uma máxima interpretativa dos tipos, servindo para excluir condutas que formalmente ou externamente serão típicas, mas que materialmente o não são. A insignificância penal exclui a tipicidade. E as condutas insignificantes não serão típicas porque o seu sentido social não é de ofensa do bem jurídico.

Na conhecida expressão de Welzel, os bens jurídicos não são peças de museu em redomas de vidro; vivem no mundo e sofrem o desgaste da interacção social. Pelo que se exige que o intérprete-aplicador do tipo esteja atento a esta interacção, a fim de perceber se a conduta revela o sentido ofensivo ínsito à realização da norma.

O tipo de ilícito não configura nunca uma conduta neutra. Uma conduta típica já é desvalorada pelo direito. Também através da cláusula de inadequação social que o tipo contém, este efectua já uma selecção material de condutas de entre as que formalmente o realizam. O tipo tem uma axiologia própria. Mas, mesmo que não se aceite o pensamento da adequação, a ideia da insignificância mantém a sua validade.

Figueiredo Dias atribui ao princípio da insignificância um carácter regulativo: ele não intervém só ao nível do tipo ou da culpabilidade, mas sim nas várias categorias da doutrina do crime – sem prejuízo de admitir que esta intervenção se dá sobretudo ao nível da tipicidade (Direito Penal, Parte Geral, I, 2004, 624-625). Também Roxin, que rejeita a teoria da adequação social, aceita, como se referiu, o princípio da insignificância (Claus Roxin, Strafrecht – Allgemeiner Teil, I, 2006, § 10, 40).

Da compatibilização, em concreto, da protecção do bom nome e prestígio das instituições com o direito de informar e de ser informado, mas ainda de acordo com os princípios do direito penal em geral, da fragmentariedade, da intervenção mínima, da proporcionalidade, da insignificância e da adequação social, resulta claro que a conduta dos arguidos não contrariou o sentido social de valor contido no tipo e, por isso, não preencheu materialmente o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva do art. 187º do CP.

3.2.b.2) Do crime de difamação agravada 3.2.b.3) Preenchimento do disposto no artº 180º nº 2 do CP; 3.2.b.5) Preenchimento do disposto no art. 16º do CP; 3.2.b.6) Exercício regular da liberdade de expressão

Defende o arguido que deve ser absolvido dos três crimes de difamação agravada por não ter feito qualquer imputação de factos ofensivos dos visados, por não ter posto em causa a reputação destes, por ter limitado o seu texto a elementos objectivos e à descrição da concreta situação de facto com que o Ministério Púbico se deparou ao entrar na casa do “conhecido pedófilo”.

Relativamente à assistente e à outra senhora magistrada, adita que não constam quaisquer referências expressas feitas a elas, pelo que o texto não atingiu os seus bom-nome e reputação, que quem leu a notícia não tinha elementos para dela retirar quem eram as Procuradoras que trabalhavam com o Procurador JG, que a mera referência a que eram Procuradoras que trabalhavam com o Dr. JG não seria suficiente para tornar a referência adequada a identificá-las, que a imputação tem obrigatoriamente de ser feita a alguém em concreto, identificável para a maioria das pessoas, pois só assim se estará perante uma lesão da honra penalmente relevante, que para além disso também não lhes foram imputados quaisquer factos ofensivos.

Resulta do recurso que o arguido argumenta em duas vertentes e de modo distinto, fazendo-o, por um lado, relativamente à pessoa do Procurador da República visado e, pelo outro, relativamente às pessoas das Procuradoras da República, também apontadas.

Justifica-se, efectivamente, esta destrinça da impugnação, pois na sentença tratou-se (indevidamente) como “igual” um quadro de circunstâncias de facto reveladoras de situações materialmente diversas e que pediam enquadramentos jurídicos distintos.

Na verdade, o recurso procederá aqui parcialmente, ou seja, na parte respeitante aos dois crimes que teriam como ofendidas as duas Senhoras Procuradoras visadas na notícia (já assim não sucedendo no que respeita ao crime perpetrado na pessoa do procurador JG, como se verá no ponto seguinte).

O tratamento dado na notícia à pretensa actuação profissional dos três magistrados, as alusões feitas a cada um deles, as referências à(s) sua(s) pessoa(s) são, entre si, substancialmente diferentes.

Como se disse já, da leitura minuciosa das notícias ressalta que o visado – “visado” no sentido de pessoa realmente identificada como sendo a responsável pela conduta altamente negativa e pelos procedimentos (afinal falsos) noticiados - foi sempre o Procurador da República JG.

Ao contrário do que sucede com este, as Senhoras Procuradoras mostram-se referidas nos artigos de jornal sempre sem identificação do seu nome, são ali mencionadas mais como “figuras de segunda linha”, podendo inferir-se até que o foram apenas porque JG não esteve pessoalmente na busca. São referidas sempre como magistradas em contacto com JG e/ou a receberem orientação dele.

Senão, revejam-se os excertos: “Adjuntas do procurador JG soltaram predador sexual que tinham acabado de apanhar, de cuecas, com um menino de 12 anos na sua cama”, “ As procuradoras do Ministério Público viram tudo, mas em contacto telefónico com o coordenador JG do DIAP de Lisboa, deixaram o violador de várias crianças em liberdade”, “as duas procuradoras-adjuntas de JG viram várias fotografias”.

A ligação que as notícias estabelecem com a pessoa de JG, o interesse em nomear (pelo nome) apenas o Procurador JG, deve ser juridicamente avaliado tendo ainda em conta, não o momento presente, mas o momento histórico em que a conduta foi praticada. Pois não só o arguido deve responder (e só pode responder) pelo que fez no momento em que o fez, como a valoração das expressões utilizadas na notícia se deve fazer sempre de acordo com o que se entenda por “ofensa da honra” num determinado contexto local, social, cultural e temporal.

Como adiante se concretizará, no tempo histórico da conduta decorria o julgamento do processo nº 1718/02.9JDLSB, que ficou conhecido como “Processo C”. E nesse tempo histórico, JC era “o procurador que acusou C, J. e B, no Processo C”, como se mostra aliás referido nas notícias, sempre de acordo com os factos provados.

JG é, na verdade, a pessoa objectivamente visada nos artigos sub judice, e dos factos provados resulta também que foi a pessoa que se quis atingir.

É certo que se compreende que as Senhoras Magistradas do Ministério Público se tenham sentido atingidas (fortemente atingidas) no seu bom nome e consideração profissional e social. As referências ali feitas - e que as mesmas sabem terem sido a si dirigidas - são falsas, depreciativas das suas actuações e competência profissionais, denigrem-nas enquanto magistradas. Mas nem tudo o que ofende e causa forte perturbação e melindre integra crime. “Nem tudo aquilo que alguém considera uma desconsideração ou uma ofensa à dignidade deverá considerar-se difamação ou injúria puníveis” (Beleza dos Santos, Algumas Considerações sobre Crimes de Difamação ou de Injúria, RLJ 92, p.167). “Nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180º e 181º, tudo dependendo da intensidade ou perigo da ofensa” (Oliveira Mendes, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, p. 37).

Relativamente à pessoa pública, e estando em causa o exercício da liberdade de expressão jornalística, o TEDH tem lembrado que os limites da crítica admissível são mais amplos quando aquela age na qualidade de personalidade pública, e essa pessoa deve revelar uma maior tolerância a essa crítica. O Tribunal Europeu reconhece o direito à protecção da reputação, “mas os imperativos de tal protecção devem ser balanceados com os interesses da livre discussão das questões políticas” (aqui, da Justiça), “exigindo as excepções à liberdade de expressão uma interpretação restritiva” (Portugal no TEDH, Jurisprudência Seleccionada, PGR-INCM, p. 171)

Como o recorrente arguido refere, quem leu as notícias não dispôs, efectivamente, de elementos para retirar delas quem eram as Procuradoras que trabalhavam com o Procurador JG. Também os factos ofensivos, em rigor, não lhes são directamente dirigidos.

Valem aqui, mutatis mutandis, algumas das considerações já efectuadas a propósito (da inexistência) do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva. Valem ainda as considerações, estas a desenvolver, sobre uma relativa compressão da protecção do bom nome e da honra, aceitável no âmbito do direito de liberdade de expressão.

A concreta situação de vida em apreciação obrigaria sempre à compatibilização da protecção da honra e consideração social das senhoras magistradas, por um lado, e do direito de informar e de ser informado, pelo outro. Ponderação a realizar sempre à luz de um direito penal que é fragmentário e de ultima ratio, e que leva em concreto a aceitar que, relativamente às duas magistradas do Ministério Público, a conduta do arguido não chegou a transpor o patamar mínimo de punibilidade. Ou seja, “o que o arguido disse” e “como o disse” foi sem dúvida “injusto”, descortês e deselegante, mas não contrariou ainda o sentido social de valor contido no tipo e não preencheu materialmente o(s dois) crime(s) de difamação agravada imputados.

Porém, a sentença será já de manter no que respeita á condenação do arguido A. como autor do crime de difamação agravada sobre a pessoa do assistente JG.

Neste ponto, o arguido pugna pela absolvição, argumentando que “a situação com que a PSP e o Ministério Público se depararam era passível de ser enquadrada como um “flagrante delito”, de acordo com o disposto no art. 256º do CPP (“é flagrante delito, todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer”), particularmente no nº 2 ( “reputa-se também de flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa, ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de cometer o crime ou nele participar”); que os factos relatados não seriam falsos, pois enquadrar-se-iam pelo menos numa das “concepções doutrinárias de flagrante delito (em sentido estrito - 1.ª parte do n.º 1 do art.º 255º, quase flagrante delito - 2.ª parte do mesmo preceito legal; ou presunção legal de flagrante delito - n.º 2 do art. 255º)”; que mesmo que assim não se considerasse existiria um erro sobre as circunstâncias do facto por o arguido ter pensado que estaria a revelar um facto que era verdadeiro.

Esta argumentação não procede.

Desde logo, não corresponde à verdade que o arguido tenha “limitado o seu texto a elementos objectivos e à descrição da concreta situação de facto com que o Ministério Púbico se deparou ao entrar na casa do “conhecido pedófilo””, como defende.

Referiu-se já em sede de decisão do recurso da matéria de facto (porque aqui “facto” e “norma” mais uma vez se entrecruzam impressivamente) que resultou provado que o menor em causa não se encontrava realmente na cama do visado aquando da busca, e não foram encontradas na casa do visado quaisquer fotografias de menores, de cariz sexual, circunstâncias que o arguido relatou falsamente nos seus artigos. Ali afirmou o arguido, textualmente, que as magistradas apanharam o predador sexual de cuecas com um menino de 12 anos na sua cama, que o mesmo guardava imagens de actos sexuais com algumas das oito vítimas, que o ex-bancário foi apanhado na cama com o menino de 12 anos.

Foram estes os factos que justificaram depois, nos artigos em causa, a conclusão ali também retirada pelo arguido de que ocorreria um flagrante delito.

Os factos-base noticiados não eram verdadeiros e não correspondiam à verdade, sendo depois inconsequente (e absolutamente indiferente) pretender-se justificar uma das afirmações falsas – a de que ocorreria um flagrante delito – com outras circunstâncias ou outras razões (como seja a de que poderia haver um quase flagrante delito) pois não foram essas outras as circunstâncias as relatadas nas notícias e em que o arguido fundamentou a sua afirmação conclusiva (de existência de flagrante delito).

Dito de outro modo, mesmo prescindindo da expressão “flagrante delito” utilizada pelo arguido - ou seja, mesmo que se considerassem estes vocábulos como não escritos - nada mudaria ao sentido do texto. Pois o arguido continuaria a ter relatado factos (os acabados de referir) que não eram verdadeiros. E, acrescente-se já, que não tinha fundamento sério para em boa-fé os reputar como tal.

A utilização da expressão “flagrante delito” veio pois tão só acentuar o sentido da ilicitude, clarificando-o para lá de qualquer dúvida.

Como se disse, ficou demonstrado em julgamento que fora previamente comunicada e explicada ao arguido, pela testemunha órgão de polícia criminal, a situação de ausência de flagrante delito. Flagrante delito tanto em sentido técnico-jurídico, como defende o arguido em recurso, como no sentido que o termo adquire na linguagem comum, que afinal não difere muito daquele. Pois é sobretudo este sentido que importa aqui, o sentido que a expressão adquire correntemente. Só assim se compreende a sua utilização em artigos jornalísticos publicados no “X” e destinados logicamente ao público do diário em causa (e, não, a especialistas em direito).

É certo que o TEDH tem considerado como limitação importante dos direitos dos jornalistas a transmitirem informações a renúncia à publicação apenas com base num desmentido da pessoa visada (cf. Portugal no TEDH, Jurisprudência Seleccionada, PGR-INCM, p. 188). Mas ficou igualmente demonstrado que o arguido não procurou esclarecer-se nem informar-se junto dos Procuradores visados na notícia. Ou seja, não procurou confirmar, ou infirmar, uma circunstância concretamente tão importante no contexto da notícia, como seja a existência ou não de um “flagrante delito de pedofilia” e dos factos que lhe eram subjacentes, violando as mais elementares regras profissionais.

O procedimento que adoptou violou os deveres que decorrem do art. 14º do estatuto do Jornalista (Lei nº 1/99, de 13/01), designadamente: “1 - Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente:

a) Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião;
(…)
e) Procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem;

f) Identificar, como regra, as suas fontes de informação, e atribuir as opiniões recolhidas aos respectivos autores.

Inexiste, por tudo, uma base factual para que se possa concluir pela existência de fundamento sério para, em boa-fé, o arguido poder reputar a imputação como verdadeira.

Destituída de sentido (jurídico) é, também, a invocação do erro sobre as circunstâncias do facto. O art. 16º do CP não se aplicaria à hipótese em análise.

O erro do art. 16º nº1 do CP incide sobre os elementos do tipo de crime, e a circunstância em causa não é um elemento do tipo. A questão de saber se os factos relatados são ou não verdadeiros é um problema de ilicitude (de saber se ocorre a causa de justificação).

Já o nº 2 do art. 16º do CP não é sequer aplicável. Pois estando em causa o tipo do art. 180º do CP, existe a previsão expressa do seu nº 2. A conduta não será, nestes casos, punível apenas se o agente (na hipótese que agora releva aqui) “tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar de verdadeira”. Disposição que, concretamente, restringe o âmbito de aplicação do art. 16º, nº 2 do CP, sob pena de, assim não se considerando, resultar esvaziado de conteúdo o nº 2 do art. 180º do CP, que ficaria sem campo de aplicação.

O juízo subsuntivo formulado na decisão recorrida relativamente aos factos que se considerou ali integrarem o crime de difamação agravada que teve como ofendido o assistente JG mostra-se, por tudo, correcto.

Justificou-se na sentença a integração dos factos como crime de difamação agravada (na parte que releva agora e não sendo a fundamentação de subscrever apenas na parte relativa às magistradas do Ministério Público, pelas razões que se expuseram já):

“2.2.1.2) Crime de difamação agravada, previsto e punido nos termos dos artigos 180º, 183º, n.º 2, 184º e 132, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal e artigo 31º, n.º 1 e n.º 3, da Lei 2/99 (n.º 1 para o primeiro arguido, n.º 3, para o segundo arguido):

Preceitua o artigo 180º do Código Penal:

“1 – Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

2 – A conduta não é punível quando:

a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e

b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

3 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 2 do artigo 31º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.

4 – A boa fé referida na alínea b) do nº 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.”

E dispõe o artigo 183º do Código Penal:

“1 – Se, no caso dos crimes previstos nos artigos 180º, 181º e 182º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação;
b) Tratando-se de imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação;

as penas de difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

2 – Se o crime for cometido através de meio de comunicação social o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.”

E estatui o artigo 184º do Código Penal:

“As penas previstas nos artigos 180º, 181º e 183º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave e abuso de autoridade.”

E prescreve o artigo 132º, n.º 2, alínea l), do Código Penal:

“l) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da república, magistrado, membro de órgão do governo próprio das Regiões Autónomas, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas;”

E, por fim, estatui o artigo 31º da Lei 2/99, de 13.01:

“1 – Sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa os bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras. (…).

3 - O director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites. (…).”

O conceito “honra” reporta-se à essência da personalidade humana, integrando o seu conteúdo a “probidade, rectidão, lealdade de carácter, dignidade da pessoa que pauta o seu comportamento pelos ditames da moral, valores estes assumidos conscientemente pelo próprio indivíduo”.

Por outro lado, o conteúdo do conceito “consideração” reporta-se ao “património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros”; ou seja, a “consideração” traduz-se no “merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão”.

Para o preenchimento da tipicidade não releva a gravidade da ofensa (pelo que não é mister que o facto imputado seja ilícito ou criminoso), apenas se tornando necessário que de ofensa se possa falar, isto é, que não se trate de uma mera impertinência. Assim, importará apreciar se do facto imputado se extrai a susceptibilidade de lançar o descrédito e a suspeita sobre a vítima perante a opinião pública, ou seja, sobre a opinião de um grande círculo de pessoas que não esteja em contradição com as valorações da ordem jurídica, pelo que será de apelar ao significado social da afirmação proferida, tendo em conta todo o conjunto de circunstâncias internas e externas à situação (v.g. grau de cultura dos intervenientes, a sua posição social, as valorações do meio, etc.).

A lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efectiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se.
O crime de difamação pode definir-se assim como a atribuição a alguém de factos ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si mesmo uma reprovação ético-social, isto é, que sejam ofensivos da reputação do visado (valores estes com consagração constitucional – vide artigos 26º e 37º, ambos da Constituição da República Portuguesa).

De acordo com Leal-A.s e Simas Santos “Os processos executivos do crime de difamação podem ser vários: imputação de um facto ofensivo (ainda que meramente suspeito); formulação de um juízo de desvalor; reprodução de uma imputação ou de um juízo”.

É elemento diferenciador do crime de difamação, em relação ao crime de injúria, que a imputação do facto ofensivo seja levado a terceiros, e, portanto, só pode falar-se em lesão do bem jurídico honra e consideração quando a imputação correspondente chegue ao conhecimento de terceiros.

A injúria consuma-se na presença do ofendido, mas esta questão deve ser entendida em termos hábeis.

Em geral, existe a contiguidade física do ofensor com o ofendido, permitindo que este compreenda o conteúdo da ofensa, mas entre ambos pode interceder um determinado meio de comunicação, como o telefone, carta, etc. Embora possam estar outras pessoas presentes quando se dá a afronta — e muitas vezes é isso que acontece —, o que se exclui é que o agente se dirija “a terceiro”, pois então o crime seria o de difamação. A presença, neste sentido, do ofendido como interlocutor imediato parece ser portanto elemento do crime de injúria, devendo, como tal, ser apercebida pelo dolo do ofensor.

Relativamente ao elemento do tipo subjectivo, estamos perante um crime punível apenas a título de dolo (artigo 13º do Código Penal), bastando-se a lei com o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades.

Por fim, para encerrar as considerações teóricas, deixa-se esclarecido que a primeira agravação (alínea a), do n.º 1, do artigo 183º do Código Penal) tem a sua razão de ser no facto de o meio utilizado possibilitar difundir os factos a um maior número de “terceiros”, e com isso, obter um maior descrédito social para o visado, e a segunda agravação (alínea b), do n.º 1, do artigo 183º do Código Penal) tem a sua razão de ser no facto do arguido conhecer a falsidade dos factos imputados. A terceira agravação acima exposta (artigo 184º do Código Penal) tem o seu fundamento no especial dever de respeito e consideração que merece o exercício das funções referidas na alínea em causa, atento a satisfação do bem comum prosseguido. Para que esta agravação funcione torna-se necessário que o agente se encontre no exercício das suas funções ou que a imputação se relacione com esse exercício.

Expostas umas sucintas considerações teóricas, vejamos o caso em apreço.

Arguido A.:

Nas notícias em causa é feita referência a que existia uma situação de flagrante delito de um crime de abuso sexual de menor, e que, perante tal situação, os assistentes, no exercício das suas funções, actuaram, entre outro, nos seguintes moldes:

Ao assistente:

- A Divisão de Investigação Criminal (DIC) da PSP já tem provas de pelo menos uma situação de negócio com os pais das vítimas, entre mais de oito casos de crianças alvo de abusos. Mas o procurador da República JG (que acusou C, J e B, entre outros, no processo C optou por nem apresentar o bancário ao juiz, deixando-o à solta, com simples termo de identidade e residência

- “O procurador JG, apesar das imposições da lei, podia ter detido o violador de 61 anos: foi apanhado em flagrante delito.”

(…) Acresce que, é evidente, que o facto de uma pessoa ser suspeito da prática de crime de abuso sexual de menor e na sua casa ser encontrado um menor aí a pernoitar, inexistindo qualquer outra prova, como era o caso, não permite concluir pela aludida situação de flagrante delito, por se ter acabado de cometer um crime. Aliás, a inexistência de flagrante delito veio a ser reconhecida pelo próprio arguido A., conforme resulta, inequivocamente, de uma leitura atenta do facto provado n.º 12), na parte em que aí faz referência à impossibilidade de o Ministério Público não ter podido deter o suspeito visado na busca, não obstante o mesmo estar em cuecas com crianças em casa, por não o terem visto em pleno acto sexual. Aliás, é de evidenciar e como é bom de ver, este arguido não estava a questionar a situação de flagrante delito (a qual não foi objecto de qualquer alteração legislativa), mas sim a situação de detenção fora de flagrante delito, prevista no artigo 257º do Código de Processo Penal, a qual foi objecto de revisão através do Decreto-Lei 48/2007, de 29.08.

Sendo falso que existisse uma situação de flagrante delito, afigura-se inquestionável que os elementos objectivos do tipo se encontram preenchidos, porquanto a actuação imputada a todos os assistentes, no contexto que consta dos demais factos provados, visando magistrados do Ministério Público, são objectivamente mais que adequados e idóneos a lesar a consideração a que os mesmos têm direito de ver incólume, tanto mais que, a descrição da actuação é efectuada em termos de ter sido uma opção daqueles magistrados de não terem procedido à detenção do suspeito do crime investigado.

Aqui chegados, cumpre apurar se o imediatamente ante exposto é criminalmente relevante para o arguido A., dado que o mesmo invoca que a publicação das notícias visava um interesse legítimo e que tinha um fundamento sério para, em boa-fé, reputar os factos constantes das notícias como verdadeiros, ou seja, pensou em, boa-fé, que os factos consubstanciavam uma situação de flagrante delito.

Em primeiro lugar, considerando que o interesse público legítimo é o interesse público legítimo e o interesse privado juridicamente protegido, no caso, grosso modo, face ao quadro fáctico constante das notícias, o mesmo existia. E, diz-se, grosso modo, dado que o legislador apenas confere superioridade ao direito de liberdade de expressão e de informação sobre o direito do cidadão à sua integridade moral e aos seus bom-nome e reputação, quando a imputação do facto desonroso é verdadeiro, o que não se verificava quanto à situação do flagrante delito.

Em segundo lugar, elucida-se que, por definição, quem apenas participa num facto ou o presencia, é que pode afirmar que o mesmo é falso ou verdadeiro, situação que não se coloca no caso em apreço porque o arguido A. não alega que esteve presente na busca, nem tal presença resultou da prova efectuada. Sobeja, assim, a segunda situação de o agente ter fundamento sério para, em boa-fé, reputar verdadeira a imputação que tem especialmente em vista o risco inerente ao desempenho da actividade jornalística, impondo ao jornalista a quem é relatado um facto o cuidadoso cumprimento de um dever de informação sobre a verdade da notícia antes da sua publicação (a exigência de boa fé) e justificando penalmente a sua conduta quanto respeite as regras de cuidado inerentes à actividade de imprensa e esteja convicto da verdade do que publica.

Efectuada esta pequena destrinça, respeitante à alínea b) do número 2 do artigo 180º do Código Penal, pode-se, agora, dizer que a resposta à questão supra enunciada não pode deixar de ser positiva, pois que, contrariamente ao defendido pela defesa, não se logrou provar que o arguido tinha fundamento sério para, em boa-fé, reputar verdadeira a situação de flagrante delito. De facto, para além de ter necessariamente conhecimento que o suspeito não foi detido, o que evidenciava, à saciedade, mesmo para um jornalista, que não verificava uma situação de flagrante delito, pois se assim não fosse, o magistrado do Ministério Público não estaria a ser diligente no desempenho da sua função, a verdade é que se provou que na tarde do dia 17.09.2009, o arguido A. contactou JC, agente da Polícia de Segurança Pública, o qual lhe explicou que aquando da busca em apreço não se tinha verificado qualquer situação de flagrante delito, logo, é evidente que o arguido, ao menos, no que concerne à notícia publicada no dia 18.07.2009, quando refere a existência de uma situação de flagrante delito, sabia que esta situação não correspondia à verdade, leia-se, estava de má-fé na convicção que formou acerca da veracidade da situação de flagrante delito, o mesmo é dizer, não podia estar convencido da sua veracidade, sendo certo que, este arguido não indicou ao tribunal, refugiando-se no sagrado dever de proteger as suas fontes (direito que lhe assiste), quem lhe disse que tinha ocorrido uma situação de flagrante delito, conforme por si expansivamente propalado. Acresce, que o facto de dizer que as fontes que contactou são por si reputadas por fidedignas é insuficiente, face ao que ante imediatamente se explanou. Diga-se, ainda, que a boa-fé referida na alínea b) do n.º 2 do artigo 180º do Código Penal, por força do estatuído no seu número 4, exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação, o que, também, no entendimento do tribunal, aconteceu, uma vez que no caso impunha-se que o arguido tivesse, pelo menos, tentado o contacto com os assistentes, o que o mesmo não alegou nem provou, nem resultou da prova produzida em audiência, ou seja, impunha-se que o arguido tivesse respeitado o estatuído na alínea e) do artigo 14º do Estatuto do Jornalista - aprovado pela Lei 1/99 - (os jornalistas devem procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem).

Alega, ainda, a defesa que a ilicitude da conduta estaria afastada, uma vez que o exercício correcto da liberdade de imprensa, corresponde ao exercício regular de um direito que constitui causa justificativa do mesmo. Não lhe assiste qualquer razão. De facto, decorre do artigo 14º, alínea a), do Estatuto do Jornalista que constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente, informar com rigor e isenção, situação que, de todo, não se verifica na notícias em causa, conforme decorre da falsa informação que foi prestada ao público quanto à alegada existência de situação de flagrante delito, que não se verificava. Mais, resulta da alínea e) do citado artigo, que os jornalistas devem procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem, o que não aconteceu, o arguido A. não contactou os magistrados visados nas notícias.

O elemento subjectivo do tipo também se encontra preenchido, a título de dolo directo (artigo 14º, n.º 1 do Código Penal).

Mostra-se verificada a situação que permite agravar o crime base prevista no artigo 183º, nº 2, do Código Penal, por ter sido cometido através da comunicação social, no caso, num jornal.

Igualmente se mostra verificada a situação que permite agravar o crime base/agravado (dos artigos 180º e 183º ambos do Código Penal), pois os assistentes, à data dos factos, eram todos magistrados do Ministério Público, e foi tão-somente por causa do exercício dessas funções que foram visados nas notícias.

Assim, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, o arguido A. deverá ser condenado pela prática do crime ora em apreço (…).”

O arguido recorrente invocou ainda a violação dos arts 6º do Estatuto do Jornalista, 37º e 38º da CRP, e 10º da CEDH, normas que prevêem e asseguram a Liberdade de Expressão e de Informação.

Argumentou, reproduzindo jurisprudência do TEDH:

“A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e as garantias a serem oferecidas à imprensa são de particular importância. Enquanto a imprensa não deve ultrapassar o conjunto de limites, nomeadamente, no interesse da "protecção da honra ou dos direitos de outros", tem a incumbência de difundir informações e ideias de interesse público. Não só a imprensa tem a tarefa de transmitir tais informações e ideias: o público também tem o direito de recebê-los. Se não fosse assim, a imprensa seria incapaz de desempenhar o seu papel vital de "cão de guarda público" (ver, por exemplo, a v Observer e Guardian. Acórdão Reino Unido, de 26 de Novembro de 1991, Série A 216 não., Pp. 29- 30, § 59).”

“No exercício de sua competência de fiscalização, o Tribunal deve olhar para a interferência na luz do caso como um todo, incluindo o conteúdo das observações realizadas em relação à recorrente e do contexto em que ele os fez. Em particular, ele deve determinar se a ingerência em questão foi "proporcional aos objectivos legítimos visados" e se os fundamentos invocados pelas autoridades nacionais para a justificar são "relevantes e suficientes" (acórdão Janowski v.Poland, já referido, § 30, ea v Barfod. julgamento Dinamarca, de 22 de Fevereiro de 1989, 149 série A, n., § 28). Ao fazê-lo, o Tribunal tem de se assegurar que as autoridades nacionais aplicado normas que estavam em conformidade com os princípios enunciados no artigo 10º e, além disso, que eles mesmos com base em uma avaliação aceitável dos factos relevantes (ver Jersild v.Denmark, acórdão de 23 de Setembro de 1994, 298 série A, n., § 31).”

Como decidiu o TEDH no caso Lingens v. Austria; queixa nº 9815/82 de 8 de Julho de 1986, “o adjectivo “necessário” tal como o mesmo é utilizado no número 2, do artigo 10º pressupõe a existência de uma “necessidade social premente”. Os estados signatários têm alguma margem de análise para aferir se essa necessidade existe, mas tal estará sempre sujeita à análise do Tribunal Europeu, (…) O Tribunal Europeu tem assim a ultima palavra sobre se a “restrição” ou a “penalidade” aplicada está em sintonia com a liberdade de expressão prevista no artigo 10º CEDH””.

A Relação conhece e acata a jurisprudência do TEDH sobre a aplicação do art. 10º da CEDH. É àquele Tribunal que cabe dizer a Convenção. O juiz nacional deve decidir segundo a sua consciência, aplicando sempre os direitos fundamentais de acordo com a jurisprudência do TEDH. Na matéria, será sempre o último Tribunal a decidir.

No conflito entre direito de liberdade de imprensa e direito à honra e ao bom nome, o TEDH tem vindo efectivamente a afirmar que, em princípio, é este último que deve ceder.

Mas daí não resulta que o juiz nacional deva abdicar da defesa dos direitos fundamentais em conflito e que a liberdade de imprensa tenha de prevalecer sempre. Pois como ensina Faria Costa, “o direito à honra e o direito de informação têm igual valência normativa(Direito Penal da Comunicação, Alguns escritos, 1998, p. 55)

O juiz nacional não deixa de poder decidir com autonomia, sendo aliás o juiz mais bem posicionado para tratar da protecção dos direitos fundamentais dos seus nacionais. Os direitos fundamentais são direitos sociais e culturais, e o seu conteúdo está fortemente ligado ao modo como os mesmos são tratados e vividos nacionalmente.

No caso Público – Comunicação Social S.A. e outros c. Portugal, e com interesse para o caso presente, o TEDH considerou: “Devido aos deveres e responsabilidades inerentes ao exercício da liberdade de expressão, a garantia que o art. 10º oferece aos jornalistas no que diz respeito a prestar contas sobre questões de interesse geral está subordinada à condição de os interessados agirem de boa-fé de forma a darem informações exactas e dignas de crédito, no respeito da deontologia jornalística (v. Bladet Tromso e Strensaas c. NoruegaGC nº 21980/93, &65, CEDH, 1999-III). Estes deveres e responsabilidades podem revestir-se de muita importância quando existe o risco de atentarem contra a reputação de uma pessoa que tenha sido nomeada e de lesarem os direitos de outrem” (itálico nosso).

É certo que, neste caso, o Tribunal acabou por condenar o Estado Português por violação ao art. 10º da CEDH, mas teve em conta, designadamente, que “na perspectiva dos deveres e responsabilidades que incumbem aos requerentes, estes obtiveram, antes de publicar o artigo, a posição dos representantes do clube de futebol em causa e a da administração fiscal, e fizeram constar, a partir do dia seguinte, o desmentido formal do Sporting relativamente às informações litigiosas” (Portugal no TEDH, jurisprudência seleccionada, PGR-INCM-, pp 187/8), procedimentos que o arguido, no caso sub judice, não adoptou.

Também Faria Costa ensina que “o limite positivo que a lei penal concede à protecção do direito de informar traduz-se na dupla e cumulativa condição de os factos não só serem verdadeiros ou, em boa-fé, assim deverem ser tidos, mas igualmente na necessidade de a imputação daqueles precisos factos ter sido levada a cabo no sentido de realizar um interesse público legítimo ou qualquer outra causa” (Direito Penal da Comunicação, Alguns escritos, 1998, p. 55).

Em recurso, não foi questionada a segunda condição, que efectivamente sobrevém. No entanto, a primeira não se verifica.

Resta consignar o reconhecimento da ofensividade das notícias e das imputações dirigidas à pessoa do assistente, e da efectiva lesão do bem jurídico.

Como se disse, os limites da crítica admissível são mais amplos quando a pessoa visada age na qualidade de personalidade pública, como se deve considerar que sucedia no caso presente.

A “pessoa pública” deve revelar uma maior tolerância à crítica, mas a actuação do arguido em relação à pessoa do assistente ultrapassou os limites da crítica admissível, assim sucedendo porque os factos falsos relatados são efectivamente ofensivos da honra e consideração do magistrado visado (e em grau muito elevado).

Como se disse já, o teor das notícias e das imputações à pessoa de JG exige a contextualização histórica da conduta, pois o juízo sobre a “ofensa da honra” não prescinde duma observação local, social, cultural e temporal.

No tempo histórico da conduta praticada pelo arguido A. Machado, decorria o julgamento do processo nº ---/02.9JDLSB (Processo C), sendo JG “o procurador que acusou C, J e B, no Processo C”, como se lê nas notícias, de acordo com os factos provados.

JG foi efectivamente o Procurador da República titular do inquérito do “Processo C”, foi ele quem ali ordenou a detenção dos arguidos (B foi detido em 25/11/2002 e os outros posteriormente), quem assinou em primeira linha a acusação pública (em 28/12/2003), quem ordenou a prisão de C (em 31/01/2003). O acórdão final veio a ser proferido apenas em 2013 e os factos em apreciação no presente recurso ocorreram realmente na pendência do processo C.

O processo C foi, desde o seu início, o processo mais mediatizado em Portugal, mais acompanhado e escrutinado pelos meios de comunicação social. Essa mediatização (a um nível máximo) incluiu a pessoa do Procurador JG. O assistente não era, pois, à data dos factos agora em apreciação, um procurador desconhecido.

Revejam-se, agora, as imputações mais significativas constantes dos factos provados da sentença: “PEDÓFILO DEIXADO À SOLTA POR JG, QUE ACUSOU C”, “A (…) PSP já tem provas de pelo menos uma situação de negócio com os pais das vítimas, entre mais de oito casos de crianças alvo de abusos. Mas o procurador da República JG (que acusou C, J e B, entre outros, no processo C optou por nem apresentar o bancário ao juiz, deixando-o à solta, com simples termo de identidade e residência”, “PODIA TER SIDO PRESO. O procurador JG, apesar das imposições da lei, podia ter detido o violador de 61 anos: foi apanhado em flagrante delito. LIBERDADE ABSOLUTA”, “Procurador da C. liberta pedófilo apanhado em flagrante”, “As procuradoras do Ministério Público viram tudo, mas, em contacto telefónico com o coordenador JG, do DIAP de Lisboa, deixaram o violador de várias crianças em liberdade”.

As imputações falsas transcritas são claramente ofensivas, e em grau muito elevado, da honra e consideração do magistrado visado. Ofendem o bem jurídico ao atingir o assistente no seu bom nome profissional e também no seu bom nome pessoal, na sua consideração profissional e social. Pois não só é ali questionada (nas notícias do jornal) uma actuação do assistente enquanto Ministério Publico - enquanto magistrado mais ou menos eficiente e mais ou menos (in)cumpridor da lei - como é claramente sugerido que este Procurador da República foi, não apenas incompetente ao não prender um arguido quando devia e podia tê-lo feito, como intencionalmente procedeu à “escolha” de arguidos. Ou seja, este magistrado cujo nome expressamente se nomeia, escolhe os arguidos que prende (os do processo C), em detrimento de outros que não prende (o “pedófilo” da notícia em crise), fazendo-o certamente movido por critérios não legais, ou seja, por critérios pessoais, de perseguição e de favorecimento. É tudo isto que o texto das notícias sugere também ao leitor médio.

Os factos provados realizam, pois, a prática, pelo arguido A., de um crime de difamação agravada dos arts 180º, 183º nºs1, als. a) e b) e 2, 184 e 132 nº2, al. l), do C. Penal.

3.2.b.9) Dos pressupostos da responsabilidade civil; 3.2.b.11) Da responsabilidade civil da demandada P.; e 3.2.b.12) Do valor dos danos

A alteração da matéria de facto repercute-se na decisão de direito.

Tendo-se procedido à correcção da factualidade e tendo-se determinado, nos termos peticionados pelos assistentes, que o facto nº 56 (“O Jornal X é propriedade da demandada civil”) passa a integrar a matéria de facto provada, a conclusão de direito plasmada na sentença - de que “os pedidos em causa terão forçosamente que improceder totalmente (…) quanto à sociedade demandada, uma vez que os assistentes apesar de alegarem, não provaram que o Jornal X é propriedade da demandada civil” – fica a carecer de justificação no que respeita à pessoa do demandante JG.

Mas também a alteração já operada na sentença em matéria de direito (a absolvição do arguido da autoria do crime de que seria vítima a assistente) se repercutirá nesta sede.

Relativamente à ‘demandante AP o pedido cível será de julgar integralmente improcedente, na decorrência do provimento do recurso do arguido nessa parte.

Na verdade, como se justificou no ponto precedente, o teor das notícias não consubstancia “facto ilícito” relativamente à pessoa da assistente. Não realiza facto ilícito, nem penalmente, nem civilmente, razão pela qual soçobra a pretensão cível correspondentemente formulada.

Já em relação ao demandante JG a condenação cível do arguido A. será de manter, mas agora solidariamente com a demandada P. Esta deverá ser solidariamente condenada na indemnização atribuída ao assistente JG, ressarcimento a satisfazer por ela e pelo arguido A. Pois dispõe o art. 29º, nº 2, da Lei 2/99, de 13.01, que “no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado”.

O valor da indemnização arbitrada carece, no entanto, de uma correcção, conforme está peticionado pelo recorrente assistente.

O valor arbitrado na sentença foi justificado do modo seguinte:

“Fixação do quantum indemnizatório: O assistente JG deduz um pedido de indemnização civil por danos não patrimoniais no valor de € 30.000 contra ambos os arguidos e contra a demandada civil. Conforme supra explanado, os pressupostos da responsabilidade civil apenas se encontram preenchidos quanto ao arguido A., pelo que apenas este pode ser condenado.

Preceitua o artigo 496º, n.º 1, do Código Civil: “1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”, pelo que, o critério a adoptar é o constante deste normativo legal. Face aos danos não patrimoniais que se deram como provados, dúvidas não sobejam que os mesmos merecem a tutela do direito.

Torna-se, agora, necessário graduar a “ofensa”.

O tribunal tem de, diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, não que verificar quanto as coisas valem, mas sim encontrar “o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta possível”. O dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode ele ser contrabalançado, “mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem, ou em todo o caso, compensem esse dano”.

A este propósito, prescreve o artigo 496º, n.º 3 do Código Civil: “3 – O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”

Por sua vez, dispõe o artigo 494º do Código Civil: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”

Assim, tudo ponderado e atentas as razões aduzidas supra (quer em relação ao danos supra referidos, quer em relação ao modus operandi do arguido A., quer à situação económica do mesmo), entende o tribunal fixar o quantum indemnizatório, em € 5.000,00 para cada um dos assistentes.”

É patente a exiguidade do montante arbitrado face à extensão do dano causado e à intensidade da ofensa ao bom nome e consideração pessoal e profissional do visado, como se referiu. Mesmo tendo em conta (como sempre se impõe) o referente jurisprudencial, que é de conhecida contenção, o valor arbitrado é insuficiente, havendo agora a considerar também a capacidade económica da “nova” condenada.

Na sequência do que se disse já a propósito da dimensão do facto ilícito praticado, e olhando agora a argumentação desenvolvida pelo recorrente e resumida nas suas conclusões, há que a reconhecer como acertada.

Assim resulta da passagem que se destaca:

“… A gravidade do dano depende, por um lado, da intensidade das afirmações feitas e da divulgação que lhes foi dada e, por outro, da personalidade e funções do visado, assumindo particular acuidade o caso de alguém que desempenha funções públicas e com alguma exposição mediática. Ao afirmar-se o que se afirma nas notícias sobre o assistente,– designadamente “Pedófilo deixado à solta por JG, que acusou C”, “…PSP já tem provas (…). Mas o procurador da República JG (que acusou C, J e B, entre outros, no Processo C) optou por nem apresentar o bancário ao Juiz, deixando-o à solta…”, “PODIA TER SIDO PRESO: O procurador JG, apesar das imposições da lei, podia ter detido o violador de 61 anos: foi apanhado em flagrante delito.”; “Procurador da C liberta pedófilo apanhado em flagrante”; “Adjuntas do procurador JG soltaram predador sexual que tinham acabado de apanhar, de cuecas, com um menino de 12 anos na sua cama.”; “De cuecas, o ex-bancário foi apanhado na cama com o menino, de 12 anos. As procuradoras do Ministério Público viram tudo, mas, em contacto telefónico com o coordenador JG do DIAP de Lisboa, deixaram o violador de várias crianças em liberdade” (cfr. factos provados n.º 4, 5, 7, 9) – é manifesta a gravidade da ofensa dirigida ao assistente … Acresce que “Em Junho de 2009, a tiragem média diária do Jornal X era de 153938”, além do que as notícias em questão, de 18 e 19/07/2009, foram, ainda, objecto de divulgação pela internet tendo registado 11.717 e 44.176 leituras, respectivamente”, pelo que foi enorme a extensão da divulgação e repercussão pública das notícias em questão facto que tão pouco foi feito relevar na fixação do montante indemnizatório. … O Tribunal considerou provado que com as notícias em apreço o aqui recorrente, se sentiu ofendido na sua honra e consideração pessoal e profissional, dado que “…os factos imputados aos assistentes são notoriamente depreciativos para os mesmos.” …o muito maior grau de exposição do assistente deveria ter tido reflexo na graduação do montante indemnizatório que lhe foi arbitrado na sentença recorrida….Finalmente, conforme resulta de tudo quanto se referiu supra nas presentes motivações, sendo os demandados cíveis … e P., SA, como se pretende e requer, condenados solidariamente com o arguido A. a ressarcir os assistentes, entre os quais o aqui recorrente, dos danos que lhes foram causados, também por isso deverá o quantum indemnizatório ser substancialmente aumentado por forma a traduzir essas condenações acrescidas, não só porque são mais os “agentes” a responder pelos danos causados mas, igualmente, porque a sua “situação económica” – a que o Tribunal atendeu e deve atender de acordo com o disposto no art.º 494º do CC – é, assim, substancialmente diferente conforme resulta dos factos provados n.º 40 e 56 que, como se referiu supra, deve ser dado como provado e, ainda, atendendo à situação económica da demandada P., SA, com um capital social de 6.660.000€.… A sentença recorrida, ao fixar o quantum indemnizatório como fixou, condenando apenas o arguido A. no pagamento ao assistente, ora recorrente, do montante de € 5.000,00 a título de indemnização não teve em conta, contrariamente ao que lhe era imposto, quer a (i) intensidade e gravidade da ofensa, quer a intensidade e gravidade dos danos causados, em particular e especialmente, ao assistente, aqui recorrente, o (ii) facto de o mesmo ter sido ele quem foi especialmente visado nos títulos e nas notícias em questão e, tão-pouco, (iii) a extensão da sua divulgação e impacto público que tais notícias atingiram (iv) o facto de se tratar de vários responsáveis civis e a situação económica de cada um, pelo que preteriu, violando, de uma assentada, o preceituado nos arts. 496º e 494º, ambos do Código Civil…”

Pelas razões referidas na sentença, mas também pelas supra transcritas retiradas das conclusões do recorrente assistente, que são de acolher, fixa-se em € 15.000,00 o valor da indemnização que lhe é devida a título de danos não patrimoniais, a pagar solidariamente pelo arguido A. e pela demandada civil P.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar improcedente o recurso da assistente AP e parcialmente procedentes os recursos do arguido A. e do assistente JG e, em consequência,

- Alterar a matéria de facto da sentença do modo explanado em 3.2. a.2, a.3 e a.4, e 3.2.b.1);

- Absolver o arguido A. de dois dos (três) crimes de difamação agravada (artsº 180 nº1, 183 nº2, 184 e 132 nº2, al. l), todos do C. Penal e Artº 31 nº1 da Lei 2/99 de 13/01) e do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva agravado (arts 187º e 183º nº2 do CP), bem como do pedido cível deduzido por AP;

- Fixar em 15.000,00 o valor da indemnização devida a JG, a pagar solidariamente por este arguido e por “P...,SA.”, que vai agora também condenada no mesmo pedido;

- Manter, no mais, a sentença.

Custas na parte crime pela assistente, que se fixam em 4UC, e custas cíveis na proporção dos decaimentos.

Évora, 05.07.2016

(Ana Maria Barata de Brito)

(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)


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[1] - Sumariado pela relatora