Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
866/11.9TBABT.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE A APELAÇÃO DA RÉ E PARCIALMENTE PROCEDENTE A APELAÇÃO DA AUTORA
Sumário:
I - A afectação da capacidade funcional de uma pessoa, traduzida pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica constitui um dano que importa reparar, independentemente de se traduzir ou não em perda efectiva ou imediata de salários, isto é, ainda que à data do acidente o sinistrado não estivesse a trabalhar ou fosse ainda menor.
II - Sendo inicialmente sempre qualificada como indemnização por danos patrimoniais futuros, foi sendo efectuada uma evolução do conceito no sentido de que, quando não existia uma efectiva perda de vencimento e apenas estava em causa indemnizar um esforço acrescido para o desempenho das tarefas do dia-a-dia, quer na vertente da vida profissional quer na vertente da vida pessoal, que a existência de uma incapacidade, por si só representa, melhor se enquadraria a qualificação de tal indemnização como sendo atribuída pelo dano biológico, concluindo-se em alguns casos que este era ainda um dano patrimonial e em outros que constituía um dano não patrimonial.
III - No caso em apreço, movemo-nos apenas no âmbito desta última vertente, posto que, configurando o acidente dos autos simultaneamente um acidente de trabalho e de viação, a sinistrada não aduziu nestes autos quaisquer factos relativos àquela primeira vertente, recebendo uma pensão anual e remível, no âmbito da indemnização fixada pelo acidente de trabalho.
IV - O critério fundamental para a fixação da indemnização devida pelo dano biológico, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como especialmente por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade.
V - De facto, os critérios definidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, bem como nas alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial, não se sobrepondo ao sobredito critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações, a equidade.
VI - Apesar disso, podem evidentemente ser ponderados pelo julgador, mormente porque se lhe impõe a prossecução do princípio da igualdade, o que, sem deixar de atender às especificidades do caso concreto, implica a procura, tanto quanto possível, de uma uniformização de critérios, tarefa para a qual as indicadas tabelas podem contribuir, atenta a objectividade dos factores ali referidos.
VII - No caso dos autos, em face de todo o período em que a Autora esteve incapacitada em absoluto para o trabalho e os moldes em que foi afectada na qualidade da sua vida diária atenta a já acentuada incapacidade de que padece, entendeu o Tribunal a quo fixar a indemnização pelo dano biológico, em € 15.000,00 (quinze mil euros), a qual foi encontrada com base nos critérios devidamente explanados na sentença recorrida, que reputamos equitativos, daí que entendamos ser de manter intocada.
VIII - Quando alguém na idade da autora, se confronta com as provadas limitações funcionais, dependências e cicatrizes, que afectam a sua vida familiar, social, e profissional, estamos perante sequelas com tal gravidade que constituem dano não patrimonial que deve ser compensado, sendo que a censurabilidade da conduta do segurado da Ré é um dos factores a ter em conta na fixação da compensação em dinheiro que se arbitrará à autora como lenitivo para o sofrimento físico-psíquico que padeceu e ainda padece e perdurará na sua memória.
IX - No caso dos autos, o sofrimento da autora em consequência do acidente e até à consolidação das lesões, ocorreu durante período temporal muito prolongado (dois anos e meio), foi acentuado, estando médico legalmente fixado numa escala mais próxima do grau máximo que do mínimo, e continua a estar presente na sua vida, sofrendo ainda uma limitação funcional e psíquica acentuadas, não se podendo olvidar em termos de normalidade da vida, que quanto maior for o tempo em que um indivíduo se encontra em situação de incapacidade, ainda que temporária, mais aumenta a sua angústia quanto ao futuro, sendo sabido que, no caso, atenta a idade da autora, é comum acontecer que as sequelas do acidente no foro mental agravem com o decurso do tempo, situação que em tempos como aqueles que vivemos, demanda preocupação acrescida nomeadamente com a repercussão dessa maior fragilidade no desempenho da actividade profissional e, como tal, na própria manutenção do posto de trabalho.
X - Nestes termos, consideramos exígua a quantia total de €11.000,00 fixada na sentença recorrida, para reparação dos danos não patrimoniais na vertente do quantum doloris e do dano estético, reputando adequada e equitativa a quantia de de 35.000,00€.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I – RELATÓRIO
1. AA, instaurou contra BB, S.A. e CC, S.A., a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação das Rés, de acordo com a responsabilidade de ambas, ou apenas de uma delas, no pagamento da quantia indemnizatória de € 60.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, desde o vencimento e até integral pagamento.
Em fundamento alegou, em síntese, ter ocorrido um acidente de viação no dia 13.08.2008, ao km 139,40 da EN 118, em que intervieram os veículos automóveis com as matrículas …-…-HG e …-…-ZC, estando a responsabilidade decorrente da respectiva circulação transferida para as Rés, respectivamente, seguindo a Autora, como passageira, neste último, propriedade da sua entidade patronal.
Desse embate resultou para a Autora um traumatismo craniano, com perda de conhecimento, um traumatismo facial e um traumatismo do ombro esquerdo, vindo a ser assistida em diversos hospitais e submetida a intervenções cirúrgicas.
Ficou com sequelas das lesões, sofreu danos não patrimoniais, mais propriamente as dores, angústia, sofrimento, intervenções cirúrgicas, decorrentes do tempo de internamento hospitalar e da incapacidade total para o trabalho sofridos, com dano estético, tratamentos médicos, perda de capacidade para o trabalho, perda de capacidade genérica e desgosto sofrido, dos quais pretende ser compensada.

2. Contestaram ambas as RR., por impugnação, alegando, no essencial, que a responsabilidade pelo embate se deveu à conduta do veículo segurado na outra co-R., bem como sustentando ser excessivo e desajustado o quantitativo peticionado pela A. quanto aos danos não patrimoniais sofridos.

3. Foi proferido despacho saneador, seguido da selecção dos factos assentes e da elaboração da base instrutória, que não mereceram qualquer reclamação.

4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi seguidamente proferida sentença, onde foi decidido: «absolver a Ré CC, SA do pedido; condenar a Ré BB, SA no pagamento à Autora AA da quantia global de € 26.000,00 (vinte seis mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a presente sentença até efectivo e integral pagamento, sendo absolvida do demais contra si peticionado».

5. Inconformadas, a A. e a R. BB, SA, apresentaram recurso de apelação da sentença proferida, tendo a autora finalizado a sua minuta recursória com as seguintes conclusões:
«I- Salvo o devido respeito pelo Exmo. Senhor Juiz a quo, magistrado judicial de reconhecida excelência profissional e esmerada educação, com quem é deveras gratificante trabalhar, a Autora apresenta a sua discordância no que tange ao montante indemnizatório de €26.000,00 fixado na douta sentença, para efeito da reparação pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente dos autos, reputando-o de insuficiente compensação.
II- Tendo em atenção os padecimentos pelos quais a Autora passou e as sequelas das lesões sofridas, designadamente o período de incapacidade total de 914 dias (quase três anos), o défice funcional permanente de 17 pontos, tornando-a dependente de ajudas técnicas e de terceiras pessoas, com necessidade de tratamentos médicos regulares de seguimento psiquiátrico, as limitações físicas e psíquicas sentidas, a tristeza e a ansiedade que se apoderaram dela, o desgosto e a vergonha em que passou a viver, as dificuldades em "socializar" e, até mesmo, nas tarefas do dia a dia em casa, as alterações de hábitos alimentares por via da alteração da boca e dos dentes, os incómodos dos internamentos hospitalares e cirurgias, da realização de exames médicos e nas deslocações e esperas, o quantum do lo ris (seja pelas dores sofridas, seja pelas dores que continuou a sofrer) de gravidade considerável e o dano estético para lá da média gravidade, tudo concorrendo para que a Autora nunca mais seja a pessoa que era antes do acidente, quando era saudável e tinha uma grande alegria de viver, entende-se ser de fixar a indemnização por danos não patrimoniais na quantia de €60.000,00.
III- A fixação do quantum indemnizatório no valor de €60.000,00, a título de danos não patrimoniais, constitui a forma de reparação justa e equilibrada dos danos morais sofridos pela Autora em consequência das lesões para ela advindas da ocorrência do acidente dos autos.
IV- A douta sentença recorrida não tendo, dessa forma, decidido, violou o disposto nos art°s. 496.º e 494.º do Código Civil.
V - A douta sentença recorrida deve, assim, ser substituída por outra que, julgando a acção procedente, por provada, fixe a indemnização a pagar à Autora no valor de €60.000,00 a título de danos não patrimoniais, ou, assim não se entendendo, caso julgue a acção parcialmente procedente, reputando de insuficiente o valor de €26.000,00 fixado na douta sentença recorrida, fixe o montante indemnizatório em valor superior a este, de acordo com critérios de equidade conforme o disposto no artº 496º, nº 3, do Código Civil».
E terminando a Ré as respectivas alegações, com as seguintes conclusões:
«1.ª - 0 presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença proferida aos 28.02.2014, com a referência n.º 3215578;
2.ª - Face à prova produzida, considera a aqui Apelante que incorreu o Tribunal a quo num erro de julgamento ao decidir como decidiu, tendo sido proferida resposta errada dada aos quesitos 3.° a 7.°, 10.° e 11.° da Base instrutória, com isso inquinando a decisão final proferida;
3.ª - Com base nos depoimentos supra mencionados, e sempre com todo o respeito e a devida consideração, entende a Apelante que a matéria constante nos artigos 5.° e 11.° da Base Instrutória deveria ter sido dada como provada; Devendo, ao invés, serem dados como factos não provados a factualidade mencionada nos artigos 3.°, 6.°, 7.° e 10.° da Base Instrutória;
4.ª - Violou a sentença, ora em crise, a parte final do artigo 607.°, n.º 3 do Novo CPC, abstendo-se de proceder ao exame crítico das provas produzidas, nomeadamente na apreciação da prova testemunhal produzida, assim como ao não ter admitido e apreciado um concreto meio probatório - prova documental - apresentado pela Ré e ora Recorrente;
5.ª - Nos presentes autos, a Ré e ora Recorrente BB interpôs recurso jurisdicional - apelação autónoma, com subida em separado e ainda pendente de decisão pelo Tribunal ad quem - do douto despacho proferido em plena audiência de julgamento realizada a 19.12.2013, que decidiu indeferir o meio de prova documental requerido pela Ré, no requerimento apresentado aos 17.12.2013, com a ref. 15385986;
6.ª - O documento cuja junção foi rejeitada, permite atacar a credibilidade da prova testemunhal produzida, mormente o conteúdo dos depoimentos prestados pelas testemunhas Maria …, Dulce … e Eugénia …, destruindo ou enfraquecendo aqueles depoimentos, pondo em causa a razão de ciência invocada pelas testemunhas ou a fé que elas possam merecer;
7.ª - Não merecem credibilidade, nem devem ser tomados em consideração, os depoimentos prestados pelas testemunhas Maria …, Dulce … e Eugénia …;
8.ª - Caso aquele recurso do despacho de rejeição de meio de prova seja julgado procedente, sendo admitido aquele concreto meio probatório (prova documental), poderá determinar o erro de julgamento sobre concretos pontos de facto e implicar uma decisão diversa quanto à matéria de facto;
9.ª - Face à prova produzida nos autos, maxime os depoimentos das testemunhas Carlos …, Joaquim … e Filipe … - conforme passagens da gravação dos depoimentos que foram acima indicadas e devidamente transcritas -, incorreu o Tribunal a quo num erro de julgamento ao decidir como decidiu;
10.ª- A responsabilidade pela produção do acidente dos autos não poderá ser imputada ao condutor do veículo seguro pela aqui Recorrente, motivo pelo qual, ao responder como respondeu à matéria de facto, nomeadamente no que aos quesitos 3.° a 7.°, 10.° e 11.° da Base Instrutória, o Tribunal a quo fez uma errada valoração da prova produzida, com isso inquinando a decisão final proferida;
11.ª - Sem prescindir, ainda que se entendesse ter tido o veículo HG alguma responsabilidade na produção do acidente dos autos, sempre, atenta a prova produzida, teria que se entender que tal responsabilidade não foi total, motivo pelo qual, a decisão recorrida sempre teria que ser revogada;
12.ª - Por outro lado, na douta sentença recorrida ocorre uma errada interpretação e aplicação do Direito que aplicou ao caso em concreto, existindo violação dos princípios de equidade na fixação da indemnização atinente aos danos não patrimoniais;
13.ª - Os danos não patrimoniais apenas são reparados quando a sua gravidade assim o sugira, sendo aqui o princípio da reparação integral limitado pela gravidade do dano, nos termos do artigo 496.°, n.º 1 do Código Civil;
14.ª - Os danos não patrimoniais são aqueles que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ocasionar uma compensação, compreendendo o quantum doloris, o dano estético e o prejuízo de afirmação pessoal, em função da descrição feita pelos médicos (a avaliação do dano corporal) e tendo em conta os precedentes jurisprudenciais;
15.ª - A avaliação do dano corporal - que inclui o dano patrimonial e não patrimonial - visa orientar, cientificamente, a reparação do dano corporal, de forma a que esta seja justa e adequada às reais necessidades das vítimas, ou seja, tem como objectivo avaliar o dano corporal de forma global e personalizada de modo a que a reparação possa contribuir para a reinserção familiar, social e profissional da vítima;
16.ª - No caso sub judice, foi elaborado relatório por perito médico-legal pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, tendo sido produzida prova pericial técnico-científica, existindo base de sustentação para a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais;
17.ª - No caso em apreço, e tendo em consideração o relatório de perícia de avaliação do dano corporal produzido, verificou-se (i) um quantum doloris fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente; (ii) um défice funcional permanente da integridade física-psíquica fixável em 17 pontos numa escala até 100 pontos; e (iii) um dano estético permanente fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente;
18.ª - Mais se apurou que as sequelas sofridas pelo Recorrido, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são causa de limitações importantes com repercussões na independência e autonomia da Autora, tornando-a dependente de ajudas técnicas e de terceira pessoa;
19.ª - Nos termos do artigo 483.°, n.º 1, do Código Civil, para haver obrigação de indemnizar, não basta a ilicitude da acção do lesante, que se traduz na lesão do bem, sendo necessário ainda um dano efectivo e não apenas um dano ficcionado que, neste caso, contrariaria a proibição do enriquecimento do lesado devido ao evento lesivo, que receberia uma indemnização superior ao dano efectivo;
20.ª - O montante indemnizatório deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida;
21.ª - Deve ainda atender-se ao grau de culpabilidade do responsável (o segurado), à sua situação económica deste e do lesado, e às demais circunstâncias do caso, sendo de atender aos padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência;
22.ª - O segurador não é directamente responsável para com o lesado, no sentido de que a indemnização tenha de ser determinada em atenção à sua melhor ou pior situação económica; quem é directamente responsável para com o lesado é o segurado, incidindo sobre o mesmo a ponderação da situação económica;
23.ª - Atentos os danos não patrimoniais apurados nos autos, bem como as demais circunstâncias do caso concreto (v.g., o grau de culpabilidade do responsável, situação económica deste e do lesado), verifica-se que a indemnização fixada é manifestamente excessiva, tendo em vista a reparação e/ou compensação de todo o sofrimento, incómodos, necessariamente momentos de angústia sofridos pelo lesado;
24.ª - Sem conceder, caso se entenda dever fixar-se um valor pelos danos não patrimoniais, tal valor não deverá ultrapassar os €15.000,00;
25.ª - A douta sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios do sistema jurídico, os artigos 483.°, 496.°, 562.°, 563.°, 564.° e 566.°, todos do Código Civil, bem como o artigo 607.° do Novo Código de Processo Civil».

6. Pela A. e pela R. CC, S.A. foram apresentadas contra-alegações, aquela concluindo nos termos das respectivas alegações e esta pugnando pela manutenção do julgado.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[2], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistas as alegações de recurso apresentadas pela Autora e pela primeira Ré, as questões a apreciar nos presentes recursos de apelação consistem, pela sua ordem lógica, em saber se:
- a matéria constante dos artigos 5.º e 11.º da base instrutória devia ter sido dada como provada; e a dos artigos 3.º, 6.º, 7.º e 10.º, como não provada;
- é ou não adequado o quantum indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais, pretendendo a autora que o mesmo deve ser fixado na quantia peticionada ou, caso assim não seja entendido, em quantia superior à arbitrada; e a Ré que, a existir compensação, a mesma deve ser fixada num máximo de €15.000,00.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Foram os seguintes os factos considerados como provados na sentença recorrida:
1. No dia 13 de Agosto de 2008, pelas 07 horas, ao km 139,40 da E.N. 118, em Pego, ocorreu o embate entre os veículos …-…-ZC (ligeiro de passageiros) e …-…-HG (pesado de mercadorias especial recolha de lixo);
2. O veículo ZC era conduzido por Eduardo … e transportava a Autora, enquanto o veículo HG era conduzido por Joaquim …;
3. O veículo ZC circulava na Rua da Estrada Velha, no Pego, no sentido Rua da Estrada Velha - E.N. 118 - Concavada;
4. O veículo HG circulava na Rua do Cemitério, no Pego, no sentido Rua do Cemitério - E.N. 118 - Abrantes;
5. Ao referido km 139,40, a E.N. 118 apresenta um entroncamento, dentro da curva à esquerda, com a Rua da Estrada Velha e outro com a Rua do Cemitério;
6. Em cada um desses dois entroncamentos, os veículos que circulam pela Rua da Estrada Velha e pela Rua do Cemitério e que pretendam aceder à E.N. 118, encontram um sinal de STOP;
7. À data da colisão, a FF, Ld.ª, tinha a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo …-…-ZC transferida para a Ré CC, SA pela apólice n.º 34/475893/002;
8. À data da colisão, os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Abrantes tinham a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo …-…-HG transferida para a Ré BB, SA, pela apólice n.º 0001827553;
9. A Autora nasceu em 11 de Agosto de 1952;
10. No local em que a Rua da Estrada Velha e a Rua do Cemitério entroncam na E.N. 118, aquelas duas vias distam cerca de 10 metros;
11. A Rua do Cemitério, na parte que antecede o entroncamento com a E.N. 118, é plana;
12. O veículo ZC, ao chegar ao entroncamento formado pela Rua da Estrada Velha e a E.N. 118, parou no sinal de STOP;
13. Ao mesmo tempo que já tinha o sinal luminoso de mudança de direcção ("pisca-pisca") da direita ligado;
14. Após ter o veículo imobilizado, o condutor do veículo ZC olhou para a esquerda e para a direita;
15. Ao verificar que não circulava qualquer veículo automóvel na E.N. 118, reiniciou a marcha e avançou;
16. Quando o veículo ZC já se encontrava na E.N. 118, ocupando a hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de marcha para Alvega-Concavada, tendo percorrido cerca de seis a sete metros da E.N. 118, foi embatido na lateral direita pela frente do veículo HG;
17. O veículo HG, ao chegar ao entroncamento formado pela Rua do Cemitério e a E.N. 118, não parou ao sinal de STOP aí existente;
18. O condutor do veículo HG seguia no sentido de Abrantes;
19. Ao aperceber-se da presença do veículo ZC a circular na E.N. 118, o condutor do veículo HG accionou o sistema de travagem;
20. Deixando no pavimento da E.N. 118 um rasto de travagem na faixa de rodagem ao longo de 2,10 metros;
21. Em resultado desse embate, o veículo ZC rodopiou e ficou imobilizado na faixa de rodagem da E.N. 118, perpendicularmente à berma;
22. Distando entre a sua traseira e o lancil 0,45 metros e 14,20 metros entre a frente e o Fontanário do Largo Nossa Senhora dos Aflitos;
23. Entre o rasto de travagem da roda da frente esquerda do HG e o fontanário do Largo Nossa Senhora dos Aflitos distavam 9,10 metros;
24. A faixa de rodagem da Rua do Cemitério tem a largura de 5,40 metros;
25. A faixa de rodagem da Rua da Estrada Velha entre o ilhéu e o lancil da berma direita tem a largura de 5 metros;
26. A faixa de rodagem da E.N. 118, em plena curva, no local onde entronca a Rua da Estrada Velha, tem a largura de 6,80 metros;
27. Do embate entre os mencionados veículos resultou para a Autora um traumatismo craniano com perda de conhecimento, traumatismo facial e traumatismo do ombro esquerdo;
28. Em consequência das lesões sofridas nesse embate, a Autora foi conduzida ao Hospital de Distrital de Abrantes, tendo feito radiologia e tendo tido alta;
29. Nessa altura, a Autora tinha dificuldade em abrir a boca, em comer e tinha edema na face;
30. Após seis dias, a Autora foi novamente ao Hospital Distrital de Abrantes, devido a confusão e dores;
31. Fez uma TAC no Hospital Distrital de Abrantes e foi depois transferida para o Hospital S. Francisco Xavier;
32. No Hospital S. Francisco Xavier foi observada e teve alta para o domicílio;
33. Na TAC crânio-encefálica realizada na Clínica Diamecom, por apresentar cefaleias associadas a náuseas, a Autora revelava fractura da arcada zigomática e asa esfenoidal esquerdas, envolvendo a parcela posterior da órbita e hematoma intra-sinusal esquerdo ao nível do seio maxilar, com solução de continuidade da parede anterior do seio frontal adjacente às células etmoidais anteriores e em topografia paramediana direita, com calcificações no seio do tecido celular subcutâneo adjacente;
34. Na TAC da face realizada na Clínica Diamecom verificou-se uma fractura malar esquerda múltipla com envolvimento da parede anterior do antro maxilar, bem como da parede posterior envolvendo a arcada zigomática, com líquido espontaneamente hiperdenso, traduzindo a existência de hematoma no seio do antro maxilar;
35. Verificou-se, também, neste exame, a existência de um ligeiro desalinhamento e fractura da asa do esfenóide esquerdo, relativamente alinhada, envolvendo a parede postero-externa e pavimento da órbita, com ligeiro afundamento da vertente mais periférica do pavimento, sem alterações à direita mas com muito ligeiro espessamento do revestimento mucoso no pavimento do seio maxilar;
36. Devido ao edema da face, as dores que sentia e anestesia da arcada e do lábio, a Autora fez dieta líquida e aplicação de gelo;
37. A Autora tinha alterações de equilíbrio e raquialgias;
38. A Autora apresentava rinorraquia à esquerda;
39. A Autora foi submetida a cirurgia;
40. A Autora sentia tonturas quando fazia movimentos com a cabeça;
41. A Autora mantinha lacrimejo e corrimento nasal persistente;
42. Como consequência do mencionado embate resultou para a autora um traumatismo da face, o qual lhe causou desadaptação das próteses parciais removíveis e fractura de peças dentárias;
43. A Autora foi sujeita a exodontia do dente 2.3 e a restauração do dente 3.4.;
44. Foi-lhe colocada prótese parcial removível, em acrílico, com 10 dentes e prótese parcial removível, esquelética, inferior;
45. Fez exodontia do dente 2.1 com colocação imediata de prótese superior;
46. Como consequência do embate, a Autora esteve, desde 13 de Agosto de 2008 até 12 de Fevereiro de 2011, com défice funcional temporário total;
47. Como consequência do embate, a Autora ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 17 pontos;
48. Como consequência do embate a Autora apresenta, actualmente, síndrome pós traumático, cicatrizes superficiais da face visíveis a menos de um metro, insónia, tonturas e perda de equilíbrio, ideação suicida e isolamento e limitação na abertura da boca; (petição inicial datada de 22.07.2011)
49. Sente-se muito ansiosa, desgostosa e triste, evitando olhar-se ao espelho e expor-se na rua;
50. Sente-se envergonhada das pessoas olharem para ela por causa das cicatrizes;
51. Não consegue subir escadotes nem estar em ambientes com muito ruído;
52. Tem dificuldade quando mastiga, a "cortar" e "rasgar" alimentos;
53. Como consequência do embate a autora sentiu dores intensas, que continuou a sentir durante o período em que se encontrou submetida a tratamento e que actualmente ainda sente; (petição inicial datada de 22.07.2011)
54. Sofreu incómodos nos internamentos hospitalares, na realização dos exames médicos, nas deslocações a instituições hospitalares e esperas;
55. Com as alterações de hábitos alimentares para líquidos e pastas;
56. E com a necessidade que teve de ser auxiliada por terceira pessoa para se alimentar;
57. A Autora sofreu quando sentiu que nunca mais iria ser a mesma pessoa;
58. Antes do embate, a Autora era uma pessoa com uma grande alegria de viver e saudável;
59. As dores sofridas pela Autora em consequência do embate situam-se num grau 05 numa escala crescente de 07 graus de gravidade;
60. As cicatrizes que apresenta como consequência do embate situam-se num grau 04 numa escala crescente de 07 graus de gravidade;
61. À data do embate a Autora exercia funções de auxiliar de serviços, auferindo a retribuição mensal de € 450,56 x 14, acrescida do subsídio de alimentação no montante de € 88,00 x 11;
62. O veículo ZC pertencia, à data da colisão, à FF, Lda;
63. O veículo HG pertencia, à data da colisão, aos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Abrantes;
64. Os condutores de ambos os veículos conduziam-nos no âmbito das suas funções de motoristas, por conta e sob as ordens dos donos dos mesmos;
65. Por sentença datada de 19.12.2001, transitada em julgado, proferida nos autos de processo especial de acidente de trabalho que correram termos pelo Tribunal do Trabalho de Abrantes com o n.º 261/09.0TAABT, em que figurava como Autora AA e Ré a CC, a Ré CC foi condenada a pagar à Autora a pensão anual e obrigatoriamente remível de € 1.153,58, devida desde 13.02.2011 e na quantia de € 32,00 a título de transportes, por força do acidente de trabalho sofrido no dia 13.08.2008, pelas 07h00, quando trabalhava por conta da FF, Lda.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
a). A Rua da Estrada Velha e a Rua do cemitério formam cruzamentos com a EN 118;
b). O veículo ZC não parou no sinal de STOP;
c). O veículo ZC tinha percorrido 8 metros da EN 118 quando foi embatido pelo veículo HG;
d). O veículo HG parou no sinal de STOP;
e). O condutor do veículo HG arrancou após verificar que não havia qualquer tráfego na E.N. 118;
f). O veículo HG circulava a uma velocidade inferior a 10 km/h;
g). O condutor do veículo HG seguia no sentido de Alvega;
h). Quando o veículo HG já circulava na E.N. 118, surgiu, na sua frente, a cerca de 5 metros, o veículo ZC;
i). A faixa de rodagem da Rua da Estrada Velha entre o ilhéu e o lancil da berma direita tem a largura de 6,80 metros;
j) A rinorraquia da Autora existia, em concreto, em 02.12.2008 e em 15.12.2008;
I) A cirurgia a que a Autora foi submetida foi realizada em Março de 2009 com anestesia geral;
m) A Autora iniciou tratamento com Zoloft;
n) A Autora foi submetida a intervenção cirúrgica em Novembro de 2010, com anestesia geral;
o) Como consequência do embate a Autora ficou afectada com uma IPP não inferior a 30% nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais;
p) Após o embate, a Autora, quando acordou do estado inconsciente e percebeu o estado em que se encontrava, receou pela vida e integridade física;
q) As dores sofridas pela Autora[3] em consequência do embate situam-se num grau 06 numa escala crescente de 07 graus de gravidade;
r) As cicatrizes que apresenta como consequência do embate situam-se num grau 05 numa escala crescente de 07 graus de gravidade.
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III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Responsabilidade civil
Na presente acção a autora alegou factos conducentes a demonstrar a culpa efectiva e exclusiva do condutor do veículo segurado na primeira ré na produção do acidente mas, por seguir como passageira no veículo automóvel que identificou pertencente à respectiva entidade patronal, e para a eventualidade de se vir a constatar que a culpa do acidente se deveu a culpa do condutor deste, formulou o pedido contra as seguradoras de cada um dos veículos intervenientes no embate.
Nos termos do disposto no artigo 483.º do CC “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Acresce que, nos termos genéricos do artigo 342.º do Código Civil[4], também afirmados a propósito da matéria referente à responsabilidade civil, no artigo 487.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, ao autor (lesado) incumbe a prova dos factos constitutivos do direito invocado, no caso, “a culpa do autor da lesão”, apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso - n.º 2 do citado artigo 487.º - incumbindo, ao invés, às rés a prova de que o acidente ocorreu por culpa do lesado ou do condutor do veículo segurado na outra ré.
Efectivamente, a responsabilidade extracontratual é uma responsabilidade pessoal, e não objectiva pela circulação de veículos ou de outras coisas e é sobre a pessoa responsável que recai o dever de indemnizar, daí que, o seguro de responsabilidade civil por acidente de viação, é sempre pessoal, apesar de destinado ao uso de certo e determinado veículo ou à sua direcção efectiva, razão pela qual assenta na actuação ilícita ou com risco do respectivo condutor.
Ora, a matéria de facto alegada pela autora relativamente à dinâmica do acidente quando submetida a julgamento, logrou revelar-se provada em termos que determinaram a condenação apenas da primeira ré, fixação que não foi aceite pela mesma, a qual pretende que a responsabilidade pelo acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo onde a autora era transportada, impugnando para o efeito a matéria de facto dada como provada e pretendendo a respectiva reapreciação.
Vejamos, pois, se é ou não de manter nos termos em que vem fixada, a matéria de facto supra descrita.
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III.2.2. – Reapreciação da matéria de facto
III.2.2.1. – Da junção do documento
Nas respectivas conclusões 1.ª a 10.ª invoca a Apelante BB, S.A., que o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento ao decidir como decidiu, tendo sido dada resposta errada aos quesitos 3.° a 7.°, 10.° e 11.° da Base instrutória, com isso inquinando a decisão final proferida, já que a matéria constante nos artigos 5.° e 11.° da Base Instrutória deveria ter sido dada como provada, devendo, ao invés, ser dada como não provada a factualidade mencionada nos artigos 3.°, 6.°, 7.° e 10.° da Base Instrutória;
Para o efeito invocou, em primeiro lugar, que o tribunal não procedeu ao exame crítico das provas produzidas, nomeadamente na apreciação da prova testemunhal produzida, ao não ter admitido e apreciado um concreto meio probatório - prova documental - apresentado pela Ré e ora Recorrente, tendo esta interposto apelação autónoma desse despacho, com subida em separado, e ainda pendente de decisão pelo Tribunal ad quem.
Mais aduziu que o documento cuja junção foi rejeitada na audiência de julgamento, permite atacar a credibilidade da prova testemunhal produzida, mormente o conteúdo dos depoimentos prestados pelas testemunhas Maria …, Dulce … e Eugénia …, destruindo ou enfraquecendo aqueles depoimentos, pondo em causa a razão de ciência invocada pelas testemunhas ou a fé que elas possam merecer, não merecendo credibilidade, nem devendo ser tomados em consideração, os depoimentos prestados pelas referidas testemunhas.
Assim, diz, caso aquele recurso do despacho de rejeição de meio de prova seja julgado procedente, sendo admitido aquele concreto meio probatório (prova documental), poderá determinar o erro de julgamento sobre concretos pontos de facto e implicar uma decisão diversa quanto à matéria de facto.
Tendo a ora Relatora solicitado a junção aos autos do Acórdão entretanto proferido na indicada apelação autónoma, verifica-se que a mesma foi julgada improcedente pelas razões ali devidamente fundamentadas e assim sumariadas:
- O processo tem por objectivo o apuramento da verdade material e a justa composição do litígio, devendo o juiz efectuar e ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências com vista a atingir esse fim - cfr. arts.5º, 6º nº1 e 411º, todos do C.P.C.
- No entanto, essa procura da verdade material que impende sobre o juiz não pode fazer com que este admita a junção aos autos de qualquer documento apresentado pelas partes só porque elas entendem que o mesmo se torna imprescindível para a boa decisão da causa.
- Por isso, é totalmente inócuo e desnecessário para uma boa decisão do pleito que a recorrente pretenda juntar aos autos um documento que mais não é que um “relatório interno” de averiguações, no qual um alegado perito, seu funcionário ou por si contratado, ouviu algumas das testemunhas inquiridas em julgamento, por escrito (em depoimento que redigiu…), fazendo as perguntas que bem entendeu (pertinentes ou não), tirando algumas fotos do eventual local do acidente e terminando, a final, por emitir um “juízo” sobre qual foi o (ou os) alegado(s) culpado(s) na produção do acidente.
Tendo este acórdão transitado em julgado, sem necessidade de maiores considerações, improcedem as conclusões 1.ª a 8.ª das alegações do presente recurso, porquanto tendo sido rejeitada a junção aos autos do documento que, de acordo com a Apelante, permitia atacar a credibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas Maria …, Dulce … e Eugénia … - destruindo ou enfraquecendo aqueles depoimentos que, por isso, não deviam ser tomados em consideração -, torna-se evidente que, atenta a decisão proferida no referido acórdão, o fundamento do invocado erro de julgamento que a Apelante pretendia demonstrar com aquele concreto meio probatório, não pode ser apreciado e, por tal, não pode implicar uma decisão diversa quanto à matéria de facto.
Assim, cabe apreciar o segundo segmento da impugnação da matéria de facto, traduzido nas conclusões 9.ª e 10.ª.
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III.2.2.2. – Da prova testemunhal
Como vimos, a Recorrente ataca a credibilidade das testemunhas supra indicadas, pretendendo ainda que, face à prova produzida nos autos, maxime os depoimentos das testemunhas Carlos …, Joaquim … e Filipe … - conforme passagens da gravação dos depoimentos que foram por si indicadas e devidamente transcritas -, incorreu o Tribunal a quo num erro de julgamento ao decidir como decidiu, já que a responsabilidade pela produção do acidente dos autos não poderá ser imputada ao condutor do veículo seguro pela aqui Recorrente.
A impugnação da matéria de facto pela primeira ré, ora Recorrente, deve considerar-se efectuada com observância dos ónus a respectivo cargo previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, cumprindo consequentemente verificar se existem ou não razões para modificar a matéria de facto nos termos pretendidos.
Como é sabido, nesta apreciação, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo[5].
Ora, a convicção do Tribunal, quer de primeira instância, quer da Relação, não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e sendo evidentemente apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.
De facto, «[o] “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular - a fundamentação em matéria de facto -, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência.
O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cfr.,v.g., acórdão do Supremo Tribunal de 30 de Janeiro de 2002, proc. 3063/01)» [6].
Perguntava-se nos referidos artigos 3.° a 7.°, 10.° e 11.° da base instrutória:
3.º - O veículo ZC, ao chegar ao entroncamento formado pela Rua da Estrada Velha e a E.N 118, parou no sinal "STOP"?
4.º - Ao mesmo tempo que já tinha o "pisca-pisca" da direita ligado?
5.º - Ou, pelo contrário, o veículo ZC não parou no sinal "STOP"?
6.º - Após ter o veículo imobilizado, o condutor do veículo ZC olhou para a esquerda e para a direita?
7.º - Ao verificar que não circulava qualquer veículo automóvel na E.N 118, reiniciou a marcha e avançou? ( ... )
10.º - O veículo HG, ao chegar ao entroncamento formado pela Rua do Cemitério e a E.N 118, não parou ao sinal "STOP" aí existente?
11.º - Ou, pelo contrário, o veículo HG parou no sinal "STOP"?", tendo, portanto, sido dada como provada, na sua essencialidade, a matéria dos artigos 3.º, 4.º, 6.º, 7.º e 10.º, e como não provada a constante dos artigos 5.º e 11.º.
Vejamos, então, se a prova produzida impõe decisão diversa quanto à indicada matéria de facto, começando por recordar a fundamentação expressa na sentença recorrida quanto à mesma, restringindo-se à parte respeitante à avaliação da dinâmica que levou à ocorrência do embate, pois que é patente pelas respectivas alegações que a Recorrente não dissente quanto à descrição física do local onde o mesmo ocorreu, nem quanto à sua qualificação como entroncamento.
Ora, a este respeito, depois de descrever a respectiva convicção naquela parte, afirmou o Senhor Juiz que: «[n]o tocante à dinâmica do evento, as testemunhas Eugénia …, Maria … e Dulce …, passageiras do veículo ZC, bem como Eduardo …, condutor dessa viatura, foram coincidentes no que se refere ao facto de este último ter parado junto do sinal de STOP, sendo que a testemunha Dulce … aludiu mesmo ao facto de o condutor do veículo ZC ter engrenado a 1ª velocidade.
Neste segmento, as referidas testemunhas estavam presentes aquando da verificação dos factos, revelando clara simplicidade nos testemunhos prestados e uma naturalidade que lhes conferiu crédito, não sendo os seus depoimentos colocados em crise pela testemunha Filipe …, perito averiguador da Ré BB.
Este último não assistiu aos factos, acabando por adiantar conclusões por si elaboradas as diligências posteriores que encetou, mas que não deixaram de ser meras ilações resultantes de um raciocínio que, por essência, não são absolutas e em relação às quais aquela prova directa foi tida como primordial.
Por sua vez, a testemunha Eugénia …, de modo claro e peremptório, afirmou que o condutor do veículo ZC olhou para um lado e para o outro antes de entrar na EN 118, sendo que, inquirida a testemunha Eduardo …, no seu depoimento teve apoio nos depoimentos das testemunhas que viajavam como passageiras, referindo, de modo seguro, ter ligado o indicador luminoso de mudança de direcção, vulgarmente conhecido por "pisca", termos em que essa matéria foi dada como provada.
As testemunhas Maria … e Dulce … foram ainda unânimes no que tange ao facto de o veículo ZC ter já andado quando foi embatido pelo veículo HG, já na EN 118, bem como a zona do veículo em que o foi (o que foi confirmado, na essência, pela testemunha Joaquim …, que estava a fazer o serviço de recolha de lixo).
Quanto à paragem do veículo HG junto do sinal de STOP, pese embora o depoimento da testemunha Joaquim … tenha ido, inicialmente, nesse sentido, o certo é que se mostrou, em sede de audiência de julgamento, claramente comprometida, em segmentos mesmo hesitante no que se refere ao concreto de ter parado e onde em concreto o fez.
Por sua vez, acabou por afirmar que estava cerca de meia hora atrasado, assim como que o veículo que costumava conduzir era mais pequeno e mais baixo que o HG.
Sopesando a pouca certeza revelada pela testemunha e a própria configuração do local verificada aquando da inspecção ao local, em que a EN 118 configura uma curva, permitindo uma entrada mais fácil e directa do que se fosse um entroncamento com uma entrada em perfeita perpendicular e na ausência de meio de prova objectivo que conferisse algum apoio no sentido de o veículo HG ter parado, foi dada como não provada tal pagarem.
De resto, também a testemunha Filipe … revelou ter concluído no sentido da não paragem do veículo HG.
O sentido da marcha do veículo HG e o facto de ter sido feita travagem foram dados como provados com base no depoimento de Joaquim …, conjugado com o teor do croquis de fls. 22, atestando rasto de travagem encontrado.
A posição em que o veículo ZC ficou foi dado como provado com base no depoimento de Carlos …, que se revelou merecedor de crédito neste segmento, coincidindo com o teor do croquis, nos moldes já analisados, sendo que, de resto, não foi produzida qualquer prova em sentido contrário».
Ouvidos atentamente os depoimentos das testemunhas que depuseram sobre a dinâmica do acidente, não podemos desde já deixar de afirmar não existir qualquer razão para modificar a matéria de facto nos termos pretendidos pela Recorrente.
Efectivamente, os depoimentos transcritos referem-se apenas às afirmações das testemunhas Carlos …, Joaquim … e Filipe …, sendo que sobre a indicada matéria depuseram também as testemunhas Eduardo …, Eugénia …, Maria … e Dulce ….
Ora, todas estas testemunhas, cuja credibilidade foi colocada em causa pela recorrente relativamente às três últimas, se encontravam no veículo com a matrícula ZC, sendo o primeiro o respectivo condutor e as 3 últimas, passageiras transportadas no veículo, todos colegas de trabalho, deslocando-se no momento do acidente pela estrada velha, na localidade do Pêgo, para a estrada nacional com destino à Central do Pêgo. Como dito, ouvido atenta e integralmente o respectivo depoimento, não vemos qualquer sinal que leve a colocar em causa a respectiva credibilidade.
Efectivamente, o condutor do veículo, referiu que fazia o percurso em questão diariamente conhecendo bem o entroncamento e afirmando ter feito pisca-pisca, ter parado no sinal ali existente (STOP): “parei, sim senhor” e mais adiante referiu que ainda circulava em 1.ª e tinha percorrido mais ou menos até ao meio da estrada quando o embate ocorreu; explicou que à direita fica a estrada para o cemitério, existindo um fontanário; olhou para a esquerda e para a direita e não vinha veículo nenhum pelo que entrou na estrada 118 onde chocou com o veículo que vinha do lado do cemitério, só se tendo apercebido quando foi embatido não o tendo visto anteriormente; mais explicou que ao fazer a entrada na estrada nacional já é uma recta, tendo o embate ocorrido no “meio da carrinha para trás”, do lado direito, quando já ia a passar a rua do cemitério; não ouviu qualquer barulho de travagem. Quando instado a explicar por que razão não tinha visto o outro veículo atenta a sua dimensão já que se trata do veículo de recolha do lixo, referiu que o mesmo devia circular mais pelo lado esquerdo da rua do cemitério para ter mais visibilidade para a rua em frente, e que o Stop ali existente não está no alinhamento da estrada, está mais para trás; mas, se ele estivesse parado no sinal tinha-o visto; questionou ainda se tinha acabado de arrancar como podia ir com muita velocidade e afirmou não ter sido ele quem indicou à GNR o local do embate porque foi logo transportado para o Hospital.
Ora, ouvidas as demais testemunhas que eram transportadas neste veículo, prestaram depoimento consonante com este, evidentemente que cada uma delas pelas suas próprias palavras, mas sendo peremptórias em afirmar que o condutor parou no sinal Stop, dizendo mesmo a testemunha Maria … quando novamente instada sobre esta matéria no sentido de saber se ele não teria apenas abrandado, que parou mesmo, não abrandou só, e que não ia com velocidade quando ocorreu o embate porque tinham acabado de arrancar. Todas afirmaram também não ter visto o “camião do lixo” antes do embate, isto mesmo as testemunhas Dulce e Manuela que estavam sentadas, aquela à frente e esta no banco do meio da carrinha de 9 lugares, do lado da janela. Sobre esta questão de não terem visto um veículo tão grande foram feitas várias instâncias, inclusivamente pelo Senhor Juiz, tendo as testemunhas referido sempre que só se aperceberam do veículo quando bateram, tendo a testemunha Dulce tido essa percepção quando o condutor arrancou e já estavam na estrada, momento em que “olhou quando vinha já mesmo o camião do lixo”.
Como dito, não se vislumbrou que as testemunhas tivessem sido hesitantes, contraditórias ou sequer que estivessem a contar uma versão «mais favorável» dos factos, tanto mais que todas elas, quando perguntadas sobre os demais pormenores, como se o condutor tinha olhado para um lado e para o outro e se tinha feito pisca, só a testemunha Eugénia, que ia ao lado do condutor, referiu que “ele olhou para os lados, sim”, tendo as demais referido que não viram, o mesmo acontecendo com o saber se o condutor tinha feito pisca “do pisca não tomei atenção). Pensamos que esta é a normalidade do acontecer. Alguém que é transportado num veículo não vai, em regra, com a mesma atenção que se impõe ao condutor, isto a não ser que algo lhe chame a atenção: uma paragem; uma velocidade excessiva; uma travagem, etc. Por isso mesmo, é impressivo que todas tenham referido que existiu a paragem no sinal e não se aperceberam de nada até à ocorrência do embate; o veículo parou, arrancou com normalidade e quando já tinha andado um bocado (que situaram mais ou menos entre os 6/7/10 metros), o camião embateu-lhes de forma que foi sentida pelas testemunhas como violenta (existiram efectivamente 5 feridos), e arrastou o veículo em que seguiam.
É certo que as testemunhas cujos depoimentos se mostram parcialmente transcritos pela Recorrente afirmaram que o condutor deste veículo não parou ao sinal Stop, pelo que vamos deter-nos um pouco nas suas afirmações, ainda que sem as transcrever aqui, já que se mostram vertidas nos autos.
Assim, das 3 indicadas testemunhas apenas uma esteve envolvida no acidente: Joaquim …, o condutor do veículo HG, o qual declarou que vinha sozinho na cabine mas vinham dois ajudantes atrás; tinha feito uma paragem para recolher o lixo ao pé do cemitério, a cerca de 300 metros do entroncamento; parou no sinal, onde tinha mesmo que parar porque não se consegue ver para o lado direito quando se conduz um camião, e quando arrancou foi embatido pelo outro veículo; mais afirmou: “travei, travei” mas só depois do embate; a minha percepção é que quem vem daquele lado não olha para a estrada do cemitério donde raramente vem alguém; olha para a esquerda e segue em frente; suponho que a pessoa em questão afrouxou provavelmente e arrancou.
Por seu turno, a testemunha Carlos …, militar da GNR que elaborou a participação do acidente e o croquis que faz fls. 22 dos autos, afirmou ser sua convicção que o camião parou e o veículo não; para fundamentar o que referiu explicou que um veículo pesado tem um certo peso ao arrancar, ainda que não tivesse parado no stop tinha apanhado o lixo pouco antes, pelo que ia a uma velocidade reduzidíssima; pelo que a violência do embate só se explica devido à velocidade do outro, daí concluir que não parou.
Finalmente, a testemunha Filipe …, perito da seguradora que fez as diligências para apurar a responsabilidade pelo sinistro, conclui que ambos violaram o artigo 21.º do Regulamento de Segurança e Trânsito, ou seja nenhum dos condutores parou, reduziram a velocidade senão a violência do embate era maior.
Como vemos, nem a testemunha Carlos … nem a testemunha Filipe …, presenciaram o acidente, sendo os respectivos depoimentos fundados nas ilações que retiram pela sua experiência profissional.
Ora, no processo ao tribunal incumbe retirar as ilações e a convicção é formada, conforme afirmámos logo no início, com base em todos os elementos probatórios. E, em nosso entender, os mesmos infirmam as conclusões a que chegaram as referidas testemunhas.
De facto, o militar da GNR parte do pressuposto que é afastado pelo condutor do veículo pesado, de que este tinha acabado de arrancar de apanhar o lixo pelo que teria que ir a uma velocidade reduzidíssima, quando aquele refere que a paragem para esse efeito foi a 300 metros do local.
De posse deste elemento, e olhando para o croquis do acidente, vemos que o local do embate ali assinalado coincide efectivamente com a rua do cemitério, donde o camião provinha, estando necessariamente o condutor do outro veículo já a circular na estrada nacional há cerca de 7/10 metros.
Depois, outro elemento muito relevante: disse o condutor do camião que só travou depois de embater e efectivamente apenas os rastos de travagem do camião ficaram assinalados na estrada, conforme o croquis também espelha.
Ora, se o camião viesse a tão reduzida velocidade como a que resultaria de ter arrancado do sinal de stop ali existente ainda que mais para trás, certamente não faria uma travagem que ficasse assinalada no pavimento nem arrastaria a carrinha.
Outra nota ainda: se o camião estivesse parado no sinal Stop seria visível para o condutor do outro veículo e, note-se que nem este nem qualquer uma das testemunhas o viu até ao embate ou, uma delas, ao momento imediatamente anterior à sua ocorrência, sendo que também foi afirmado que dá bem para ver porque não há obstáculos à visibilidade no local de onde a carrinha vinha.
Acresce que, o próprio local assinalado no croquis como sendo o do embate, dá credibilidade ao que afirmou o condutor da carrinha: que o camião circulava mais ao lado esquerdo da via.
Assim, o facto de as testemunhas arroladas pela autora não terem visto o camião, associado ao local do embate, situado cerca de 7/10 metros depois do condutor da carrinha ter entrado na estrada, e em frente, do lado esquerdo, no enfiamento da rua de onde o camião provinha; à violência do embate; aos rastos de travagem deixados pelo camião depois do mesmo; à ausência de rastos de travagem da carrinha; ao arrastamento desta pelo camião; tudo nos leva a concluir que efectivamente o camião não parou no sinal, sendo a violência do embate explicada precisamente por tal facto.
Ademais, o facto de a carrinha não ter deixado rastos de travagem é compatível com a afirmação de que o camião não foi visto pelos seus ocupantes, incluindo o condutor, até ao momento do embate, e é também compatível com ir a uma velocidade reduzida, em primeira, tanto assim que ficou no local para onde foi arrastada, sem que os travões tivessem sequer sido accionados.
Nestes termos, concluímos que os depoimentos das testemunhas indicadas pelo Recorrente, não impõem decisão diversa da proferida, a qual é compatível com as regras da experiência da vida e do acontecer, o mesmo não acontecendo com a modificação pretendida pela Recorrente, como pensamos ter deixado exposto.
Assim, por inexistir qualquer erro na sua apreciação, improcede a pretendida alteração da matéria de facto, que desta sorte se mantém nos seus exactos termos.
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III.2.3. – Da obrigação de indemnizar
Mantendo-se a matéria de facto nos termos considerados assentes, o mesmo se aplica quanto à fundamentação jurídica que consta da bem fundamentada decisão recorrida relativamente à conclusão da imputação da responsabilidade pela ocorrência do acidente, em exclusivo, à conduta do condutor do veículo segurado na Ré Tranquilidade, a qual se subscreve integralmente posto que estribada quer no devido enquadramento legal quer ainda nos ensinamentos da doutrina e jurisprudência.
Efectivamente, estando provado que os condutores de ambos os veículos conduziam-nos no âmbito das suas funções de motoristas, por conta e sob as ordens dos donos dos mesmos; e sendo o condutor do veículo causador do acidente, funcionário da proprietária do mesmo, atenta a presunção estabelecida no n.º 3 do artigo 503.º do CC, sempre a Seguradora teria de ser responsabilizada pelo evento danoso, dado que não ilidiu aquela presunção de culpa, resultando antes, e pelo contrário, da prova produzida, uma evidente culpa efectiva do comissário da sua segurada que, deste modo, afasta a culpa presumida do comissário condutor do outro veículo.
Assim, concluindo-se, como se concluiu na sentença, pela culpa efectiva do lesante - condutor do veículo segurado na ré -, na produção do acidente, assenta-se igualmente na sua responsabilidade pelo ressarcimento dos danos emergentes do sinistro, atento o disposto nos supra referidos preceitos legais.
Ora, nos termos do artigo 4.º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico (…) deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, como no caso dos autos se verifica.
Assim, por força do contrato de seguro celebrado entre a tomadora do seguro e a seguradora e titulado pela apólice junta aos autos, a companhia de seguros é a responsável pela satisfação ao lesado dos danos emergentes do evento danoso decorrente de culpa exclusiva do condutor do veículo cuja circulação estava devidamente segurada, já que nos termos do artigo 64.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório, como acontece no caso dos autos.
Consequentemente, a seguradora ora Recorrente encontra-se obrigada a satisfazer à lesada os danos decorrentes do acidente de viação em causa.
Nos termos do artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, compreendendo-se nesta reparação, não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixar de obter em consequência da lesão – lucros cessantes - artigo 564.º do CC.
E, dispõe o artigo 566.º, n.º 2, do CC, que a indemnização em dinheiro, como é o caso, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado - situação real - na data mais próxima que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos - situação hipotética actual. É a denominada teoria da diferença[7].
Vejamos, pois, a segunda questão colocada em ambos os recursos, relativa ao quantum da indemnização, que a Autora pretende ver fixado em montante superior ao arbitrado na sentença recorrida e a Ré em montante inferior.
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III.2.3.1. – Dos Danos
Na sua petição inicial, a autora, peticionou o pagamento de uma indemnização na quantia de € 60.000,00€, para ressarcimento dos danos invocados, que qualificou como não patrimoniais invocando uma incapacidade permanente geral não inferior a 30%, que lhe exige esforços acrescidos no desempenho da sua actividade profissional habitual, as dores, a angústia e o sofrimento sentido, as intervenções cirúrgicas, o tempo de internamento hospitalar, os danos estéticos, os tratamentos médicos, a perda de capacidade para o trabalho, a perda de capacidade genérica e o desgosto sofrido.
Efectivamente, configurando o evento danoso em apreço simultaneamente um acidente de viação e de trabalho, conforme bem se sublinhou na sentença recorrida, os respectivos regimes de responsabilidade são distintos.
Na sentença recorrida foram analisados parcelarmente os danos não patrimoniais cujo ressarcimento foi globalmente peticionado, tendo sido atribuída à autora a indemnização de 15.000,00€ pelo dano biológico, apenas na vertente não patrimonial, atenta a opção por parte da autora no que diz respeito aos danos patrimoniais sofridos, pela indemnização fixada em sede de processo de acidente de trabalho, nada alegando nestes autos em termos da efectiva verificação de danos patrimoniais; de 9.000,00€ pelo quantum doloris; e de 2.000,00€ pelo dano estético, perfazendo o total de 26.000,00€.
Pretende a autora por via do presente recurso que a indemnização seja globalmente fixada no montante peticionado, ou em valor superior ao fixado na sentença, e a ré que a mesma seja fixada em 15.000,00€, não colocando em causa o enquadramento jurídico efectuado quanto aos mesmos.
Efectivamente, como é sabido, a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz uma incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial[8].
Assim, seguindo o iter percorrido na sentença recorrida, iniciaremos a apreciação pela indemnização devida pelo denominado dano biológico.
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III.2.3.1.1. – Do dano biológico
A afectação da capacidade funcional de uma pessoa, traduzida pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica constitui um dano que importa reparar, independentemente de se traduzir ou não em perda efectiva ou imediata de salários, isto é, ainda que à data do acidente o sinistrado não estivesse a trabalhar ou fosse ainda menor[9].
Porém, só «há relativamente poucos anos tem vindo a entrar na terminologia da doutrina e da jurisprudência nacionais o conceito de “dano biológico” ou de “dano corporal”. (…) Ao nível da jurisprudência o conceito tem vindo a ser utilizado sobretudo a respeito da fixação de indemnizações em caso de acidentes de viação, suscitando, em primeira linha, a dificuldade da relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais»[10].
Na verdade, sendo inicialmente sempre qualificada como indemnização por danos patrimoniais futuros[11], foi sendo efectuada uma evolução do conceito no sentido de que, quando não existia uma efectiva perda de vencimento e apenas estava em causa indemnizar um esforço acrescido para o desempenho das tarefas do dia-a-dia, quer na vertente da vida profissional quer na vertente da vida pessoal, que a existência de uma incapacidade, por si só representa, melhor se enquadraria a qualificação de tal indemnização como sendo atribuída pelo dano biológico, concluindo-se em alguns casos que este era ainda um dano patrimonial e em outros que constituía um dano não patrimonial.
Exemplificativamente, considerou-se que “nos casos em que a percentagem de IPP se não traduz, na prática, numa efectiva perda de ganhos ou de capacidade de ganho proporcional ao montante dos vencimentos previsivelmente a auferir no futuro, a repercussão negativa da IPP centra-se apenas numa diminuição de condição física, resistência, e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral, e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das suas diversas tarefas.
É neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais do respectivo múnus que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros”[12], considerando-se ainda nesse agravamento a repercussão da incapacidade na execução das normais tarefas do dia-a-dia.
Na mesma vertente da qualificação como danos patrimoniais, tem-se entendido que este denominado “dano biológico”, enquanto “diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre”, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial (…); tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas; a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais”[13].
Por seu turno, qualificando o dano biológico, como sendo exclusivamente um dano não patrimonial, afirmou-se que «levando os factos provados a excluir que a incapacidade permanente geral de 5% tenha repercussões funcionais directas ou indirectas, imediatas ou longínquas, não é devida indemnização, a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial»[14].
Ainda noutra perspectiva, autonomizando a indemnização pelo dano biológico, entende-se que «deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal»[15].
Concordamos com a citada autora, quando afirma que «o dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais».
Assim, sendo certo que «a atribuição de uma indemnização a título de danos patrimoniais pela perda de capacidade de ganho, ao abrigo do art. 566.º, n.ºs 2 e 3, do CC, não dispensa a prova da existência de danos futuros», sendo determinante nessa vertente aquilatar se o lesado ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, e não se sabendo se «em consequência do acidente de viação de que foi vítima, deixou de trabalhar, ou, trabalhando, qual o grau de dificuldade existente no desempenho das suas tarefas como vidraceiro, se o seu rendimento laboral deixou de ser o mesmo e em que medida ou se deixou de auferir o mesmo salário e em que montante, não existem elementos fácticos que permitam avaliar a existência de um dano patrimonial futuro»[16]. Daí que, nestes casos, o dano produzido na saúde do lesado se reconduza à categoria de dano não patrimonial, como acontece na situação vertente.
Tudo visto, é sempre possível indemnizar, mesmo complementarmente, o dano biológico, quando o lesado «tem de suportar a onerosidade com a execução de tarefas materiais de índole pessoal, mormente no âmbito das suas lides domésticas, a qual representará, para além da respetiva penosidade anímica, uma diminuição da capacidade geral de ganho fora do âmbito profissional», já que «o chamado dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis»[17].
Como já resulta do sobredito, o dano biológico pode «projectar-se em duas vertentes:
- por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual»[18].
No caso em apreço, movemo-nos apenas no âmbito desta última vertente, posto que, configurando o acidente dos autos simultaneamente um acidente de trabalho e de viação, a sinistrada não aduziu nestes autos quaisquer factos relativos àquela primeira vertente, recebendo uma pensão anual e remível, no âmbito da indemnização fixada pelo acidente de trabalho.
Ora, o critério fundamental para a fixação da indemnização devida pelo dano biológico, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como especialmente por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade[19].
Por isso se afirma que os critérios definidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, bem como nas alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial. Consequentemente, os mesmos não se sobrepõem ao sobredito critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações, a equidade. Apesar disso, podem evidentemente ser ponderados pelo julgador, mormente porque se lhe impõe a prossecução do princípio da igualdade, o que, sem deixar de atender às especificidades do caso concreto, implica a procura, tanto quanto possível, de uma uniformização de critérios, tarefa para a qual as indicadas tabelas podem contribuir, atenta a objectividade dos factores ali referidos.
No caso dos autos, em face de todo o período em que a Autora esteve incapacitada em absoluto para o trabalho e os moldes em que foi afectada na qualidade da sua vida diária atenta a já acentuada incapacidade de que padece, entendeu o Tribunal a quo fixar a indemnização pelo dano biológico, em € 15.000,00 (quinze mil euros), a qual foi encontrada com base nos critérios devidamente explanados na sentença recorrida, que reputamos equitativos, daí que entendamos ser de manter intocada.
Efectivamente, na determinação desta indemnização, à luz de um juízo de equidade, devem levar-se em conta, para além dos já referidos elementos, a idade do lesado à data do acidente, o tempo provável da sua vida activa, o salário auferido, a depreciação da moeda e, evidentemente o grau de incapacidade sofrido em consequência do acidente e a sua repercussão na vida do lesado, sendo ainda certo que há que ter em atenção que findo o período de vida activa deste, não é possível ficcionar que desapareçam instantaneamente todas as necessidades decorrentes da sua vida física, sendo ainda de considerar a respectiva esperança média de vida, e que o acidente de que a autora foi vítima quando era transportada no veículo, não se deveu a qualquer conduta que lhe fosse imputável, sendo-o antes e apenas à conduta do condutor do veículo segurado na Ré Tranquilidade, que no exercício da respectiva condução não observou as regras estradais a que se encontrava sujeito.
Acresce que, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de uma tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade[20], como foi feito na sentença recorrida.
Finalmente, diga-se, que tal indemnização é absolutamente consentânea com a que tem vindo a ser encontrada pelo Supremo Tribunal de Justiça para situações muito semelhantes à dos autos, mesmo quando está em causa apenas uma indemnização a título de dano biológico complementar da devida por danos patrimoniais futuros, como acontece no recente caso citado, pelo que cumpre ainda o que dispõe o artigo 8.º do CC, de acordo com o qual a justiça do caso concreto há-de procurar-se também recorrendo a casos de natureza semelhante que já tenham sido apreciados pelos Tribunais.
Assim, concluímos ser de manter a indemnização fixada na sentença recorrida, pelo denominado dano biológico.
*****
III.2.3.1.2. Danos não patrimoniais
A este título, na sentença recorrida fixou-se a indemnização na quantia de 9.000,00€ pelo quantum doloris e de 2.000,00€ pelo dano estético, fixação de que os recorrentes dissentem em sentidos opostos.
Apreciemos, pois, afirmando-se, desde já, que se nos afigura exígua a quantia fixada a este título.
Nos termos do disposto no artigo 496.º n.º 1 do CC na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, por força do n.º 3 do mesmo preceito legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.”
O que deve entender-se por danos não patrimoniais há muito se encontra sedimentado na mais autorizada doutrina que tem sido seguida pela jurisprudência.
Assim, “danos não patrimoniais são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”[21].
À questão de como serão indemnizáveis estes danos de natureza não pecuniária, responde-nos a lei afirmando que o cálculo da indemnização devida será efectuado com base na equidade, assim se indemnizando apenas os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – citados n.ºs 1 e 3 do art. 496.º do CC.
Também para a formulação do referido juízo de equidade, que balizará a fixação da compensação pecuniária neste tipo de dano, podemos recolher o ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, que nos dizem que: “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.
E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”[22].
Como podemos verificar um dos aspectos a ter em conta, a culpa do lesante, tem sido realçado pelos tratadistas que acentuam a importância da componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais.
Assim, Menezes Cordeiro ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”[23].
Por seu turno, Galvão Telles, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”[24].
Para Menezes Leitão a reparação por danos morais assume-se “como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”[25].
Nestes moldes, desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça que «(...) no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente»[26]; e que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível, das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos»[27], jurisprudência que se mantém actual conforme as inúmeras decisões que se podem consultar a propósito no caderno de jurisprudência temática disponível no sítio do STJ[28], e espelhada no recente acórdão citado, nos seguintes termos: «ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente».
No caso que nos ocupa, o dano violado foi a integridade física e psicológica da Autora, que viu o acidente causar-lhe danos corporais com significativa gravidade, que deixaram sequelas permanentes, a nível físico, psicológico e estético, componentes que entendemos não deverem ser nesta sede objecto de divisão mas sim de uma avaliação global, porque é globalmente considerados que se reflectem na vida da autora.
Assim, com relevância nesta avaliação temos que o acidente foi causado por culpa exclusiva do segurado da Ré, que provocou o embate entre o veículo pesado que conduzia e o veículo automóvel em que a autora era transportada, do qual resultaram lesões para a autora, geradoras de um défice funcional temporário total fixável num período de 914 dias, com repercussão na actividade profissional, nesse mesmo período temporal, ou seja, entre a data do acidente ocorrido em 13-08-2008 e a data da consolidação das lesões que foi fixada em 12-02-2011, portanto, durante dois anos e meio. Esse período, conforme definido no relatório médico-legal, corresponde ao período durante o qual a autora, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, correspondendo com os períodos de internamento e/ou repouso absoluto. No mesmo foi considerado ainda um quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
Depois, seguindo ainda o mesmo relatório, no âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, que se refere à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, independente das actividades profissionais, e que relativamente à capacidade integral do indivíduo, de 100 pontos, considerando a globalidade das sequelas (corpo, funções e situações de vida), e sendo causa de sofrimento físico, limitando a autora em termos funcionais, foi fixada em 17 pontos.
Por seu turno, no mesmo âmbito dos danos permanentes, foi considerado o dano estético permanente, correspondente à repercussão das sequelas, numa perspectiva estética e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afectação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros, o qual, tendo em conta as cicatrizes que a autora ostenta no rosto, foi fixado no grau 4 duma escala de sete graus de gravidade crescente.
Finalmente, foi considerada a dependência permanente de ajuda, isto porque, são necessários tratamentos médicos regulares para que a autora possa manter o regular seguimento psiquiátrico (na tripla vertente, psicofarmacológica, psicoterapêutica e sobretudo psicossocial), visando influenciar positivamente o prognóstico do contexto clínico em presença, isto porque a autora é portadora de um quadro de perturbação persistente do humor, caracterizado por um funcionamento depressivo-ansioso prolongado, acompanhado de condutas de evitamento, reexperiência penosa do acontecimento traumático e que têm por repercussão uma diminuição do funcionamento social, laboral ou de outras áreas importantes da actividade da mesma. Ora, não só os peritos médicos estabeleceram um nexo de causalidade entre as sequelas do acidente e a sintomatologia apresentada, como consideraram que a situação presente corresponde a uma desvalorização de 13 pontos, ou seja, no meio do intervalo de desvalorização para este tipo de incapacidade que se situa entre os 11 e os 15 pontos.
De facto, em consequência do acidente, a autora que tinha à data do acidente 56 anos de idade, completados dois dias antes do mesmo, sofreu um traumatismo craniano com perda de conhecimento, traumatismo facial e traumatismo do ombro esquerdo; tendo sido conduzida ao Hospital de Distrital de Abrantes, feito radiologia e tido alta; nessa altura, a Autora tinha dificuldade em abrir a boca, em comer e tinha edema na face; após seis dias, a Autora foi novamente ao Hospital Distrital de Abrantes, devido a confusão e dores, tendo feito uma TAC no Hospital Distrital de Abrantes e foi depois transferida para o Hospital S. Francisco Xavier, onde foi observada e teve alta para o domicílio.
Após a realização de nova TAC, verificou-se que a Autora apresentava rinorraquia à esquerda, tendo sido submetida a cirurgia.
Acresce que, a autora sofria alterações de equilíbrio e raquialgias, bem como sentia tonturas quando fazia movimentos com a cabeça.
Sendo as consequências do embate sentidas essencialmente ao nível da cabeça, a Autora mantinha lacrimejo e corrimento nasal persistente; sendo que o traumatismo da face, lhe causou desadaptação das próteses parciais removíveis e fractura de peças dentárias, tendo de ser sujeita a exodontias e restauração dentária, e tendo-lhe sido colocada prótese parcial removível. Ainda assim, a autora tem dificuldade quando mastiga, a "cortar" e "rasgar" alimentos.
Mais se provou que, como consequência do embate a Autora apresentava à data da petição inicial, síndrome pós traumático, cicatrizes superficiais da face visíveis a menos de um metro, insónia, tonturas e perda de equilíbrio, não conseguindo subir escadotes nem estar em ambientes com muito ruído, sofre de ideação suicida e isolamento e limitação na abertura da boca, sentindo-se muito ansiosa, desgostosa e triste, evitando olhar-se ao espelho e expor-se na rua; e sentindo-se envergonhada das pessoas olharem para ela por causa das cicatrizes.
Acresce ainda que, como consequência do embate a autora sentiu dores intensas, que continuou a sentir durante o período em que se encontrou submetida a tratamento e que actualmente ainda sente; naturalmente sofreu incómodos nos internamentos hospitalares, na realização dos exames médicos, nas deslocações a instituições hospitalares e esperas; e sofreu com as alterações de hábitos alimentares para líquidos e pastas e com a necessidade que teve de ser auxiliada por terceira pessoa para se alimentar.
Ademais, cumpre ainda que ponderar que à data do acidente a Autora era uma pessoa com uma grande alegria de viver e saudável, sofrendo quando sentiu que nunca mais iria ser a mesma pessoa.
Dir-se-á, pois, que o mero elenco destes factos sofridos pela Autora em consequência do acidente, revela à evidência que estamos perante dano não patrimonial indemnizável, subtraindo-se, como é evidente, à aplicação do princípio da reposição natural, previsto nos artigos 562.º e 566.º do CC, em virtude da incompatibilidade de correspondência económica entre o dano e a sua expressão monetária, por estarmos em planos valorativos diferentes, relevando aqui somente a equidade.
Ora, quando alguém na idade da autora, se confronta com as provadas limitações funcionais, dependências e cicatrizes, que afectam a sua vida familiar, social, e profissional, estamos, como é bom de ver perante sequelas com tal gravidade que constituem dano não patrimonial que deve ser compensado, sendo que a censurabilidade da conduta do segurado da Ré é um dos factores a ter em conta na fixação da compensação em dinheiro que se arbitrará à autora como lenitivo para o sofrimento físico-psíquico que padeceu e ainda padece e perdurará na sua memória.
No caso dos autos, o sofrimento da autora em consequência do acidente e até à consolidação das lesões, ocorreu durante período temporal muito prolongado (dois anos e meio), foi acentuado estando médico legalmente fixado numa escala mais próxima do grau máximo que do mínimo, e continua a estar presente na sua vida nos termos sobreditos, sofrendo ainda uma limitação funcional e psíquica acentuadas, não se podendo olvidar em termos de normalidade da vida, que quanto maior for o tempo em que um indivíduo se encontra em situação de incapacidade, ainda que temporária, mais aumenta a sua angústia quanto ao futuro, sendo sabido que, no caso, atenta a idade da autora, é comum acontecer que as sequelas do acidente no foro mental agravem com o decurso do tempo, situação que em tempos como aqueles que vivemos, demanda preocupação acrescida nomeadamente com a repercussão dessa maior fragilidade no desempenho da actividade profissional e, como tal, na própria manutenção do posto de trabalho.
De facto, “a situação de crise económica que se vive atualmente, e que está a conduzir a totalidade da população que vive do salário do seu trabalho por conta de outrem a níveis de empobrecimento não vistos há muitas dezenas de anos e a elevados níveis de desemprego, constitui fator que leva um sinistrado de acidente de viação, que fique afetado pelas lesões sofridas em incapacidade funcional, a sentir uma angústia mais intensa do que sentiria quanto ao seu futuro se, contrariamente ao que se verifica, vivesse num Estado com níveis de bem-estar e onde uma pessoa incapacitada não sentisse particulares dificuldades de obter emprego ou de manter o emprego ou atividade exercida”[29], sabido que em Portugal estas dificuldades estão comummente presentes numa pessoa da idade da autora, apenas e tão somente pela idade que o respectivo documento de identificação atesta.
Por tudo o que vem de referir-se, é de concluir que a autora deve ter uma compensação adequada às sequelas decorrentes do acidente que sempre a afectarão, sendo para esse fim que deve servir o constante aumento dos prémios dos seguros.
Efectivamente, assim tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, como lapidarmente pode ler-se no seguinte sumário: “O objectivo essencial do aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido em Portugal no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação não é o de garantir às companhias seguradoras a obtenção de lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas”[30].
Ora, para encontrar a indemnização adequada «não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC. (…)
Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético (…)» e evidentemente o balizamento pelos padrões que têm vindo a ser seguidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, pese embora a constatação de alguma diversificação nos valores fixados, que resulta também da diversidade casuística a que se tem precisamente de atender.
Nestes termos, ponderando a situação que os presentes autos convocam, na comparação com outras indemnizações a título de danos não patrimoniais que têm vindo mais recentemente a ser arbitradas, em situações em que intensidade e gravidade das lesões sofridas e das sequelas decorrentes do acidente se nos afigura comparável com a presente[31], tem-se por mais condizente e ajustado a esses padrões elevar a indemnização compensatória a atribuir à autora a este título de danos não patrimoniais, para o montante de € 35.000,00[32].
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III.2.3. - Síntese conclusiva
I - A afectação da capacidade funcional de uma pessoa, traduzida pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica constitui um dano que importa reparar, independentemente de se traduzir ou não em perda efectiva ou imediata de salários, isto é, ainda que à data do acidente o sinistrado não estivesse a trabalhar ou fosse ainda menor.
II - Sendo inicialmente sempre qualificada como indemnização por danos patrimoniais futuros, foi sendo efectuada uma evolução do conceito no sentido de que, quando não existia uma efectiva perda de vencimento e apenas estava em causa indemnizar um esforço acrescido para o desempenho das tarefas do dia-a-dia, quer na vertente da vida profissional quer na vertente da vida pessoal, que a existência de uma incapacidade, por si só representa, melhor se enquadraria a qualificação de tal indemnização como sendo atribuída pelo dano biológico, concluindo-se em alguns casos que este era ainda um dano patrimonial e em outros que constituía um dano não patrimonial.
III - No caso em apreço, movemo-nos apenas no âmbito desta última vertente, posto que, configurando o acidente dos autos simultaneamente um acidente de trabalho e de viação, a sinistrada não aduziu nestes autos quaisquer factos relativos àquela primeira vertente, recebendo uma pensão anual e remível, no âmbito da indemnização fixada pelo acidente de trabalho.
IV - O critério fundamental para a fixação da indemnização devida pelo dano biológico, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como especialmente por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade.
V - De facto, os critérios definidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, bem como nas alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial, não se sobrepondo ao sobredito critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações, a equidade.
VI - Apesar disso, podem evidentemente ser ponderados pelo julgador, mormente porque se lhe impõe a prossecução do princípio da igualdade, o que, sem deixar de atender às especificidades do caso concreto, implica a procura, tanto quanto possível, de uma uniformização de critérios, tarefa para a qual as indicadas tabelas podem contribuir, atenta a objectividade dos factores ali referidos.
VII - No caso dos autos, em face de todo o período em que a Autora esteve incapacitada em absoluto para o trabalho e os moldes em que foi afectada na qualidade da sua vida diária atenta a já acentuada incapacidade de que padece, entendeu o Tribunal a quo fixar a indemnização pelo dano biológico, em € 15.000,00 (quinze mil euros), a qual foi encontrada com base nos critérios devidamente explanados na sentença recorrida, que reputamos equitativos, daí que entendamos ser de manter intocada.
VIII - Quando alguém na idade da autora, se confronta com as provadas limitações funcionais, dependências e cicatrizes, que afectam a sua vida familiar, social, e profissional, estamos perante sequelas com tal gravidade que constituem dano não patrimonial que deve ser compensado, sendo que a censurabilidade da conduta do segurado da Ré é um dos factores a ter em conta na fixação da compensação em dinheiro que se arbitrará à autora como lenitivo para o sofrimento físico-psíquico que padeceu e ainda padece e perdurará na sua memória.
IX - No caso dos autos, o sofrimento da autora em consequência do acidente e até à consolidação das lesões, ocorreu durante período temporal muito prolongado (dois anos e meio), foi acentuado, estando médico legalmente fixado numa escala mais próxima do grau máximo que do mínimo, e continua a estar presente na sua vida, sofrendo ainda uma limitação funcional e psíquica acentuadas, não se podendo olvidar em termos de normalidade da vida, que quanto maior for o tempo em que um indivíduo se encontra em situação de incapacidade, ainda que temporária, mais aumenta a sua angústia quanto ao futuro, sendo sabido que, no caso, atenta a idade da autora, é comum acontecer que as sequelas do acidente no foro mental agravem com o decurso do tempo, situação que em tempos como aqueles que vivemos, demanda preocupação acrescida nomeadamente com a repercussão dessa maior fragilidade no desempenho da actividade profissional e, como tal, na própria manutenção do posto de trabalho.
X - Nestes termos, consideramos exígua a quantia total de €11.000,00 fixada na sentença recorrida, para reparação dos danos não patrimoniais na vertente do quantum doloris e do dano estético, reputando adequada e equitativa a quantia de de 35.000,00€.
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IV - Decisão
Pelo exposto, julgando improcedente a apelação da Ré DD, S.A., e parcialmente procedente a apelação da Autora AA, revoga-se em parte a sentença recorrida, e, por via disso, condena-se a identificada Ré a pagar à Autora a quantia de de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, mantendo no mais a sentença recorrida, quanto à condenação na quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), a título de compensação pelo dano biológico.
Custas em ambas as instâncias por Autora e Ré na proporção do decaimento respectivo, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido àquela.
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Évora, 6 de Outubro de 2016
Albertina Pedroso [33]
Francisco Xavier
Bernardo Domingos

__________________________________________________
[1] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Francisco Xavier;
2.º Adjunto: Bernardo Domingos.

[2] Doravante abreviadamente designado CPC, sendo aplicável aos termos do presente recurso o texto decorrente do Código de Processo Civil na redacção aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, por estar em causa decisão recorrida posterior a 1 de Setembro de 2013 – cfr. artigos 5.º, 7.º, n.º 1 e 8.º deste diploma.
[3] Ao abrigo do preceituado nos artigos 613.º, n.ºs 1 e 3, e 614.º, n.º 1, do CPC e 249.º do Código Civil, rectifica-se o evidente lapso de escrita patenteado pela menção a arguida em vez de autora, como queria dizer-se.
[4] Doravante CC.
[5] Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista e Actualizada, pág. 313; e na jurisprudência de forma meramente exemplificativa, Ac. STJ de 24-05-2012, processo n.º 850/07.7TVLSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Acórdão do STJ de 25.01.2006, proferido no Processo n.º 05P3460, e disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 778.
[8] Cfr. Ac. STJ de 04-06-2015, proferido no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, cfr. Ac. STJ, de 19-11-2009, proferido na revista n.º 585/09.6YFLSB, 1.ª secção e disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, onde se afirma que “estamos perante danos patrimoniais indirectos quando o dano, atingindo embora valores ou interesses não patrimoniais, se reflecte no património do lesado, daí que possa concluir-se que nem sempre o dano patrimonial resulta da violação de direitos ou interesses patrimoniais”.
[10] Cfr. artigo doutrinário de 2011 da autoria de Maria da Graça Trigo, actualmente Juíza Conselheira no Supremo Tribunal de Justiça, com o título Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, acessível na Internet, no qual é efectuada uma análise de Acórdãos significativos do Supremo Tribunal de Justiça a este respeito. Para mais desenvolvimentos, vd. João António Álvaro Dias, in Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, Colecção Teses, Set. 2001, sobretudo em págs. 395 e segs.
[11] Veja-se exemplificativamente o acórdão acabado de citar.
[12] Acórdão do STJ, de 07-02-2002, Revista n.º 3985/01 - 2.ª Secção.
[13] Cfr. Ac. STJ de 20-01-2011, proferido no processo n.º 520/04.8GAVNF.P2.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Ac. STJ de 20-01-2010, proferido no processo n.º 203/99.9TBVRL.P1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Ac. STJ de 10- 10-2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[16] Cfr. o recente Ac. STJ de 30-06-2016, proferido no processo n.º 161/11.3TBPTB.G1.S1, e disponível em www.dgsi.pt, decisão em que a citada autora é adjunta.
[17] Cfr. o recente acórdão do STJ, de 02-06-2016, proferido no processo n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[18] Cfr. citado Ac. STJ de 16-06-2016.
[19] Cfr. Ac. do STJ de 04-06-2015, proferido no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[20] Acórdão STJ de 05-11-2009, processo n.º 381-2002.S1- 7ª SECÇÃO, em www.dgsi.pt.
[21] Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, vol. l.°, pág. 571.
[22] In “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501.
[23] In “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 288.
[24] In “Direito das Obrigações”, pág. 387.
[25] In “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 299.
[26] Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460, pág. 444.
[27] Cfr. Ac. STJ de 26.01.94 in CJSTJ, Tomo I, pág.65 e de 16.12.93, in CJSTJ, Tomo III, pág.181.
[28] Inter alia, Ac. STJ de 19-05-2009, Proc.º n.º 298/06.0TBSJM.S1, disponível em www.stj.pt.
[29] Cfr. o acórdão do STJ de 26-06-2012, proferido no processo n.º 631/1999.L1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[30] Ac. STJ de 05-07-2007, Revista n.º 1734/07 - 6.ª Secção, disponível no local citado.
[31] Veja-se o caso do citado acórdão do STJ de 30-01-2016, em que se provou que em resultado do embate o Autor teve um período de repercussão temporária na actividade total de 277 dias e parcial de 302 dias; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 16 pontos; sofreu um quantum Dolores de grau 5 numa escala de 1 a 7; sofreu um dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7; as lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do tratamento; as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar; tais sequelas vão acompanhá-lo durante toda a vida; na data do acidente o Autor era fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e trabalhador; as cicatrizes de que ficou afectado desfeiam-no notoriamente; o que lhe causa profunda tristeza e amargura.
[32] Cfr. citado acórdão de 02-06-2016 e os exemplos ali referidos.
[33] Texto elaborado e revisto pela Relatora.