Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
487/16.0T9STR.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1 - Ocorrendo alteração substancial dos factos [al. f) do artigo 1º do C.P.P.] essa simples constatação – há factos diversos que substancialmente alteram a matéria de facto até então conhecida nos anteriores autos – implica a inexistência de identidade de factos para efeitos de análise do princípio ne bis in idem.
2 - Que “há procedimentos/meios judiciais específicos para partilha de bens de uma herança” é uma afirmação correcta; que o “processo-crime não é uma forma adequada de proceder a uma partilha de bens de uma herança” é uma afirmação de uma certeza irrecusável. Apenas a afirmativa de que o “direito penal é uma ultima ratio em matéria de litígio familiar” surge como algo imprecisa pois que não foi ramo do direito pensado específicamente para tal.
3 - As três afirmações juntas não podem, no entanto, ser apresentadas como consequentes, já que umas não se seguem às outras como condições necessárias. Ou seja, a falácia lógica non sequitur surge porque existe confusão entre condição suficiente e condição necessária. A cada uma das afirmações “não se segue que" (non-sequitur) qualquer das outras seja consequente. Logo, não se pode dela extrair qualquer conclusão válida.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 487/16.0T9STR

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo local criminal, J 1 - correu termos o processo comum singular supra numerado em que é arguido BB, nascido na freguesia da …, concelho de …, em …, casado, empregado de hotelaria, desempregado e residente na rua …, … a quem foi imputada a prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido nos artigos 26.º e 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), ambos do Código Penal.


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CC e DD deduziram cada uma delas pedido de indemnização contra o Arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhes a CC o montante de 19.375,69 € (dezanove mil trezentos e setenta e cinco euros e sessenta e nove cêntimos) e nos juros de mora, a contar da notificação, à taxa de 4% ao ano e juros vincendos até efectivo e integral pagamento, e a DD o montante de 27.794,15 € (vinte e sete mil setecentos e noventa e quatro euros e quinze cêntimos) e nos juros de mora, a contar da notificação, à taxa de 4% ao ano e juros vincendos até efectivo e integral pagamento

O Arguido, notificado, apresentou contestação escrita, na qual em síntese nega que tenha praticado o crime de que vem acusado e impugna que deva às demandantes os montantes peticionados.

Por sentença de 20 de Junho de 2017 foi decidido julgar parcialmente procedente a acusação e, consequentemente, decidiu o tribunal recorrido:

1) Julgar improcedente, por não provada, nos termos expostos, a acusação do M.ºP.º contra o Arguido pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido nos artigos 26.º e 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), como vinha acusado, do Código Penal;

2) Julgar procedente a acusação do M.ºP.º contra o Arguido e, em consequência, condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido nos artigos 26.º e 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), do Código Penal na pena, de 290 dias de multa a taxa diária de 6 euros, o que perfaz a pena de multa de 1.740 euros;

3) Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização deduzido por CC contra o Arguido e em consequência, condenar o Arguido e Demandado a pagar a CC a quantia de 700 euros, acrescida de juros a taxa legal desde a data da presente sentença até integral pagamento e a quantia de 8.805,74 euros acrescida de juros a taxa legal desde a data da notificação para contestar até integral pagamento;

4) Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização deduzido por DD contra o Arguido e em consequência, condenar o Arguido e Demandado a pagar a DD a quantia de 900 euros, acrescida de juros a taxa legal desde a data da presente sentença até integral pagamento e a quantia de 10.224,2 euros acrescida de juros a taxa legal desde a data da notificação para contestar até integral pagamento;

2. Condenar o arguido e uma demandante no mais legal.


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Inconformado o arguido interpôs recurso peticionando a sua absolvição, com as seguintes conclusões:

1-Prescreve o nº 5 do artigo 29º da Constituição da Republica Portuguesa que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime”, consagrando-se, assim, ao nível constitucional o principio “NE BIS IN IDEM”, que visa evitar a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado caso já julgado, protegendo-se o agente, defendendo-o contra a possibilidade de repetição de julgamento pelos mesmos factos.
2-O recorrente foi submetido a julgamento em 19 de maio de 2015 pela prática de factos idênticos aos do presente processo, e pelos quais foi novamente julgado, sendo a qualificação jurídica diferente. Por sentença transitada em julgado em 26 de Junho de 2015, o ora recorrente foi absolvido da pratica do crime de infidelidade (processo 516/12.6TASTR), e posteriormente, em 26 de Abril de 2017, com base nos mesmos factos, foi julgado pelo crime de abuso de confiança (processo 487/16.0T9STR).
3- Nos dois processos, analisando as duas acusações, o agente, as ofendidas, os factos, o espaço temporal, o espaço geográfico e os bens jurídicos são os mesmos, que no caso em apreço correspondem ao património das ofendidas advindo da herança aberta por óbito dos pais das lesadas e do ora recorrente.
4- Existe uma identidade fáctica (os mesmos factos) independentemente da qualificação jurídica, e de um distinto tipo penal (crime de infidelidade e abuso de confiança), sendo que para estabelecer a identidade factica para efeito de obediência ao supra citado principio constitucional, não interessa que os mesmos factos tenham sido qualificados ou subsumidos a distintos tipos penais, bastando que haja identidade de agente, lesados, factos, e bens jurídicos lesados (o que acontece no caso em apreço); ou seja, há unidade de sentido e identidade de objeto processual entre os dois processos crimes a que o recorrente foi submetido.
5- Sendo o objeto do presente processo idêntico ao objeto do processo anteriormente intentado contra o recorrente (já transitado em julgado), tendo sido aquele julgado pelos mesmos factos, considera e alega a defesa, que se verifica a exceptio judicati, violando-se, assim, o principio “NE BIS IN IDEM”.
6- Nos dois processos-crime verificam-se os três tipos de identidade de que a lei faz depender a ofensa ao principio “NE BIS IN IDEM”: a identidade do agente, a identidade do facto legalmente descrito e a identidade do bem jurídico agredido, porquanto a conduta apreciada nos presentes autos é idêntica à atividade delituosa apreciada no processo n º 516/12.6TASTR.
7- O principio constitucional “NE BIS IN IDEM”, consagrado pelo artigo 29º nº 5 da CRP foi violado, devendo o recorrente ser absolvido da prática do crime de abuso de confiança pelo qual foi condenado.
8- Por outro lado, e a não proceder o alegado nas conclusões descritas de 1 a 7, há procedimentos/meios judiciais específicos para partilha de bens integrantes de uma herança, aos quais as ofendidas deveriam ter recorrido, e não recorrendo a processo crime para conseguir a partilha de bens.
9- Salvo melhor entendimento, entende o ora recorrente que o processo crime não é o processo legalmente admissível para partilha de bens, uma vez que o direito penal deverá sempre ser a ultima “ratio” em matéria de litígio familiar.
10-Ainda alega o recorrente a intempestividade da queixa crime apresentada pelas ofendidas, pois prescreve o artigo 113º do Código Penal que “Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, (…), o ofendido...”, sendo que “O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto e dos seus autores...” - artigo 115º daquele diploma, e o artigo 205º, nº 3 do CP refere que o procedimento criminal depende de queixa.
11- A queixa crime apresentada pelas ofendidas ocorreu no dia 11 de abril de 2012 e deu origem ao primeiro processo crime nº 516/12.6TASTR., e a data da prática dos factos (dia em que o ora recorrente depositou, com o consentimento das irmãs, o dinheiro da herança, na sua conta bancária) foi o dia 21 de novembro de 2007.
12- Desde a alegada prática pelo recorrente do crime de infidelidade, até à apresentação da queixa-crime pelas ofendidas decorreram, aproximadamente, cinco anos. O presente processo-crime de abuso de confiança teve o seu inicio em 14 de março de 2016, e salvo melhor entendimento, o recorrente deverá ser absolvido da prática do crime a que foi condenado.
13- Por outro lado, a fundamentação dos pressupostos cuja verificação dependem a responsabilidade civil e as razões que levaram o douto Tribunal a fixar as quantias de €700,00 a pagar à ofendida CC e € 900,00 a atribuir à ofendida DD, a titulo de danos não patrimoniais, foram manifestamente insuficientes para condenar o ora recorrente.
14-A Sentença é a decisão final do Juiz, exigindo a lei (nomeadamente o artigo 374º do CPP), que a sentença contenha relatório, fundamentação e dispositivo e aquela norma corporiza o dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente, consagrado no artigo 205º nº 1 da CRP.
15-Compulsados os factos dados como provados e que substanciam a fixação de uma indemnização por danos morais, nomeadamente o facto nº 30, não se vislumbram fundamentados os pressupostos da responsabilidade civil, atentos os artigos 496 e 483º do Código Civil, sendo que a lei impõe que o Tribunal não só dê a conhecer os factos que considerou não provados e provados, enumerando-os, mas ainda deverá apresentar expressamente a explicação do porquê da decisão tomada, através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
16- Da douta Sentença não consta como provado qualquer elemento relativo à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, nada constando, nem havendo explicitação da convicção do douto tribunal recorrido quanto à matéria factual em que se baseou para dar como procedente os pedidos de indemnização deduzidos pelas ofendidas.
17- Violou a douta sentença os artigos 205º do Código Penal e ainda os artigos 205º nº 1 da CRP, 374º nºs 2 e 3 do CPP, 379º, nº 1 a) do CPP, mostrando-se também violado o disposto nos artigos 483º, 487º, 562º e 566º do Código Civil, devendo assim ser declarada nula, por falta de fundamentação, pois não se provaram os pressupostos da responsabilidade civil, e consequentemente deve ser o recorrente absolvido dos pedidos de indemnização cível.
18- Quanto à reapreciação e reavaliação da prova gravada, atenta a impugnação ampla da matéria de facto, (artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP), entende o recorrente, salvo o devido respeito, (e a não ser procedente o alegado nas alíneas precedentes) que a prova produzida em julgamento conduziria a um novo facto provado, que não foi elencado, foi omitido pelo Mmo Juiz “ a quo” e que condicionaria os valores indemnizatórios a atribuir às demandantes, quanto aos danos morais,
19-Foi o recorrente condenado a pagar à ofendida CC a quantia de € 700,00, a titulo de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros à taxa legal desde a data da presente sentença até integral pagamento e ainda condenado a liquidar a quantia de € 8805,74, acrescida de juros à taxa legal desde a data da notificação para contestar até integral pagamento, a titulo de danos patrimoniais. Foi ainda o ora recorrente condenado a pagar à ofendida DD a quantia de € 900,00, a título de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros à taxa legal desde a data da presente sentença até integral pagamento e ainda foi condenado a liquidar a quantia de €10 224,20, (danos patrimoniais) acrescida de juros à taxa legal desde a data da notificação para contestar até integral pagamento.
20-A indemnização por danos morais visa, simultaneamente, compensar o lesado e sancionar o lesante, recorrendo-se ao principio da equidade, que impõe à consideração pelo Tribunal de todas as circunstâncias do caso concreto que depõem a favor do arguido, nomeadamente as precárias condições económicas, financeiras, pessoais e familiares em que vive, o parco rendimento auferido pelo agregado familiar, o débil estado de saúde do lesante, bem como todas as obrigações/despesas que tem a cumprir.
21- Neste sentido, entre outros relevantes para a sua determinação, os seguintes factos provados: “-O arguido em 1981 emigrou para a Suíça onde permaneceu emigrado cerca de vinte e cinco anos e trabalhou sobretudo na área da hotelaria. O arguido regressou ao nosso país, aproximadamente em 2006 e desde então tem estado inativo por motivos de saúde pulmonar, vascular e cardíacos. O arguido casou aos 45 anos de idade e deste matrimónio que mantém na atualidade nasceu um filho. O arguido à data da instauração deste processo judicial como atualmente, vivia com a esposa (53 anos, ajudante de cozinha) e filho (18 anos, estudante) com quem mantém na atualidade boa relação afetiva, sendo bom marido e bom pai. O arguido habita, em casa própria, que foi reconstruída pelo casal, que dispõe de suficientes condições de habitabilidade e está situado numa localidade rural, próxima de Santarém. O arguido permanece desempregado há cerca de dez anos por sofrer à vários anos de doença pulmonar obstrutiva crónica e em Junho de 2011 também foi sujeito a cirurgia vascular, sendo desde então acompanhado nas consultas médicas da especialidade no Hospital de Santarém. O arguido nesta unidade hospitalar é também acompanhado nas consultas de cardiologia por padecer de problemas cardíacos. O arguido já pediu a reforma por invalidez mas ainda não obteve resposta positiva. Devido ao desemprego do arguido, a subsistência do agregado assegurada com o vencimento da esposa, que ascende a €608.00/mês. Das despesas fixas mensais do agregado familiar do arguido avultam €40,00 com medicação, €100,87 para ajudar a mensalidade da sogra que está no Centro Social e Paroquial do Campo(…), €83,00 para consumos domésticos, €60,00 para telecomunicaçoes e €40,00 com transporte escolar do filho. O Arguido padece de problemas de saúde, que o afectaram psicologica e fisicamente.Os seus problemas de saúde iniciaram-se em maio de 2010. O arguido em maio de 2010, foi submetido a um ecodoppler arterial dos membros inferiores, tendo sido sujeito a vários exames que detetararam, entre outras doenças, que as artérias ilíacas primitivas tinham lesões graves ostiais. Durante algum tempo, o arguido viveu com o suporte de oxigénio terapia com garrafas para poder respirar. O arguido foi sujeito a variada medicação, foi internado para cirurgia, com anestesia geral, de revascularização proximal dos membros inferiores que consistiu num bypass aorto-femoral.”
22- O douto Tribunal deu ainda como provado que:“36- A Demandante DD tem um rendimento mensal de 370 euros proveniente de pensão de invalidez.”, tendo dado como não provado:“3- Que o desgosto sofrido pelas Demandantes não foram meramente pontuais, porquanto as repercussões psicológicas, prolongaram-se no tempo até aos dias de hoje; 4-Que as levam, desde então a sentirem-se angustiadas, inquietas, desnorteadas e mesmo envergonhadas, perturbadas psicologicamente;5-Que durante a noite, as ofendidas/demandantes quase não conseguem pernoitar, tendo muita dificuldade em conciliar o sono;6-Que mas poucas horas em que conseguem dormir, revelam um sono muito agitado, mexendo-se , virando-se, falando e acordando subitamente a intervalos curtos, sobressaltadas;7-Que de manhã, o sono demonstra não ter sido suficientemente reparador;8-Que em consequência, durante o dia, as ofendidas/demandantes apresentam grande sonolência, irritabilidade, incapacidade para raciocinar com facilidade e lentidão de reflexos, bocejando constantemente;9-Que esta perturbação foi e é sentida também por aqueles que mais de perto convivem com as ofendidas/demandantes.”
23- O quantum das indemnizações, a titulo de danos morais ao qual foi condenado, é elevado e exagerado atentos os supra referidos factos/circunstâncias inerentes ao recorrente e princípios pelos quais o douto Tribunal deverá fixar as indemnizações.
24- Para a determinação das indemnizações, o douto Tribunal atendeu aos rendimentos auferidos pelas ofendidas e descritos em factos provados 35 e 36, não valorando o rendimento total mensal auferido pelo agregado familiar da demandante DD que em sede de julgamento foi provado.
25- Analisando a prova testemunhal, e que se transcreve em recurso, conclui-se que o marido EE e o filho, FF, declararam em sede de julgamento, que residiam com a ofendida, sendo que o marido auferia mensalmente o valor de € 1050,00 e o filho, que prestava serviços de jardinagem, auferia a quantia mensal de cerca de € 780,00. Aos 14:43ms do seu depoimento, disse EE que auferia o rendimento de “1050” euros.
26- Em sede de julgamento, a testemunha FF, filho da ofendida DD, que prestou juramento e o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal (nº 20170426162311-26987) declarou aos 00:52ms. “ Estou a trabalhar...”, como jardineiro e declarou que recebia por mês: “cerca de 780” euros, e que o seu salário servia para pagar as despesas da casa, não vivendo a cargo dos pais.
27- A quantia mensal disponível ao agregado familiar da ofendida DD, ascende a € 2200,00 e não se pode resumir a 370 euros, como descreve a douta sentença em facto provado 36.
28- O Tribunal recorrido desconsiderou, desvalorizou e omitiu factos que foram cabalmente demonstrados em juízo, factos esses que têm a virtualidade de demonstrar que o valor indemnizatorio atribuído às ofendidas a titulo de danos morais é exagerado e viola o principio da equidade e razoabilidade.
29- Aquele facto, que deveria ter sido dado como provado, e foi omitido, influenciaria e atenuaria impreterivelmente o montante a atribuir a titulo de danos não patrimoniais à ofendida Lisete, uma vez que o douto Tribunal deverá atender também, entre vários elementos, ás condições económicas e financeiras das ofendidas para a fixação do montante indemnizatório.
30- O douto tribunal recorrido não deu como provado que o agregado familiar onde se insere a ofendida DD, tem um rendimento liquido mensal de cerca de € 2200,00, proveniente da sua pensão de invalidez, do rendimento auferido pelo marido, que ascende a 1050,00 euros, e do rendimento auferido pelo filho, que ascende mensalmente a 780,00 euros, e tal seria fundamental para se poder formular um juizo seguro de condenação do pedido cível, reduzindo o valor das indemnizações cíveis.
31- Nos termos do disposto no artigo 412º nº 3 do CPP, o Tribunal “ a quo” incorreu numa incorreção e erro de decisão/julgamento na forma como apreciou a prova, pois não deveria ter dado como provado apenas que o rendimento mensal da demandante DD se subsumia a 370 euros, mas deveria ter dado como provado que “O rendimento mensal do agregado familiar da demandante DD ascende à quantia de € 2200,00”.
32- Face a este novo facto, deveria o douto Tribunal ter respeitado o juízo de equidade, as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, ponderando ainda o grau de culpabilidade do agente, a situação económica/pessoal deste e dos lesados e as demais circunstâncias descritas no caso em apreço.
33- Para além da pena de multa a que foi condenado (€1740,00), a imposição ao recorrente de valores monetários tão elevados no que concerne ás indemnizações a pagar ás ofendidas/demandantes (€20.629,94), representa um esforço que não é razoável e porá em risco a sua sobrevivência e a sua saúde, bem como a do seu agregado familiar.
34- Não existe, salvo o devido respeito, fundamentação fática na douta sentença que permita aplicadas as regras da equidade resultantes do disposto no artigo 496º nº3 do Código Civil e atenta a prova produzida em julgamento, fixar em €700,00 e €900,00 os valores da indemnização por danos não patrimoniais devidas às ofendidas.
35- A quase totalidade da factualidade alegada pelas demandantes para fundamentar os pedidos cíveis, a titulo de danos morais, não foi considerada provada, como descrito em conclusão 22 (factos não provados 3 a 9), tendo o Mmo Juiz fundamentado a decisão dos valores indemnizatórios apenas no facto provado nº 30 (“Com a conduta do arguido, as ofendidas/demandantes ficaram muito perturbadas psicologicamente, sofrendo desgosto e tristeza com o comportamento do arguido descrito, familiar próximo e, que demonstrou indiferença para com as necessidades económicas das ofendidas/demandantes, a quem fazia falta o dinheiro que eram, do seu perfeito conhecimento.),(“desgosto e tristeza”) que se revela insuficiente e arbitrário para a fixação dos montantes valores fixados.
36- Ponderados os factos dados como provados nºs 12 a 29, 44 a 48, (conclusão nº 21) e ainda documentos de fls 476 a 478 (relatório social), que descrevem sucintamente as condições de saúde, financeiras, económicas, profissionais, pessoais do recorrente, que se pautam pela precariedade, conclui-se, conjugando-se tais elementos com a pena de multa e indemnizações fixadas, salvo melhor entendimento, que os montantes atribuídos a titulo de danos morais foram elevados, em nome do principio da equidade e razoabilidade.
37- Por outro lado, estando o Mmo Juiz adstrito ao principio da razoabilidade, deveria ter relevado a situação económica, financeira, pessoal e física do recorrente que não aufere qualquer pensão ou subsidio e vive exclusivamente do rendimento mensal da esposa, que ascende a 608€, recorrendo amiúdes vezes a empréstimos de amigos, e que padece de graves problemas de saúde (cardíacos, pulmonares e vasculares).
38- A equidade, razoabilidade e a justeza apontam para a condenação do ora recorrente em montante indemnizatório de montante nunca superior a €100,00 para cada ofendida, ou, a não procederem tais montantes, deverá o recorrente ser condenado a pagar um valor muito abaixo do fixado na Sentença recorrida.
39- Da matéria de facto provada, e atentos o disposto nos artigos 4º do Código do Processo Penal e 483º, 494º, 496º, 562º, 564º e 566º do Código Civil, o recorrente entende que o douto Tribunal deveria ter reduzido substancialmente a quantia atribuídas às demandantes, a titulo de dano não patrimoniais, mostrando-se assim, que a douta Sentença violou o disposto nos artigos 129º do Código do Processo Penal e 483º, 494º, 496º, 562º, 564º e 566º do Código Civil, não tendo o douto Tribunal recorrido feito a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artigos supra indicados.
40- Ademais, ocorreu um vício de sentença descrito na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do CPP, nomeadamente insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, pois o facto provado nº 30 é insuficiente para a decisão de direito no que concerne à atribuição dos valores indemnizatórios atribuídos às ofendidas, a titulo de danos não patrimoniais, e quanto à verificação dos pressuposto de que a lei faz depender a existência da responsabilidade por factos ilícitos.
41- Conclui o recorrente que com o facto dado como provado (facto 30) não era possível atingir-se a decisão de direito a que o Mmo Juiz “ a quo” chegou.
42- A não colher provimento a exposição delineada nas conclusões de 1 a 17, ou seja a absolvição do recorrente, também se dirá que a pena de multa aplicada, face à factualidade apurada, nomeadamente a forma concreta de execução do facto, os fins e a sua motivação, as consequências que dele resultaram, o grau de intensidade do ilícito, a inexistência de antecedentes criminais, a conduta antes e depois do crime, as modestas condições socio-económicas, financeiras e familiares do recorrente, o desemprego, a sua debilitada saúde a nível pulmonar, vascular e cardiaco, (tem uma incapacidade geral e para o trabalho que se fixa em 60%), ou seja, todas as circunstâncias presentes no caso, é demasiada pesada e injusta, não se mostrando adequada à conduta praticada, com todo o respeito que é devido ao douto Tribunal.
43- O douto tribunal aplicou ao recorrente a pena de 290 dias de multa à taxa diária de seis euros, o que perfez a pena de multa de € 1740,00.
44- A sua quantificação mostra-se ainda mais desproporcionada, também, pelo facto de o recorrente ter sido condenado a pagar às ofendidas valores indemnizatórios de montante muito elevado ( €19029,24), cujo pagamento causará forte impacto no bem estar e saúde do recorrente e colocará em risco a subsistência do seu agregado familiar e educação do filho.
45- A medida concreta da pena fixada pelo Tribunal “a quo” deveria, atendendo às circunstâncias presentes, ter-se situado ou então aproximado do limite mínimo previsto na moldura penal abstrata prescrita no nº 4 do artigo 205º do CP, com referência ao artigo 47º, quer quanto aos dias de multa, quer quanto ao quantitativo diário.
46- Salvo melhor entendimento, e atendendo aos mencionados elementos de ilicitude e culpabilidade, entende a defesa que a pena de multa a aplicar ao recorrente deveria se ter graduado em 50 dias de multa, ou abaixo deste numero, e à taxa diária de 5 euros atenta a provada debilitada situação económica e financeira em que vive o arguido e o seu agregado familiar.
47- A determinação da medida da pena de multa deve fazer-se mediante recurso aos critérios gerais constantes no artigo 71º do Código Penal, sendo que a medida concreta da pena é-nos dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, pela necessidade de defesa da sociedade e de contenção da criminalidade, sendo que a culpa do agente é o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao principio politico-criminal da necessidade da pena e ao principio constitucional da dignidade da pessoa humana, atentos os artigo 1º e 18º nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa.
48- Se a pena aplicada ultrapassar a medida da culpa, em nome do principio de prevenção geral e/ou especial, põe-se em causa a dignidade humana do agente e é com base nestes princípios juridico- penais que o recorrente entende que a pena de multa deveria ter-se fixado em 50 dias de multa, ou perto deste limite mínimo, atentas as circunstâncias, explanadas no artº 71º nº 2 e 47º do Código Penal.
49- A pena de multa fixada em € 250,00, ou abaixo deste valor, será mais adequada, equilibrada, proporcional, razoável e justa à luz das circunstâncias do caso presente, e não deixará de ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras.
50- Desde maio de 2010, como foi dado como provado em sede de julgamento, o recorrente tornou-se doente pulmonar, cardíaco e com problemas vasculares, o que tem, desde aquela data, diminuindo a sua qualidade de vida e o tornou incapaz de trabalhar, o que muita magoa lhe causa, vivendo o seu agregado familiar, composto pela esposa e filho de 18 anos, estudante, apenas do rendimento auferido pela esposa, cozinheira, que ascende a €608,00.
51- A nível pulmonar realizou oxigenoterpia com garrafas, sendo desde aquela data um doente seguido em pneumologia. Sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica, o que o leva a estar medicado com broncodilatadores e corticoides inalados. È também um doente coronário. Realizou um ecodoppler arterial dos membros inferiores em 25 de maio de 2010, foi sujeito a uma cintigrafia, no Instituto do coração em 5 de janeiro de 2011. Em 13 de junho de 2011 foi internado no serviço de cirurgia vascular, do HDS, com anestesia geral a uma cirurgia de revascularização proximal dos membros inferiores que consistiu num bypass aorto femoral. Permaneceu internado até dia 22 de junho de 2011. Toma medicação diária. Em 20 de fevereiro de 2016 fez nova cirurgia cardíaca no Hospital de Coimbra. Durante todo este período, entre 2010 até à presente data, devido à débil saúde, não podia e nem pode o recorrente estar sujeito a stress emocional, segundo o relatório do médico de família. (Cfr ainda conclusão 21)
52- Declarou em Tribunal nunca ter recebido tornas das suas irmãs, resultantes da escritura de partilha realizada em dezembro de 2010 e ainda que os imóveis que lhe tinham sido adjudicados eram de menor valor real do que os adjudicados aos outros herdeiros e sentindo-se lesado patrimonialmente intentou ação declarativa de nulidade da escritura, com vista a pedir a nulidade do ato notarial e dos registos, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, sob o nº 2898/16.1T8STR, instância local cível, Juiz 1, - Facto provado 42.
53- A alínea d) do artigo 71º do Código Penal é um dos fatores de maior importância para a medida da pena de multa e os factos provados de 12 a 29 e de 44 a 48, e presentes conclusões 21, 50, 51, 54, 55 e 56 representam factos fundamentais e de conotação fortemente atenuante para a determinação da medida da pena, aos quais o Mmo Tribunal “ quo” deveria ter dado maior relevância.
54- O recorrente é casado desde aos 45 anos, mantendo com a esposa e com o filho uma boa relação afetiva, respeitadora e é bom marido e bom pai. É uma pessoa educada, mantendo com os outros uma boa relação social. À data do julgamento encontrava-se e encontra-se desempregado, sem auferir qualquer subsidio ou pensão por invalidez. Tem um filho com 18 anos que estuda, tendo os seus gastos recorrentes de estudante, pagos pelos pais. O ora recorrente sempre laborou em várias áreas, sendo sempre um trabalhador responsável e determinado, conforme se provou em julgamento. Quando regressou a Portugal em 2006, e contra os seus princípios e postura, tem estado inativo por motivos de saúde, o que lhe causa muita tristeza.
55- O recorrente permanece desempregado há cerca de dez anos por sofrer de graves doenças, entre outras, doença pulmonar obstrutiva crónica. É acompanhado nas consultas médicas da especialidade no Hospital de Santarém. É também acompanhado nas consultas de cardiologia e pneumologia. Das despesas fixas mensais do agregado familiar do recorrente avultam €40,00 para a medicação, €100,87 para liquidar a mensalidade da sogra do recorrente que está internada no Centro Social e Paroquial do …, em …, €83,00 para consumos domésticos, €60,00 para telecomunicações e cerca €40,00 com transporte escolar do filho. Sem contar com os gastos com a alimentação e demais despesas inerentes a um lar.
56- A nível pulmonar o recorrente realizou oxigenoterpia com garrafas, sendo desde aquela data um doente seguido em pneumologia. Sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica, o que o leva a a estar medicado com broncodilatadores e corticoides inalados. É também um doente coronário. Realizou um ecodoppler arterial dos membros inferiores em 25 de maio de 2010, foi sujeito a uma cintigrafia, no Instituto do coração em 5 de janeiro de 2011. Em 13 de junho de 2011 foi internado no serviço de cirurgia vascular, do HDS, e submetido com anestesia geral a uma cirurgia de revascularização proximal dos membros inferiores que consistiu num bypass aorto femoral. Permaneceu internado até dia 22 de junho de 2011. Toma medicação diária. Em 20 de fevereiro de 2016 fez nova cirurgia cardíaca no Hospital de Coimbra.
57- O facto praticado pela recorrente traduziu-se numa situação meramente ocasional, pontual e momentânea, ao que terá de se lhe atribuir um elevado valor atenuante, sendo que a ausência de antecedentes criminais tem que ser tida em conta como circunstância abonatória e atenuante da culpa.
58- A quase totalidade dos factos alegados pelas ofendidas, em sede de danos morais, não foram provados (artigos 3 a 9 dos factos não provados, e descritos em conclusão 22), e apenas foi provado o facto 30, sendo que o Mmo Juiz “ a quo” considerou que o desgosto psicológico foi apenas pontual (à data dos factos), e que as ofendidas não sentiram e não se sentem angustiadas, inquietas, desnorteadas e envergonhadas, que conseguem pernoitar sem sono agitado, não apresentado durante o dia sonolência, irritabilidade, incapacidade para raciocinar e com reflexos lentos, como pretendiam demonstrar as ofendidas e que não lograram provar.
59- Considerando o acima exposto, ou seja todas as circunstâncias que depõem a favor do agente e que já foram alegadas no presente recurso, considera a recorrente, salvo melhor entendimento, que os dias de multa deveriam ter sido fixados perto do limite mínimo considerado para o tipo legal de crime (dez dias) e não os fixados pelo Mmo Juiz de 1ª instância (290 dias), ou seja, a medida da pena de multa deveria-se ter fixado em 50 dias e não 290 dias de multa.
60- O quantitativo diário deve ser fixado num ponto em que a multa realize as finalidades gerais das penas, representando um sacrifício sensível para o ora recorrente e por outro lado não pode inviabilizar a satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar, pois o recorrente não aufere qualquer subsidio ou pensão, tem graves problemas de saúde, a nível pulmonar, cardíaco e vascular, o que o impede de trabalhar, (Cfr. Conclusões 21, 50, 51, 54, 55, 56 e 57) sendo que o equilíbrio entre aquelas dois elementos situa-se no limite mínimo legal, que é € 5,00, e não €6,00 como entendeu o Mmo Juiz “ a quo”.
61- Pelo exposto, a douta sentença recorrida ao fixar a pena de multa de 290 dias à taxa diária de € 6,00, violou os artigos 40º, 47º nºs 1 e 2 e 205º nº 4 do CP pois não foram tidas em consideração as precárias condições familiares, económicas, financeiras e de saúde em que o recorrente se encontra e demais supra descritas circunstâncias que depõem a seu favor, e ainda violou os artigos 71º, nºs 1 e 2, e 72º do mesmo diploma, pois aplicou uma condenação que vai para além da sua culpa, traduzindo-se numa violação do principio da adequação, proporcionalidade e necessidade da sanção criminal e do principio da culpa consagrados nestes artigos.
62- Entende o recorrente que o tribunal “a quo” deveria ter fixado a pena de multa em 50 dias à taxa diária de € 5,00, ou muito abaixo do fixado em 1ª instância.

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Respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e manter-se na íntegra a sentença recorrida, com as seguintes conclusões:

1. Não há “identidade do facto legalmente descrito” entre o objecto dos presentes autos e o do Processo Comum Singular n.º 516/12.6TASTR.
2. Na génese dos presentes autos está precisamente uma situação de alteração substancial dos factos descritos na acusação deduzida no Processo Comum Singular n.º 516/12.6TASTR, alteração que, nos termos do artigo 359.º, n.º 2 do CPPenal, determinou a extracção de certidão desse processo para valer como denúncia para que o Ministério Público procedesse, como veio a proceder, pelos factos novos.
3. Além da falta de identidade dos factos que emerge do mero cotejo do teor do requerimento de fls. 96 a 101 com o do libelo acusatório de fls. 226 a 228, reitera-se que ab initio já existiam factos novos, porquanto foi por causa deles que BB foi absolvido “da instância” no Processo Comum Singular n.º 516/12.6TASTR e os presentes autos se iniciaram.
4. O crime pelo qual o arguido foi acusado e acabou por ser condenado – ainda que pela alínea a) do n.º 4 do artigo 205.º e não pela alínea b) – reveste natureza pública, logo o exercício da acção penal pelo Ministério Público não depende de queixa e é possível a todo o tempo, salvaguardados os limites temporais impostos pela prescrição, limites que in casu, manifestamente, não foram alcançados.
5. As necessidades de prevenção especial são expressivas, atenta a circunstância de o arguido não ter contribuído minimamente para a descoberta da verdade, tentando, ao invés, ludibriar o tribunal, circunstância reveladora outrossim de ausência de juízo crítico e de auto desresponsabilização.
6. A conduta de BB é tão mais censurável quanto era por si bem sabido que, designadamente uma das demandantes, a sua irmã DD, carecia do dinheiro que aquele lhe negou para fazer face a um grave problema de saúde.
7. Importa valorar, contra o arguido, o dolo enquanto elemento subjectivo do ilícito que, de harmonia com os factos nessa matéria assentes na sentença recorrida, se expressou na sua forma mais intensa e que corresponde ao dolo directo – a realização do tipo penal foi posta pelo arguido como o fim a atingir.
8. Considerada a soma de que o arguido privou as co-herdeiras, suas irmãs, cerca de € 19 000, a ilicitude da sua conduta já reveste alguma densidade.
9. A par das circunstâncias assinaladas existem outras – ausência de antecedentes criminais e inserção social e familiar –, que depõem a favor do arguido, contudo, na graduação da pena foram tidas concretamente em conta as regras da boa prudência, a justa medida das coisas, as realidades da vida, bem como as soluções jurisprudenciais para casos idênticos.
10. Considerando as circunstâncias do caso concreto à luz dos critérios dos artigos 40.º e 71.º do CPenal, a pena de 290 (duzentos e noventa) dias de multa aplicada a BB, aquém do meio da moldura abstracta, mostra-se justa e equilibrada.
11. A taxa diária da multa de € 6 fica muitíssimo perto do mínimo legal e, por conseguinte, muitíssimo distante do máximo de € 500 possíveis.
12. O quantitativo diário encontrado de € 6 igualmente não pode ter-se por excessivo, sabendo-se que a pena de multa tem de ter como efeito o causar algum sacrifício económico.
13. A sentença recorrida não violou quaisquer normas, nem está ferida de qualquer nulidade.

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O Exmº. Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer defendendo a manutenção do decidido.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal.


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B - Fundamentação:

B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1.- O arguido, bem como CC, nascida em …, e DD, nascida em …, são irmãos e únicos e universais herdeiros da herança aberta em 18.11.2007, por morte de seu pai, GG, residente na rua …, no lugar de …, freguesia da …, em Santarém.
2.- O arguido desempenhou na referida herança as funções de cabeça-de-casal.
3.- Por escritura outorgada em 3 de Dezembro de 2010, no cartório notarial de Isabel Marques, em Santarém, o arguido, bem como CC e DD, acordaram entre si na partilha de bens imoveis e móveis pertença da herança, tendo efectuado e pago os valores resultantes das tornas a que cada um deles tinha direito.
4.- Sucede que a herança era igualmente constituída pelas seguintes verbas em dinheiro: A quantia de € 42 725,11 que o arguido recebeu do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, na sequência de resgate do certificado de aforro n.º …, de que foi titular GG, correspondente a € 42 934,98, a que foi descontado o valor de 209,87 euros de emolumentos devidos; E a quantia de € 6 400,00, relativa à conta de depósito à ordem n.º…, do antigo "Banco Espírito Santo" de que foi também titular GG, e que o arguido, em 21 de Novembro de 2007, levantou inicialmente com o consentimento das irmãs e que posteriormente fez seu.
5.- Em data não concretamente apurada de finais de 2011, o arguido e as suas irmãs reuniram-se em casa daquele, na …, …, …, Santarém, e acordaram entre si nos seguintes valores devidos a cada um: o montante de € 12 794,15 para o arguido; o montante de € 11 375,69 para CC e o montante de € 12794,15 para DD.
6.-As referidas importâncias têm de ser deduzidas a cada uma das demandantes as quantias de 2500 euros que o arguido entregou a cada uma das irmãs demandantes e a as quantias de 69.95, (209,87 euros: por 3), correspondentes a parte que cada uma das demandantes cabe suportar dos emolumentos referidos supra em 4.-, importâncias que não foram tidas em conta na reunião supra referida em 5.-.
7.-Em conformidade os valores devidos a cada um ascendem pelo menos: Ao montante de € 12 794,15 para o arguido; Ao montante de 8 805.74, ( € 11 375,69- € 2500 - € 69,95), para CC e ao montante de € 10 224,2, ( € 12794,15 - € 2500- € 69,95), para DD.
8.-Porém, embora tivesse sido interpelado por suas irmãs no início de 2012 para lhes entregar tais valores, o arguido recusou-se a tal, fazendo-os seus, depositando- os inicialmente em conta bancária sua e utilizando-os posteriormente em proveito próprio.
9.-Sabia o arguido que pelo menos os valores de € 8 805,74 e de € 10 224,2, não lhe pertenciam e não obstante gastou-os em proveito próprio, sem deles prestar contas àquelas como lhe competia como cabeça-de-casal.
10.-Ao proceder da forma supra descrita, o arguido agiu com o propósito de fazer seus os montantes de € 8 805,74 e de € 10 224,2, o que conseguiu, actuando desse modo contra a vontade e em prejuízo das suas irmãs e co-herdeiras CC e DD.
11.-O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, ciente da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.
12.-O arguido é o mais velho de três irmãos, tendo o seu desenvolvimento ocorrido numa família modesta e minimamente estruturada, onde lhe foram asseguradas as suas necessidades básicas e afetivas.
13.-O arguido frequentou a escola até ao antigo 2.° ano na Escola Industrial de Santarém, mas abandonou os estudos sem o concluir, a fim de começar a trabalhar.
14.-O arguido começou a trabalhar anos 16 anos, na Guiné, num hotel que era propriedade de um tio do arguido, onde permaneceu cerca de seis anos.
15.-O arguido de regresso a Portugal trabalhou cerca de dois anos num café em Montemor-o-Novo e por igual período de tempo laborou num café em Santarém e num armazém de materiais de construção civil nesta cidade.
16.-O arguido em 1981 emigrou para a Suíça onde permaneceu emigrado cerca de vinte e cinco anos e trabalhou sobretudo na área da hotelaria.
17.-O arguido Regressou ao nosso país, aproximadamente em 2006 e desde então tem estado inativo por motivos de saúde pulmonar, vascular e cardíacos.
18.-O arguido casou aos 45 anos de idade e deste matrimónio que mantém na atualidade nasceu um filho.
19.-O arguido no plano familiar sempre teve uma boa relação com as suas irmãs, mas sequência da realização das partilhas, por morte dos pais, surgiram desentendimentos, entre o arguido e as irmãs, o que culminou na existência deste processo judicial.
20.-O arguido à data da instauração deste processo judicial como actualmente, vivia com a esposa (53 anos, ajudante de cozinha) e filho (18 anos, estudante) com quem mantém na atualidade boa relação afetiva, sendo bom marido e bom pai.
21.-O arguido habita, em casa própria, que foi reconstruída pelo casal, que dispõe de suficientes condições de habitabilidade e está situado numa localidade rural, próxima de Santarém.
22.-O arguido BB permanece desempregado há cerca de dez anos por sofrer há vários anos de doença pulmonar obstrutiva crónica e em junho de 2011 também foi sujeito a cirurgia vascular, sendo desde então acompanhado nas consultas médicas da especialidade no Hospital de Santarém.
23.-O arguido nesta unidade hospitalar é também acompanhado nas consultas de cardiologia por padecer de problemas cardíacos.
24.-O arguido já pediu a reforma por invalidez mas ainda não obteve resposta positiva.
25.-Devido ao desemprego do arguido, a subsistência do agregado assegurada com o vencimento da esposa, que ascende a €608,00/mês.
26.- Das despesas fixas mensais do agregado familiar do arguido avultam €40,00 com a medicação, €100,87 para ajudar a mensalidade da sogra que está no Centro Social e Paroquial do … (…), €83,00 para consumos domésticos, €60,00 para telecomunicações e €40,00 com transporte escolar do filho.
27.-O arguido nos tempos livres não se dedica a atividades estruturadas, ocupando de uma horta para autoconsumo e convive com o agregado.
28.-O arguido, em termos sociais, na globalidade estabelece uma interação educada com os outros em geral.
29.-O Certificado de Registo Criminal do Arguido junto a folhas 324, documento cujo teor se da por reproduzido não insere qualquer condenação sua.
30.-Com a conduta do arguido, as ofendidas/demandantes ficaram muito perturbadas psicologicamente, sofrendo desgosto e tristeza com o comportamento do arguido descrito, familiar próximo e, que demonstrou indiferença para com as necessidades económicas das ofendidas/demandantes, a quem fazia falta o dinheiro que eram, do seu perfeito conhecimento.
31.-Como, também era do conhecimento do Arguido que face à sua situação clinica à irmã, aqui ofendida/demandante DD, foi atribuída uma pensão por invalidez, por padecer de uma incapacidade permanente global de 87% (oitenta e sete por cento).
32.-Tendo necessidade de tratamentos, medicação acompanhamento médico especializado permanente, carecendo de meios económicos para, convenientemente fazer face e suportar todas as despesas do seu agregado familiar, como era igualmente do conhecimento do arguido/demandado.
33.- O Arguido ainda reclamou/exigiu às Demandantes, um crédito/divida por alegadas tornas conforme documentos juntos a folhas 239 e 260 que a aqui se dão por integralmente reproduzidos, o que aumentou o desgosto das demandantes.
34.- As Demandantes, são pessoas sérias, honradas, granjeando o respeito, estima e consideração de familiares amigos e conhecidos.
35.- A Demandante CC tem um rendimento mensal de 920 euros vive com a sua filha em casa adquirida com empréstimo bancário para amortização do qual despende mensalmente 220 euros.
36.- A Demandante DD tem um rendimento mensal de 370 euros proveniente de pensão de invalidez.
37.- A Demandante CC, estava na posse de um cheque assinado pelo pai e que foi preenchido em comum acordo com o Arguido para levantar a quantia de € 6 400,00, supra referida em 4..
38.- E foi a ofendida CC, com pleno consentimento dos outros herdeiros, que decidiu que o dinheiro constante na conta bancária do inventariado fosse depositado numa conta bancária do arguido.
39.- foram enviados ao Arguido emails cujo teor está a folhas 135 a 138.
40.- A escola que o filho do Arguido frequentava, através do conselho de turma, solicitou uma avaliação psicológica, pois o aluno apresentava, entre outras dificuldades, baixa autoestima, falta de confiança, ansiedade e falta de concentração estando o filho do arguido a ser acompanhado em consultas de psicologia.
42.- Sentindo-se lesado pelos atos das irmãs, o arguido intentou ação declarativa de condenação (n° 2898/16.1 T8STR, instancia local cível, 1 ° juízo), contra as ora ofendidas, peticionando a nulidade por simulação absoluta da partilha dos bens móveis e imóveis outorgada pelos herdeiros através de escritura lavrada em 3 de dezembro de 2010, solicitando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos efetuados com base nas mesmas e a nulidade da escritura de compra e venda lavrada no mesmo dia com o consequente cancelamento de todos e quaisquer registos efetuados com base nas mesmas.
43.- Foram emitidos em nome dos três herdeiros, três cheques, no valor, cada um, de € 2.500,00, sendo que este valor (€ 7500,00) deverá ser descontado no total do ativo da herança.
44.- O Arguido padece de problemas de saúde, que o afetaram psicológica e fisicamente.
45.- Os seus problemas de saúde iniciaram-se em maio de 2010.
46.- O arguido em maio de 2010, foi submetido a um ecodoppler arterial dos membros inferiores, tendo sido sujeito a vários exames que detetaram, entre outras doenças, que as artérias ilíacas primitivas tinham lesões graves ostiais.
47.- Durante algum tempo, o arguido viveu com o suporte de oxigeno terapia com garrafas para poder respirar.
48.- O arguido foi sujeito a variada medicação, foi internado para cirurgia, com anestesia geral, de revascularização proximal dos membros inferiores que consistiu num bypass aorto-femoral.

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B.1.2 – Factos não provados:

1.-Que pelo menos os valores de € 12 794,15 e de € 11 375,69 não pertenciam ao Arguido;
2.-Que o arguido agiu com o propósito de fazer seus o que conseguiu os montantes de € 11 375,69 e € 12 794,15;
3.-Que o desgosto sofrido pelas Demandantes não foram meramente pontuais, porquanto as repercussões psicológicas, prolongaram-se no tempo até aos dias de hoje;
4.-Que as levam, desde então a sentirem-se angustiadas, inquietas, desnorteadas e mesmo envergonhadas, perturbadas psicologicamente;
5.-Que durante a noite, as ofendidas/demandantes quase não conseguem pernoitar, tendo muita dificuldade em conciliar o sono;
6.-Que nas poucas horas em que conseguem dormir, revelam um sono muito agitado, mexendo-se, virando-se, falando e acordando subitamente a intervalos curtos, sobressaltadas;
7.-Que de manhã, o sono demonstra não ter sido suficientemente reparador;
8.-Que em consequência, durante o dia, as ofendidas/demandantes apresentam grande sonolência, irritabilidade, incapacidade para raciocinar com facilidade e lentidão de reflexos, bocejando constantemente;
9.-Que esta perturbação foi e é sentida também por aqueles que mais de perto convivem com as ofendidas/demandantes.
10.-Que a ofendida CC deslocou-se à instituição bancária aonde foi levantado o cheque supra referido em II- A) 37.-;
11.-Que nenhuma intenção tinha o arguido em que aquele valor fosse depositado na sua conta bancária;
12.-Que nenhum ato jurídico (ou lei) impôs ao arguido uma vinculação jurídica formal e específica de efetuar diligências necessárias à partilha de bens por óbito do inventariado, apenas o fez porque tinha disponibilidade;
13.-Que não lhe foi imposto o dever de administrar interesses patrimoniais alheios, não prestou juramento enquanto cabeça de casal, desconhecendo que lhe adviriam funções e responsabilidades;
14.-Que por outro lado, nunca o arguido se recusou a partilhar as verbas, nunca se mostrou indisponível para proceder à partilha dos bens do pai, nunca teve intuito de qualquer ato de apropriação;
16.-Que o filho do arguido, …, à data dos factos, tinha 13 anos e foi sujeito a comentários maldosos e injuriosos sobre o seu pai, feitos pelas tias e outros familiares, que o perturbaram psicologicamente com repercussões no aproveitamento escolar;
17.-Que as ofendidas tinham pleno conhecimento que existiam outras despesas que nunca tinham sido descontadas ao valor total da herança, sendo despesas efetuadas pelo arguido em nome da herança, bem como outros valores e que diminuem o quinhão hereditário de cada herdeiro invocado pelas demandantes;
18.-Que o arguido realizou outras que nunca foram tidas em conta como dívidas da herança, nem descontadas no valor do acervo hereditário e que as ofendidas intencionalmente não as alegaram em sede de Pedidos de indemnização;
19.-Que assim, o arguido despendeu em nome da herança a quantia de € 261,00 (€ 20,00 + €28,00 + € 15,00 (doc. de fls 140) + € 151,20 + € 16,80 + €10,00 + € 20,00);
20.-Que outro valor que não corresponde à verdade é o descrito pelas ofendidas, em doe. de fls 26, no que concerne a um devedor do falecido pai intitulado "Antero";
21.-Que efetivamente, o valor que faz parte do acervo hereditário não é o alegado pelas ofendidas em documento de fls 26, (€ 4.092,50) mas € 3.443,75, pois há duas verbas que entraram no ativo da herança, mas que o arguido nunca recebeu e as ofendidas tinham conhecimento de tal facto, e omitiram-no;
22.-Que já descontadas todas as despesas ao total do valor monetário da herança, o valor final correspondente ao acervo hereditário é de € 37.262,84 e cada herdeiro (BB e DD) receberia € 12.420,94 correspondente ao seu quinhão hereditário, sendo que a ofendida CC receberia € 11.002,48;
23.-Que mas, há ainda a descontar no quinhão das ofendidas, outras verbas que intencionalmente estas omitiram;
24.-Que na escritura de escritura de partilha e venda estranhamente, não foi interpelada para estar presente a esposa do arguido;
25.-Que as irmãs do arguido, ora ofendidas, não pretendiam que a cunhada …, esposa do arguido, estivesse presente, pois sabiam que se esta estivesse presente, o arguido nunca aceitaria as partilhas que foram feitas e que o lesaram financeiramente;
26.-Que o arguido à data da celebração da escritura não conseguia tomar decisões sozinho, não tendo discemimento para impor a sua vontade, aceitando tudo o que as irmãs lhe diziam;
27.-Que As ofendidas aproveitaram-se da fragilidade psicológica e física do arguido, e de má fé e ardilosamente prejudicaram-no nas partilhas, fazendo prevalecer a sua vontade, celebrando uma escritura que não correspondia à vontade real do arguido;
28.-Que em 2010, as lesadas aproveitaram-se da situação de saúde débil, ao nível psicológico e físico, do arguido para o fazer assinar a escritura, sem que tivesse conhecimento do que assinava, pois não compreendida o alcance do seu conteúdo;
29.-Que nunca foram pagas tomas ao arguido, não obstante constar nas citadas escrituras, que recebeu tomas, sendo que os valores dos bens imóveis adjudicados às herdeiras foram, em sede de partilha, deflacionados, enquanto os valores dos bens imóveis e moveis adjudicados ao arguido foram inflacionados, para o prejudicarem intencionalmente;
30.-Que os bens moveis descritos na escritura de partilha datada de 3-12-2010 como sendo bens a partilhar (verbas oito, nove e dez do doc. de fls 103 a 111), foram, naquele ato, "novamente" adjudicados ao arguido;
31.-Que tal acto reflecte a postura enganadora e ardilosa das irmãs que levaram o arguido a assinar uma escritura sem ter consciência do que assinava e sem compreender o conteúdo da escritura, aceitando receber bens da herança pelos quais já tinha pago às irmãs;
31.-Que as irmãs sabiam que tais bens não entrariam no ativo da herança, mas mesmo assim concordaram com o conteúdo da escritura, para lesar os interesses do arguido;
32.-Que que as ora ofendidas celebraram a escritura de partilha e venda, tendo partilhado os bens consoante a sua vontade, prejudicando intencionalmente o irmão, ora arguido.
33.-Que o quinhão hereditário que cabe à herdeira CC, ora ofendida, corresponde ao valor € 11.002,48- € 1250,00= € 9752,48, o da ofendida DD fixa-se em € 12.420,94- € 1250,00= € 11.170,94, e o do arguido ascende a € 12.420,94;
34.-Que o Arguido sente-se triste e revoltado com a atitude das irmãs;
35.-Que o arguido sente-se desapossado dos seus bens, pois as ofendidas aproveitaram-se do seu estado de saúde muito debilitado, para efetuarem partilhas prejudicando-o intencionalmente e atuando de má fé, não respeitando a vontade manifestada pelo pai enquanto vivo.


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B.1.3 - E apresentou as seguintes razões para fundamentar a matéria de facto:

«O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados na análise crítica do conjunto da prova produzida.
Efectivamente não basta a indicação dos meios de prova pré constituídos e produzidos em audiência de julgamento que serviram para fundamentar a sentença.
É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto. Trata-se de significativa alteração do regime do Código de Processo Penal de 1929, e mesmo do que, segundo alguma doutrina, anteriormente, vigorava por alterações introduzidas no C.P.P.
Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, conforme impõe o art. 410°, n.º 2. Do C. P. P..
E extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade.
O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados desde logo nas declarações prestadas pelo Arguido que admitiu a veracidade de alguns dos factos provados dos factos provados 1 a 5 e, afirmando, porem, que tinha direito a receber tornas das suas irmãs de que só realizou depois da reunião com as mesmas e por isso procedeu da forma dada como provada, declarações que não mereceram credibilidade ao tribunal dado que o Arguido apresentou explicações inverosímeis como seja referir que reteve os valores em questão porque estas tinham que lhe dar tornas dado que o valor dos imoveis partilhados em escritura publica e não deram, imoveis diga-se avaliados por perito por si escolhido e idóneo o engenheiro …, o que é contrario as regras da experiencia comum, apresentando depois valores menores inferiores aos devidos as demandantes como razão para não lhes entregar o que lhes competia o que mais uma vez é inverosímil, como é contraditório o dizer a dado passo que a escritura, (de partilhas), afinal estava certa e noutro passo que os valores da escritura estão incorrectos.
Estas declarações do arguido negatórias dos factos são inverosímeis contraditórias e contrarias a regras da experiencia comum e foram negadas pelas declarações das parte civis que confirmaram os factos provados nas quais o tribunal primacialmente se fundou e que a despeito de serem parte interessadas na causa foram prestadas com isenção, expressa designadamente na admissão de factos que lhes são adversos como o de terem recebido a quantia de 2 500 euros cada uma a abater a verba queque lhes e devida, o que leva o tribunal a retirar a ilação, tendo em conta as regras da experiencia comum e de acordo com estas, segura para além de qualquer duvida razoável, de que o arguida praticou os factos que nega e cuja realidade foi dada como provada.
O tribunal fundou também a sua convicção na conjugação das declarações do arguido e partes civis com os demais meios de prova depoimentos das testemunhas …, amiga da parte civil CC, …, , que conhecem as demandantes de quem são amigas, ..., amiga da parte civil DD, EE e FF marido e filho, respectivamente da demandante DD, e que confirmaram os danos designadamente os morais sofridos pelas demandantes
O tribunal fundou-se ainda quanto aos factos provados na análise dos documentos juntos a folhas certidão de fls. 1 a 173 e 200 a 201, 21, 23, 24, 26,17 e 19, 103 a 111, 133, 134,135 a 138, 140, 141 a 143, 324, 336 a 365 e 389 a 462 dos autos.
Por essas razões, os factos provados correspondem a um núcleo de factos sobre os quais, da análise global da prova produzida, conjugada entre si, e analisada criticamente nos termos referidos foi possível formar um juízo positivo da sua verificação.
As testemunhas referidas depuseram sobre, factos de que tem conhecimento directo depondo com isenção.
As restantes testemunhas que depuseram em tribunal arroladas pelo Arguido depuseram sobre, factos referentes ao comportamento do arguido que abonaram e sobre a situação pessoal e social do arguido e o tribunal fundou-se nos seus depoimentos concordantes nessas matérias com os factos provados.
Sobre a situação pessoal e social da arguida o tribunal fundou-se nas suas declarações concordantes nessas matérias com os factos provados e na análise do relatório socia elaborado pela D. G. R. S.P., de folhas 476 a 478 dos autos.
Sobre os factos não provados não foi produzida prova convincente nos termos expostos tendo essencialmente a sua veracidade sido apenas assegurada pelo arguido e documentos por ele manuscritos, declarações que pelos motivos expostos não mereceram credibilidade ao tribunal e dai necessariamente as respostas negativas.»

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Cumpre conhecer.

Como é sabido, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso, que não ocorrem no caso.

O recorrente centra a sua inconformidade nas seguintes questões:

- violação do princípio ne bis in idem – conclusões 1ª a 7ª;
- meio processual impróprio – conclusões 8ª e 9ª;
- intempestividade da queixa crime – conclusões 10ª a 12ª;
- responsabilidade civil, fundamentação – conclusões 13ª a 17ªe 40ª e 41ª;
- impugnação factual quanto à matéria cível – conclusões 18ª a 31ª;
- valor da indemnização – conclusões 32ª a 39ª;
- pena de multa – conclusões 42ª a 62ª;

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B.2 – Quanto à violação do princípio ne bis in idem convém tornar claro algo que ficou na sombra das motivações: que o arguido fora acusado no processo n º 516/12.6TASTR pela prática de um crime de infidelidade, que tal acusação foi declarada improcedente por o tribunal ter entendido terem-se provado factos que constituíam “alteração substancial dos factos” e que foi deduzida nova acusação, agora pelo Ministério Público e por crime de abuso de confiança.

Assim e definindo-se alteração substancial dos factos [al. f) do artigo 1º do C.P.P.] como aquela imputação de factos, diversa da constante da acusação e que tem por efeito “a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”, essa simples constatação – há factos diversos que substancialmente alteram a matéria de facto até então conhecida nos autos – implica a inexistência de identidade de factos para efeitos de análise do princípio ne bis in idem.

Não há, portanto, violação do princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29º, nº 5 da C.R.P. (“Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”).


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B.3 – Relativamente ao “meio processual impróprio (conclusões 8ª e 9ª) invoca o recorrente, na essência, que há procedimentos/meios judiciais específicos para partilha de bens de uma herança, que o processo-crime não é uma forma adequada de proceder a uma partilha de bens de uma herança, pois que o direito penal é uma ultima ratio em matéria de litígio familiar

Trata-se de claro argumento non-sequitur, pois que encerra uma falácia lógica da afirmação da consequente. Aliás, das consequentes.

Que “há procedimentos/meios judiciais específicos para partilha de bens de uma herança” é uma afirmação correcta; que o “processo-crime não é uma forma adequada de proceder a uma partilha de bens de uma herança” é uma afirmação de uma certeza irrecusável. Apenas a afirmativa de que o “direito penal é uma ultima ratio em matéria de litígio familiar” surge como algo imprecisa pois que não foi ramo do direito pensado específicamente para tal.

As três afirmações juntas não podem, no entanto, ser apresentadas como consequentes, já que umas não se seguem às outras como condições necessárias.

Ou seja, a falácia lógica surge porque existe confusão entre condição suficiente e condição necessária. A cada uma das afirmações “não se segue que" (non-sequitur) qualquer das outras seja consequente.

Jurídicamente não se pode dela extrair qualquer conclusão válida - já que inaceitável a forma do argumento - impondo-se, ao invés, recordar que o arguido foi condenado por lhe terem sido imputados factos que consubstanciam apropriação de valores de familiares já depois de ter sido feita a partilha de bens.

Isto é, o presente processo não se destina a proceder a partilhas (já realizada), nem a substituí-la, nem a resolver conflitos familiares. O presente processo destinava-se a apurar da tipicidade, ilicitude e culpa da conduta do arguido, ora recorrente, em função do bem jurídico tutelado pela norma.


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B.4 – Quanto à intempestividade da queixa-crime (conclusões 10ª a 12ª) deve notar-se que o recorrente raciocina como se o caso vertente incidisse sobre crime semi-público, o previsto no nº 1 do artigo 205 do Código Penal, tipo para o qual seria relevante o exercício tempestivo do direito de queixa.

No caso concreto, mesmo a tratar-se de crime semi-público, muito provavelmente teríamos que concluir que a letra e o espírito do nº 2 do artigo 359º do C.P.P. implicariam a existência de um regime especial no que à tempestividade da queixa diz respeito, com aproveitamento da queixa no processo anterior.

Mas o caso sub iudice revela que o arguido foi acusado e condenado pela prática de um crime qualificado, o constante do nº 4 do preceito, pelo que o problema da tempestividade da queixa se não coloca, visto tratar-se de crime público.

O único limite temporal, como muito bem realça a Digna magistrada do Ministério Público no tribunal recorrido, é o prazo prescricional.

Improcede, pois, esta razão de inconformidade.


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B.5 – No que à fundamentação da responsabilidade civil diz respeito (conclusões 13ª a 17ª e 40ª e 41ª) o recorrente levanta duas questões, uma de ordem específica quanto aos danos não patrimoniais, que revelariam ausência de fundamentação (conclusões 13ª a 15ª), ou de ordem geral quanto aos pressupostos da responsabilidade civil (conclusões 16ª e 17).

Parece-nos, em ambos os casos, que as razões invocadas remetem para a ausência de factos e/ou fundamentação factual, que não às razões de direito, que essas são patentes na fundamentação da decisão recorrida a fls. 542-544.

Quanto ao primeiro ponto de inconformidade, o facto que possibilita a condenação em danos não patrimonias é o facto dado como provado sob 30) [«(30.) - Com a conduta do arguido, as ofendidas/demandantes ficaram muito perturbadas psicologicamente, sofrendo desgosto e tristeza com o comportamento do arguido descrito, familiar próximo e, que demonstrou indiferença para com as necessidades económicas das ofendidas/demandantes, a quem fazia falta o dinheiro que eram, do seu perfeito conhecimento.»].

É um facto singelo e a revelar um dano mínimo, mas não discordamos do tribunal recorrido quando considera que mereça a tutela do ordenamento jurídico.

Por outro lado o ressarcimento arbitrado, de 700 e 900 euros, é igualmente de pequena monta e adequa-se aos danos em presença.

O segundo ponto de inconformidade tendo por objecto uma falta ou insuficiente fundamentação dos arbitrados danos por responsabilidade civil, centra-se em danos patrimoniais directos sabidamente causados pelo arguido. E estão espelhados nos factos dados como provados de 1) a 10), factos aliás, que revelam igualmente o ilícito criminal – daí a possibilidade de o pedido cível ser deduzido nestes autos – e os pressupostos da responsabilidade civil.

A simples leitura de tais factos faz ressaltar necessariamente os ditos pressupostos, cuja fundamentação de direito consta de fls. 543-544. A sua fundamentação factual consta de forma suficiente da sentença recorrida, tendo presente que são os factos que permitiram a condenação crime.

Não era exigível maior fundamentação ao tribunal recorrido em costumada e rotineira matéria, designadamente, não era exigível que o tribunal fundamentasse cada um dos pressupostos por referência a cada um dos factos provados. Os pressupostos da responsabilidade civil são matéria sabida e, repete-se, a simples leitura dos indicados factos demonstra a sua existência. Diriamos mais, a simples constatação da existência de factos integradores do tipo penal em presença demonstra a existência de tais pressupostos da responsabilidade civil.

Por último, invoca o recorrente o vício previsto no artigo 410º, nº 2, al. a) do C.P.P. enquanto vício de insuficiência de prova para a decisão de facto, com o sentido de que “a prova produzida é insuficiente” e de que o facto provado sob 30º é insuficiente para a decisão de direito.

Quer-nos parecer que existe imprecisão no conceito da figura jurídica contida na indicada norma do C.P.P..

Aquilo que o recorrente designa como “insuficiência de prova para a decisão de facto proferida” (conclusão 40ª) resume-se a um erro de julgamento ou crítica ao uso feito pelo tribunal recorrido do princípio da livre apreciação probatória. Aquilo que a alínea a do nº 2 do artigo 410º do C.P.P. prevê é, ao invés, “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, coisa diversa.

É jurisprudência de há muito estabilizada que este conceito (“insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”), “é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão, ou seja, é aquela que resulta da circunstância de o tribunal julgador não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão. (II) Logo, o mencionado vício não tem nada a ver, nem com a insuficiência da prova produzida, nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão de direito proferida” - acórdão do STJ de 11-11-1998 (Proc 98P1093 – Cons. Leonardo Dias).

Ou seja, não se trata de suficiência ou insuficiência de prova produzida, trata-se antes de saber se foi esgotado o objecto do processo em termos factuais. E responde-se a tal vício formulando a questão: esgotou-se – no sentido de “tomou-se conhecimento de forma exaustiva” – de todos os factos que constituem o objecto do processo e que constavam da acusação, da contestação e da discussão da causa? Se sim, não há vício a integrar naquele preceito.

Não é o que ocorre nesta sede, quanto ao facto e quanto às conclusões de direito.

Improcede, portanto, o invocado.


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B.6 – Atendo-nos agora à impugnação factual quanto à matéria cível (conclusões 18ª a 31ª) o recorrente pretende que existe um facto novo provado em audiência que deveria constar do elenco de factos provados que condiciona os valores indemnizatórios e que expressa na sua conclusão 24ª, isto é, que o tribunal não valorou “o rendimento total mensal auferido pelo agregado familiar da demandante DD”.

E assim arremata na sua conclusão 31ª que «Nos termos do disposto no artigo 412º nº 3 do CPP, o Tribunal “a quo” incorreu numa incorreção e erro de decisão/julgamento na forma como apreciou a prova, pois não deveria ter dado como provado apenas que o rendimento mensal da demandante DD se subsumia a 370 euros, mas deveria ter dado como provado que “O rendimento mensal do agregado familiar da demandante DD ascende à quantia de € 2200,00”».

Ora, não nos parece que a questão seja de erro de julgamento pois que o recorrente não põe em causa que o rendimento da demandante DD seja de 370 €. O que o recorrente afirma, no fundo, é que esse rendimento é irrelevante e que deveria valer o rendimento global do seu agregado familiar.

Quer-nos parecer, no entanto, que se não trata aqui de uma questão de indemnização onde o rendimento de pessoas que não são parte na relação material controvertida deva ser atendido. Não estamos em sede de, por exemplo, acidentes viários onde é saliente o rendimento familiar da lesado e do lesante.

Aqui do que se trata é de uma relação jurídica hereditária onde os danos são eminentemente pessoais, assim como a obrigação de ressarcimento.

Não há, portanto, erro de julgamento para efeitos da previsão do artigo 412º, nº 3 do C.P.P..


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B.6 – A matéria respeitante ao valor da indemnização (conclusões 32ª a 39ª) é outra razão de inconformidade do recorrente que suscita as seguintes sub-questões: o danos não patrimoniasl e o patrimonial.

Quanto ao primeiro foi já tratado em B.5. Relativamente ao segundo é mister recordar que a indemnização não visa ressarcir uma qualquer realidade etérea e não quantificável monetariamente.

Aquilo que a indemnização visa ressarcir é um dano liquidado pelas próprias partes em função do montante monetário da massa hereditária (49.125,11 € segundo o faco provado 4) e resultado do encontro de contas entre herdeiros. E isso foi quantificado e dado como provados nos factos 4º a 7º em duas quantias, de que resultou para o arguido a obrigação de restituição a suas irmãs dos valores de 8.805,74 a sua irmã CC e 10.224,20 a sua irmã DD (facto provado sob 7). Quantias de que o arguido se locupletou.

Logo, nunca a indemnização poderá ser inferior a esses montantes e respectivos juros, estando estes apenas dependentes de saber da sua constituição em mora. Aqui, bem, o tribunal recorrido considerou a mora existente na data da notificação do pedido cível.

Assim, a pretensão de que a indemnização seja inferior a tais montantes é irrealista. E nesse campo se situam todos os argumentos usados pelo recorrente, designadamnente os seus problemas de saúde, de que o arguido é sequer o único sofredor, como bem se vê pela matéria de facto provada.


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B.7 – Quanto à pena de multa (conclusões 42ª a 62ª).

Recordemos que o arguido foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido nos artigos 26.º e 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), do Código Penal na pena, de 290 dias de multa a taxa diária de 6 euros (o que perfaz a pena de multa de 1.740 euros).

E que tal tipo penal, qualificado, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.

Tendo o tribunal recorrido optado pela aplicação de uma pena de multa, temos uma modura penal abstracta de um mínimo de 10 a um máximo de 600 dias de multa.

E aqui deparamos com uma opção de pena que será discutível em termos de ilícitude e culpa, a que acrescem as consequências da conduta ilícita e necessidades de prevenção, mas que é intocável por via da proibição da reformatio in peius.

Com uma tal ilicitude e culpa, a fixação da pena sensívelmente na média abstracta da multa aplicável e, para mais num montante diário de 6 € parece-nos uma muito adequada definição concreta da pena que, in casu, é favorável ao arguido em função da expectativa de ressarcimento dos danos da sua conduta ilícita.

Por todas as razões é o recurso improcedente.


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C - Dispositivo:

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente, com 4 (quatro) UCs. de taxa de justiça.

(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Évora, 06 de Fevereiro de 2018

João Gomes de Sousa (relator)

António Condesso (adjunto)