Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
240/17.3GHSTC.A.E1
Relator: LAURA MAURÍCIO
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 02/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - As alterações introduzidas no Regime de Permanência na Habitação (RPH) pela Lei 94/2017 de 23.08, implicam dever considerar-se ter o RPH atualmente natureza mista, do ponto de vista dogmático:

- de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional;

- de mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão, uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do artigo 43º, nº 1, al. c), do Código Penal.

II - A nova lei traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado.

III - Este regime de permanência na habitação tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa – assim satisfazendo as exigências de prevenção geral – e facilitar a ressocialização do arguido, sem estender, de forma gravosa, as consequências da punição ao seu agregado, assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Competência Genérica de Santiago do Cacém - Juiz 1, no âmbito do Processo nº240/17.3GHSTC foi, em 23 de setembro de 2019 proferido despacho com o seguinte teor (transcrição):

“Refª 6239983:
Tomei conhecimento.
Compra-se o trânsito em julgado.

Refª 32871067:
A pena de substituição ou regime de execução de pena de prisão a que refere o artigo 43.º do Código Penal, foi equacionada, seja na douta sentença, seja no douto acórdão proferidos nos autos (cf., pág. 16 da sentença e págs. 25-26 do acórdão).

Decidido se mostra, por decisão transitada em julgado, que a arguida deve cumprir 1 ano de prisão efetiva, estando afastada a aplicação do regime previsto no artigo 43.º do Código Penal.

A situação não é equiparável ao pagamento da multa em prestações ou substituição da multa por trabalho, notar-se-á, pois que tais pedidos podem ocorrer após o transito em julgado, conforme decorre do regime específico de execução da pena de multa – artigos 490.º-ss do Código de Processo Civil.

Já a obrigação de permanência na habitação é ponderada no momento da prolação da decisão que aplica a pena de prisão – como no caso em apreço efetivamente foi – o que resulta claro do artigo 19.º da Lei n.º 33/2010, de 02 de setembro, solicitando o tribunal informação prévia aos serviços de reinserção social, para que no momento da sentença, e se for caso disso, possa fixar esse regime de execução.

Na situação vertente tal regime foi afastado e a questão não pode ser reapreciada.

Termos em que indefiro o requerido pela arguida.
Notifique-se. “
*
Inconformada com a decisão, a arguida MM interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

I. Entendendo estarmos perante uma pena de substituição, por douto despacho, indeferiu o tribunal a quo o requerimento da arguida no sentido de lhe ser possível executar a pena de prisão em que foi condenada em regime de permanência na habitação;

II. Discorda a arguida por entender não consubstanciar a norma do artigo 43.º do Código Penal uma pena de substituição em sentido próprio, não tendo de ser ponderada exclusivamente, no momento da prolação da sentença;

III. À data da sentença o tribunal não dispunha de elementos que lhe permitissem aquilatar da possibilidade de aplicar o artigo 43.º do Código Penal;

IV. O regime de permanência na habitação previsto no artº 43º do Código Penal passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou cumprimento da pena de prisão;

V. Sendo uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão, nada obsta, que o tribunal pondere a sua aplicação em momento posterior à prolação de sentença, quando para os autos foram carreados elementos para tal, demonstradores de uma alteração do quadro traçado naquela Sentença.

VI. Se o tribunal pode, revogando uma suspensão de execução de pena de prisão não superior a dois anos, determinar que a execução daquela pena ocorra na forma prevista no artigo 43.º do Código Penal, à fortiori, o poderá fazer no caso dos presentes autos por estar munido de elementos para tal.

VII. Tal como, se em caso de condenação em pena de multa, é admissível requerer que a forma de execução da mesma seja alterada mesmo após ter sido proferida sentença (pagamento em prestações) será, mutatis mutandis, igualmente admissível aquilatar da possibilidade da execução da pena de prisão em que a arguida foi doutamente condenada em regime de permanência na habitação em momento similar.

VIII. Adotando o entendimento do tribunal a quo tal não seria possível pois está excluída a aplicação sucessiva de penas substitutivas;

IX. O regime vigente tem, justamente, por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado;

X. O douto despacho a quo viola o disposto no artigo 43.º do Código Penal.

XI. Pelo que, deve ser revogado, determinando-se que a 1ª instância averigue da verificação dos pressupostos de que depende a execução da pena de 1 ano de prisão imposta à arguida em regime de permanência na habitação.

Destarte, nestes termos e nos melhores que vós, Excelsos Desembargadores munificentemente suprirão se fará JUSTIÇA!!!

O recurso foi admitido e fixado regime de subida e efeito.
*
O Ministério Público respondeu ao recurso interposto nos seguintes termos:

A arguida foi condenada, por sentença transitada em julgado a 09.09.2019, na pena de 1 ano de prisão efectiva, após o que requereu o cumprimento dessa pena em regime de permanência da habitação.

Inconformada com o despacho datado de 23.09.2019, que indeferiu tal requerimento, veio interpor recurso.

De acordo com o disposto no artigo 412º, nº1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido e delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, que, no caso, se podem sintetizar da seguinte forma:

- O art. 43º do Código Penal prevê o regime de permanência na execução como pena substituição em sentido próprio e também como forma de execução da pena de prisão;

- Tratando-se de uma forma de execução, o Tribunal pode decidir aplicar o regime de permanência na habitação após o trânsito em julgado da decisão condenatória, tal como sucede nos casos de revogação de pena substitutiva não privativa da liberdade;

Conclui pedindo a revogação do despacho e recorrido e que se determine a verificação dos pressupostos para execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação.

Como o Ministério Público já adiantou na sua promoção datada de 14.10.2019 (uma vez que não lhe foi dada oportunidade para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela arguida antes de ser proferido o despacho recorrido), entende-se que assiste inteira razão à arguida quanto à admissibilidade legal de ainda poder cumprir a pena de 1 ano de prisão em regime de permanência na habitação.

Todavia, tratando-se de uma pena de prisão efectiva, o tribunal competente para a sua execução é o Tribunal de Execução de Penas de Évora e não o tribunal da condenação – art. 470º do Código de Processo Penal e arts. 138º, nº 2, e 155º do CEPMPL-, mesmo que ainda não se tenha iniciado a execução da dita pena de prisão efectiva.

Deste modo, mas com fundamentos diversos, entendemos que o Tribunal a quo deveria ter reencaminhado o requerimento da arguida para o Tribunal competente, ao invés de proferir o despacho recorrido nos termos em que o fez.

Tanto mais que determinou a suspensão da tramitação dos autos principais com vista à captura da arguida para cumprimento da pena de prisão, obrigando a arguida a interpor recurso, o que implica demora na tramitação e prolação da decisão que importa, qual seja: O TEP apreciar previamente o requerimento apresentado e, eventualmente, ordenar a realização nos necessários relatórios à DGRSP e determinar a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação.

Pelo exposto, deve o recurso interposto pela arguida ser julgado procedente e, consequentemente, o despacho recorrido deve ser substituído por outro que:

- determine a remessa ao TEP de Évora de certidão da sentença e do acórdão do TRE proferidos nestes autos, com nota de trânsito em julgado, do requerimento apresentado pela arguida a 01.07.2019, do despacho de 23.09.2019, das alegações de recurso e do acórdão vier a ser proferido, par apreciação do requerimento apresentado pela arguida.

Assim se fazendo a costumada Justiça.
*
No Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de o recurso ser “rejeitado por manifesta improcedência, ou, caso assim não seja entendido, que seja julgado totalmente improcedente, negando-se-lhe provimento e confirmando-se integralmente a Decisão recorrida.

Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não foi apresentada resposta ao Parecer.

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência.

Cumpre decidir
Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

No caso sub judice a questão suscitada pela recorrente e que, ora, cumpre apreciar, traduz-se em saber se a decisão recorrida deve ser substituída por outra, que julgando procedente o recurso, determine que a pena de prisão em que foi condenada seja cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

Apreciando
Por sentença proferida nos presentes autos em 21 de novembro de 2018, confirmada integralmente por acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 18 de junho de 2019, transitado, a arguida foi condenada na pena de um ano de prisão pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.212º do Código Penal.

Após, veio a arguida requerer que a pena em que foi condenada fosse cumprida em regime de permanência na habitação.

Com a actual redação dada pela Lei 94/2017 de 23.8 ao Código Penal, entrada em vigor em 23.11.2017, ou seja, já em vigor aquando da decisão condenatória, o regime de permanência na habitação veio a consagrar-se também como forma de execução da pena, e não apenas como pena de substituição, cuja única natureza resultava da anterior redação dada ao art.º 44º Código Penal.

As alterações introduzidas no Regime de Permanência na Habitação (RPH) pela Lei 94/2017 de 23.08, implicam dever considerar-se ter o RPH atualmente natureza mista, do ponto de vista dogmático: de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional; de mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão, uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do art. 43º, nº 1, al. c), do Código Penal.

Não estando a arguida, como acontece nestes autos, em cumprimento de pena de prisão e requerendo que a pena seja cumprida em regime de RPH, está-se perante a apreciação deste regime na sua vertente de pena de substituição, sendo competente o Tribunal da condenação para apreciação desse requerimento.

Com efeito, quer o arguido, que ainda não tenha sido condenado, caso em que esperará ou requererá a substituição da prisão por RPH, a decidir pelo tribunal da condenação, nos termos do art.º 43º do Código Penal, quer após condenação em que não tenha ainda iniciado o cumprimento da pena, nos termos do art.º 371º-A do Código de Processo Penal, quer no caso de, tendo sido o RPH, o regime escolhido em sede de condenação, se verifique alguma das circunstâncias previstas no art.º 44º do Código Penal, deverá o tribunal da condenação apreciar e decidir da substituição de uma pena de prisão não superior a 2 anos por este regime, assim como da eventual verificação dos pressupostos de revogação do mesmo, nos termos do art.º 44.º do Código Penal.

Em todas estas situações há que fazer apelo à natureza deste regime, enquanto pena de substituição.

Ora, dispõe, então, o art.43º do Código Penal, na redação introduzida pela referida Lei nº94/2017, sob a epígrafe

“Regime de permanência na habitação”:

1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;

b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º

2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.

3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:

a) Frequentar certos programas ou atividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.

5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08, o regime agora previsto no artigo 43º do Código Penal passou a constituir, como já se disse, não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão.

Por isso, admite-se agora expressamente que o condenado em pena de prisão efetiva não superior a dois anos possa cumprir a pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir.

A nova lei traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado. Foi, inclusivamente, na senda desse pensamento, que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se (através da ampliação do respetivo campo de aplicação) o regime de permanência na habitação.

Este regime de permanência na habitação tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa – assim satisfazendo as exigências de prevenção geral – e facilitar a ressocialização do arguido, sem estender, de forma gravosa, as consequências da punição ao seu agregado, assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa.

O regime de permanência na habitação tem justamente por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento parcial ou continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral.

A filosofia do preceito assenta numa evidente reação contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu n.º 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efetiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela rutura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral. Mas a ideia apoia-se também em considerações que transcendem o condenado. É, antes de mais, indesejável que se projetem sobre a família deste consequências económicas desastrosas, sendo ainda indesejável a rutura prolongada com o meio profissional e social.

Vejamos

Aquando da prolação quer da sentença proferida em 1ª instância, em 21 de novembro de 2018, condenatória da arguida na aludida pena de prisão efetiva, quer aquando da prolação do Acórdão deste Tribunal da Relação em 18 de junho de 2019, que confirmou tal sentença, foi já considerada a suscetibilidade de aplicação do regime de permanência na habitação, enquanto pena de substituição, e decidiu-se pela sua não aplicação.

Com efeito, decidiu-se na sentença de 1ª instância:
“Tendo sido aplicadas penas de prisão à arguida, torna-se necessário ponderar se estão verificados os requisitos formais das penas de substituição.

Uma vez que foi aplicada uma pena de 1 ano de prisão, estão observados os requisitos formais das penas de substituição de multa, regime de permanência na habitação, regime de semidetenção, prestação de trabalho a favor da comunidade e suspensão da execução da pena de prisão.

Estatui o artigo 43º, nº1, do Código Penal, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano (como é o caso) é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, salvo se a execução da pena de prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

No caso vertente, uma vez que à arguida já foram aplicadas penas de multa sem que as mesmas tenham surtido os efeitos desejados, não se considera possível proceder a esta substituição.”

E decidiu-se no Acórdão deste Tribunal da Relação de 18 de junho de 2019:Assim, apesar de ser patente a insuficiência económica e social em que vive a arguida e o papel que tal quadro não deixará de ter na aparente desestruturação da sua personalidade e, portanto, no seu percurso criminal, não vemos medida que, no panorama relativamente amplo das medidas alternativas à pena de prisão no nosso código penal, pudesse contribuir ainda de forma adequada e suficiente para a reintegração da arguida em liberdade.

Tanto mais que, conforme se refere na sentença recorrida, não há conhecimento de qualquer fator que se tenha alterado na vida da arguida desde a prática dos factos aqui descritos que pudesse fazer esperar que a arguida alterasse o seu comportamento, e a circunstância de a arguida viver em casa arrendada e sem rendimentos para proceder ao pagamento da renda, não asseguram que o RPH pudesse ser efetivamente cumprido, para além de nada apontar para que tal solução seja, sequer, pretendida pela arguida, que não tem igualmente demonstrado o mínimo de empenho no cumprimento da PTFC que noutro processo lhe foi aplicada.

Assim, não pode deixar de acompanhar-se o tribunal recorrido na conclusão de que neste momento não é possível um juízo de prognose favorável à reintegração da arguida em liberdade, pelo que, respeitando pelo estabelecido no C. Penal, máxime no seu art.40º, em matéria de finalidades das penas, não pode deixar de improceder o presente recurso.

Verifica-se assim que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação já foi ponderada e afastada quer pela 1ª instância quer pelo Tribunal da Relação de Évora em sede de recurso interposto, com os fundamentos em ambos expostos, sendo certo que aí foram já ponderados fundamentos, designadamente as condições sócio- económicas e os antecedentes criminais da arguida.

Foram assim evidenciados os antecedentes criminais da arguida e a natureza das penas que lhe foram anteriormente aplicadas e cumpridas pela mesma, as quais não serviram de advertência para a prática de novos crimes.

As exigências de prevenção geral são fortes, sendo de atender à conduta anterior da arguida, onde sobressaem as condenações já sofridas, o que também permite concluir que as penas em que foi condenada não foram de molde a que não voltasse a violar o concreto bem jurídico tutelado.

Todos estes fatores agravam a prognose de prevenção especial relativa a esta arguida e propendem para elevar de forma relevante os fatores de risco de prática de novos ilícitos criminais, pois que as sucessivas condenações da arguida não lograram que esta se afastasse da prática de crimes.

A situação em presença constitui exemplo de ineficácia das penas substitutivas para atingir contramotivação idónea a prevenir a reincidência e que, a repetir-se, deixaria no cidadão perplexidade e desconfiança sobre a eficácia da norma penal infringida e da capacidade da administração da Justiça para a aplicar.

Num caso como o dos autos, em que à arguida já foram aplicadas penas de substituição, a execução em regime de permanência na habitação da pena de prisão aplicada não iria satisfazer a finalidade primordial de restabelecer a confiança comunitária na validade da norma violada e na eficácia do sistema jurídico-penal.

Neste caso o efeito de sharp-short-shock da pena de prisão mesmo que de curta duração configura-se como única forma de convencer o agente da gravidade do crime praticado e mesmo de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma infringida ( - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 360 e 390 e segs..).

Esta conclusão relativa às exigências de prevenção especial, a que acrescem as citadas exigências de prevenção geral, afastam a aplicação à arguida de qualquer pena não detentiva.

Afastada a ressocialização dos arguidos em liberdade em face de nova condenação, entende-se assim que o regime de permanência na habitação não é uma pena ou forma de cumprimento adequada à realização das exigências de prevenção especial e geral que o presente caso encerra pois, por um lado, a arguida já foi condenada a diversas penas de substituição, e nem isso a fez parar na repetição de comportamento delituoso e, por outro lado, a comunidade não compreenderia que, nestas circunstâncias, a arguida não cumprisse pena de prisão institucionalizada ( - São finalidades exclusivamente preventivas – de prevenção especial de socialização e de prevenção geral de defesa do ordenamento jurídico – que justificam a preferência por uma pena de substituição – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 331 a 333.).

Pode assim concluir-se que as condenações que lhes foram impostas não serviram de suficiente advertência para inibir a arguida da prática de novos crimes.

Com efeito, tais condenações não deixam de revelar uma personalidade da arguida indiferente ao ordenamento jurídico e ao sistema de justiça penal, acrescendo não se vislumbrar que nenhuma das condenações já impostas tenha sido idónea à cabal interiorização por parte da arguida da necessidade de se inserirem socialmente e passarem a pautar a sua conduta em conformidade com o direito.

Efetivamente, atentas as particularidades do caso concreto ressaltam prementes razões tanto de prevenção geral positiva como de prevenção especial, mostrando-se mais conveniente e adequada às finalidades da punição o cumprimento efetivo da pena de prisão em detrimento do pretendido cumprimento em regime de permanência na habitação com controlo eletrónico.

Cremos, pois, configurar o caso "sub judice" um caso em que a defesa da ordem jurídica, na afetação séria da fidelidade ao direito por parte da comunidade, levaria a entender-se o deferimento do pretendido cumprimento em regime de permanência na habitação com controlo eletrónico como uma injustificada cedência perante a criminalidade e ao abalo da confiança da comunidade na inviolabilidade do direito.

Assim sendo, entendemos que o pretendido cumprimento em regime de permanência na habitação com controlo eletrónico afetaria valores que a comunidade tem, fundadamente, como essenciais, pelo que a levaria a um afastamento da confiança nas instituições judiciais.

Termos em que improcede o recurso.
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Decisão
Face a tudo o exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- negar provimento ao recurso interposto pela arguida MM, mantendo a decisão recorrida.

- Condenar a recorrente em custas, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça .
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Elaborado e revisto pela primeira signatária

Évora, 18 de fevereiro de 2020
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Laura Goulart Maurício
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Maria Filomena Soares