Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
378/16.4T8ELV.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Considerando-se provado que os insolventes são donos dum bem imóvel com o valor patrimonial de € 100.440,18, não se poderá, desde logo, concluir que este valor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 378/16.4T8ELV.E1
Elvas

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
1. Banco (…), S.A., com sede na Praça (…), nº (…), (…), requereu a declaração de insolvência de (…) e de (…), casados entre si, residentes na Rua (…), nº (…), em Elvas.

Alegou, em síntese, que é credora dos requeridos, no montante de € 162.332,80, proveniente de dois contratos de mútuo, garantidos por hipoteca, que no exercício da sua actividade celebrou com os requeridos e de crédito a descoberto que lhe concedeu na conta de depósitos à ordem e que os requeridos, desde 25/2/2010, deixaram de honrar os respectivos pagamentos.

Intentou contra os requeridos duas ações executivas, no decurso das quais veio a apurar que o imóvel hipotecado, com o valor patrimonial de € 100.440,18, constitui o único bem dos requeridos e que sobre este imóvel existem diversas penhoras designadamente a favor da Fazenda Nacional para garantia do pagamento de € 579.512,56.

Concluiu que os requeridos se mostram incursos nas previsões das alíneas a), b), e) e g) -i) e iv) do CIRE.

Citados os requeridos não deduziram oposição.

2. Foi proferida sentença que declarou a insolvência dos requeridos, consignando designadamente o seguinte:

“Atendendo que, conforme alega o requerente e resultou provado, os requeridos apesar de serem proprietários de um bem imóvel com o valor patrimonial de € 100.440,18 sobre o mesmo incidem hipotecas e penhoras que ascendem a cerca de € 703.517,63, pelo que o mesmo não é suficiente para satisfazer as custas do processo e as dívidas previsíveis da massa insolvente, sendo que tal satisfação não se mostra garantida por outra forma, pelo que, nos termos do disposto no art.º 39.º, n.º 1, do CIRE, dar-se-á cumprimento apenas ao disposto nas alíneas a) a d) e h) do art.º 36.º do mesmo diploma.

Declarando-se a insolvência dos requeridos nos termos previstos no art.º 39.º do CIRE, e caso nenhum interessado venha requerer o complemento da sentença, o presente processo será declarado findo logo após o trânsito da presente sentença.

Nessa medida, justifica-se que se profira, desde já, condenação em custas, as quais, nos termos do art.º 304.º do CIRE, serão suportadas pela massa insolvente.

Por seu turno, dispõe o n.º 1 do art.º 302.º do CIRE que se o processo findar antes de iniciada a audiência de discussão e julgamento, a taxa de justiça é reduzida a um quarto.”

3. É deste segmento da sentença que o requerente recorre formulando as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. Vem o presente recurso interposto da Sentença de Declaração de Insolvência, proferida no processo supra identificado, na parte em que considerou que o património dos devedores não seria suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, com as consequências daí decorrentes e constantes do art.º 39º, n.º 1, do CIRE.

2. O Tribunal “a quo” deu integralmente provados os factos alegados pelo Recorrente na petição Inicial, integrando estes as situações previstas nas alíneas b), e) e g) ponto i) e iv) do art.º 20.º, n.º 1, do CIRE.

3. Nesta senda, foram os Requeridos declarados insolventes.

4. O Tribunal “a quo” entendeu que o bem imóvel, propriedade dos requeridos e hipotecado ao ora Recorrente, com um valor patrimonial de € 100.440,18, não é suficiente para satisfazer as custas do processo e as dívidas da massa insolvente.

5. Salvo melhor opinião, não pode o Tribunal “a quo” afirmar que o património dos requeridos não é suficiente para satisfazer as custas do processo e as dívidas previsíveis da massa insolvente face ao valor patrimonial do imóvel.

6. De harmonia com o nº 9 do art.º 39º do CIRE, só se presume a insuficiência da massa quando o património do devedor seja inferior a € 5.000,00, o que não se verifica no caso sub judice.

7. Nesta senda, o ora Recorrente considera que o Tribunal “a quo” ao assim decidir, aplicou erradamente o artigo 39º do CIRE, pelo que a sua aplicabilidade deverá ser afastada.

8. Assim, o processo de insolvência deverá prosseguir após a sentença declaração de Insolvência, tendo em conta que não se presume a insuficiência da massa.

Neste termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, sendo revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos Autos bem como designação de dia e hora para a realização da Assembleia de Credores, nos termos do disposto no art.º 36º do CIRE.

Assim se fazendo a habitual Justiça.”

Não houve lugar a resposta.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
Vistas as conclusões da motivação do recurso, constitui seu objeto determinar se a sentença recorrida deve ser complementada por forma a dar integral cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 36º, do CIRE

III. Fundamentação.
1. Factos
Relevam para a apreciação do recurso os factos que resultam do relatório supra.

3. Direito.

O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (artº 1º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante designado por CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18/03 e sucessivamente alterado pelo DL n.º 200/2004, de 18/08, DL n.º 76-A/2006, de 29/03, DL n.º 282/2007, de 07/08, DL n.º 116/2008, de 04/07, DL n.º 185/2009, de 12/08, Lei n.º 16/2012, de 20/04, Lei n.º 66-B/2012, de 31/12 e DL n.º 26/2015, de 06/02).

A satisfação dos credores constitui o fim do processo de insolvência e esta pode ser alcançada com a recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, com a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (artº 1º, nº 1, do CIRE).

De harmonia com este fim a sentença que declara a insolvência deve designadamente decretar a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do poder de apreensão de bens que resulta para o administrador da declaração de insolvência e designar prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos (artº 36º, nº 1, als. g) e j) e 150º do CIRE).

Pela verificação e graduação dos créditos determinam-se os direitos dos credores e ordem da satisfação dos respectivos créditos e com a apreensão dos bens do património do devedor se determinará a força da massa insolvente para satisfazer os créditos verificados.

Este procedimento comporta uma exceção; se o juiz concluir que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, não há lugar designadamente à entrega da documentação e contabilidade do devedor, nem à reclamação de créditos e processo é declarado findo, sem prejuízo de qualquer interessado pedir o complemento da sentença, incumbindo-lhe então depositar (ou caucionar o pagamento) à ordem do tribunal o montante que o juiz especificar segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das referidas custas e dívidas (artº 39º do CIRE).

O que se compreende; se o património do devedor é insuficiente para pagar as custas do processo e as dívidas previsíveis da massa insolvente ocorre ab initio uma impossibilidade de satisfação dos credores do devedor, uma vez que a massa insolvente se destina ao pagamento dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas (artº 46º, nº 1, do CIRE), ou seja, as dívidas a que se reporta o artº 51º, do CIRE.

A lei presume a insuficiência da massa insolvente quando o património do devedor seja inferior a € 5000 (artº 39º, nº 9, do CIRE).

No caso dos autos, a decisão recorrida considerou provado que os insolventes são donos dum bem imóvel com o valor patrimonial de € 100.440,18, mas considerou que este valor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente.

O Recorrente discorda e, a nosso ver, com inteira razão; de facto, para se concluir pela insuficiência de bens da massa seria necessário admitir que as custas do processo e a remuneração do administrador - dívidas da massa insolvente que previstas no artº 51º são, por ora, conjeturáveis - expressam previsivelmente um valor superior a € 100.440,18 e não podemos assentar neste ponto. Aliás, de acordo com o cálculo provisório elaborado pela secção de processos, as dívidas da massa insolvente somam a quantia de € 2.704,00, ou seja, expressam um valor significativamente inferior ao património do devedor.

Assim, não se podendo concluir pela insuficiência de bens da massa, a sentença deve dar integral cumprimento ao disposto no artº 36º, do CIRE.

Procede o recurso.

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na procedência do recurso, em alterar a sentença recorrida por forma a determinar que esta seja complementada com as restantes menções do n.º 1 do artigo 36º, do CIRE.
Custas por quem, a final, as houver que pagar.
Évora, 25/5/2017
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho