Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
111/19.9T8MRA.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
CONFISSÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Para efeitos do exercício do direito de preferência ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1410.º do CC, elementos essenciais são, conforme os identificou o STJ no acórdão de 08/01/2015 (processo 164/09.8TCLRS.L1.S1), “a identificação do bem alienado e o sacrifício económico global suportado pelo terceiro na aquisição, que será também aquele que o preferente terá de suportar se efectivamente exercer a sua prioridade de aquisição”[9].
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 111/19.9T8MRA.E1
Comarca de Beja
Juízo de Competência Genérica Moura


I. Relatório
(…), residente na Rua do (…), 7, em Moura, instaurou a presente acção declarativa constitutiva, a seguir a forma única do processo comum, contra (…) e mulher, (…), com domicílio na Av. Dr. (…), n.º 26, em Moura, e (…) e mulher, (…), residentes na Rua da (…), n.º 2, em Moura, tendo em vista exercer o seu direito a preferir na venda que os primeiros RR fizeram aos segundos tendo por objecto os prédios que identificou, dada a sua qualidade de proprietário de prédio confinante, pedindo a final que os mesmos lhe sejam entregues livres e desocupados de pessoas e bens e seja ordenado o cancelamento dos registos a favor dos RR compradores.
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Regular e pessoalmente citados contestaram todos os RR, tendo invocado em sua defesa a excepção da caducidade do direito que o A. pretende exercitar, uma vez que a presente acção deu entrada em juízo para lá do prazo consagrado no art.º 1410.º do CC. Mais alegaram que o 2.º R marido é titular de direito de preferência decorrente da sua qualidade de arrendatário dos prédios vendidos, o qual prevalece no confronto com o direito de preferência invocado pelos demandantes, impondo-se em qualquer caso a improcedência da acção.
Alegando ter realizado diversos melhoramentos nos prédios, que os valorizaram, prevenindo para a hipótese de procedência da acção, os RR Francisco Ramalho e mulher formularam contra o autor pedido reconvencional, pedindo a condenação do reconvindo na entrega da quantia de € 8.468,40.
Replicou o reconvindo, impugnando a factualidade alegada em suporte do pedido reconvencional, cuja improcedência defendeu.
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Realizada a audiência final foi proferida sentença que, na procedência da acção, declarou reconhecido o direito de preferência do Autor, substituindo-o ao 3.º R comprador nos negócios de compra e venda celebrados com os 1.ºs RR tendo por objecto os prédios identificados, cuja entrega foi ordenada, livres e desocupados de pessoas e bens.
O pedido reconvencional foi julgado improcedente, com a consequente absolvição do A reconvindo.

Inconformados, apelaram os RR (…) e mulher e, tendo desenvolvido nas alegações apresentadas as razões da sua discordância com o decidido, formularam a final as seguintes conclusões:
I. Dando como não provados os factos supra analisados [al . d dos não provados], a Mª Juíza de Direito do Tribunal “a quo“ procedeu a uma errada apreciação da prova, devendo ser alterada nos termos seguintes:
Dar-se como provado que “o Autor teve conhecimento da compra e venda do prédio pelo próprio R. (…)“. E que
- “No final de Setembro/princípio de Outubro de 2018, o 3.º Réu informou o Autor da compra do prédio e do respectivo preço”, porque tal resulta, parece-nos, da análise conjugada da confissão do Autor, das declarações de parte do R., aqui recorrente, e dos depoimentos das testemunhas (…) e (…), bem como da prova documental (assentos de nascimento), junta no decurso da audiência de julgamento e no seguimento das declarações de parte do R., aqui recorrente, aditando-se tais factos à matéria de facto provada.
II- Alterando-se, desta forma, a matéria de facto dada como não provada e passando a dar-se como provada, impõe-se, parece-nos, decisão diversa daquela a que chegou a Mª Juíza de Direito do Tribunal “a quo”, pelo que deve a douta sentença ser revogada, decidindo-se no sentido da procedência da excepção de caducidade do direito de exercer a preferência, pelo facto de o Autor ter proposto a acção mais de 6 (seis) meses após o conhecimento da compra e venda e respectivo preço e, consequentemente, ser declarado improcedente o pedido do Autor, aqui recorrido.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são questões a decidir:
i. Indagar do erro de julgamento no que respeita à al. d) dos factos não provados;
ii. Mercê da alteração da decisão sobre os factos, decidir pela procedência da excepção da caducidade do direito dos AA.
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i. impugnação da matéria de facto
Os recorrentes impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto em discussão, pretendendo que se inclua nos factos provados a matéria constante da al. d) dos não provados, com o seguinte teor:
d) No final de Setembro/princípio de Outubro de 2018, o Réu (…) informou o Autor da compra do prédio e do respectivo preço.
Sustenta o impugnante que o próprio A. confessou ter sido informado pelo R. (…) da celebração do negócio, resultando provado o demais que consta da al. d) por força das declarações de parte prestadas pelo R., corroboradas pelos testemunhos consistentes de (…) e (…), nas passagens que indicou.
A este respeito alegou o A., na petição inicial, que:
“Em data que não consegue precisar, mas terá sido antes de iniciar a campanha da azeitona de 2018, portanto, no final de Outubro de 2018, uma vez que a campanha e os lagares abriram no dia 5 de Novembro, o R. (…) informou o A. que havia adquirido o referido terreno rústico” (art.º 7.º);
Disse-lhe, numa conversa informal, que tinha comprado o terreno para plantar oliveiras novas” (art.º 8.º);
“Mas sem lhe informar mais detalhes ou pormenores sobre o negócio” (art.º 9.º);
“Assim, o A. diligenciou para confirmar se, de fato, o negócio se realizou”.
Na contestação os RR pronunciaram-se a propósito do assim alegado nos artigos 22.º a 24.º, com o seguinte exacto teor:
22.º Alega o A. que teve conhecimento da compra através do R. marido no final de Outubro de 2018, o que sabe não corresponder à verdade.
23.º Com efeito, no final de Setembro, princípios de Outubro do ano transacto, o R. abordou o A. quanto à compra dos prédios, tendo-lhe este confirmado que os tinha comprado e, bem assim, o preço por que os comprou.
24.º E esta abordagem foi na sequência de ter tido conhecimento da compra por terceiros”.
Vejamos, pois, se deverá ter-se por plenamente demonstrado, por válida confissão judicial, que o R. recorrente informou o A. da realização do negócio.
A confissão, tal como a define o art.º 352.º do Código Civil, é o reconhecimento da realidade de um facto desfavorável ao declarante e que favorece a parte contrária. Trata-se, portanto, da admissão pelo declarante “dum facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito, modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, da negação da realidade dum facto que lhe é favorável”, encontrando o seu fundamento na máxima da experiência segundo a qual ninguém mente em sentido contrário ao seu interesse[1].
A confissão, conforme resulta do disposto no artigo 355.º do Código Civil, pode ser judicial -a produzida em processo que corra perante Tribunal ou juízo arbitral- ou extrajudicial, quando é produzida fora de um processo. A confissão judicial, única que aqui releva, pode ser feita espontaneamente nos articulados pela parte ou pelo seu advogado, sem que este careça de poderes especiais para o efeito, podendo ainda ser provocada em depoimento de parte ou em acto de prestação de esclarecimentos ou informações perante o juiz. Tal é o regime que decorre dos artigos 356.º do CC e 46.º, n.º 1, do CPC.
Finalmente, o artigo 358.º atribui força probatória plena à confissão judicial escrita ou reduzida a escrito.
No caso em apreço, tendo sido invocada pelos RR a excepção da caducidade do direito de acção, sobre eles recai o ónus da prova de que o autor teve conhecimento do negócio e seus elementos essenciais há mais de 6 meses, considerando a data da propositura da acção (cfr. artigos 1410.º, n.º 1, e 342.º, n.º 2, do Código Civil).
O A. alegou no articulado inicial que o réu comprador o informara que havia adquirido por compra o prédio objecto do direito de preferência, facto que o ora recorrente pretende seja tido como assente por confissão.
Facto integrativo da invocada excepção de caducidade é, conforme se referiu, o conhecimento dos elementos essenciais do negócio há mais de 6 meses, maneira que o reconhecimento de que o R. comprador lhe comunicou ter realizado o negócio tem natureza confessória. Todavia, tal declaração veio acompanhada da alegação de que na ocasião não lhe foram fornecidos quaisquer detalhes do negócio e que a conversa mantida com o R. ocorreu no final do mês de Outubro de 2018 (a acção deu entrada em juízo no dia 17 de Abril de 2019), o que retira eficácia à confissão.
Nos termos do disposto no art.º 360.º, impressivamente epigrafado de “indivisibilidade da confissão”, “Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narrativa de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão”.
A solução legal compreende-se e justifica-se na medida em que “Se a declaração confessória é especialmente valorizada pelas grandes probabilidades que tem de ser verdadeira ou exacta uma afirmação contrária aos interesses da própria parte, não faria sentido, nem seria justo, que este crédito de sinceridade concedido ao declarante não acompanhasse a parte restante da sua declaração. Não seria justo, noutros termos, que a parte contrária pudesse sacar em seu proveito a presunção de seriedade do confitente que a lei estabelece, e a repudiasse ao mesmo tempo na parte em que a declaração contraria os seus interesses”[2].
Todavia, diversa é a situação se a parte contrária, pretendendo prevalecer-se da veracidade da declaração confessória, chama a si o encargo de demonstrar que ela não é exacta na parte favorável aos interesses do declarante”[3].
Com efeito, e conforme com detalhe se explica no acórdão do STJ de 9/10/2014[4], nos casos de confissão dita complexa – aquela que, contendo afirmação de factos desfavoráveis ao declarante, mas também de factos que lhe são favoráveis, só em parte é confessória, sendo na outra parte assertória – “entende-se que a contraparte que se queira aproveitar da parte da declaração que lhe é favorável deve igualmente aceitar a realidade dos factos que lhe são desfavoráveis”, ali se acrescentando que “Sendo certo que, ao contrário da confissão simples, tal declaração complexa só faz prova depois da parte se pronunciar, produzindo-se, assim, diferidamente o efeito da confissão, com a aceitação da parte contrária ou perante o seu silêncio.
Três vias sendo permitidas à parte contrária (à do confitente): (i) prescindir da confissão, não tendo a mesma a eficácia da prova plena, mas apenas como meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (artigo 361.º); (ii) aceitar como tendo-se verificado os factos e as circunstâncias que lhe são desfavoráveis, ganhando, então, a confissão a eficácia de prova plena; (iii) declarar que se quer aproveitar da confissão, mas que se reserva o direito de provar a inexactidão dos factos que lhe são desfavoráveis, caso em que a confissão adquire também a eficácia da prova plena, mas a realidade de tais factos ou circunstâncias que a ela, parte contrária, são desfavoráveis, só ficará completamente estabelecida se não fizer a prova do contrário. Dando-se, assim, a inversão do ónus da prova que passa a caber à contraparte.
A indivisibilidade da confissão complexa tem, assim, bem vistas as coisas, como consequência, a inversão do ónus da prova quanto à parte favorável ao confitente”.
De volta ao caso que nos ocupa, vê-se da contestação apresentada pelos ora recorrentes que, divergindo embora quanto ao momento em que ocorreu a conversa entre o A. marido e o R. comprador, convergem quanto ao facto da mesma ter existido e deste ter informado na ocasião (versão do apelado) ou confirmado (versão do recorrente) que tinha adquirido o prédio objecto da preferência. Daqui resulta que, sendo tal facto desfavorável ao autor e favorável aos RR encontrando-se, nesta medida, plenamente provado por confissão (uma vez que a declaração não foi retirada nem corrigida), sempre recairia sobre os contestantes o ónus da prova de que a conversa foi mantida em momento anterior a 17 de Outubro de 2018 e que foram então fornecidos os elementos essenciais do negócio, designadamente o preço pago. Naufragando a prova do contrário, tais factos serão, também eles, abrangidos pela força probatória plena da confissão.
A entender-se, diversamente, que o reconhecimento do facto em discussão não deve ser tido como confissão, encontra-se, neste caso, sujeito à livre apreciação do tribunal, nos termos estabelecidos no art.º 361.º[5].
Afigurando-se ser de reconhecer ao facto em causa natureza confessória, deverá ter-se por assente que o R. informou o A. que havia comprado os prédios aqui em causa em conversa com este mantida (cfr. artigos 352.º, 355.º, 356.º e 358.º, no seu n.º 1), havendo agora que indagar se foi feita prova, conforme o impugnante pretende, que essa conversa teve lugar em data anterior a 17 de Outubro, mais exactamente em finais de Setembro, princípios desse mesmo mês, conforme alegou, e se na ocasião deu a conhecer o preço pago. Para este efeito indicaram os recorrentes as declarações de parte prestadas pelo R. marido e os testemunhos, que invocam como corroborantes, prestados por (…) e (…).
A este respeito a Mmª julgadora fez consignar em sede de motivação da decisão:
"Por outro lado, referiu o 3.º Réu que transmitiu verbalmente ao Autor que tinha comprado o olival e o respectivo valor, numa conversa que decorreu entre o fim de Setembro e o princípio de Outubro de 2018, mais concretamente, entre 28 de Setembro e 6 de Outubro, datas do aniversário dos filhos.
Foram juntas aos autos certidões de nascimento dos filhos do 3.º Réu, de fls. 96 a 101, que atestam as datas supra indicadas como correspondendo às datas dos aniversários dos filhos.
Mais referiu o 3.º Réu que, após ter tido a conversa supra referida com o Autor, falou com amigos seus (do 3.º Réu), a sua filha fez anos e teve um almoço, onde falou da conversa que manteve com o Autor.
Por outro lado, a testemunha (…) referiu que no dia 07 de Outubro de 2018 organizou um almoço no seu monte, no qual estiveram presentes vários casais amigos, entre os quais, o 3.º Réu, no âmbito do qual teve uma conversa com o mesmo, em que este lhe transmitiu que havia comprado o terreno “ao pé do do (…)”, e que havia contado essa compra ao Autor, referindo que o 3.º Réu se mostrava preocupado com essa questão.
Mais referiu saber qual a data concreta em que o almoço ocorreu em virtude de o 3.º Réu, nesse almoço, ter promovido um brinde à filha que havia celebrado o seu aniversário no dia anterior.
Já a testemunha (…) relatou que num Sábado, em Setembro ou Outubro de 2018, o 3.º Réu lhe transmitiu que tinha contado ao Autor que tinha comprado o olival. Mais referiu que o 3.º Réu lhe telefonou, dizendo que lhe queria “pagar um petisco” a propósito do aniversário da filha.
Ora, afigura-se-nos que os depoimentos destas testemunhas, ainda que conjugados com as declarações do 3.º Réu, não permitiram uma demonstração suficientemente segura de que o Autor tenha tido conhecimento através do 3.º Réu, ou por terceiros, da compra do prédio e respectivo preço, em Setembro/princípio de Outubro de 2018.
Com efeito, nenhuma das referidas testemunhas presenciou qualquer comunicação ao Autor, ou qualquer conversa ou comunicação ocorrida entre o Autor e o 3.º Réu, ou qualquer acto ou comportamento do Autor que permitisse demonstrar o seu conhecimento da compra e venda celebrada.
Na verdade, e em rigor, de tais depoimentos extrai-se apenas que “o 3.º Réu disse que disse”, o que se afigura manifestamente insuficiente para permitir a demonstração de que o 3.º Réu tenha informado o Autor da compra e venda e do seu valor, ou que, por qualquer outra forma, o Autor tenha tido conhecimento de tal negócio”.
Antes de mais, reconhecendo que nenhuma das testemunhas presenciou a conversa havida entre o A. e o R. comprador, não concordamos com a redução do valor probatório das suas declarações a um “o R. disse que disse”. Na verdade, não só tal conversa ocorreu, conforme se deixou já assente, como se sabe que nela o R. informou ter comprado os prédios aqui em causa.
Quanto ao momento em que a mesma teve lugar, e tal como consta da motivação que se deixou transcrita, quer o R. marido, quer as testemunhas, situaram-na em data anterior à do aniversário da filha que, conforme se vê da certidão junta, é celebrado no dia 6 de Outubro. E a razão de ciência para justificar a certeza na referência à data é perfeitamente plausível, uma vez que as testemunhas se recordavam de terem comemorado esse mesmo aniversário, tendo sido feito um brinde no almoço em que participou a testemunha (…) e que teve lugar no domingo imediato, 7 de Outubro, ao passo que a testemunha (…) “petiscou” com o réu (…), a convite deste, para celebrar a ocasião.
Esta última testemunha precisou ter recebido um telefonema do R. (…) a convidar para ir petiscar “na D.ª (…)”, local onde se reúnem frequentemente para tomar uma cerveja no final do dia, aqui lhe tendo sido por aquele declarado que “tinha participado ao autor a compra do olival”. De realçar que o Réu, tendo feito o convite a pretexto do aniversário da filha, queria também partilhar o facto com a testemunha, uma vez que até não tinha a certeza de ter feito “bem ou mal”, inferindo-se do relato que o propósito da conversa que mantivera com o autor fora precisamente dar a conhecer a celebração do negócio. E assim sendo, surge como muito plausível que, conforme o R. declarou, tenha informado do preço pago.
A respeito destes dois testemunhos é justo realçar que, apesar de terem sido instados com alguma insistência, designadamente pela Mm.ª juíza, a justificar o rigor com que situaram temporalmente a conversa mantida com o R. (…), responderam de forma consistente, apontando a mesma razão de ciência, sendo certo que, atendendo à relação de amizade que há anos mantêm com aquele, nenhuma estranheza causa terem de algum modo celebrado o aniversário da filha.
No que respeita ao valor probatório das declarações de parte, impondo-se naturalmente as maiores cautelas na sua apreciação, mesmo a admitir a bondade do entendimento mais restritivo a respeito do seu valor probatório, que defende a sua inidoneidade para, sem corroboração externa, fazerem prova de um facto favorável ao declarante[6], a verdade é que, no caso em apreço, os aludidos testemunhos, prestados por quem nenhum interesse tem na causa – não sendo a relação de amizade que as une aos recorrentes motivo bastante para levantar suspeição sobre a honestidade das testemunhas –, corroboraram as declarações de parte prestadas pelo recorrente marido, apontando, como se disse, convincente razão de ciência.
De outro lado, ouvida a testemunha (…), indicada pelo autor, declarou a este propósito, no início da sua inquirição, que o autor lhe referiu ter sabido que o olival tinha sido vendido, sem que lhe tivessem enviado carta nenhuma, isto antes da campanha da azeitona, que disse iniciar-se em Outubro/Novembro, acabando por situar a conversa, após insistência, “talvez em Outubro”, mas sem conseguir precisar.
A testemunha (…), afilhado do autor e por este indicada, aludiu igualmente a uma conversa tida com o padrinho de teor muito semelhante, que situou no início da campanha, indicando o início do mês de Novembro, igualmente sem poder ser mais rigoroso.
Considerando que ambas as testemunhas foram imprecisas quanto à data em que mantiveram com o autor as conversas a que aludiram e atendendo ainda a que desconheciam ambas há quanto tempo aquele detinha conhecimento do facto, não tiveram tais testemunhos a virtualidade de contrariar aqueles outros, credíveis, a que se fez referência.
Em face a todo o exposto, e fazendo proceder nesta parte a impugnação, dá-se como assente que a conversa mantida entre o A e o R. comprador ocorreu em data não concretamente apurada, mas antes do dia 7 de Outubro de 2018.
Finalmente, quanto ao concreto conteúdo da conversa, confrontam-se duas versões: a trazida aos autos pelo autor, no sentido de que nenhum detalhe lhe foi fornecido, contrapondo o recorrente marido que não só confirmou o negócio, como informou do preço pago.
Ouvidas as declarações de parte prestadas pelo réu (...), não pode deixar de se assinalar que foram detalhadas, tendo circunstanciado a conversa que manteve com o autor marido, local em que conversaram e respectivo conteúdo em termos que se afiguraram credíveis. Mencionou o declarante ter dito que tinha comprado o olival – assim foi por todos referido o conjunto dos prédios objecto do negócio celebrado –, que o contrato tinha sido feito em Fevereiro e preço pago. Referiu que o autor até o felicitou pelo negócio, dando indicação dos trâmites a observar no caso de pretender plantar olival novo e que só cerca de um mês depois o procurou para dizer que afinal não era como tinha dito porque a esposa estava interessada no olival.
O assim declarado, não tendo sido presenciado, pelos pormenores fornecidos afigurou-se convincente. Mais: considerando que a conversa versou exclusivamente sobre o negócio e planos do comprador para a implantação de um novo olival, afigura-se verosímil, por conforme às regras da experiência, que o preço tenha sido falado, conforme o declarante asseverou que foi –alegando nada ter a esconder –, tanto mais que ficou descansado com aquela que foi na altura a reacção do autor.
Acresce que, perguntada a este respeito a já mencionada testemunha (…), declarou, em resposta a pergunta formulada pela Il. Mandatária do autor, que este, quando lhe referiu o facto de o olival ter sido vendido sem que lhe tivesse sido enviada uma carta, referiu um valor como sendo o da venda feita, embora não se recordasse do montante em causa. Ou seja, resulta inequivocamente deste testemunho que o autor sabia o preço da venda, o que vem corroborar, ainda que de forma indirecta, as declarações prestadas pelo R. marido.
Considerando quanto vem de se expor, tendo embora presente que sobre os RR recaía o ónus probatório do facto em causa, no confronto das versões conflituantes pelas partes trazidas ao processo, convenceu-se este Colectivo, atenta a prova produzida e a que se fez referência, que o R. (…), em conversa que manteve com o autor em data não concretamente apurada, mas anterior ao aniversário da filha, que se celebrou em 6 de Outubro de 2018, deu-lhe conhecimento da celebração do negócio e preço pago pelo conjunto de prédios que ambos conhecem pela designação de “olival”, nestes precisos termos se julgando procedente a impugnação deduzida contra a decisão da matéria de facto.
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II. Fundamentação de Facto
De facto
Estabilizada, é a seguinte a factualidade provada e não provada:
1. O prédio rústico denominado “(…)”, sito em Santo (…), na União das Freguesias de Moura (Santo Agostinho e São João Baptista) e Santo Amador, concelho Moura, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Moura sob o n.º (…) da freguesia de Moura (São João Baptista), e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), secção (…), tem a área de 1,875000 hectares, e destina-se à cultura de olival de regadio.
2. Encontra-se registada a favor de (…) a aquisição, por compra, do prédio identificado em 1., mediante a Ap. (…), de 1984/07/25.
3. O prédio rústico denominado “(…)”, sito em Moura (S. João Baptista),na União das Freguesias de Moura (Santo Agostinho e São João Baptista) e Santo Amador, concelho Moura, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Moura sob o n.º (…) da freguesia de Moura (São João Baptista), e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) da Secção (…) da União de Freguesias de Moura (Santo Agostinho e São João Baptista) e Santo Amador, tem a área de 0,750000 hectares, e destina-se à cultura de olival de sequeiro.
4. Encontra-se registada a favor de (…) a aquisição, por compra, a (…) e (…), do prédio identificado em 3., mediante a Ap. (…), de 2018/02/22.
5. O prédio identificado em 1. confronta a nascente com o prédio identificado em 3.
6. Por documento particular datado de 20 de Fevereiro de 2018, autenticado pelo Solicitador (…), os 1.º e 2.º Réus declararam vender ao 3.º Réu, que aceitou, pelo preço global de € 22.000,00:
6.1. O prédio rústico identificado em 3., ao qual atribuíram o valor de €7.000,00.
6.2. O prédio rústico denominado “(…) ou (…)”, sito em (…) ou (…), da União das Freguesias de Moura (Santo Agostinho e São João Baptista) e Santo Amador, concelho de Moura, descrito na Conservatória do Registo Predial de Moura sob o n.º (…) da freguesia de Moura (São João Baptista), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) da Secção (…) da União de Freguesias de Moura (Santo Agostinho e São João Baptista) e Santo Amador, com a área de 0,800000 hectares, destinado à cultura de olival de sequeiro, ao qual atribuíram o valor de € 10.000,00.
6.3. O prédio rústico denominado “(…)”, sito em Moura (S. João Baptista),na União das Freguesias de Moura (Santo Agostinho e São João Baptista) e Santo Amador, concelho Moura, descrito na Conservatória do Registo Predial de Moura sob o n.º (…) da freguesia de Moura (São João Baptista), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) da Secção (…) da União de Freguesias de Moura (Santo Agostinho e São João Baptista) e Santo Amador, com a área de 0,675000 hectares, destinado à cultura de olival de sequeiro, ao qual atribuíram o valor de € 5.000,00.
7. Encontra-se registada a favor de (…) a aquisição, por compra a (....) e (…), dos prédios identificados em 6.2. e 6.3., mediante a Ap. (…), de 2018/02/22.
8. Os RR (…) e mulher não deram conhecimento ao Autor da sua intenção de vender o prédio identificado em 3. e das condições da venda.
9. Antes do negócio referido em 6., os RR (…) e mulher não eram proprietários de qualquer terreno confinante com os identificados em 3., 6.2. e 6.3.
9a) Em data não concretamente apurada, mas alguns dias antes de 6 de Outubro de 2018, o Réu (…) informou o Autor que tinha celebrado o negócio de compra dos prédios identificados em 3. e 6. e, bem assim, o preço pago.
10. A presente acção foi instaurada a 17 de Abril de 2019.
11. O Autor procedeu ao depósito de € 23.951,00 à ordem dos presentes autos.
12. O Réu (…) dedica-se à actividade agrícola, nomeadamente, olivícola.
13. O R. (…) explora actividade olivícola nos prédios identificados em 3., 6.2. e 6.3. desde Agosto de 2014, à vista de toda a gente, nomeadamente adubando e podando as oliveiras.
14. À data de Agosto de 2014 as oliveiras encontravam-se com “pés de burrico”, não produziam, e os prédios tinham pasto muito crescido.
15. Atento o estado dos prédios e com vista à sua produtividade, o 3.º Réu procedeu aos seguintes trabalhos nos prédios explorados:
15.1. Em Fevereiro de 2015, corte das oliveiras.
16. As oliveiras começaram a produzir azeitona a partir da campanha de 2016/2017.
17. Os prédios actualmente produzem azeitona.
18. Os trabalhos de corte/poda das árvores, queima da rama, “picagem” da lenha, desinfecção das oliveiras, aplicação de herbicida, passagem da destroçadora, passagem de pneus, corte dos burricos, e adubagem, consubstanciam trabalhos agrícolas usuais que qualquer olivicultor desenvolve nos seus terrenos para manutenção e preparação para a apanha da azeitona.
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3.2. Matéria de Facto Não Provada
Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:
a) A conversa a que se refere o ponto 9 a) tenha tido lugar no final de Outubro de 2018;
b) O autor tenha tomado conhecimento dos termos do negócio referido em 6. no início de Novembro de 2018, após o dia 05 de Novembro de 2018;
c) O autor tenha abordado o R. (…) no final de Setembro/princípio de Outubro de 2018, na sequência de ter tido conhecimento da compra por terceiros, tendo-lhe este confirmado que os tinha comprado e, bem assim, o preço por que os comprou.
d) Eliminado dos factos não provados.
e) Por acordo escrito celebrado em 27/07/2014 entre os 1.º e 2.º Réus e o 3.º Réu, os primeiros deram de arrendamento a este último, com início em 01/08/2014, os prédios rústicos identificados nos pontos 3 e 6.2. e 6.3. da matéria de facto provada, no âmbito do qual convencionaram “porque o olival não está tratado e não está a ter produção, acordam que nos três primeiros anos não é devida qualquer quantia a título de renda, vencendo-se a primeira em 31 de Julho de 2018, no montante de € 200,00 (duzentos euros) e as seguintes e sucessivas a actualizar anualmente nos termos da lei”.
f) À data de Agosto de 2014 as oliveiras tinham muita lenha.
g) Os 3.º e 4.º Réus procederam aos seguintes trabalhos nos prédios explorados, atento o estado dos prédios e com vista à sua produtividade:
i. No ano de 2014: em Agosto, passagem de pneus, e em Outubro, aplicação de herbicida.
ii. No ano de 2015: em Fevereiro, queima da rama, “picagem” da lenha; em Março, desinfecção das oliveiras; em Abril, desinfecção e aplicação de herbicida; em Maio, passagem da destroçadora nas linhas entre as oliveiras; em Agosto, passagem de pneus; em Outubro, corte dos burricos.
iii. No ano de 2016: em Março, desinfecção; em Abril, desinfecção e passagem da destroçadora nas linhas entre as oliveiras; em Agosto, passagem de pneus, em Outubro, corte dos burricos e desinfecção.
iv. No ano de 2017: em Fevereiro adubação; em Março, desinfecção; em Abril, desinfecção e passagem da destroçadora nas linhas entre as oliveiras; em Agosto, passagem de pneus, em Outubro, corte dos burricos e desinfecção.
v. No ano de 2018: desinfecções das oliveiras em Março, Abril e Outubro; colocação de herbicida em Fevereiro e Outubro; passagem da destroçadora; passagem de pneus; corte dos burricos.
vi. No ano de 2019: em Fevereiro, corte/poda das oliveiras, queima da rama, “picagem da madeira”, e adubação das oliveiras; em Março, aplicação de herbicida; em Março e Abril, desinfecções das oliveiras; em Maio, passagem da destroçadora.
h) Nos produtos aplicados em cada uma das desinfecções foram gastos, em produtos, no mínimo, € 178,00 e em mão-de-obra, no mínimo, € 100,00, num total de € 278,00.
i) Entre 2014 e 2019 foram efectuadas 16 desinfecções, tendo sido gastos, no mínimo, entre 2014 e à data da entrada da acção, no mínimo, € 4.448,00.
j) Em cada uma das passagens com pneus, para o que é utilizado necessariamente um tractor, em combustível e mão-de-obra foram gastos, no mínimo, € 200,00.
k) Em cada corte, queima da rama e picagem da lenha foram gastos, no mínimo, em combustível e mão-de-obra, € 400,00, no total de € 800,00.
l) Em cada um dos cortes de burricos foi despendido, no mínimo, € 100,00, no total de € 400,00.
m) Em cada um dos trabalhos para destroçar gastaram, no mínimo, em combustível e mão-de-obra, € 250,00, num total de € 1.250,00.
n) Em cada uma das aplicações de herbicida gastaram, no mínimo, € 158,80, no total de € 1.270,40.
o) Os trabalhos descritos em g) e no ponto 15 da matéria de facto provada tornaram os olivais produtivos e, nessa medida, valorizados.
p) Sem os trabalhos descritos em g) e no ponto 15 da matéria de facto provada as oliveiras não produziriam actualmente.
q) O Autor teria que despender as quantias indicadas nas alíneas h) a n) caso os olivais se encontrassem hoje, no estado em que se encontravam à data de 01/08/2014, de modo a torna-los produtivos, tal como estão hoje.
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De Direito
Da caducidade
O autor veio a juízo exercer o seu direito de preferência na venda que os 1.ºs RR fizeram aos 2.ºs RR tendo por objecto os prédios identificados em 3. e 6. dos factos assentes, direito que lhe é conferido pelo disposto no artigo 1380.º do Código Civil[7].
Na sentença ora sob escrutínio foi-lhe reconhecido o direito de preferência invocado, em razão do que foi atendida a sua pretensão de se substituir ao adquirente na venda efectuada, tendo ainda sido absolvido do pedido reconvencional que contra si foi deduzido.
Tendo os RR apelantes restringido o recurso interposto à questão de saber se o direito de acção foi tempestivamente exercido ou antes se encontrava já extinto por caducidade à data da instauração da acção, conforme sempre defenderam, encontra-se definitivamente adquirido para os autos, por força do caso julgado que se formou (cfr. n.º 5 do artigo 635.º do CPC), que o autor é efectivamente titular do direito de preferência fundado na confinância e, bem assim, que os reconvintes não têm direito à indemnização reclamada em sede reconvencional.

Indaguemos, pois, se se verifica a excepção peremptória da caducidade invocada pelos RR.
Ao exercício do direito de preferência consagrado no art.º 1380.º é aplicável, por força da remissão constante do n.º 4, “o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações”. Daqui resulta que o obrigado à preferência deverá comunicar ao preferente o projecto de venda e as cláusulas contratuais, estando este obrigado a exercer o seu direito no prazo de oito dias, sob pena de caducidade (artigo 416.º).
Resultou provado nestes autos que os RR vendedores (…) e mulher não deram cumprimento àquele normativo, vindo a vender aos ora recorrentes sem darem ao autor a possibilidade de adquirir para si o prédio confinante.
Prevenindo para a situação de incumprimento, o artigo 1410.º admite o preferente preterido a exercer ainda o seu direito no prazo de seis meses a contar da data em que tomou conhecimento dos elementos essenciais do negócio, desde que deposite o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura da acção. O decurso do referido prazo de 6 meses sem que o direito seja exercido importa a caducidade do direito de acção, facto exceptivo cujo ónus de alegação e prova recai sobre os RR (artigo 342.º, n.º 2).
No caso em apreço, resulta dos factos provados que em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 6 de Outubro de 2018, o apelante marido, adquirente dos prédios objecto da preferência, em conversa mantida com o autor/apelado informou-o da realização do negócio e preço pago. Tendo a acção sido instaurada apenas em 17 de Abril seguinte, o prazo de 6 meses mostrava-se esgotado (cfr. artigo 279.º, alínea c)), pelo que, a concluir-se que o apelado ficou a conhecer nesse mesmo dia dos elementos essenciais do negócio, o direito encontrava-se já extinto por caducidade.
Elementos essenciais para efeitos do disposto no preceito em análise são, conforme identificou o STJ em acórdão de 08/01/2015, citado na decisão recorrida, “a identificação do bem alienado e o sacrifício económico global suportado pelo terceiro na aquisição, que será também aquele que o preferente terá de suportar se efectivamente exercer a sua prioridade de aquisição”[8]. E tal aligeiramento em confronto com as exigências de comunicação formuladas pelo antes citado artigo 416.º justificam-se, porquanto, como se assinala no mesmo aresto, “O artigo 1410º, n.º 1, do Código Civil visa conciliar …] “a protecção dos interesses do titular do direito, assegurando-lhe um prazo adequado para decidir se quer ou não exercer o seu direito (agora através da via judicial) e a exigência de uma rápida clarificação da situação jurídica do bem sujeito à prelação, esta imposta pela necessidade de proteger a segurança do tráfico jurídico. Por um lado, a lei submete o exercício do direito de prelação a um prazo de seis meses a contar do momento em que o preferente tenha conhecimento dos elementos essenciais da alienação e não da alienação propriamente dita, mas, por outro lado, conhecidos estes elementos essenciais, o preferente passa a ter apenas seis meses para decidir se quer recorrer à via judicial e para efectuar as diligências necessárias à preparação da demanda.
É a esta luz que se explica a diferença de formulação (e de alcance) do artigo 416.º, n.º 1, no que se refere ao conteúdo da comunicação, e a locução usada pelo legislador no artigo 1410º, n.º 1, ambos do Código Civil, quando alude aos factos que, uma vez conhecidos pelo preferente, tornam certo o prazo para o exercício coercivo do direito de preferir. Com efeito, “projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato” não são a mesma coisa que “elementos essenciais da alienação” e presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, a conclusão a retirar não pode ser outra senão a de que com estas diferentes formulações o legislador pretende designar diferentes realidades.
Quando se trata de definir o conteúdo obrigatório da comunicação para preferência, interessa considerar unicamente os interesses dos sujeitos da relação de preferência.
Diversamente, tratando-se de definir o acontecimento que deverá tornar certo e limitado o prazo para o exercício coercivo do direito de preferência, interessa considerar os interesses do sujeito passivo e do preferente e os interesses do terceiro que adquiriu o bem sujeito à prelação, bem como a protecção devida à segurança do tráfico jurídico.
Assim sendo, podemos concluir com segurança que a locução “elementos essenciais da alienação” designa uma realidade menos vasta do que aquela designada pela locução “projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato”.
“Os elementos essenciais da alienação”, a que alude a norma do n.º 1 do artigo 1410º, referem-se a uma alienação já efectuada e, assim sendo, “não faz sentido perguntar o que seria importante àquele preferente conhecer para decidir se quer ou não exercer o seu direito, mas sim o que, em abstracto e dentro dos dados objectivos de uma alienação já efectuada, deverá ser importante para alguém decidir se quer ou não adquirir certo bem em condições já determinadas. O preferente carece de conhecer as cláusulas que, objectivamente, constam do contrato celebrado e, de entre estas, apenas as que, em abstracto, são necessárias para que um sujeito, também abstracto, possa decidir se quer ou não acompanhar”.
Revertendo ao caso dos autos, conhecendo o autor os prédios vendidos, como inequivocamente conhecia, sendo proprietário de um prédio confinante com o identificado em 3., tendo tomado conhecimento da alienação, da identidade dos adquirentes e, bem assim, do preço vendido, estava de posse dos elementos essenciais que lhe permitiam tomar a decisão de preferir ou não preferir. Para tal dispunha do prazo de 6 meses, que se esgotou pelo menos no dia 5 de Abril de 2019 pelo que, tendo a acção dado entrada em juízo apenas no dia 17, já tinha caducado o direito do autor a exercer a preferência.
A procedência da excepção da caducidade implica a subsistência do negócio celebrado, o que se decide.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando a sentença recorrida, em consequência do que julgam improcedente a acção, absolvendo os RR dos pedidos formulados.
As custas nesta e na 1.ª instância ficam a cargo do autor (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Sumário: (…)
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Évora, 11 de Fevereiro de 2021
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos
Mário Rodrigues dos Santos


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[1] Vide Lebre de Freitas, “A acção declarativa comum”, 2.ª Ed., págs. 239-240.
[2] Professores Pires de Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I, comentário ao art.º 360.º em referência.
[3] Ibidem.
[4] Processo 311/11.0TCFUN.L1.S1, em www,dgsi.pt. Nesse preciso sentido, acórdão do mesmo STJ de 21/11/2019, processo 6354/05.5 TVLSB.L1.S1, acessível no mesmo sítio.
[5] Não reconhecendo à declaração do autor no sentido de o R. comprador o ter informado da realização do negócio o valor de reconhecimento de um facto que, por si só, lhe é desfavorável, ainda assim convergindo as partes no reconhecimento que a conversa existiu e que nela o R. comprador informou ou confirmou a realização do negócio, tal facto ter-se-ia como assente pelo acordo das partes (artigos 774.º e 607.º, n.º 4, do CPC).
[6] Entendimento que, todavia, não é de modo algum consensual – veja-se, a este respeito, o recente acórdão discordante do TRL de 8/10/2020, processo 18085/17.9 T8LSB.L1-2, acessível em www.dgsi.pt
[7] A este diploma pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[8] No processo 164/09.8TCLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. Nesse preciso sentido, os acórdãos do TRP de 27/6/2019, processo 75/8.4T8FLG.P1 e deste mesmo TRE de12/7/2018, no processo 2382/11.0TBSTR.E1., acessíveis no mesmo sítio.
[9] No processo 164/09.8TCLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. Nesse preciso sentido, os acórdãos do TRP de 27/6/2019, processo 75/8.4T8FLG.P1 e deste mesmo TRE de 12/7/2018, no processo 2382/11.0TBSTR.E1., acessíveis no mesmo sítio.