Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4193/14.1T8STB.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
EQUIDADE
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente – o chamado dano biológico –, ainda que esta incapacidade não tenha tido uma repercussão directa no exercício da profissão habitual.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 4193/14.1T8STB.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…), Seguros Gerais, S.A., pedindo que pela sua procedência seja a R. condenada a pagar-lhe a quantia global de € 147.583,15, sendo € 70.000,00 a título de danos não patrimoniais e € 77.583,15 a título de danos patrimoniais, tendo já em consideração a quantia de € 2.416,85 que a R. lhe pagou, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Fundamenta a sua pretensão dizendo que no dia 22 de Dezembro de 2011, ocorreu um acidente de viação por culpa de veículo segurado na R., por via do qual a A. sofreu danos e sequelas, cujo ressarcimento ora peticiona.
Devidamente citada para o efeito veio a R. contestar, alegando o desconhecimento das circunstâncias do acidente. No mais contesta a extensão dos danos alegadamente sobrevindos e os montantes peticionados. Invoca o facto de o acidente ter sido também participado como acidente de trabalho, circunstância em que a indemnização a arbitrar à A. terá de atender às quantias pagas naquele âmbito. Concluiu pela procedência parcial dos pedidos.
Após a designação de data para audiência prévia, (…), Companhia de Seguros, S.A. veio requerer a sua intervenção principal espontânea como A., alegando que, por via de contrato de seguro de acidentes de trabalho, pagou à ora A. determinadas importâncias, face ao acidente de viação em causa, de que pretende ser ressarcida nesta acção. Concluiu pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 39.963,09, acrescida de juros vencidos e vincendos.
A intervenção foi aceite, passando a interveniente a intervir no polo activo da demanda, em paralelo com a A. primitiva.
A R. apresentou contestação, onde refere desconhecer os montantes pagos pela sua congénere. Mais impugna o ressarcimento das quantias atinentes às provisões matemáticas e defende que os juros só devem ser contabilizados a partir da formulação do pedido.
Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual se proferiu despacho saneador, tendo-se procedido à fixação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, que não foram objeto de reclamação pelas partes.
Foi realizada perícia médico-legal à autora.
Em momento prévio à audiência de julgamento, a interveniente (…), Companhia de Seguros, S.A., requereu a ampliação do seu pedido, em termos de o mesmo contemplar outras quantias pagas após o momento em que apresentou o seu articulado, peticionando agora o pagamento da quantia de € 49.673,89, sendo que tal ampliação foi aceite.

Posteriormente foi realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que decidiu:
A) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido formulado pela A. e, em consequência, condenou a R. a pagar-lhe a quantia global de € 52.397,21, acrescida de juros, sendo que, relativamente à indemnização dos danos não patrimoniais e biológico, só ocorrerá a partir da data da prolação da presente decisão e até integral pagamento, à taxa legal que for vigorando para as obrigações civis e, quanto aos demais danos, vencerão juros à mesma taxa, contados desde a data da citação da R.
B) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido formulado pela A./interveniente e, em consequência, condenou a R. a pagar-lhe a quantia global de € 21.226,97, acrescida de juros nos termos supra referidos.
C) Absolver a R. do demais peticionado.

Inconformada com tal decisão dela apelou a R., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou a ação declarativa de condenação para pagamento de quantia certa por responsabilidade civil extracontratual – acidente de viação, intentada pela A. parcialmente procedente e em consequência condenou a ora recorrente a pagar-lhe a quantia de € 52.397,21, a título de Danos Patrimoniais e Não Patrimoniais, acrescida de juros legais e à interveniente (…) Companhia de Seguros S.A a quantia de € 21.226,97, também acrescida de juros.
II. Dos factos provados e da necessária jurisprudência de casos análogos, 8°, n.° 3, C.C, impunha-se, a bem da uniformização de critérios e aplicação do Direito, que fosse fixada uma indemnização não superior a € 30.000,00, sendo € 15.000,00 referentes a danos não patrimoniais e dano biológico, respectivamente.
III. O âmago da divergência face à decisão recorrida reside na fixação das compensações a título de Danos Não Patrimoniais e do Dano Biológico, considerando que foram violados os artigos 8°, n.° 3 e 496° do C.C e que, uma correta aplicação do Direito aos factos provados, bem como, dos normativos mencionados, conduziria a uma solução conforme preconizada pela ora recorrente, a fixação de uma indemnização a título do dano biológico em € 15.000,00 e pelos danos morais, outros tantos € 15.000,00. Por outro lado, quanto à interveniente, não podemos olvidar que neste processo ficaram provadas as sequelas da A. e que no relatório pericial foi expressamente afastado o nexo de causalidade entre a sequela do olho direito e o acidente, e no processo de trabalho a pensão anual e vitalícia foi fixada de acordo com uma IPP de 33% em que cerca de 20% são da hipovisão, logo o reembolso só pode proceder parcialmente.
IV. Para a compensação pelo Dano Biológico começou o Tribunal a quo por multiplicar o vencimento anual pela incapacidade e por 33 anos, considerando que a A. trabalharia até morrer, o que não se concebe, para determinar um capital de € 18.563,16. Quantia essa a que não deduziu qualquer montante com fundamentação obscura e ininteligível, designadamente:
- “No caso, atendendo a que a autora teria/tem possibilidade de realizar outras tarefas de natureza afim às do seu trabalho habitual, como resulta do facto de as realizar antes do acidente, cujo desempenho a onera na mesma ordem de grandeza em que se encontra onerado o trabalho habitual, não se operará qualquer dedução”.
V. Na verdade, ficou demonstrado que as sequelas são compatíveis com a profissão habitual (FP n.° 57). E o facto da A. prestar ainda uma outra atividade antes do acidente (FP 53), não justifica que não se deva deduzir ao montante encontrado pelo simples cálculo aritmético do montante auferido anualmente multiplicado pela incapacidade, uma parcela, justificada pela receção de uma só vez de todo o capital que permite ao lesado rentabilizá-lo financeiramente.
VI. Não obstante o tribunal a quo partir desde logo de um cálculo como se existisse efetivamente perda de ganho (que não existe – a A. continua a auferir exatamente aquilo que auferia antes do acidente) e ainda não deduzir nenhuma parcela ao montante que a lesada recebe de uma só vez, depois, com recurso a um Ac. da Relação e um Acórdão do Supremo, eleva ainda a compensação para o montante de € 25.000,00, o que não concedemos.
VII. Tanto porque não corresponde ao que vem sendo fixado pela jurisprudência, como ainda porque, não considera, que em acidentes de trabalho já foi fixado à A. uma pensão anual e vitalícia de € 1.712,05 (FP 50). Não obstante se concordar que não deva ser subtraída tal quantia à compensação pelo dano biológico, atendendo à ratio de cada uma destas indemnizações, encontramos fundamentos iguais, como o sejam, a afetação da capacidade de trabalho. Argumento utilizado também pelo tribunal a quo quando diz que não deve operar qualquer dedução à receção do capital de uma só vez.
VIII. Porém, o facto da lesada receber aquela pensão anual e vitalícia e naquele montante, que perfaz uma provisão matemática de € 27.399,65 (FP 50), deve ser equacionado para efeitos de fixação da indemnização a título de dano biológico, ainda que não se opere uma dedução objetiva, pois será necessariamente diferente a situação do lesado que tem um acidente concomitante de trabalho e recebe uma pensão daquela em que um lesado que tem um acidente onde apenas emerge responsabilidade civil por factos ilícitos.
IX. Por conseguinte, o montante a fixar, sempre deveria ser não superior ao próprio cálculo objetivo do vencimento anual da lesada € 8.036,00, multiplicado pela incapacidade parcial permanente de 7% e multiplicado pelos 33 anos de vida (neste caso considerando até que trabalharia até morrer, o que não corresponde à realidade), e portanto pelo montante de € 18.563,16, sendo que, devendo operar pelo menos a dedução de um 1/4 deste montante pelo recebimento do capital de uma só vez, justifica-se uma indemnização de € 15.000,00 a título de Dano Biológico.
X. Termos em que, na senda dos factos dados como provados e da jurisprudência de casos análogos, justifica-se a fixação de uma indemnização de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais e € 15.000,00 a título de Dano Biológico.
XI. Conforme consta no relatório médico do Processo de Trabalho (Doc. 105 junto com a PI – Requerimento de 16/12/2014), os capítulos atribuídos para fixação da IPP, (Capítulo V) reportam-se à hipovisão, sendo que, 20% da incapacidade deriva dessa sequela. E conforme consta no relatório pericial dos presentes autos, datado de 27 de Outubro de 2017, não só não foi valorizada essa sequela do olho direito (daí uma total discrepância de 33% para 7 pontos) como fixou expressamente na resposta i) dos quesitos que não se estabelece nexo de causalidade entre a hipovisão/quadro oftalmológico da A. e o acidente.
XII. Não obstante a interveniente ter pago aquelas quantias (FP 50, a), não sendo a sequela do olho direito consequente do acidente, a IPP a considerar da responsabilidade da ora R. seria de 13,3% e não de 33,3%. Logo, quanto às quantias pagas de € 3.855,62 + € 5.199,20, serão devidas na respetiva proporção em conformidade, ou seja, € 3.616,50, devendo assim ser reduzido o montante a reembolsar da interveniente (…) em € 5.438,32.
XIII. A recorrente só pode ser responsabilizada pelos danos causados pelo acidente donda brota a sua obrigação, se a sequela do olho direito não foi causada pelo acidente, como se concluiu no relatório médico, então a R. não responde pelos danos que daí tenham ou venham a decorrer, art.° 563° C.C, isto é, pelos € 5.438,32 perante a interveniente (…).
XIV. Nestes termos e nos melhores de Direito que os Venerandos Desembargadores mui sabiamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que fixe as indemnizações a título de Dano Biológico e Danos Não Patrimoniais em € 15.000,00 cada respetivamente, bem como, reduza em € 5.438,32 a compensação da Companhia de Seguros (…), assim se fazendo a tão costumada e desejada Justiça.
Pela A., e também pela A./interveniente, foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugnam pela manutenção da sentença recorrida.

Além disso, a A./interveniente veio ainda interpor recurso subordinado da sentença, apresentando para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
A) A Interveniente, ora Recorrente, entende que a decisão proferida omitiu a pronúncia quanto à condenação da Ré, ora Recorrida, quanto ao pagamento dos montantes que a Interveniente ainda venha a liquidar à Autora, (…), no âmbito do sinistro objecto dos presentes autos, por força do cumprimento da sentença proferida no processo emergente de acidente de trabalho a que respeita o acidente dos autos, que foi também de trabalho;
B) A Interveniente, ora Recorrente, considera que, sendo da responsabilidade da Recorrida, (…) – Seguros Gerais, S.A., o ressarcimento de todos os danos sofridos pela ora Recorrente, (…) – Companhia de Seguros, S.A., deverá aquela ser condenada no ressarcimento de todos os montantes já dispendidos pela Recorrente no âmbito do evento dos autos, mas também deverá ser condenada no ressarcimento dos montantes que virá ainda a despender por força daquele sinistro, no cumprimento da sentença dos autos de acidente de trabalho;
C) Para melhor ponderação da pretensão da Interveniente, ora Recorrente, importa ter presente que foi considerado assente que a Seguradora de acidentes de trabalho, (…) – Companhia de Seguros, S.A., concedeu alta à Autora a partir de 20.03.2013, atribuindo-lhe uma IPP de 27,50% e remeteu o processo ao Tribunal do Trabalho da Comarca de Setúbal (48°. dos Factos Provados);
D) Na sequência da elaboração do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal elaborado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense da Península de Setúbal, o perito médico atribuiu à Autora uma IPP de 33,3955% (49°. dos Factos Provados);
E) Por sentença, já transitada em julgado, proferida no Processo de Acidente de Trabalho n.°14/13.OTTSTB, que correu termos na Secção Única do Tribunal do Trabalho de Setúbal, foi fixada uma IPP com um coeficiente de desvalorização de 0,304353 e fixada uma pensão anual vitalícia de € 1.712,05 (50°. dos Factos Provados);
F) Nesse âmbito, a (…) – Companhia de Seguros, SA pagou à A., por reporte ao período de 1.11.2013 a 30.04.2015, a quantia de € 3.855,62 e por reporte ao período de 30.04.2015 a 31.05.2018 a quantia de € 5.199,20. Mais constituiu uma provisão matemática de € 27.399,65 (50°.-a dos Factos Provados);
G) A Autora exerce a profissão de “Auxiliar de Ação Direta” na instituição (…) de Setúbal, NIPC (…), com sede na Praça (…), n.° 13, 2900-647 Setúbal, sendo que, à data do acidente auferia uma remuneração mensal de € 553,00, acrescida de diuturnidades no valor de € 21,00 mensais (51°. dos Factos Provados);
H) Na sequência do acidente em causa nos presentes autos, a seguradora de acidentes de trabalho, (…) – Companhia de Seguros, S.A., liquidou à Autora a importância global de € 7.110,48, por referência a 578 dias, face à seguinte discriminação:
- De 23.12.2011 a 26.09.2012 o valor de € 3.735,81, referente a 279 dias, por ITA com desvalorização de 100,000 %;
- De 27.09.2012 a 06.03.2013 o valor de € 646,72, referente a 161 dias, por ITP com desvalorização de 30,000 %
- De 07.03.2013 a 14.03.2013 o valor de € 52,48, referente a 14 dias, por ITP com desvalorização de 28,000 %
- De 11.11.2013 a 14.03.2014 o valor de € 1.660,36, referente a 124 dias, por ITA com desvalorização de 100,000 %
- De 23.12.2011 a 14.03.2014 o valor de € 1.015,11, referente a subsídios (52°. dos Factos Provados);
I) A (…) – Companhia de Seguros, S.A., pagou ainda por conta do sinistro em causa nestes autos, as seguintes importâncias:
a) € 196,45 + € 70,00, a título de despesas de ambulatório;
b) € 1.162,25 + € 291,39, a título de despesas com assistência médica e com exame de otorrinolaringologia;
c) € 765,00, a título de despesas judiciais;
d) € 220,00, com a realização de juntas médicas;
e) € 1.182,86 + € 64,60 + € 44,43, com despesas de transportes;
f) € 219,52, a título de despesas com aquisição de medicamentos;
g) € 444,40, a título de despesas com próteses e ortóteses;
h) € 1.389,77, a título de despesas diversas (52°-a dos Factos Provados);
J) No exercício da sua actividade, (…) – Companhia de Seguros, SA, celebrou com "(…) de Setúbal", um contrato de seguro do Ramo Acidentes de Trabalho, na modalidade de prémio variável/folhas de salários, titulado pela apólice … (62°. dos Factos Provados);
K) A (…) – Companhia de Seguros, SA, recebeu uma participação de sinistro, acompanhada por Auto de Ocorrência elaborado pela Esquadra de Trânsito de Setúbal, comunicando a ocorrência de um acidente de trabalho, em 22 de Dezembro de 2011, pelas 07:40 horas, no qual foi interveniente a Autora, … (63°. dos Factos Provados);
L) A questão que a Recorrente pretende ver esclarecida com a interposição do presente recurso subordinado é a de se apurar da condenação efectiva da Ré, ora Recorrida, não apenas no pagamento das prestações já vencidas e reconhecidas judicialmente – já reconhecidas judicialmente mas naquelas que, embora objecto de condenação em sede de acção judicial que correu termos junto da Secção Única do Tribunal do Trabalho de Setúbal, com o n°. 14/13.0TTSTB, ainda não se venceram;
M) Considerou o Tribunal a quo absolver a Ré, ora Recorrida, no pagamento da provisão matemática constituída no âmbito do processo judicial que correu seus termos com o n°. 14/13.0TTSTB, na Secção Única do Tribunal do Trabalho de Setúbal, no entanto, não se pronunciou quanto ao sub-rogação das pensões que se vierem a vencer e que forem efectivamente pagas pela (…), S.A., ora Recorrente por cumprimento da sentença proferida naqueles autos;
N) No pedido formulado nos presentes autos, nomeadamente, no seu artigo 27°., a Recorrente veio reclamar o pagamento das quantias que vier a dispender, por força do evento dos autos;
O) Veio o Tribunal a quo alegar que no âmbito do direito a sub-rogação, importa que verifique num primeiro momento o pagamento, sendo que, o terceiro que paga pelo devedor só se subroga nos direitos do credor com o pagamento, e, enquanto não o faz, não é sub-rogado e não pode por isso exercer o direito do credor, ou, dito de outra forma, para haver sub-rogação é necessário que se mostre efectuado o pagamento por esse terceiro;
P) Face ao entendimento perfilhado pelo douto Tribunal a quo na sentença proferida, a reserva matemática apenas visa garantir prestações futuras e a sub-rogação só se verifica em relação às prestações que o terceiro já efectuou, no momento do pedido, não podendo, no seu âmbito requerer-se o reembolso de quantias que venham a satisfazer-se aos lesados, ou seja, de prestações vencidas, posteriormente, ao pedido formulado;
Q) No entanto, considera a ora Recorrente que nada obsta aliás, considera que terá de ser considerado e objecto de condenação, que a decisão se pronuncie quanto à condenação da Ré, ora Recorrida, no pagamento das prestações que se vencerem, na justa medida do reembolso à Interveniente, ora Recorrente, das que vier a pagar à ora Autora, (…);
R) Se assim não se entender, a sentença proferida conduzirá a uma situação de litigância injustificada, ao colocar a Interveniente, ora Recorrente, na obrigação de, mensalmente e de forma permanente, interpelar judicialmente a Ré, ora Recorrida, para vir reclamar os montantes entretanto vencidos;
S) Repita-se, veio a douta sentença proferida a considerar “50-a) Nesse âmbito, a (…) Companhia de Seguros, SA pagou à A., por reporte ao período de 1.11.2013 a 30.04.2015, a quantia de € 3.855,62 e por reporte ao período de 30.04.2015 a 31.05.2018 a quantia de € 5.199,20. Mais constituiu uma provisão matemática de € 27.399,65.
T) Entende, por isso, a ora Recorrente, que mesmo que se admita que não sendo a Recorrida condenada no pagamento do montante relativo à provisão matemática constituída, de Euros 27.399,65, deverá ser salvaguardado e, consequentemente, fixado que, na medida do pagamento e após a sua efectivação, o reembolso dos montantes que se vierem a vencer a título de pensão anual e vitalícia a partir de 31 de Maio de 2018;
U) Pelo exposto, considera a ora Recorrente que a decisão proferida deverá ser alterada, salvaguardando-se nesta sede a condenação da Ré, (…) – Seguros Gerais, S.A., no pagamento dos montantes que a Interveniente, )(…) – Companhia de Seguros, S.A., ora Recorrente, vier a dispender por força do sinistro simultaneamente de viação e de trabalho, nomeadamente, a título de pensão anual e vitalícia a pagar à Autora, (…), com as legais consequências.
V) Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser proferida nova decisão que condene da Ré, (…) – Seguros Gerais, S.A, no pagamento dos montantes que a Interveniente, (…) – Companhia de Seguros, S.A., ora Recorrente, vier a dispender por força do sinistro simultaneamente de viação e de trabalho, nomeadamente, a título de pensão anual e vitalícia a pagar à Autora, (…), com o que se fará sã e serena Justiça.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que as recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável às recorrentes (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação das recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço – e no que respeita ao recurso da R., ora apelante – emerge das respectivas conclusões por si apresentadas que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se a indemnização arbitrada à A., a título de danos não patrimoniais, deverá ser reduzida para o montante de € 15.000,00.
2º) Saber se a indemnização arbitrada à A., a título de dano biológico, também deverá ser reduzida para o montante de € 15.000,00.
3º) Saber se, tendo sido fixada a IPP da A. em 20%, no que respeita à sequela que veio a sofrer na visão do seu olho direito, a qual alegadamente não foi consequência do acidente dos autos, deverá a condenação da R. ser reduzida na mesma proporção (20%) e, por via disso, o montante em que a A./interveniente deverá ser reembolsada terá de ser reduzido no valor de € 5.438,32.
Por sua vez – no que tange ao recurso subordinado interposto pela A./interveniente – resulta das conclusões por esta apresentadas que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se a R. (além da condenação no ressarcimento de todos os montantes já dispendidos pela A./interveniente), deverá ainda ser condenada no pagamento dos montantes que esta última ainda venha a liquidar à A., no âmbito do sinistro objecto dos presentes autos, por força do cumprimento da sentença, já transitada, proferida no processo emergente de acidente de trabalho a que respeita o acidente em apreço, que foi também de trabalho (cfr. Proc.14/13.0TTSTB).

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões acima referidas, suscitadas nos dois recursos interpostos, respectivamente, pela R. e pela A./interveniente, importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal “a quo” e que, de imediato, passamos a transcrever:
1. No dia 22 de Dezembro de 2011, pelas 07:20 horas, a Autora efetuava a travessia na passadeira destinada a peões existente na Rua Tenente (…), em Setúbal, no sentido Nascente-Poente, em direção ao prédio com o número 15 da referida rua.
2. O local é uma reta, com grande visibilidade.
3. A artéria tem oito metros de largura.
4. Trata-se de uma via com dois sentidos de trânsito.
5. A passadeira de peões encontra-se devidamente sinalizada, em ambos os sentidos, mediante a existência dos sinais de trânsito H7 do R.S.T.
6. Após ter percorrido a faixa de rodagem correspondente ao passeio donde iniciara a travessia, a Autora entrou na faixa de rodagem contrária, sempre na passadeira destinada aos peões.
7. Após ter percorrido, sensivelmente, três quartos da passadeira, perto de alcançar o passeio contrário, a Autora foi embatida com violência pelo veículo ligeiro de matrícula 76-(…)-02, conduzido por (…), portadora do C.C. n.° (…), residente na Rua Eng. (…), 16, em Setúbal.
8. O veículo 76-(…)-02 circulava no sentido Norte-Sul.
9. A Autora foi projetada para o chão.
10. Quer a Autora, quer o veículo 76-(…)-02, imobilizaram-se a mais de uma dezena de metros do local do embate.
11. A condutora do veículo 76-(…)-02 circulava de forma desatenta e em excesso de velocidade para o local, não moderando a velocidade em virtude de se aproximar de uma passadeira para peões.
12. A condutora do veículo 76-(…)-02 transferiu a responsabilidade civil para a ora Ré, através de contrato de seguro, titulado pela apólice n.° (…).
13. A Autora nasceu em 8 de Junho de 1964, pelo que à data do acidente, tinha quarenta e sete anos de idade.
14. Quando sofreu o acidente, a Autora fazia o percurso entre a sua residência e o seu local de trabalho.
15. Eliminado.
16. A Autora foi assistida no local e, posteriormente, transportada pelo INEM para o serviço de urgência do Hospital São Bernardo em Setúbal, onde deu entrada sob o episódio n.° (…), para receber tratamento aos ferimentos sofridos com o embate.
17. A Autora acordou no Hospital São Bernardo em Setúbal rodeada de médicos e enfermeiros, cheia de dores, confusa, paralisada, sem conseguir ouvir nem falar, coberta de sangue.
18. Apercebendo-se da sua a situação, a Autora perdeu novamente os sentidos.
19. Eliminado.
20. No mesmo dia 22 de Dezembro de 2011, a Autora foi transferida para o Hospital Garcia de Orta, E.P.E., onde permaneceu internada.
21. A Autora viria a recuperar a consciência já no Hospital Garcia de Orta.
22. Despertou numa sala do hospital ligada a diverso equipamento médico e rodeada de outros doentes em estado grave.
23. Ao ver os seus familiares e amigos a chorar numa sala ao lado, a Autora começou a ter consciência da gravidade do seu estado.
24. A Autora teve alta hospitalar (do Hospital Garcia de Orta, E.P.E.) em 28.12.2011, tendo sido transportada de ambulância para a sua residência.
25. A Autora permaneceu com fortes dores em todo o corpo, sem equilíbrio e com vertigens.
26. A partir de 26.01.2012, a Autora passou a ser clinicamente acompanhada pelos Serviços Clínicos da Ré (Clínica de …).
27. Como consequência direta do acidente, a Autora sofreu as seguintes lesões:
i) Traumatismo craniano com perda de conhecimento; ii) Hemorragia subaracnoideia; iii) Perturbação da visão do olho direito por descolamento da retina; iv) Traumatismo do ouvido direito com otarragia e hipoacusia, com atingimento do canal auditivo externo; v) Sindroma vertiginoso; vi) Traumatismo da bacia com fratura dos ramos ísquio-ilio-púbicos à direita com coxalgia direita com irradiação ao joelho.
28. Após a alta hospitalar, realizou várias consultas médicas de ORL, neurocirurgia e oftalmologia.
29. Foi já em sede de acompanhamento médico nos Serviços Clínicos da Ré que detetaram que a Autora tinha a bacia fraturada.
30. Por ter fraturado a bacia, a Autora fez 28 (vinte e oito) sessões de fisioterapia, 5 (cinco) consultas, e 9 (nove) sessões de hidrocinesioterapia, entre 18.04.2012 e 18.07.2012.
31. Durante cerca de seis meses, para se deslocar, a Autora teve de recorrer ao auxílio de duas canadianas.
32. Após o acidente, durante um período não concretamente apurado, a Autora passou noites em claro, sem conseguir dormir devido às dores na perna, na bacia, na cabeça e ouvido.
33. Em momento não concretamente determinado, a Autora apercebeu-se de que estava a perder a visão do seu olho direito – apenas via vultos.
34. Após relatar tal sintoma, os Serviços Clínicos da Ré reencaminham-na para consulta de oftalmologia, onde detetam um descolamento da retina.
35. Devido ao descolamento da retina, a Autora teve de ser sujeita a uma intervenção cirúrgica em 31.01.2012.
36. Foi igualmente reencaminhada para a especialidade de otorrinolaringologia, onde detetaram que as lesões sofridas no ouvido provocam o síndrome vertiginoso.
37. O clínico que a acompanhou referiu-lhe que não havia qualquer tratamento ou medicação que curasse tal maleita.
38. A Autora teve alta médica, atribuída pelos serviços clínicos da Ré em19.10.2012.
39. A Autora é acometida, de vez em quando, com dores, cefaleias e álgicas na anca direita e na zona da bacia, que lhe dificultam a mobilidade.
40. Também de vez em quando, padece de síndroma vertiginoso, que lhe provoca desequilíbrio no caminhar, levantar-se, baixar-se, efetuar movimentos bruscos ou repentinos e pegar em pesos.
41. Nos primeiros meses após a alta médica, a Autora necessitava do auxílio de terceiros para caminhar, deitar-se, sentar-se, levantar-se, efetuar a higiene pessoal, vestir-se e deslocar-se às consultas médicas.
42. O que lhe causou sofrimento físico e psicológico.
43. A Autora não consegue executar as tarefas profissionais da forma, modo e tempo em que executava antes do acidente.
44. As funções profissionais da Autora (auxiliar de ação direta) implicavam e implicam algum esforço físico, nomeadamente o auxílio à locomoção e higiene de idosos e de pessoas com deficiência motora e/ou cognitiva.
45. Face ao problema do ouvido, a Autora deixou de frequentar espaços de diversão noturna, pois não consegue suportar as luzes e volume de som.
46. Tal quadro clínico provocou uma depressão, que viria a originar uma nova baixa médica no período compreendido entre 11.11.2013 a 14.03.2014, com uma IPP de 100%.
47. Em 17.09.2012, os serviços clínicos da Ré emitiram alta médica, segundo a qual a Autora poderia regressar ao trabalho com a “incapacidade temporária parcial de 30%”.
48. A seguradora de acidentes de trabalho, (…), Companhia de Seguros, S.A., concedeu alta à Autora a partir de 20.03.2013, atribuindo-lhe uma IPP de 27,50% e remeteu o processo ao Tribunal do Trabalho da Comarca de Setúbal.
49. Na sequência da elaboração do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal elaborado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense da Península de Setúbal, o perito médico atribuiu à Autora uma IPP de 33,3955%.
50. Por sentença, já transitada em julgado, proferida no Processo de Acidente de Trabalho n.° 14/13.0TTSTB, que correu termos na Secção Única do Tribunal do Trabalho de Setúbal, foi fixada uma IPP com um coeficiente de desvalorização de 0,304353 e fixada uma pensão anual vitalícia de 1.712,05 €.
50-a) Nesse âmbito, a (…) Ca de Seguros, SA pagou à A., por reporte ao período de 1.11.2013 a 30.04.2015, a quantia de € 3.855,62 e por reporte ao período de 30.04.2015 a 31.05.2018 a quantia de € 5.199,20. Mais constituiu uma provisão matemática de € 27.399,65.
51. A Autora exerce a profissão de “Auxiliar de Ação Direta” na instituição (…) de Setúbal, NIPC (…), com sede na Praça (…) n.°13, 2900-647 Setúbal, sendo que, à data do acidente auferia uma remuneração mensal de € 553,00, acrescida de diuturnidades no valor de € 21,00 mensais.
52. Na sequência do acidente em causa nos presentes autos, a seguradora de acidentes de trabalho, (…), Companhia de Seguros, S.A., liquidou à Autora a importância global de € 7.110,48, por referência a 578 dias, face à seguinte discriminação:
- De 23.12.2011 a 26.09.2012 o valor de € 3.735,81, referente a 279 dias, por ITA com desvalorização de 100,000%;
- De 27.09.2012 a 06.03.2013 o valor de € 646,72, referente a 161 dias, por ITP com desvalorização de 30,000%;
- De 07.03.2013 a 14.03.2013 o valor de € 52,48, referente a 14 dias, por ITP com desvalorização de 28,000%;
- De 11.11.2013 a 14.03.2014 o valor de € 1.660,36, referente a 124 dias, por ITA com desvalorização de 100,000%;
- De 23.12.2011 a 14.03.2014 o valor de € 1.015,11, referente a subsídios.
52-a) (…), Companhia de Seguros, S.A., pagou ainda por conta do sinistro em causa nestes autos, as seguintes importâncias:
a) € 196,45 + € 70,00, a título de despesas de ambulatório;
b) € 1.162,25 + € 291,39, a título de despesas com assistência médica e com exame de otorrinolaringologia;
c) € 765,00, a título de despesas judiciais;
d) € 220,00, com a realização de juntas médicas;
e) € 1.182,86 + 64,60 + € 44,43, com despesas de transportes;
f) € 219,52, a título de despesas com aquisição de medicamentos;
g) € 444,40, a título de despesas com próteses e ortóteses;
h) € 1.389,77, a título de despesas diversas.
53. Antes do acidente e no período pós-laboral, a Autora prestava apoio domiciliário à Sra. (…), pelo qual auferia a quantia de € 350,00 mensais.
54. A Autora vivia sozinha com dois filhos e este trabalho, em part time, era necessário para ajudar a custear as despesas do agregado familiar.
55. Após o acidente a Autora viu-se impossibilitada de realizar essa atividade.
55-a) A A. sente-se ansiosa por vezes.
56. Até 03.07.2012 a Ré pagou à Autora, a título reembolso de despesas (com medicamentos, de deslocação a consultas e tratamentos) e compensação pela redução de rendimento profissional, a quantia global de € 2.416,85.
56-a) A A. foi ajudada financeiramente pelos seus familiares, designadamente pela sua mãe.
57. Foi realizada perícia médico-legal à autora, onde se teceram as seguintes conclusões:
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20.03.2013;
- Período de défice Funcional temporário Total fixável num período de 30 dias;
- Período de défice Funcional temporário Parcial fixável num período de 425 dias;
- Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período de 280 dias;
- Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período de 175 dias;
- Quantum Doloris fixável no grau 5/7;
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psiquica fixável em 7 pontos;
- As sequelas descritas são, em termo de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
- Dano estético permanente fixável no grau 2/7;
- Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7;
- Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares.
Da contestação:
58. Em Abril de 2011, ou seja, em data anterior ao acidente, a A. apresentava olho direito com visão de vulto a 20 cm por alta miopia / anisometropia /ambliopia (exotropia).
59. Através de exame (fundoscopia), era possível verificar alterações graves da sua alta miopia com atrofia corioretiniana grave com atingimento foveal e palidez da pupila.
60. Perante este quadro, foi explicado à A. o prognóstico reservado da situação e proposta cirurgia do cristalino claro que realizou em Outubro de 2011.
61. Em Dezembro de 2011 apresentava acuidade visual pós-operatória corrigida de 1/10 (0,1).
Do pedido da A. (…), Ca de Seguros, SA, na parte não contemplada acima (despesas):
62. No exercício da sua atividade, (…), Companhia de Seguros, SA, celebrou com "(…) de Setúbal”, um contrato de seguro do Ramo Acidentes de Trabalho, na modalidade de prémio variável/folhas de salários, titulado pela apólice (…).
63. A (…), Companhia de Seguros, SA, recebeu uma participação de sinistro, acompanhada por Auto de Ocorrência elaborado pela Esquadra de Trânsito de Setúbal, comunicando a ocorrência de um acidente de trabalho, em 22 de Dezembro de 2011, pelas 07:40 horas, no qual foi interveniente a Autora, (…).

Apreciando, de imediato, o recurso de apelação interposto pela R., e a primeira questão aí suscitada – saber se a indemnização arbitrada à A., a título de danos não patrimoniais, deverá ser reduzida para o montante de € 15.000,00 – importa referir a tal propósito que a respectiva obrigação de indemnização decorre, neste âmbito, do estipulado no art. 496º, nº 1, do Cód. Civil, o qual estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No caso dos autos é pacífico que, pela sua gravidade, os danos sofridos pela A., merecem ser indemnizados, estando apenas em causa o quantum indemnizatório fixado na sentença a este título.
Ora, estabelece o nº 3 do citado art. 496º que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor atual da moeda. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, o montante da indemnização «deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida» – cfr. Cód. Civil Anotado, vol. I., 3ª ed., pág. 474.
Como tem sido entendido de forma uniforme pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico ou miserabilista – cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 19/4/2012, disponível in www.dgsi.pt.
A indemnização por danos não patrimoniais é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias mencionadas no art. 494º” – cfr. Ac. do STJ de 14/9/2010, também disponível in www.dgsi.pt.
Este recurso à equidade não afasta, porém, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» – cfr. Ac. do STJ de 3/2/2011, também disponível in www.dgsi.pt.
Ora, em situações de gravidade e projeção superiores às do caso destes autos, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar ajustados valores indemnizatórios, a título de danos não patrimoniais, entre € 30.000,00 e € 50.000,00. Para casos de gravidade e extensão de nível inferior, têm sido considerados valores que ficam aquém do patamar de € 30.000,00, variando, casuisticamente, em função de uma ponderação conjugada dos diversos factores tidos por relevantes.
Assim, por exemplo, no acórdão do STJ de 19/2/2015, também disponível in www.dgsi.pt., considerou-se:
- «(…) adequada a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, tendo em atenção que: (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão; (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com velpeau; (iv) foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms vertical, na face anterior do punho; (ix) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7.»
Voltando agora ao caso em apreço (e a propósito dos referidos danos não patrimoniais) ficou provado que:
- No dia 22 de Dezembro de 2011, pelas 07:20 horas, a Autora efetuava a travessia na passadeira destinada a peões existente na Rua Tenente (…), em Setúbal, no sentido Nascente-Poente, em direção ao prédio com o número 15 da referida rua.
- Após ter percorrido, sensivelmente, três quartos da passadeira, perto de alcançar o passeio contrário, a Autora foi embatida com violência pelo veículo ligeiro de matrícula 76-(…)-02, conduzido por (…), portadora do C.C. n.° (…), residente na Rua Eng. (…), 16, em Setúbal.
- A Autora foi projectada para o chão.
- A Autora foi assistida no local e, posteriormente, transportada pelo INEM para o serviço de urgência do Hospital São Bernardo em Setúbal, onde deu entrada sob o episódio n.° (…), para receber tratamento aos ferimentos sofridos com o embate.
- A Autora acordou no Hospital São Bernardo em Setúbal rodeada de médicos e enfermeiros, cheia de dores, confusa, paralisada, sem conseguir ouvir nem falar, coberta de sangue.
- Apercebendo-se da sua a situação, a Autora perdeu novamente os sentidos.
- No mesmo dia 22 de Dezembro de 2011, a Autora foi transferida para o Hospital Garcia de Orta, E.P.E., onde permaneceu internada.
- A Autora viria a recuperar a consciência já no Hospital Garcia de Orta.
- Despertou numa sala do hospital ligada a diverso equipamento médico e rodeada de outros doentes em estado grave.
- Ao ver os seus familiares e amigos a chorar numa sala ao lado, a Autora começou a ter consciência da gravidade do seu estado.
- A Autora teve alta hospitalar (do Hospital Garcia de Orta, E.P.E.) em 28.12.2011, tendo sido transportada de ambulância para a sua residência.
- A Autora permaneceu com fortes dores em todo o corpo, sem equilíbrio e com vertigens.
- A partir de 26.01.2012, a Autora passou a ser clinicamente acompanhada pelos Serviços Clínicos da Ré (Clínica de …).
- Como consequência direta do acidente, a Autora sofreu as seguintes lesões:
i) Traumatismo craniano com perda de conhecimento; ii) Hemorragia subaracnoideia; iii) Perturbação da visão do olho direito por descolamento da retina; iv) Traumatismo do ouvido direito com otarragia e hipoacusia, com atingimento do canal auditivo externo; v) Sindroma vertiginoso; vi) Traumatismo da bacia com fratura dos ramos ísquio-ilio-púbicos à direita com coxalgia direita com irradiação ao joelho.
- Após a alta hospitalar, realizou várias consultas médicas de ORL, neurocirurgia e oftalmologia.
- Foi já em sede de acompanhamento médico nos Serviços Clínicos da Ré que detetaram que a Autora tinha a bacia fraturada.
- Por ter fraturado a bacia, a Autora fez 28 (vinte e oito) sessões de fisioterapia, 5 (cinco) consultas, e 9 (nove) sessões de hidrocinesioterapia, entre18.04.2012 e 18.07.2012.
- Durante cerca de seis meses, para se deslocar, a Autora teve de recorrer ao auxílio de duas canadianas.
- Após o acidente, durante um período não concretamente apurado, a Autora passou noites em claro, sem conseguir dormir devido às dores na perna, na bacia, na cabeça e ouvido.
- Em momento não concretamente determinado, a Autora apercebeu-se de que estava a perder a visão do seu olho direito – apenas via vultos.
- Após relatar tal sintoma, os Serviços Clínicos da Ré reencaminham-na para consulta de oftalmologia, onde detetam um descolamento da retina.
- Devido ao descolamento da retina, a Autora teve de ser sujeita a uma intervenção cirúrgica em 31.01.2012.
- Foi igualmente reencaminhada para a especialidade de otorrinolaringologia, onde detetaram que as lesões sofridas no ouvido provocam o síndrome vertiginoso.
- O clínico que a acompanhou referiu-lhe que não havia qualquer tratamento ou medicação que curasse tal maleita.
- A Autora teve alta médica, atribuída pelos serviços clínicos da Ré em19.10.2012.
- A Autora é acometida, de vez em quando, com dores, cefaleias e álgicas na anca direita e na zona da bacia, que lhe dificultam a mobilidade.
- Também de vez em quando, padece de síndroma vertiginoso, que lhe provoca desequilíbrio no caminhar, levantar-se, baixar-se, efetuar movimentos bruscos ou repentinos e pegar em pesos.
- Nos primeiros meses após a alta médica, a Autora necessitava do auxílio de terceiros para caminhar, deitar-se, sentar-se, levantar-se, efetuar a higiene pessoal, vestir-se e deslocar-se às consultas médicas.
- O que lhe causou sofrimento físico e psicológico.
- A Autora não consegue executar as tarefas profissionais da forma, modo e tempo em que executava antes do acidente.
- As funções profissionais da a Autora (auxiliar de ação direta) implicavam e implicam algum esforço físico, nomeadamente o auxílio à locomoção e higiene de idosos e de pessoas com deficiência motora e/ou cognitiva.
- Face ao problema do ouvido, a Autora deixou de frequentar espaços de diversão noturna, pois não consegue suportar as luzes e volume de som.
- Tal quadro clínico provocou uma depressão, que viria a originar uma nova baixa médica no período compreendido entre 11.11.2013 a 14.03.2014, com uma IPP de 100%.
- Em 17.09.2012, os serviços clínicos da Ré emitiram alta médica, segundo a qual a Autora poderia regressar ao trabalho com a “incapacidade temporária parcial de 30%”.
- A seguradora de acidentes de trabalho, (…), Companhia de Seguros, S.A., concedeu alta à Autora a partir de 20.03.2013, atribuindo-lhe uma IPP de 27,50%.
- Na sequência da elaboração do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal elaborado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense da Península de Setúbal, o perito médico atribuiu à Autora uma IPP de 33,3955%.
- A Autora sente-se ansiosa por vezes.
- Foi realizada perícia médico-legal à Autora, onde se teceram as seguintes conclusões:
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20.03.2013;
- Período de défice Funcional temporário Total fixável num período de 30 dias;
- Período de défice Funcional temporário Parcial fixável num período de 425 dias;
- Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período de 280 dias;
- Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período de 175 dias;
- Quantum Doloris fixável no grau 5/7;
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psiquica fixável em 7 pontos;
- As sequelas descritas são, em termo de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
- Dano estético permanente fixável no grau 2/7;
- Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7;
- Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares.
Ora, perante este quadro factual tão exaustivo, tendo em conta a idade da A. quando do acidente (47 anos), a natureza das lesões sofridas, o período de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, o período de tempo que as lesões demoraram a curar, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 5 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica, com tendência a agravar-se à medida que a idade vai avançando, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo segurado na R., sem qualquer parcela de responsabilidade por parte da A., temos amplamente por justificada e equitativa uma compensação pelos danos não patrimoniais no montante de € 20.000,00, tal como veio a ser fixada na sentença recorrida (e reportada à data da decisão final em 1ª instância).
Assim sendo, improcede esta primeira questão recursiva suscitada pela R.

Analisando, agora, a segunda questão levantada pela R., aqui apelante – saber se a indemnização arbitrada à A., a título de dano biológico, deverá ser reduzida para o montante de € 15.000,00 – haverá que dizer a tal respeito que, nos termos do disposto no art. 483º do Cód. Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Acresce que, nos termos genéricos do art. 342º do Cód. Civil, também afirmados a propósito da matéria referente à responsabilidade civil, no art. 487º, nº 1, do mesmo diploma legal, ao lesado incumbe a prova dos factos constitutivos do direito invocado, no caso, “a culpa do autor da lesão”, apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso – cfr. nº 2 do citado art. 487º – incumbindo, ao invés, à R. seguradora a prova de que o acidente ocorreu por culpa daquele.
Ora, a matéria de facto alegada pela A. relativamente à dinâmica do acidente foi aceite pela R. seguradora, não estando consequentemente em causa no presente recurso o facto de a responsabilidade pelo sinistro se dever a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na R., nem os danos decorrentes do mesmo para a A., constantes da matéria de facto dada como provada e que se encontra acima descrita.
Assim sendo, importa agora analisar se o quantum indemnizatório arbitrado à A. foi desajustado e peca por excesso, tal como sustenta a R., aqui apelante.
No que tange ao dano biológico, vejamos o que, a tal propósito, é afirmado no Ac. do STJ de 28/1/2016, disponível in www.dgsi.pt:
- (…) «[a] afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)».
(…)
«Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cfr. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, págs. 69 e segs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.”
Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.
“A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição – erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais” (acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.).»
No mesmo sentido do aresto acima transcrito veja-se ainda o recente Ac. do STJ de 25/5/2017, também disponível in www.dgsi.pt, onde é afirmado o seguinte:
- (…) «Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual.
Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3, do Código Civil). Ora, como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), em princípio, “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Para além disso, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto.»
Assim sendo, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expectável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.

Voltando agora ao caso em apreço, constata-se que está provado que a A. contava 47 anos de idade à data do acidente e, por força das lesões sofridas, viu a sua integridade física atingida, ficando a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 7%, o qual não é impeditivo do exercício da actividade profissional da A., mas que implica esforços suplementares, sofrendo ela e continuando a sofrer ao longo da sua vida, de dores intensas. Ou seja, as sequelas do acidente são compatíveis com a sua atividade profissional, mas implicam um esforço adicional e suplementar, bem como tendo a A. algumas restrições à realização dos actos normais da vida corrente, familiar e social e que são causa de sofrimento.
Assim, considerando a natureza das lesões, o baixo grau da incapacidade e, bem assim, o seu impacto nas condições de vida da A., a idade desta e a sua esperança de vida activa (pelo menos 33 anos, atenta a esperança média de vida das mulheres que já atinge os 80 anos), considera-se perfeitamente justa e equitativa a atribuição de uma indemnização no montante de € 15.000,00 pelo dano biológico, reduzindo-se, assim, o valor que tinha sido fixado na sentença recorrida. Em sentido idêntico ou similar, veja-se, aliás, o Ac. desta Relação, de 3/11/2016, disponível in www.dgsi.pt, no qual se fixou, para o lesado com um défice funcional de 8%, o montante de 15.000,00 €, a título de indemnização pelo referido dano biológico.
Deste modo, procede esta segunda questão recursiva suscitada pela R.

Finalmente, apreciando a terceira questão suscitada pela R., ora apelante – saber se, tendo sido fixada a IPP da A. em 20%, no que respeita à sequela que veio a sofrer na visão do seu olho direito, a qual alegadamente não foi consequência do acidente dos autos, deverá a condenação da R. ser reduzida na mesma proporção (20%) e, por via disso, o montante em que a A./interveniente deverá ser reembolsada terá de ser reduzido no valor de € 5.438,32 – importa referir a tal propósito que, com interesse para a decisão a proferir, resultou apurada a seguinte factualidade (a qual, importa sublinhar, não foi impugnada pela R./recorrente):
- Na sequência da elaboração do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal elaborado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense da Península de Setúbal, o perito médico atribuiu à Autora uma IPP de 33,3955%.
- Por sentença, já transitada em julgado, proferida no Processo de Acidente de Trabalho n.° 14/13.0TTSTB, que correu termos na Secção Única do Tribunal do Trabalho de Setúbal, foi fixada uma IPP com um coeficiente de desvalorização de 0,304353 e fixada uma pensão anual vitalícia de € 1.712,05.
- Nesse âmbito, a (…) Companhia de Seguros, SA pagou à A., por reporte ao período de 1.11.2013 a 30.04.2015, a quantia de € 3.855,62 e, por reporte ao período de 30.04.2015 a 31.05.2018, a quantia de € 5.199,20 (total: € 9.054,82). Mais constituiu uma provisão matemática de € 27.399,65.
Acresce que, do teor do relatório do exame pericial realizado à A., consta expressamente que do acidente resultaram, entre outras, as seguintes lesões traumáticas para aquela:
- Perturbação da visão do olho direito por descolamento de retina (cfr. fls.410) – sublinhado nosso.
Ora, sucede que, “in casu”, a A./interveniente veio peticionar o reembolso dos montantes por si dispendidos por força de um sinistro que foi simultaneamente de trabalho e de viação, no qual a A. veio a sofrer – indubitavelmente – lesões no seu olho direito, tendo-se concluído que a responsabilidade pela sua produção recaía totalmente sobre a R., enquanto seguradora do civilmente responsável pela produção do acidente dos autos.
E, a tal respeito, estipula o art. 17°, n° 4, da Lei 98/2009, de 4/9, que “o empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no nº 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente”.
Assim sendo, verifica-se uma situação de direito de sub-rogação, nos termos do qual a A./interveniente procede à “substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento” – cfr., nesse sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., pág. 324, bem como o estatuído no art. 593º do Cód. Civil.
Ora, resultou apurado nestes autos que a aqui interveniente liquidou à A. a importância total de € 9.054,82, a título de pensão anual e vitalícia, no período de 1/11/2013 a 31/5/2018, o que veio a fazer, por força da sentença, já transitada, proferida no processo de acidente de trabalho n° 14/13.0TTSTB, que correu termos no Tribunal do Trabalho de Setúbal, e na qual foi fixada uma IPP à A., com um coeficiente de desvalorização de 0,304353, fixando-se uma pensão anual vitalícia de € 1.712,05 (cfr. ponto 50-a dos factos provados).
Deste modo, forçoso é concluir que os montantes dispendidos pela A./interveniente, em virtude do acidente dos autos, estão alicerçados e fundamentados em decisão judicial – já transitada em julgado – nos termos da qual foram fixados, não apenas os períodos de incapacidade sofridos pela A., como também a incapacidade por aquela sofrida em consequência do referido sinistro (onde se incluem, manifestamente, as lesões no seu olho direito), sendo certo que ficou demonstrado no processo que a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes da produção do evento dos autos recaía, exclusivamente, sobre a R.
Finalmente, sempre se dirá que a pensão anual e vitalícia que se encontra a ser paga pela aqui interveniente à A. foi fixada judicialmente no P.14/13.0TTSTB – repete-se, por sentença já devidamente transitada em julgado – resultando o seu pagamento, como vimos, de uma verdadeira obrigação legal, em virtude da fixação de uma IPP em sede de exame por junta médica realizada no âmbito daqueles autos.
Nestes termos, improcede esta terceira (e última) questão recursiva suscitada pela R.

Passando agora a analisar o recurso subordinado interposto pela A./interveniente e a questão aí colocada – ou seja, saber se a R. (além da condenação no ressarcimento de todos os montantes já dispendidos pela A./interveniente), deverá ainda ser condenada no pagamento dos montantes que esta última ainda venha a liquidar à A., no âmbito do sinistro objecto dos presentes autos, por força do cumprimento da sentença, já transitada, proferida no processo emergente de acidente de trabalho a que respeita o acidente em apreço, que foi também de trabalho (cfr. Proc.14/13.0TTSTB) – haverá que dizer a tal respeito que, com importância para a decisão a proferir, resultou provada a seguinte factualidade:
- Por sentença, já transitada em julgado, proferida no Processo de Acidente de Trabalho n°14/13.0TTSTB, que correu termos na Secção Única do Tribunal do Trabalho de Setúbal, foi fixada uma IPP com um coeficiente de desvalorização de 0,304353 e fixada uma pensão anual vitalícia de € 1.712,05.
- Nesse âmbito, a (…) Companhia de Seguros, SA pagou à A., por reporte ao período de 1.11.2013 a 30.04.2015, a quantia de € 3.855,62 e, por reporte ao período de 30.04.2015 a 31.05.2018, a quantia de € 5.199,20 (total: € 9.054,82). Mais constituiu uma provisão matemática de € 27.399,65.
Ora, por força da sentença proferida no processo supra referido, constata-se que a A./interveniente procede mensalmente ao pagamento à A. de uma pensão anual e vitalícia, sendo que a decisão recorrida apenas se pronunciou quanto ao pagamento das prestações já vencidas e reconhecidas judicialmente, nada dizendo quanto às prestações (também peticionadas – cfr. art. 27º do seu articulado) que – embora objecto de condenação na acção que correu termos no Tribunal de Trabalho – ainda não se venceram.
Todavia, é nosso entendimento que nada obsta a que a decisão aqui sob censura se pronuncie, também, quanto à condenação da R. no pagamento das prestações que se vencerem, na justa medida do reembolso à A./interveniente das que vier a pagar mensalmente à A., tendo como limite a reserva matemática de € 27.399,65, à qual se alude na parte final do ponto 50-a) dos factos provados.
Isto porque, se assim não se entender, a sentença ora em análise conduzirá, inexoravelmente, a uma situação de litigância injustificada, colocando a A./interveniente, na obrigação de, mensalmente e de forma permanente, ter de interpelar judicialmente a R. para vir reclamar os montantes entretanto vencidos!
Por isso, forçoso é concluir que, para evitar a dita litigância injustificada, deverá ser fixado na decisão recorrida – na medida do pagamento e após a sua efectivação pela A./interveniente – o reembolso dos montantes que se vierem a vencer mensalmente, a título de pensão anual e vitalícia, a partir de 31.05.2018.
Nestes termos, face às razões e fundamentos supra referidos, impõe-se a alteração parcial da sentença recorrida e, em consequência, decide-se:
- condenar também a R. no pagamento dos montantes que a A./interveniente vier a dispender, a partir de 31.05.2018, por força do sinistro, simultaneamente de viação e de trabalho, nomeadamente, a título de pensão anual e vitalícia a pagar à A., tendo como limite a reserva matemática de € 27.399,65 (sublinhado nosso).

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente – o chamado dano biológico –, ainda que esta incapacidade não tenha tido uma repercussão direta no exercício da profissão habitual.
- Resultando provado que a autora contava 47 anos de idade à data do acidente e que em virtude das lesões sofridas ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 7%, sendo as sequelas compatíveis com a sua atividade profissional, mas exigindo um esforço adicional e suplementar, implicando também algumas restrições à realização dos actos normais da vida corrente, familiar e social, sendo causa de sofrimento, considera-se justa e equitativa a atribuição à A. da indemnização no valor de € 15.000,00.
- Considerando a idade do A., a natureza das lesões sofridas, o período de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 54 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica, com tendência a agravar-se com o avançar da idade, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo segurado na R., sem qualquer parcela de responsabilidade da A., tem-se por justificada e equitativa uma compensação aquela, pelos danos não patrimoniais, no montante de € 15.000,00, reportada à data da decisão final em 1ª instância.
- Os montantes dispendidos pela A./interveniente, em virtude do acidente dos autos, estão alicerçados e fundamentados em decisão judicial – já transitada em julgado – nos termos da qual foram fixados, não apenas os períodos de incapacidade sofridos pela A., como também a incapacidade por aquela sofrida em consequência do referido sinistro (onde se incluem, manifestamente, as lesões no seu olho direito), sendo certo que ficou demonstrado no processo que a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes da produção do evento dos autos recaía, exclusivamente, sobre a R.
- Nada obsta a que a decisão aqui sob censura se pronuncie, também, quanto à condenação da R. no pagamento das prestações que se vencerem, na justa medida do reembolso à A./interveniente das que vier a pagar mensalmente à A., tendo como limite a reserva matemática de € 27.399,65 (cfr. parte final do ponto 50-a) dos factos provados).
- Se assim não se entender, a sentença ora em análise conduzirá, inexoravelmente, a uma situação de litigância injustificada, colocando a A./interveniente, na obrigação de, mensalmente e de forma permanente, ter de interpelar judicialmente a R. para vir reclamar os montantes entretanto vencidos.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela R. e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, reduzindo-se para o valor de € 15.00,00 a indemnização a pagar à A. pelo dano biológico. Mais acordam em julgar procedente o recurso subordinado interposto pela A./interveniente e, por via disso, altera-se parcialmente a sentença recorrida, condenando-se também a R. no pagamento dos montantes que a A./interveniente vier a dispender, a partir de 31.05.2018, por força do sinistro, simultaneamente de viação e de trabalho, nomeadamente a título de pensão anual e vitalícia a pagar à A., tendo como limite a reserva matemática de € 27.399,65. Em tudo o mais, mantém-se inalterada a sentença recorrida.
Custas pela A., a A./interveniente e a R., na proporção dos respectivos decaimentos (sem prejuízo do apoio judiciário de que a A. é beneficiária).
Évora, 20-12-2018
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).