Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1091/08.4TBVNG.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: NOMEAÇÃO DE PATRONO
JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I- O prazo processual suspenso, nos termos do art.º 24.º, n.º 5, da Lei n.º 34/2004, recomeça o seu decurso com a notificação da nomeação ao patrono nomeado.
II- A posterior notificação ao requerente da nomeação não tem relevo.
III- Caso o patrono não tenha diligenciado por contactar com o requerente, não existe justo impedimento para a apresentação tardia de um articulado.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

Banco ..., intentou contra K... o presente procedimento cautelar comum para entrega judicial de veículo, requerendo que se ordene a entrega judicial do veículo automóvel Honda Civic 1.4 COMFORT, com a matrícula ...-JJ-....
*
Embora tivesse sido requerido que a parte contrária não fosse ouvida, o tribunal decidiu ouvi-la pelo que ordenou a sua citação para deduzir oposição.
*
Face à não oposição do requerido, foi proferida sentença que ordenou a restituição do veículo.
*
O requerido apresentou um requerimento onde invocou justo impedimento para a apresentação da oposição e invocou a nulidade da sentença (nos termos do art.º 201.º, Cód. Proc. Civil).
Requereu, em suma, que lhe fosse fixado prazo para a oposição ser apresentada.
*
O requerente da providência opôs-se ao requerimento anterior.
*
Entretanto, o requerido recorreu da sentença.
*
O requerente contra-alegou.
*
Foi proferido despacho a julgar improcedente o pedido de verificação do justo impedimento.
*
Deste despacho foi interposto recurso.
*
Em relação ao recurso do despacho que não julgou verificado o justo impedimento, o recorrente conclui as suas alegações como segue:
D) O prazo para deduzir Oposição, pelo Requerido, K..., incluindo a correspondente dilação, precludiria em 29 de Outubro de 2013, o que, porém, não pode ocorrer, devido ao justo impedimento que se verificou, o qual o Requerido invocou, logo que isso foi possível;
E) O Tribunal a quo, está obrigado a verificar se tal justo impedimento ocorreu ou não;
F) O justo impedimento, verificou-se, pois, por um lado, o Advogado subscritor, face aos que dispunha nos autos, não possuía, absolutamente, quaisquer elementos de facto ou de Direito que lhe permitissem elaborar uma Oposição, e, por outro, o Requerido, quando recebeu a notificação da Ordem dos Advogados, com a indicação dos dados do seu Patrono, há muito que o prazo tinha terminado;
G) De facto, o ora Requerido só foi notificado, de que o Advogado subscritor, havia sido nomeado seu Patrono, por carta que, embora esteja datada de 21 de Outubro de 2013 (Ofício nº 39704-A), apenas foi expedida pela Delegação de Setúbal da Ordem dos Advogados, em 31 de Outubro de 2013, uma 5ª feira, Registo CTT Nº RD …PT, quando o prazo para deduzir Oposição, já havia expirado;
H) De resto, tal missiva, apareceu depositada na caixa de correio, sem que o Requerido ou alguém do seu agregado familiar tivesse assinado o aludido Registo CTT;
I) Em circunstâncias normais, aquelas que são relevantes para a apreciação do justo impedimento, o que relevaria seria o facto de que, normalmente a Delegação da Ordem dos Advogados notificaria o ora Recorrente, em simultâneo com a data em que o Advogado subscritor o foi;
J) Nos procedimentos cautelares não especificados, o exercício do contraditório, antes de decretado, é essencial, e só excepcionalmente pode o juiz afastá-lo, nos termos do art.º 385º, n.º 1, do CPC, pelo que, o Requerido só não o exerceu, devido àquele justo impedimento;
K) Daí que a decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, de considerar provados os factos alegados pelo Requerente, padece de uma nulidade processual, nos termos do art. 201º, nº s, 1 e 2, do CPC;
L) Em consequência, a subsequente decisão, contida na sentença, que decretou a entrega da viatura, ...-JJ-..., está igualmente ferida de nulidade processual, et, par cause, é nula, igualmente, a própria sentença, bem como é nulo o despacho que indeferiu o justo impedimento;
M) É nulo o acto de entrega judicial da viatura, HONDA CIVIC, ...-JJ-..., ocorrida em 2 de Dezembro de 2013.
N) Devem, Vossas Excelências, Senhores(as) Desembargadores(as), assim entendendo, decretar tais nulidades processuais, o que requer;
O) A não ser assim, devem Vossas Excelências, Senhores(as) Desembargadores(as), revogar a Sentença, e ordenar a baixa dos autos, ao Tribunal a quo, para que se proceda ao disposto no art. 146º do CPC, a fim de que se verifique o referido justo impedimento, o que também requer;
P) As dificuldades no pagamento da rendas, ficaram a dever-se, tão só, ao facto de o ora Requerido ter ficado desempregado, quando trabalhava para a empresa, M…, LDA;
Q) Ainda assim, quanto aos alegados pagamentos em falta, de, 5/10/2012, 5/11/2012 e 5/12/2012 (rendas), não corresponde à verdade que o ora Requerido não os tenha pago, pois, ainda que com atraso, decorrente da sua situação de extrema dificuldade financeira, o ora Requerido pagou-os;
R) De resto, o Requerido também pagou ao Requerente quantias que lhe foram penhoradas, por este, no seu vencimento;
S) Pelo que, o que não pode, agora, o BANCO …, é ficar com o dinheiro e, ainda por cima, vir dizer que o mesmo não lhe foi pago, o que em Direito, tem as consequências do instituto do enriquecimento sem causa;
T) Acresce que, tendo sido efectuada a entrega judicial, da viatura ...-JJ-..., no dia, 2 de Dezembro de 2013, a qual foi levada, conforme Auto de Entrega Judicial, que consta dos autos, sem o conhecimento do Requerido, já que, não obstante constar dos referido Auto de Entrega que ninguém respondeu ao chamamento, na sua morada, o facto é que, ao contrário do que devia acontecer, não consta no Auto de Entrega Judicial a hora em se procedeu à diligência...
U) É por isso, também, que não é inócuo o Procedimento Cautelar decretado, ao contrário do parece entender o BANCO …, já que alega que o Recorrente sempre poderia defender-se na acção definitiva, o que é verdade, mas só em parte, já que agora, já não tem à sua disposição o bem para o qual pagou , com sacrifício, milhares de Euros...
V) Se, como espera, vier a ser anulada o procedimento cautelar que foi decretado, tal entrega judicial gerará responsabilidade civil, nos termos legais, na medida em que foi efectuada, afinal, sem título que o permitisse...
W) O Meritíssimo Juiz do Tribunal aquo, violou as seguintes normas legais:
- Art. 146º, nº s 1 e 2, do CPC, o qual devia ter sido interpretado, em tempo útil, permitindo fosse produzida toda a prova do invocado justo impedimento e, assim, sendo efectiva, deferindo a apresentação da Oposição ao presente Procedimento Cautelar;
- Art. 385º, n.º 1, do CPC, o qual devia ter sido interpretado, em tempo útil, permitindo fosse efectivado o contraditório, essencial no que se refere ao presente Procedimento Cautelar;
- Art. 201º, nº s, 1 e 2, do CPC, o qual devia ter sido interpretado, em tempo útil, no sentido de declarar as nulidades processuais arguidas nos termos legais;
Art. 666º, nºs 1 e 2, do CPC, o qual devia ter sido interpretado, em tempo útil, no sentido de que, apesar de proferida a sentença, o mesmo permite suprir nulidades.
*
Em relação ao recurso da sentença, as suas conclusões são quase exactamente as mesmas [apenas com a supressão da al. I)].
*
O primeiro passo aqui é apurar se existiu ou não a figura do justo impedimento.
Caso tenha existido, julgar-se-á o mesmo verificado com a consequente remessa do processo à 1.ª instância para aí ser apresentada e apreciada a oposição.
Caso não tenha existido, conhecer-se-á do recurso da sentença mas apenas na parte que lhe diga respeito.
*
Justo impedimento, de acordo com o art.º 146.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil, é o «evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto».
Nos termos do art.º 24.º, n.º 5, da Lei n.º 34/2004, o «prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a ) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b ) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono».
Está fora de dúvida que o patrono nomeado foi notificado da sua nomeação no dia 21 de Outubro de 2013, tal como está fora de dúvida que é a partir desta data que o prazo então suspenso retoma o seu curso [al. a) do preceito transcrito].
Com a notificação ao patrono nomeado, o prazo retomou a sua contagem no dia 22 de Outubro, vindo a terminar, com os três dias do art.º 145.º, a 8 de Novembro.
O requerimento invocando o justo impedimento foi apresentado em 25 de Novembro, já o prazo para deduzir oposição tinha terminado.
Sendo isto certo, resta saber se existe ou não o justo impedimento.
O que a este respeito vem invocado, em traços gerais, é que, na notificação que foi feita ao ilustre patrono, não constava qualquer meio expedito de contactar com o requerido, bem como que apenas constava a posição trazida pelo requerente.
Salvo o devido respeito, não nos parece que isto integre a figura de que aqui se trata.
O ilustre patrono conhecia a morada do requerido mas preferiu aguardar que este entrasse em contacto com ele, pelo menos é o que tanto indiciam os autos uma vez que nada foi feito. Por outro lado, existe um espaço, no formulário de protecção jurídica, para escrever um n.º de telefone e aqui, de duas uma: ou o requerente omitiu tal dado ou o ilustre patrono nomeado não lhe telefonou quando o podia fazer. Se é certo que no ofício que dá conta da nomeação ao patrono não consta tal elemento, o certo é que o requerimento de pedido de apoio judiciário consta dos autos. Nada mais fácil do que contactar o tribunal e pedir o número.
Seja qual for a hipótese, o certo é que a falta de contacto entre ambos apenas a eles mesmo se deve, num caso ao patrono, no outro à própria parte.
E caso não houvesse possibilidade de contacto telefónico, ainda assim o coreio serviria para o efeito.
Em relação ao argumento de que ao patrono não foi transmitida qualquer posição que eventualmente tivesse sido tomada pelo ora Requerido, relativamente aos factos constantes do requerimento inicial, apenas se pode dizer que nada tem que ver com o justo impedimento. Com efeito, a oposição é apresentada depois da nomeação de patrono, e subscrita por este, e não é necessário que o requerente do patrocínio explique, à Segurança Social, os termos em que pretende contestar.
Em suma, a oposição não foi atempadamente apresentada por força de um comportamento imputável a cada um dos intervenientes ou mesmo que só a um deles (e recorde-se que o art.º 146.º fala em parte, seu representante ou mandatário). Como se escreve no despacho recorrido, fica «a ideia de que só houve reacção quando o requerido contactou o patrono nomeado», o que aconteceu já depois de esgotado o prazo para contestar.
Não houve, pois, violação do art.º 146.º.
*
Tal como também não a houve do art.º 385.º, n.º 1.
Aliás, o problema de fundo (o do justo impedimento) coloca-se, precisamente, nesta fase do contraditório imediatamente posterior ao requerimento inicial. O requerido foi citado para contestar e foi por o não ter feito no prazo legal que invocou o art.º 146.º.
Deve-se concluir que o art.º 385.º, n.º 1, 1.ª parte, foi cumprido.
*
Em relação às nulidades que são alegadas, devemos dizer que elas não existem.
Não se vê que formalidades obrigatórias não foram cumpridas como não se vê que actos proibidos foram praticados (cfr. art.º 201.º, n.º 1).
Afirmar que a decisão, ao considerar provados os factos alegados pelo Requerente, padece de uma nulidade processual, nos termos do art.º 201º, n.º s, 1 e 2, do CPC, é não compreender o regime das nulidades processuais; tal como o é afirmar que a subsequente decisão, contida na sentença, que decretou a entrega da viatura, está igualmente ferida de nulidade processual, igualmente, a própria sentença. Pelo contrário, tratam-se actos judiciais que podem ser legais ou não mas que não são nulos. E se, porventura, tivesse ocorrido alguma nulidade processual, ela teria sido absorvida pelas decisões.
Em todo o caso, dir-se-á o seguinte:
O recorrente alega que a «omissão da formalidade de notificação do ora Requerido, dentro do prazo legal, para poder contactar o seu Patrono e efectuar a sua defesa (nulidade processual) e a consideração, na sentença, segundo a qual, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, escreveu, no último parágrafo do respectivo «Relatório» que, «A requerida [sic] foi citado, mas não apresentou contestação dentro do prazo de que dispunha para o efeito.», e desse modo, ao considerar provados os factos alegados pelo Requerente, ora Recorrido, acarretou a nulidade dessa decisão tomada e, assim, a nulidade da própria sentença».
Isto prende-se com a conclusão K) com o sentido que o tribunal recorrido não poderia dar por provados os factos alegados pelo requerente.
Mas a não verificação do justo impedimento tem por consequência que o recorrente não deduziu oposição no prazo legal. Daí que ao tribunal não restasse outra solução que aplicar o art.º 385.º, n.º 5, e considerar provados os factos alegados pelo requerente.
Não há aqui qualquer nulidade processual.
*
Manifestamente, estas situações não cabem na previsão do art.º 201.º.
*
Não havendo este tipo de nulidades, não há que falar em nulidade da sentença por as não ter suprido.
*
Como se disse no início, as alegações do recurso contra a sentença são quase exactamente iguais às apresentadas no recurso contra o despacho que julgou não verificado o justo impedimento; apenas difere na supressão da al. I) das conclusões do primeiro recurso.
Assim, o que anteriormente se expôs serve na íntegra para o segundo recurso e com a mesma conclusão: a sua improcedência.
Em relação ao mérito da causa, o que a alegação pretende é deduzir perante este tribunal de recurso o que não foi apresentado no tribunal de 1.ª instância: a oposição. Uma vez que esta, pelos motivos expostos, não foi apresentada a tempo, ficou precludida a possibilidade de dela conhecer.
*
Pelo exposto, julgam-se improcedentes os dois recursos.
Custas pelo recorrente.
Évora, 27 de Março de 2014
Paulo Amaral
Rosa Barroso
José Lúcio