Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
812/16.3PAENT-A.E1
Relator: ALBERTO JOÃO BORGES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
Data do Acordão: 05/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) a pena de prisão suspensa na sua execução pode ser englobada um concurso de infrações com outras penas, suspensas ou efetivas.
ii) após apreciar em conjunto os factos e a personalidade do agente, o tribunal do cúmulo jurídico decide se a pena de prisão conjunta deve ou não ser suspensa.
iii) atenta a personalidade do agente, a sua conduta anterior e posterior aos crimes e às circunstâncias destes, não é possível formular um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão, por não satisfazer de forma adequada e suficiente as exigências de prevenção geral e especial, que no caso se fazem sentir.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Competência Genérica do Entroncamento, Juiz 1, correu termos o Processo Comum Singular n.º 812/16.3PAENT-A, no qual, por decisão de 28.09.2018, foi realizado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido A… - filho de H… e de M…, natural de ….., nascido a 29/01/2996, solteiro, residente na rua … - neste processo (Processo n.º 812/16.3PAENT-A), no Processo n.º 929/15.1PAENT e no Processo n.º 436/15.2GBTNV, fixando-se a pena única em 28 (vinte e oito) meses de prisão efetiva, da qual, efetuado o competente desconto da pena já parcialmente cumprida no âmbito do Processo n.º 929/15.1PAENT, resta a pena única de 20 (vinte) meses 4 (quatro) dias de prisão.
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2. Inconformado com tal decisão, recorreu o arguido da mesma, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - Com o presente recurso impugna-se a sentença que condenou o arguido/ora recorrente, em cúmulo jurídico, “na pena única de 28 (vinte e oito) meses de prisão efetiva”.
2 – Porquanto, a decisão do tribunal a quo decidiu em violação do disposto nos artigos 77, 78, 40 e 71, todos do CP.
3 - O recorrente considera, desde logo, que não deveria ter sido englobado na decisão do cúmulo jurídico a pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, aplicada no Proc. n.º 436/15.2GBTNV.
4 - Isto porque a pena suspensa, prevista no artigo 50 do CP, enquanto pena de substituição, para efeitos de determinação da pena única do concurso, não constitui uma pena da mesma natureza da pena de prisão.
5 - Acompanhando, entre outros, o Tribunal da Relação de Guimarães, conclui-se, pois, que “a pena suspensa não é comparável, conceptual, político-criminalmente ou em termos de execução, à pena de prisão”.
6 - Se na determinação da pena única a aplicar ao recorrente fossem tidos em conta apenas o presente processo e o Proc. 929/15.1PAENT deveria antes atender-se à moldura penal de 17 meses como limite mínimo e 23 meses como limite máximo (cfr. o artigo 77 n.º 2, ex vi 78 n.º 1, in fine, ambos do CP).
7 - Mesmo que assim não se considere, o que se admite por mera hipótese académica, devia o tribunal a quo ter feito uma ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido noutros moldes.
8 - Seguindo Paulo Pinto de Albuquerque, e - conforme se admitiu por mera hipótese académica - considerando no cúmulo a pena suspensa na sua execução, conclui-se que o tribunal a quo decidiu pela mais gravosa das opções (pena única de 28 meses), na medida em que a soma da pena concreta mais grave de 18 meses com metade de cada uma das outras, dá um resultado de 29,5 meses de pena única.
9 - Assim, e salvo melhor opinião, consideramos que in casu o tribunal a quo não procedeu a uma adequada ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, conforme exige o artigo 77 n.º 1 do CP.
10 - Quanto aos factos, o recorrente foi condenado por um crime de ameaça agravada, um crime de injúria agravada, um crime de detenção de arma proibida e um crime de desobediência.
11 - Tendo em conta a descrição dos factos objeto das condenações em concurso, relativas a crimes distintos entre si, dir-se-á que a ilicitude não assume uma intensidade tão significativa como seria se as condenações respeitassem a crimes idênticos.
12 - Pelo que deveria o tribunal a quo ter atendido à atenuação da culpa do recorrente.
13 - Sendo certo que, atendendo à natureza dos crimes cometidos, as necessidades de prevenção geral não se situam num nível elevado, contrariamente ao entendimento da decisão de que se recorre.
14 - Relativamente à prevenção especial, as condenações relativas aos três processos que importam para o cúmulo jurídico em causa são medianas, sendo que as mais significativas reportam-se a factos produzidos em 2013 e 2008 (Proc. n.º 334/13.4PAENT e Proc. n.º 197/08.1PAENT), ambas excluídas do presente concurso.
15 - Atento o grau de ilicitude dos factos praticados pelo recorrente, a sua jovem idade, o facto de estar bem integrado familiarmente e ter um bom percurso no Estabelecimento Prisional onde se encontra em reclusão, não foi devidamente tido em conta na decisão de que se recorre.
16 - Ao aplicar ao recorrente a pena de 28 (vinte e oito) meses de prisão efetiva, o tribunal a quo não valorou como deveria ter valorado as atenuantes supra descritas, aplicando uma pena que se mostra mais do que excessiva, pelo que violou os artigos 77, 78, 40 n.°s 1, 2, e 3, e 71 n.°s 1 e 2, todos do CP.
17 - Pelo tudo o exposto deverá este tribunal revogar a sentença de que se recorre.
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3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
1 - Deve a pena de prisão suspensa na sua execução por 18 meses entrar, como entrou, no cúmulo jurídico, sendo a jurisprudência no sentido de excluir as penas suspensas na sua execução no caso de já terem sido declaradas extintas ou o período da suspensão já ter decorrido, o que não é o caso nos presentes autos, em que se encontra a decorrer o prazo de suspensão.
2 - Na escolha e determinação da medida da pena foi devidamente fundamentado e ponderados, quer os factos, quer as condições sócio económicas e familiares, a censurabilidade e a culpa do arguido, quer ainda as necessidades de prevenção especial e geral, também não nos merece censura a pena única aplicada ao arguido.
3 - De seguida, seguindo o raciocínio lógico, a douta sentença, atento o facto de ter sido aplicada uma pena de 28 meses de prisão, ponderou a viabilidade da suspensão da execução da pena de prisão, art.º 51 n.º 1 do Código Penal, o que acabou por afastar, justificando que apesar das penas de prisão suspensas na sua execução com regime de prova em que foi sendo condenado, entendeu que estas condenações posteriores (as que estão em causa nos presentes autos de cúmulo), designadamente, em penas de prisão efetiva, revelam notoriamente que aquelas penas de substituição não surtiram qualquer efeito no arguido, já que o mesmo não se absteve da prática de outros ilícitos criminais.
4 - Assim sendo, o tribunal concluiu, e irrepreensivelmente, que o arguido não interiorizou qualquer uma das condenações sofridas, demonstrando uma incapacidade flagrante em se pautar de acordo com o Direito, sem a prática de factos ilícitos, típicos e culposos.
5 - Tendo em consideração o número de vezes e os tipos de crime pelos quais o arguido foi condenado, as necessidades de prevenção impõem necessariamente a aplicação de uma pena de prisão efetiva, sendo esta a única que poderá satisfazer tais exigências e as demais finalidades de punição, não havendo qualquer possibilidade do tribunal proceder a um juízo de prognose favorável quanto à aplicação de uma pena não privativa da liberdade.
6 - Não existindo qualquer violação ao disposto, designadamente dos artigos 40, 50, 71, 77 e 78 do Código Penal.
7 - Pelo que decidiu, e bem, no nosso entendimento, não proceder à suspensão da execução da pena única de prisão em que o arguido vai condenado, condenando o arguido na pena única de 28 (vinte e oito) meses de prisão efetiva.
8 - Termos em que se conclui sufragando a posição adotada pela Mm.ª Juiz a quo na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo recorrente improcedente.
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4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fol.ªs 119 e 120).
5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do Código de Processo Penal).
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6. Foram dados como provados na 1.ª instância os seguintes factos:
Processo nº 812/16.3PAENT (os presentes autos):
1. O arguido foi condenado, no âmbito do Processo Comum Singular nº 812/16.3PAENT, que correu termos Juízo de Competência Genérica do Entroncamento (Juiz 1), por sentença datada de 22/03/2017, transitada em julgado a 09/04/2018, pela prática, em 17/11/2016, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348 n.º 1 al.ª b) do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão efetiva.
2. Provou-se nesse processo que no dia 17/11/2016, pela 15h10, o arguido tripulava o veículo ligeiro de passageiros, marca Lancia, modelo Y, cor cinza, com a matrícula … da sua propriedade, na via pública, no cruzamento entre a rua 5 de Outubro e a Estrada Nacional n.º 365, no Entroncamento.
3. À data, e desde o dia 12/11/2016, o referido veículo estava apreendido por falta de seguro obrigatório, tendo o arguido sido nomeado fiel depositário sob a advertência efetuada pelo agente da PSP, P…, de que não o poderia utilizar, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
4. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, quis conduzir o veículo identificado, o que logrou concretizar, nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas, bem sabendo que não podia fazê-lo enquanto o mesmo permanecesse apreendido, facto de que tinha sido devidamente advertido por autoridade policial.
5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Proc. n.º 929/15.1PAENT
6. O arguido foi condenado, no âmbito do Processo n.º 929/15.1PAENT, por sentença datada de 04/05/2017, transitada em julgado a 15/12/2017, pela prática, em 30/11/2015, de um crime de ameaça agravada, p.p. pelos artigos 153 n.º 1 e 155 n.º 1 al.ª c) do Código Penal, por referência ao artigo 132 n.º 2 al.ª l) do mesmo diploma legal, e um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181 e 184 do Código Penal, por referência ao artigo 132 n.º 2 al.ª l) do mesmo diploma legal, na pena de 17 meses de prisão efetiva.
7. Provou-se neste processo que no dia 30 de novembro de 2015, cerca das 23h05, na rua R… na cidade do Entroncamento, no interior do “Bar …”, o arguido dirigiu-se a Jo…, Agente da PSP, e disse-lhe: “ não vales nada!, querias cinco mil euros, mas levas uma merda, levas é caralhos na boca! parto-te todo!”.
8. E fê-lo sempre com foros de seriedade.
9. Com o que o arguido quis significar que pretendia atentar contra a integridade física de Jo… e que não iria cumprir o determinado na sentença proferida no Processo n.º 130/14.1 PAENT (Tribunal Judicial do Entroncamento), datada de 20/11/2015, no âmbito do qual foi condenado na pena de um ano e oito meses de prisão, suspensa na sua execução, sob condição de pagar €800,00 àquele.
10. Donde perturbou, dessa forma, a quietude de espírito, o sossego e tranquilidade de Jo….
11. Fazendo-o recear que pudesse vir a concretizar o aludido propósito de atentar contra a sua integridade física, até porque no dia 11/04/2014, pelas 1h50, no … Bar, desferiu um soco na face de Jo… (Processo n.º 130/14.1PAENT).
12. O arguido sabia, ainda, que ao proferir as expressões acima elencadas em 1, ofendia, também, a honra e consideração devida àquele, o que sempre quis.
13. Enquanto pessoa e enquanto agente de um órgão de polícia criminal.
14. Que ali se encontrava devidamente uniformizado, no âmbito das suas funções, depois de haver notícia de desordem naquele local.
15. O arguido agiu, assim, sempre de forma livre, consciente e deliberada.
16. Sabia, ainda, que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Proc. n.º 436/15.2GBTNV
17. O arguido foi condenado, no âmbito do Processo n.º 436/15.2GBTNV, por sentença datada de 02/11/2017, transitada em julgado a 04/12/2017, pela prática, em 05/12/2016, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86 n.º 1 al.ª d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
18. Provou-se neste processo que no dia 30/11/2015, no estabelecimento comercial denominado “Café…”, sito em, I… e A…, além de outros indivíduos com os quais ali se encontravam a conviver, envolveram-se em discussão e confrontos físicos uns com os outros.
19. No dia 5 de dezembro de 2016, no âmbito do cumprimento de mandados de busca, o arguido A… detinha na sua posse uma faca borboleta.
20. Que se encontrava sobre uma cómoda situada no hall da sua residência sita na rua …., Entroncamento.
21. Faca borboleta essa composta por cabo com duas partes articuladas e lâmina igualmente articulada, com o comprimento total de 21 cm, dos quais 9,5 cm de lâmina de um gume, com cabo de cor vermelha e ostentando a gravação “stainless Hackman sorsakoski Finland”.
22. O arguido previu e quis ter consigo a arma supra descrita.
23. Sendo conhecedor das características da mesma.
24. Bem sabendo que a sua posse é proibida e punida por lei.
25. Agiu de forma livre, deliberada e consciente.
26. O arguido encontra-se em cumprimento de pena referida em 6 desde o dia 05/02/2018, estando atualmente detido no Estabelecimento Prisional de Torres Novas.
27. No âmbito dos aludidos processos deu-se também como provado que o arguido frequentou a escolaridade até ao 4.º ano, não tendo concluído esse ano.
28. E que à data residia em casa dos pais, com estes, a sua companheira, uma filha menor de idade e dos irmãos, menores e ainda estudantes.
29. Resulta igualmente provado no âmbito dos aludidos processos que o arguido à data não tinha qualquer ocupação profissional, não auferindo qualquer rendimento, beneficiando da ajuda dos pais para face às suas despesas correntes.
30. E que tem uma personalidade algo imatura, impulsiva, com baixa autocrítica e influenciável, mantendo convívio com indivíduos de condutas desajustadas.
31. Desde que iniciou o cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no âmbito do aludido Proc. n.º 929/15.1PAENT, o arguido frequentou o curso de gestão de conflitos e primeiros socorros.
32. Há quatro meses tem trabalhado na fascina, auferindo mensalmente entre €40,00 e €50,00.
33. Atualmente encontra-se a frequentar aulas com vista a concluir o 4.º ano de escolaridade, encontrando-se ainda inscrito num curso de gestão, aguardando por ora o seu início.
34. No EP onde se encontra detido o arguido tem tido semanalmente a visitas dos seus familiares.
35. Para além da filha referida em 28, atualmente com 3 anos de idade, o arguido tem ainda um outro filho com 3 meses de idade.
36. Para além das condenações referidas em 1, 6 e 17, do Certificado de Registo Criminal do arguido constam ainda as seguintes condenações:
a) No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 197/08.1PAENT, da então Secção Única do Tribunal Judicial do Entroncamento, por acórdão datado de 14/07/2011, transitado em julgado em 08/11/2011, por factos ocorridos em 08/04/2008, pela prática de um crime de roubo na forma tentada e um crime de roubo, o arguido foi condenado na pena de prisão de 2 anos e 2 meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo, prorrogada por mais 13 meses;
b) No âmbito do Processo Sumário n.º 7/14.0GCABT, que correu termos no então 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, por sentença datada de 03/04/2014, transitada em julgado a 15/05/2014, por factos ocorridos a 14/02/2014, pela prática de um crime de furto na forma tentada, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no montante global de € 600,00. Esta pena encontra-se já extinta pelo cumprimento por decisão datada de 03/03/2016;
c) No âmbito do Processo Comum Singular n.º 334/13.4PAENT, da Instância Local do Entroncamento – Competência Genérica (J2) – Comarca de Santarém, datada de 11/06/2014, transitada em julgado em 11/07/2014, por factos ocorridos em 08/08/2013, pela prática de um crime de roubo, o arguido foi condenado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova;
d) No âmbito do Processo Comum Singular n.º 130/14.1PAENT, da Instância Local do Entroncamento – Competência Genérica (J2) – Comarca de Santarém, datada de 20/11/2015, transitada em julgado em 21/12/2015, por factos ocorridos em 11/04/2014, pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, o arguido foi condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a deveres. Esta pena foi extinta pelo cumprimento por decisão datada de 21/04/2018;
e) No âmbito do Processo Comum Singular n.º 116/14.6GCPVN, da Instância Local de Figueiró dos Vinhos – Competência Genérica – Comarca de Leiria, datada de 13/06/2016, transitada em julgado em 27/09/2016, por factos ocorridos em 21/08/2014, pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público e um crime de furto na forma tentada, o arguido foi condenado na pena única de 6 meses e 20 dias de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, com regime de prova. Esta pena foi declarada extinta por decisão datada de 28/02/2018.
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7. A motivação do recuso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Tais conclusões – porque delimitam o âmbito do recurso, como é pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores – devem ser claras e precisas, de modo a que não se suscitem dúvidas, quer quanto às razões da divergência do recorrente relativamente à decisão recorrida, quer quanto às questões que pretende ver apreciadas/conhecidas pelo tribunal superior.
Atentas as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo arguido, assim consideradas, delas se extraem duas questões colocadas à apreciação deste tribunal no presente recurso:
1.ª – Se a pena aplicada no âmbito do Processo n.º 436/15.2GBTNV, de 18 meses de prisão, não devia ter sido englobada no cúmulo, por ter sido suspensa na sua execução e não constituir, por isso, “uma pena da mesma natureza da pena de prisão”;
2.ª – Se, em face das circunstâncias que militam a favor do arguido, deve a pena aplicada, em cúmulo, ser reduzida.
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7.1. – 1.ª questão
Defende o arguido que a pena de prisão suspensa na sua execução não pode ser objeto de cúmulo jurídico, em síntese, porque a obrigatoriedade de cumprimento integral da pena de prisão inicialmente fixada, em caso de revogação, se mostra incompatível com aquele instituto jurídico, designadamente, com a fórmula legal prevista para a fixação da pena única (vide art.º 77 n.º 2 do Código Penal).
E que, por isso, não devia ter sido englobada no cúmulo a pena de 18 meses de prisão aplicada âmbito do Processo n.º 436/15.2GBTNV.
Esta tese do recorrente, reconhece-se, tem sido seguida por alguma jurisprudência, como ele próprio nos dá conta, mas essa jurisprudência é claramente minoritária.
De facto, como se dá conta no acórdão da RC de 27.04.2016, Proc. 2664/15.1T8LRA.C1, in www.dgsi.pt, avocando os argumentos da jurisprudência predominante sobre esta questão, a decisão sobre a suspensão da execução da pena não forma caso julgado quanto à suspensão, “mas tão somente sobre a medida dessa pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e ainda nas ideias de provisoriedade da suspensão da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão - cfr. entre outros, os acórdãos de 09-11-2006, Proc. n.º 3512/06, da 5.ª Secção, de 04-12-2008, Proc. n.º 08P3628, da 5.ª Secção, de 14-01-2009, Proc. n.º 08P3975, da 5.ª Secção, e de 16-11-2011, Proc. n.º 150/08.5JBLSB.L1.S1, da 3.ª Secção, in www.dgsi.pt”.
A este propósito é bem elucidativo o acórdão do STJ de 6-02-2014, Proc. n.º 339/09.0GDSTS-A.S1, in www.dgsi.pt, onde, referindo-se à posição dita minoritária, se escreve: “… falece de razoabilidade prática, o que desde logo é evidente pela circunstância de o juiz que decreta a suspensão da pena parcelar, ignorando a existência de concurso, elaborara um juízo de prognose sobre a evolução da personalidade do arguido com base numa delinquência ocasional que não se verifica. O pressuposto da suspensão não existe, uma vez que existem outros crimes praticados, mas não conhecidos em concreto, e o julgador é induzido em erro pela convicção contrária. Na verdade, sob pena de uma gritante ofensa do princípio da igualdade, o tratamento do concurso deve ser exatamente o mesmo, independentemente da forma do seu conhecimento, superveniente ou não, e assim, sabendo-se que a pena que vai ser efetivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a este tem sentido pôr a questão da sua substituição. Se a lógica da apreciação global do percurso criminoso do arguido implica a valoração de toda e cada uma das suas atuações atomisticamente consideradas; se a atribuição de um efeito excludente à pena suspensa gera uma situação de desigualdade; se a suspensão prévia da pena no concurso superveniente traz consigo um errado conhecimento por parte do julgador em relação à existência do concurso, não se vislumbra porque é que se deve interpretar o art.º 78 do CP numa fórmula que suporta tais patologias”.
E o acórdão do STJ de 12-03-2015, Proc. n.º 285/07.1JABRG-F.S1, in www.dgsi.pt:
“… a não cumulação das penas de multa e prisão obedece a razões que não procederão exatamente do mesmo modo, se se pretender impedir o cúmulo entre prisão efetiva e a pena suspensa. Ao peso do argumento centrado na diferente natureza das penas tem de ser contraposta a concreta realidade da pena de substituição. Enquanto no confronto entre prisão e multa (penas principais) a última nunca deixará de ser aplicada enquanto tal (a não ser que a lei tivesse previsto um sistema de conversão da multa em prisão, para os casos de cúmulo, que não existe), quando pomos lado a lado a pena de prisão efetiva e a pena suspensa a pena de prisão substituída não morreu. O condenado em pena suspensa pode ter que vir a cumprir a pena de prisão efetiva substituída. Ora, é aceitável que, assim como existem razões que podem levar à revogação da pena suspensa com o renascimento da pena substituída, também pode haver outro motivo, de diferente cariz, para que se abandone a pena de substituição e se passe a considerar a pena substituída. A necessidade de realizar um cúmulo pode ser esse motivo, porque vai haver um momento de apreciação da ilicitude global dos factos e da personalidade do arguido, em que se justifica ver se a aplicação da pena de substituição a uma pena parcelar que em princípio deveria fazer parte do cúmulo, já não tem razão de ser.
Designadamente, se tal viabilizar a execução de uma única pena conjunta, com todas as vantagens daí resultantes e, por maioria de razão, se não redundar em prejuízo do arguido.
São por demais conhecidos os inconvenientes da aplicação, por exemplo, de pensa mistas de prisão e multa, mas também não deixam de criar situações absurdas as execuções simultâneas de penas de prisão e de penas suspensas”.
Neste sentido podem ver-se ainda:
- o acórdão do STJ de 25-09-2008, Proc. 08P2891, in www.dgsi.pt:
IX – A posição dominante é no sentido da inclusão da pena suspensa, defendendo-se que a substituição deve entender-se sempre resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado se forma quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.

XIII - … a pena suspensa pode ser englobada num concurso de infrações com outras penas, suspensas ou efetivas, decidindo o tribunal do cúmulo, após apreciação em conjunto dos factos e da personalidade do agente, se a pena conjunta deve ou não ser suspensa, pois só faz sentido colocar a questão da suspensão em relação à pena conjunta…”.
- o acórdão STJ de 11-15-2017, Proc. 27/11.7JBLSB.S1, in www.dgsi.pt:
II – verificado, em conhecimento superveniente do concurso, por acórdão proferido durante o período de suspensão de uma pena, que tal pena corresponde a um crime em relação de concurso com os demais, mostra-se, quanto a ela, presente o pressuposto da sua consideração na determinação da pena única, de acordo com as regras da punição do concurso constantes do art.º 77 do CP.
III – Não se tratando de uma pena de multa e sendo critério de autonomização das penas dos crimes em concurso o elas serem de prisão ou de multa (n.º 3 do art.º 77), que são as penas principais previstas no CP (art.º 41), a pena aplicada deve ser considerada na determinação da pena única de prisão, uma vez que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) não se encontra extinta”.
Consequentemente, em face de tais argumentos - com os quais concordamos, pois que eles bem evidenciam a falta de razoabilidade da tese que defende o não englobamento da pena de prisão suspensa no cúmulo jurídico resultante do conhecimento superveniente do concurso - improcede a primeira questão supra enunciada.
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7.2. – 2.ª questão
Pretende o recorrente a redução da pena aplicada, em cúmulo jurídico, dizendo, em síntese:
- que o tribunal “não procedeu a uma adequada ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido… a ilicitude não assume uma intensidade tão significativa como seria se as condenações respeitassem a crimes idênticos… deveria o tribunal a quo ter atendido à atenuação da culpa do recorrente… atendendo à natureza dos crimes cometidos, as necessidades de prevenção geral não se situam num nível elevado, contrariamente ao entendimento da decisão de que se recorre”;
- “relativamente à prevenção especial, as condenações relativas aos três processos que importam para o cúmulo jurídico em causa são medianas, sendo que as mais significativas reportam-se a factos produzidos em 2013 e 2008 (Proc. n.º 334/13.4PAENT e Proc. n.º 197/08.1PAENT), ambas excluídas do presente concurso”;
- o arguido é um jovem, está “bem integrado familiarmente” e tem “um bom percurso no Estabelecimento Prisional onde se encontra em reclusão”.
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A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e como limite mínimo a pena mais elevada das penas concretamente aplicadas (art.º 77 n.º 2 do CP).
A pena mais elevada das penas concretamente aplicadas é de 18 meses de prisão (Proc. n.º 436/15.2GBTNV) e a soma das penas concretamente aplicadas é de 41 meses (6 meses/Processo n.º 812/16.3PAENT e 17 meses/Processo n.º 929/15.1PAENT).
O tribunal fixou a pena única em 28 meses de prisão, ou seja, o correspondente à pena mais grave – 18 meses - acrescida de dez meses, sendo que a soma das duas penas menos graves é de 23 meses.
E ponderando, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido, como se impõe no art.º 77 n.º 1 do CP, não se vê que a pena aplicada mereça qualquer censura.
De facto, deve anotar-se que dos autos resulta que os factos englobados no cúmulo jurídico, ainda que por crimes de diversa natureza (um crime de desobediência, um crime de ameaça agravada, um crime de injúria agravada e um crime de detenção de arma proibida), ocorreram num lapso temporal de mais de um ano – de novembro de 2015 a dezembro de 2016 - sendo certo que o arguido foi anteriormente condenado, em data próxima da prática destes crimes:
- pela prática de um crime de roubo, em 14.07.2011 (em pena de prisão suspensa);
- pela prática de um crime de furto, na forma tentada, em 3.04.2014 (em pena de multa);
- pela prática de um crime de roubo, em 11.06.2014 (em pena de prisão suspensa);
- pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, em 20.11.2015 (em pena de prisão suspensa);
- pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público e um crime de furto, na forma tentada, em 13.06.2016 (em pena de prisão suspensa).
Ora, tais condenações, aliás, em datas próximas das condenações a que os autos se reportam, e conjugadas com estas, evidenciam as elevadas – muito elevadas – exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, pois que o arguido vem revelando ao longo dos anos (note-se que iniciou os seus comportamentos delituosos há mais de dez anos, apenas com 16 anos) uma clara propensão para a prática de crimes e indiferença perante as condenações que lhe vêm sendo aplicadas, condenações que – embora as respetivas penas não sejam englobadas no cúmulo – não podem deixar de ser atendidas, enquanto demonstração do passado criminal do arguido e, consequentemente, da necessidade da pena, enquanto medida adequada a prevenir a prática de novos crimes e a sensibilizá-lo para a necessidade de moldar o seu modo de vida em conformidade com as normas vigentes e no respeito pelos valores fundamentais da vida em sociedade.
Por outro lado, e como consta da matéria de facto dada como provada, o arguido à data dos factos não tinha ocupação profissional, vivendo da ajuda de familiares – o que eleva o risco de reincidência - e tem, como se demonstrou em julgamento, uma personalidade “algo imatura, impulsiva, com baixa autocrítica e influenciável, mantendo convício com indivíduos de condutas desajustadas”, circunstância que evidencia, também, o risco de reincidência.
Acresce que o arguido em todas as situações atuou com dolo direto, sabendo que as suas condutas eram proibidas, e isto não obstante as condenações que antes sofrera, em datas recentes, e as suas responsabilidades familiares, o que eleva o grau da culpa, enquanto juízo de censura ético-jurídica que recai sobre as suas condutas.
Consequentemente, em face do que se deixa dito, e atentas as circunstâncias que depõem contra ao gente e a seu favor, a pena concretamente aplicada - de 28 meses de prisão, dentro da moldura de 18 meses a 41 meses de prisão – não indo além da culpa, mostra-se adequada a dar satisfação às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, seja de prevenção geral, mas principalmente de prevenção especial, e criteriosamente ponderada, no respeito pelos princípios e normas que devem presidir à sua determinação.
Não questionado o recorrente expressamente a não suspensão da execução da pena de prisão, sempre se dirá, acompanhando o que a esse propósito se escreveu na decisão recorrida, que – atenta “a personalidade do agente, a sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste” (circunstâncias que acima já se destacaram) – não é possível formular, fazendo apelo aos critérios da razoabilidade e boa prudência, o juízo de prognose favorável de que a lei faz depender a suspensão da execução da pena, em suma, que a ameaça da pena de prisão seria agora (e porque agora, se as condenações anteriores em pena de prisão suspensa não o foram?) adequada e suficiente para satisfazer as exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, seja de prevenção geral, mas sobretudo de prevenção especial, em suma, que a ameaça da pena de prisão seria agora suficiente para dissuadir o arguido da prática, no futuro, de idênticos comportamentos ilícitos (como na sentença recorrida se deixou dito, “além do arguido à data dos factos que ora se julgam revelar um estilo de vida totalmente destruturado, não tendo ocupação profissional, não tendo auferindo quaisquer rendimentos, embora fosse já pai de uma criança, vivendo totalmente a expensas dos pais, com quem residia, mantendo convívio com indivíduos de condutas desajustadas, tendo chegado a consumir produtos estupefacientes (heroína), há que ter em consideração o facto do arguido, em anteriores condenações, ter sido condenado maioritariamente em penas de prisão, umas suspensas na sua execução com sujeição a regime de prova e em duas em prisão efetiva”, penas que - é lícito concluir, dizemos nós – não foram suficientes para prevenir a prática de novos ilícitos e, consequentemente, levar o arguido a interiorizar a necessidade de moldar o seu modo de vida de acordo com as normas vigentes).
Improcede, por isso, o recurso.
8. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC`s (art.ºs 513 e 514 do CPP e 8 n.º 9 e tabela III anexa do RCP).
(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)
Évora, 07.05.2019.
Alberto João Borges (relator)
Maria Fernanda Pereira Palma