Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
482/13.0TBVRS-B.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CASO JULGADO
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Por força do regime dos arts. 732.º, n.º 5 e 581.º do CPC, a decisão tomada em embargos de executado que correu termos entre os sujeitos que são também os sujeitos na ação executiva, tendo por objeto a questão da nulidade da citação no processo declarativo onde foi proferida tal sentença condenatória, decisão essa que implica a anulação da mesma, acarreta também a extinção desta execução por insubsistência ou inexistência superveniente do título executivo.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Executada: (…)

Recorrida / Exequente: (…)

A ação executiva onde foi prolatada a decisão recorrida tem por base a sentença judicial proferida no processo n.º 451/12.8TBVRS, visando obter a cobrança da quantia pecuniária que a executada foi ali condenada a pagar à exequente.


II – O Objeto do Recurso

A executada apresentou-se a requerer a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide com fundamento na circunstância de ter sido declarada a nulidade da citação da Ré no processo declarativo n.º 451/12.8TBVRS, o que teve lugar por decisão transitada em julgado proferida nos autos de embargos de executado deduzidos por apenso à execução para prestação de facto, execução essa fundada na mesma sentença judicial que a presente execução.

Perante tal requerimento, o Tribunal de 1.ª Instância julgou «improcedente, por não verificada, a exceção dilatória de caso julgado invocada pela Executada», o que implicou na prossecução da ação executiva.

Inconformada, a Executada apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete a extinção da execução. Concluiu a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«1ª- A presente execução e a execução nº 480/13.4TBVRS, têm ambas como título executivo a sentença condenatória proferida na acção declarativa nº 451/12.8TBVRS do antigo Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António;
2ª- Nos embargos de executado apensos à referida execução nº 480/13.4TBVRS, foi declarada a nulidade da citação da Ré na acção declarativa nº 451/12.8TBVRS, nos termos do disposto no artº 198º, nº 1 e nº 4, do CPC antigo e, em consequência, foi declarada a extinção da respectiva execução;
3ª- Perante a douta decisão dos embargos e atendendo a que a presente execução também se sustenta na mesma sentença condenatória, em 16/12/2015, a Executada, ora Recorrente, requereu que fosse igualmente declarada extinta esta execução por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto na al. e) do artº 277º e do artº 849º, nº 1, al. f), do CPC;
4ª- No entanto, o Tribunal “A Quo” entendeu que a Recorrente havia invocado a excepção do caso julgado e concluiu por julgar improcedente por não verificada esta excepção;
5ª- Ora, na douta decisão recorrida reconhece-se que, no caso em apreço, a decisão de extinção da execução fundou-se na nulidade da citação verificada na acção declarativa cuja sentença constituía título executivo e que a nulidade da citação determina a inexistência do título executivo; todavia, e
6ª- Com os devidos respeitos, afigura-se-nos que estas afirmações estão em contradição com a conclusão final de que a douta sentença proferida nos embargos apenas forma caso julgado formal e não se estendendo os seus efeitos à presente execução;
7ª- Desde logo, os doutos Acórdãos do STJ citados na sentença recorrida referem que a questão em apreço é controversa e, inclusivamente, no Ac. de 24/2/2012 se conclui que a determinação do âmbito do caso julgado formal ou material de uma sentença pressupõe a respectiva interpretação caso a caso;
8ª- Nesta conformidade, verifica-se que a douta sentença proferida nos mencionados autos de embargos não se limitou a declarar a extinção da execução, tendo valorado factos impeditivos e extintivos do direito em que se fundava a pretensão executiva, ao dar como provado verificar-se a nulidade da citação da Ré, ora Recorrente, nos termos do nº 1 e nº 4 do artº 198º do CPC antigo;
9ª- Pelo que seria de elementar justiça que o Tribunal recorrido tivesse igualmente considerado que a douta decisão dos embargos constituía caso julgado material e que os seus efeitos se estendiam também à presente execução;
10ª- Mesmo que assim não fosse entendido, o Tribunal “A Quo” devia ter tomado em consideração que a nulidade da citação prejudicou a defesa da citada, ora Recorrente, que não interveio na referida acção declarativa, pelo que a sentença final nela proferida não pode servir de causa de pedir ou de fundamento à presente execução uma vez que foi prolatada em violação ao princípio do contraditório consagrado no artº 3º, nº 3, do CPC;
11ª- E devia ter considerado que a nulidade da citação da Ré implica a não verificação dos pressupostos e dos requisitos necessários para que a sentença da acção declarativa possa constituir título executivo;
12ª- E ainda devia ter considerado que se revela manifestamente injusta a dualidade de decisões em ambas execuções, ou seja, a execução nº 480/13.4 foi declarada extinta por falta de citação da Recorrente na citada acção declarativa, ao invés, a presente execução 482/13.0 prossegue com base nessa mesma acção declarativa;
13ª- Deste modo e em conformidade com o disposto no artº 187º e nº 2 do artº 195º do CPC a nulidade da citação da Ré, ora Recorrente, na acção declarativa implica a nulidade de todos os termos subsequentes, incluindo a da própria sentença final – o que constitui excepção dilatória prevista na al. a) do artº 577º do CPC;
14ª- Aliás, ao reconhecer que “(…) a nulidade da citação determina a inexistência do título executivo (…)” – como consta expressamente da douta decisão em recurso - não se compreende a admissão do prosseguimento da presente execução;
15ª- Assim, e salvo os devidos respeitos, a douta decisão ora recorrida violou ou fez interpretação menos correcta do disposto nos artº 3º, nº 3, artº 187º, nº 2, artº 195º, artº 577º e artº 578º do CPC;
16ª- Nestes termos, nos mais de Direito e nos doutamente supridos, deverá ser revogada a douta decisão recorrida, como é de sã justiça e ser declarada extinta a presente execução.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre conhecer da seguinte questão: do fundamento para a extinção da presente ação executiva, fundada em sentença, atenta a declaração, em sede de oposição a outra execução, de nulidade da citação da ré no respetivo processo declarativo.


III – Fundamentos

A – Dados a considerar

Aqueles que resultam do relato que antecede.

B – O Direito

O processo executivo alicerça-se no título executivo, no documento que lhe serve de base (cfr. art. 703.º do CPC). Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva – art. 10.º, n.º 5, do CPC. «O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão executiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação.»[1] A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor – art. 53.º, n.º 1, do CPC.

Os títulos executivos são documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório para certificar a existência do direito do portador. O título executivo reside no documento e não no ato documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o ato documentado subsista, quer não).[2] Trata-se do documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coativa da correspondente pretensão através de uma ação executiva; esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efetiva do seu direito à prestação (cfr. arts. 817.º e 818.º do CC).[3]

As espécies de títulos executivos estão enunciadas no art. 703.º do CPC. Entre elas, constam as sentenças condenatórias (cfr. al. a) do n.º 1 da citada disposição legal), cujos requisitos de exequibilidade estão consagrados no art. 704.º do CPC.

No caso em apreço, a execução alicerça-se na sentença judicial proferida no processo n.º 451/12.8TBVRS, sentença essa que condenou a ré, aqui executada, designadamente e para além do mais, ao pagamento da quantia monetária que constitui a quantia exequenda. Ora, essa mesma sentença deu azo à ação executiva para prestação de facto n.º 480/13.4TBVRS, que veio a ser extinta por via da declaração da nulidade da citação da ré no processo declarativo respetivo. O que foi declarado em sede de procedência dos embargos deduzidos ao abrigo do disposto na al. d) do art. 729.º do CPC.

Efetivamente, determina o art. 729.º, n.º 4, do CPC que «A procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte.» O n.º 5, por sua vez, preceito introduzido da última revisão ao processo civil executivo, estatui que «Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.»

Os termos gerais do caso julgado decorrem do disposto nos arts. 580.º e 581.º do CPC, sendo que, por força do estatuído no n.º 1 do art. 580.º do CPC, o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, repetição que se verifica quando a primeira causa foi já decidida por sentença que já não admite recurso ordinário. Como ensinam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[4], “o caso julgado, tornando a decisão em princípio imodificável, visa exatamente garantir aos particulares o mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica indispensável à vida de relação”. Assim, “o caso julgado visa essencialmente a imodificabilidade da decisão transitada e não a repetição do juízo contido na sentença. Não se pretende que os tribunais, doravante, confirmem ou ratifiquem o juízo contido na sentença transitada, sempre que a questão por ela julgada volte a ser posta, direta ou indiretamente, em juízo. O que essencialmente se exige, em nome do caso julgado, é que os tribunais respeitem ou acatem a decisão, não julgando a questão de novo”. Nas palavras de Manuel de Andrade[5], o caso julgado consiste em “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objetivo ou à atuação dos direitos subjetivos privados correspondentes, mas também à paz social.”

O instituto do caso julgado exerce uma função positiva e uma função negativa. Positivamente, faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; negativamente, impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal.

A fim de se aferir se se está diante de repetição de causa judicial, impõe-se a aplicação do regime instituído pelo art. 581.º do mesmo diploma. Ora, repete-se a causa quando se propõe ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. A identidade dos sujeitos advém de as partes serem as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, e a identidade do pedido da circunstância de numa e noutra ação se pretender obter o mesmo efeito jurídico; a causa de pedir, por sua vez, é idêntica quando as duas ações procedem do mesmo facto jurídico. As partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial – as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que assumam num e noutro processo. Haverá identidade de pedidos se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter. Terá de ser o mesmo direito subjetivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, o que significa não ser exigível uma rigorosa identidade formal entre os pedidos[6]. A identidade da causa de pedir pressupõe que o ato ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico. Haverá que procurar a identidade da causa de pedir na questão fundamental levantada nas duas ações. Relevam, assim, apenas os factos fundamentais ou essenciais, pois os factos instrumentais são, em si mesmos, insignificantes, servindo para a demonstração da realidade dos fundamentais.

Ora, no caso sob apreciação, a procedência dos embargos de executado deduzidos com fundamento na falta ou nulidade da citação para a ação declarativa teve por consequência a anulação de todo o processado, salvando-se apenas a petição inicial (cfr. art. 187.º do CPC). Por conseguinte, também a sentença que foi proferida a final resulta anulada. Nas palavras de Alberto dos Reis[7], «Neste caso o juiz deve declarar nulo todo o processo da acção declarativa, com excepção da petição inicial; esta anulação faz cair a sentença exequenda; consequentemente extingue-se a acção executiva, por falta de base, e assim o deve declarar o juiz.» Nestes termos, acompanha-se a decisão recorrida no segmento em que afirma «A nulidade da citação determina a inexistência do título executivo», mas não já quando propugna que tal nulidade não determina a inexistência «da sentença, nem da relação material por ela regulada».[8]

Do regime conjugado dos arts. 732.º, n.º 5 e 581.º do CPC resulta que a decisão tomada em litígio que correu termos entre os sujeitos que são também os sujeitos na presente ação executiva, tendo por objeto a questão atinente à nulidade da citação no processo declarativo onde foi proferida a mesma e única sentença condenatória, decisão essa que implica na anulação dessa mesma e única sentença, acarreta a extinção desta execução por insubsistência ou inexistência superveniente do título executivo, a saber, a sentença condenatória proferida na ação judicial que correu termos sob o n.º 451/12.8TBVRS.

Assim se obvia que a executada seja impelida a deduzir, nesta execução, a mesma oposição que já deduziu nos embargos que moveu à execução n.º 480/13.4TBVRS, contra a mesma exequente e, bem assim, que o Tribunal seja intimado a julgar de novo a mesma questão. Com o que se respeita e acata, como se impõe, a decisão judicial final que conheceu da questão atinente à nulidade daquela concreta citação.

Procedem, pois, as conclusões da alegação do recurso.

As custas recaem sobre a Recorrida – art.º 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.

Concluindo:
- a procedência de embargos de executado deduzidos com fundamento na falta ou nulidade da citação na ação declarativa acarreta a anulação de todo o processado subsequente à petição inicial, inclusivamente da sentença dada à execução;
- por força do regime conjugado dos arts. 732.º, n.º 5 e 581.º do CPC, a decisão tomada em embargos de executado que correu termos entre os sujeitos que são também os sujeitos na presente ação executiva, tendo por objeto a questão atinente à nulidade da citação no processo declarativo onde foi proferida a mesma e única sentença condenatória (que sustenta duas ações executivas, uma para pagamento de quantia certa outra para prestação de facto), decisão essa que implica na anulação dessa mesma e única sentença condenatória, acarreta também a extinção desta execução por insubsistência ou inexistência superveniente do título executivo.


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, determinando-se a extinção da execução por inexistência de título executivo.
Custas pela Recorrida.
Évora, 7 de Dezembro de 2017
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos
__________________________________________________
[1] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, p. 33.
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 78 e 79.
[3] Ac. STJ de 14/10/2014 (Fernandes do Vale).
[4] Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 705 e 708.
[5] Noções Elementares de Processo Civil, 1993, p. 305 e 306.
[6] Cfr., entre outros, Ac. RC de 21/06/2011, in CJ 2011, T III, p. 49 e ss.
[7] Processo de Execução, vol. 2.º, p. 59.
[8] Cfr. fls. 16 deste apenso.