Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
12/21.0T8SLV-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: I - Prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, as prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, em que se fracionou a obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de juros;
II – Em caso de incumprimento por parte do mutuário de uma ou mais prestações, o exercício pelo credor da faculdade que o artigo 781.º do Código Civil lhe concede, de exigir o cumprimento da totalidade da dívida, não altera o prazo de prescrição aplicável.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 12/21.0T8SLV-A.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal
Juízo Execução - Juiz 1


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Por apenso à execução que lhes é movida por (…), SA com vista à cobrança coerciva da quantia de € 18.558,63, tendo por título executivo uma livrança, vieram os executados (…), (…) e (…) deduzir os presentes embargos, nos quais, para o que releva no âmbito do recurso interposto, invocaram a exceção de prescrição da dívida exequenda, alegando terem decorrido mais de cinco anos desde a data em que se verificou o incumprimento do empréstimo concedido, invocado pela exequente como relação subjacente à emissão do título, por ser aplicável ao caso o disposto no artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil.
Admitidos os embargos, sustentou a exequente/embargada, na contestação apresentada, que o prazo prescricional aplicável é antes o ordinário de vinte anos consagrado no artigo 309.º do Código Civil, pugnando pela improcedência da exceção.
Teve lugar a audiência prévia e nela foi proferido saneador sentença que, na procedência da exceção invocada, declarou prescrito o crédito exequendo e decretou a extinção da execução quanto aos embargantes.

Inconformada, a embargada interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que julgue improcedente a exceção deduzida, formulando as conclusões que se transcrevem:
«1.ª Funda-se o presente recurso, s.m.o., em falhas de apreciação em que se apoiou a douta sentença proferida, designadamente no que diz respeito à decisão de direito.
2.ª O Tribunal “a quo” não atendeu à matéria de facto alegada e dada como assente, tendo sido realizada uma errada subsunção ao direito aplicável.
3.ª Debrucemo-nos sobre a natureza jurídica da obrigação contratual do mútuo com prestações periódicas e, consequentemente, passemos agora à crucial divergência em equação e que passa pela caracterização da obrigação do mutuário no reembolso do capital e juros remuneratórios através de prestações periódicas e sucessivas.
4.ª- Nos contratos, o prazo, tempo de realização da prestação, constitui elemento essencial e que, por seu turno, na determinação do tempo de cumprimento da obrigação, há que distinguir a vertente do tempo da prestação daquela outra que diz respeito ao tempo da exigibilidade da prestação.
5.ª- E assim sendo, acolhendo o funcionamento da prescrição quinquenal no que respeita à extinção de cada uma das prestações vencidas ter-se-á de ter em conta, porém, que, em caso de incumprimento, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e, nessa medida, os valores em dívida retomam a sua natureza original de capital e juros, ficando o capital global sujeito ao prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil.
6.ª- É este o entendimento presente na nossa Doutrina mais ilustre, vide Prof. Dr. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I- Parte Geral, tomo IV, páginas 175-178.
7.ª E, bem assim, acompanhado pela nossa Jurisprudência, vide Acórdão do TRL de 13/10/2020, proc. n.º 638/19.2T8SNT-A.L1, em www.dgsi.pt (…).
8.ª Na sequência da revogação por incumprimento e vencimento antecipado com interpelação do devedor para o pagamento, a dívida total passa a assumir a natureza de obrigação única, sujeita ao prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309.º do Código Civil.
9.ª Face ao exposto, porque existem documentos e matéria de facto alegada assente, por não oposição, dos quais constam factos que não foram atendidos nem relevados pelo Mm.ª juiz “a quo” na decisão, entendemos, salvo o devido respeito, verificar-se manifesto erro de julgamento e de apreciação do direito, impugnando-se assim, a decisão proferida.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre determinar o prazo de prescrição aplicável e apreciar a questão da invocada prescrição do crédito exequendo.


2. Fundamentos

2.1. Fundamentos de facto
São os seguintes os factos a considerar, os quais se encontram assentes nos autos em virtude do acordo das partes e documentos juntos e não impugnados:
1. A (…), SA – constituída por deliberação do Conselho de Administração do BdP, sociedade-veículo de gestão de ativos dos direitos e obrigações correspondentes a ativos do Banco (…) – instaurou em 30 de Dezembro de 2020 ação executiva contra os ora embargantes (…), (…) e (…), tendo em vista a cobrança coerciva da quantia de € 18.558,63, respeitando € 4.826,56 a juros de mora vencidos.
2. Juntou ao requerimento executivo livrança subscrita pelos executados (…) e (…) na qualidade de subscritores e pela executada (…) na qualidade de avalista, no montante de € 13.539,01, dela constando como data de emissão 10 de Março de 2008 e como data de vencimento 1 de Fevereiro de 2012.
3. A livrança referida no ponto 2 foi entregue pelos executados como garantia de todas as responsabilidades emergentes do contrato de empréstimo celebrado em 8 de Março de 2010, tendo sido estipulado que em caso de incumprimento das obrigações a que estavam adstritos a credora reservava-se o direito de proceder ao respetivo preenchimento [1].
4. Por acordo reduzido a escrito em 8 de Março de 2010 a primeira outorgante Banco (…), SA, concedeu aos executados (…) e mulher, (…), segundos outorgantes, empréstimo no valor de € 13.500,00 a ser reembolsado no prazo de 10 anos, em 120 prestações mensais, constantes e sucessivas, integrando capital e juros com taxa indexada à EURIBOR a 3 meses, sendo então de 0,662% ao ano, acrescida de um “spread” de 3 pontos percentuais, atualizável trimestral e automaticamente, sendo aplicável a taxa nominal de 3,662% ao ano, correspondendo-lhe uma TAE de 3,72%, acrescida de uma sobretaxa de 4% em caso de mora a título de cláusula penal, a acrescer à taxa de juro compensatório praticada à data do incumprimento, tudo conforme resulta do documento de fls. 29 verso a 32 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Intervieram e subscreveram o acordo a que se refere o ponto anterior (…) e (…), na qualidade de garantes, os quais declararam aceitar “expressamente todos os termos e condições do presente contrato, assumindo solidariamente com os segundos outorgantes o cumprimento integral de todas as obrigações pecuniárias dele decorrentes (…)” – (idem).
6. Ficou ainda convencionado na cláusula 12.ª que:
“Sem prejuízo do estabelecido na antecedente cláusula décima primeira nos casos de incumprimento pelos segundos outorgantes de qualquer obrigação emergente deste contrato e, bem assim, nos casos previstos no artigo 780.º do Código Civil, ou ainda se o Património dos segundos outorgantes for objecto de apreensão judicial, ou por qualquer outra forma onerado, ou se não cumprirem outras obrigações por si/eles assumidas perante o Banco (…), o Banco poderá reduzir o valor do empréstimo ao montante total entretanto utilizado e considerar automaticamente vencidas as dívidas dos segundos outorgantes resultantes do mesmo contrato, dando o mesmo por resolvido (…)”.
7. Na sequência da celebração do acordo referido em 4, o Banco disponibilizou aos mutuários o montante de € 13.500,00.
8. O contrato não foi pontualmente cumprido pelos devedores, acabando a credora por preencher a livrança com vencimento previsto para 1 de Fevereiro de 2012.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
A recorrente põe em causa a decisão que julgou extinta em relação aos embargantes a ação executiva que constitui o processo principal, em consequência de se ter considerado verificada a arguida exceção de prescrição, com fundamento na aplicação do prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, e no respetivo decurso à data da propositura da execução.
Discorda a recorrente do prazo de prescrição tido em conta pelo tribunal de 1.ª instância, sustentando que é aplicável à dívida exequenda o prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, não decorrido à data da propositura da execução.
Vejamos se o caso presente preenche os pressupostos de aplicação do prazo especial de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º do Código Civil, conforme entendeu a 1.ª instância, ou se é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos previsto no artigo 309.º do mesmo Código, como defende a recorrente.
Sob a epígrafe Prazo ordinário, dispõe o mencionado artigo 309.º que o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, preceito do qual decorre que será este o prazo aplicável na ausência de disposição especial que preveja prazo mais curto. O referido artigo 310.º, por seu turno, com a epígrafe Prescrição de cinco anos, prevê diversas situações às quais aplica este prazo especial de prescrição mais curto, designadamente a indicada na alínea e), com a redação seguinte: as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
Cumpre verificar se o crédito exequendo consiste em quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, conforme se considerou na decisão recorrida.
Foi apresentada como título executivo uma livrança subscrita pelos executados (…) e (…), na qualidade de subscritores, e pela executada (…), na qualidade de avalista, no montante de € 13.539,01, dela constando como data de emissão 10 de Março de 2008 e como data de vencimento 1 de Fevereiro de 2012, a qual foi entregue pelos executados como garantia de todas as responsabilidades emergentes de contrato de empréstimo celebrado em 8 de Março de 2010, tendo sido estipulado que, em caso de incumprimento das obrigações a que estavam adstritos, a credora se reservava o direito de proceder ao respetivo preenchimento.
Está em causa o acordo reduzido a escrito em 8 de Março de 2010, através do qual a 1ª outorgante Banco (…), SA, concedeu aos executados (…) e (…), segundos outorgantes, empréstimo no valor de € 13.500,00 a ser reembolsado no prazo de 10 anos, em 120 prestações mensais, constantes e sucessivas, integrando capital e juros com taxa indexada à EURIBOR a 3 meses, sendo então de 0,662% ao ano, acrescida de um “spread” de 3 pontos percentuais, atualizável trimestral e automaticamente, sendo aplicável a taxa nominal de 3,662% ao ano, correspondendo-lhe uma TAE de 3,72%, acrescida de uma sobretaxa de 4% em caso de mora a título de cláusula penal, a acrescer à taxa de juro compensatório praticada à data do incumprimento. Intervieram e subscreveram o referido acordo (…) e (…) na qualidade de garantes, os quais declararam aceitar expressamente todos os termos e condições do presente contrato, assumindo solidariamente com os segundos outorgantes o cumprimento integral de todas as obrigações pecuniárias dele decorrentes (…)”. Na sequência da celebração do acordo referido, o Banco (…) disponibilizou aos mutuários o montante de € 13.500,00.
Encontra-se assente que o contrato não foi pontualmente cumprido pelos devedores, acabando a credora por preencher a livrança com vencimento previsto para 1 de Fevereiro de 2012.
Extrai-se do mencionado acordo, datado de 08-03-2010, que o Banco (…), SA, concedeu um empréstimo aos executados (…) e (…), no valor de € 13.500,00, tendo as partes acordado no respetivo reembolso no prazo de 10 anos, em 120 prestações mensais, constantes e sucessivas, integrando capital e juros com taxa indexada à EURIBOR a 3 meses, sendo então de 0,662% ao ano, acrescida de um “spread” de 3 pontos percentuais, atualizável trimestral e automaticamente, sendo aplicável a taxa nominal de 3,662% ao ano, correspondendo-lhe uma TAE de 3,72%, acrescida de uma sobretaxa de 4% em caso de mora a título de cláusula penal, a acrescer à taxa de juro compensatório praticada à data do incumprimento.
Decorre dos termos da concessão de crédito acordados entre as partes a assunção, pelos executados, da obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de uma taxa anual efetiva de percentagem previamente determinada, a qual tipicamente engloba juros, impostos, seguros obrigatórios e outros encargos a integrar no custo a suportar pelos mutuários como contrapartida da concessão do crédito. Convencionaram as partes, ainda, fracionar o pagamento do montante total da dívida em 120 prestações mensais e sucessivas de igual montante.
Trata-se, assim, de uma única obrigação, de montante previamente determinado, cujo pagamento acordaram as partes fracionar em prestações mensais e sucessivas de montante que fixaram. Tendo em conta que aquela obrigação engloba a restituição do capital mutuado e os juros e demais encargos abrangidos pela taxa anual efetiva, daqui decorre que as prestações em que as partes fracionaram tal obrigação configuram a restituição fracionada do capital, acrescido dos juros e demais encargos abrangidos pela taxa anual efetiva, pelo que se mostra preenchida a previsão da citada alínea e) do artigo 310.º, relativa a quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, sendo aplicável o prazo especial de prescrição de cinco anos estabelecido neste preceito.
Porém, no caso presente, por efeito da falta de pagamento de uma ou mais das prestações acordadas, o credor veio a exigir o pagamento da totalidade da dívida, o que importou o vencimento das restantes prestações em que as partes haviam fracionado o montante global, cumprindo apreciar se tal altera o prazo de prescrição aplicável.
Tratando-se de contrato de mútuo liquidável em prestações, cumpre atender ao disposto no artigo 781.º do Código Civil, o qual, sob a epígrafe Dívida liquidável em prestações, dispõe o seguinte: Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.
Em anotação ao preceito, afirma Ana Prata (Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, páginas 979-980) o seguinte: “Esta norma trata das obrigações instantâneas, cujo cumprimento é fracionado ou parcelado, em regra por acordo das partes”.
Decorre do acordado entre as partes a assunção, pelos mutuários, da obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de juros e demais encargos previstos no contrato, a integrar no custo a suportar como contrapartida da disponibilização temporária da quantia emprestada; convencionaram as partes, ainda, fracionar o pagamento do montante total da dívida em prestações mensais e sucessivas. Está em causa, como supra exposto, uma única obrigação, de montante previamente determinado, cujo pagamento acordaram as partes fracionar em prestações mensais e sucessivas de montante que fixaram. Considerando que as prestações em que as partes fracionaram tal obrigação configuram a restituição fracionada do capital, acrescido dos juros e demais encargos, é aplicável o disposto no citado artigo 781.º.
Analisando o preceito, verifica-se que prevê o efeito jurídico decorrente da falta de pagamento de uma das prestações, estatuindo que tal incumprimento importa o vencimento das restantes prestações. Porém, não decorre do preceito que o vencimento da totalidade da dívida resulte automaticamente da falta de pagamento de uma das prestações, antes sendo facultada ao credor a possibilidade de exigir o cumprimento das prestações restantes, o que lhe permita optar entre exigir ou não tal cumprimento antecipado.
Este regime não difere do previsto pelas partes no contrato, ao disporem, na cláusula 12.ª, o seguinte: Sem prejuízo do estabelecido na antecedente cláusula décima primeira nos casos de incumprimento pelos segundos outorgantes de qualquer obrigação emergente deste contrato e, bem assim, nos casos previstos no artigo 780.º do Código Civil, ou ainda se o Património dos segundos outorgantes for objecto de apreensão judicial, ou por qualquer outra forma onerado, ou se não cumprirem outras obrigações por si/eles assumidas perante o Banco (…), o Banco poderá reduzir o valor do empréstimo ao montante total entretanto utilizado e considerar automaticamente vencidas as dívidas dos segundos outorgantes resultantes do mesmo contrato, dando o mesmo por resolvido (…). Também aqui se prevê a possibilidade de a mutuante exigir o cumprimento da totalidade da dívida, tratando-se de uma faculdade, a qual se reserva o direito de exercer ou não, conforme lhe convier.
Pretendendo o credor, em caso de incumprimento por parte do mutuário, exigir o cumprimento da totalidade da obrigação, deverá interpelar o devedor, nos termos do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil. Conferindo o artigo 781.º ao credor o direito a exigir o cumprimento da totalidade da dívida, tal direito deverá ser exercido mediante interpelação do devedor para cumprir.
O exercício pelo credor desta faculdade – de exigir, em caso de incumprimento por parte do mutuário, o cumprimento da totalidade da dívida – não tem a virtualidade de alterar o prazo de prescrição aplicável, mantendo-se os pressupostos de aplicação do prazo especial de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do citado código.
Em análise efetuada no âmbito de situação análoga, considerou-se, no acórdão desta Relação de 27-01-2022 (relatado pelo ora 2.º Adjunto), proferido no proc. 791/20.2T8MMN-A.E1 (publicado em www.dgsi.pt), que um argumento a favor da tese da manutenção do prazo de prescrição de 5 anos não obstante o vencimento antecipado das prestações remanescentes nos termos do artigo 781.º é o de que a alteração daquele prazo para 20 anos, nos termos do artigo 309.º, equivaleria a deixar ao arbítrio do credor a opção por um ou outro prazos, consoante exigisse, ou não, o cumprimento antecipado das referidas prestações.
No aludido acórdão, explica-se o seguinte:
Este argumento pressupõe uma tomada de posição acerca da interpretação do artigo 781.º. Não obstante a redacção desta norma poder inculcar que, uma vez incumprida uma das prestações em que a obrigação foi fraccionada, as restantes prestações se vencem automaticamente, isto é, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade do credor nesse sentido, a melhor doutrina inclina-se no sentido de que tal vencimento não é automático, antes dependendo de uma manifestação de vontade do credor que, com fundamento no incumprimento, interpele o devedor para efectuar o pagamento antecipado das prestações ainda não vencidas. Excluem-se, naturalmente, do âmbito de tal interpelação, a ou as prestações cujo incumprimento fundamentou a interpelação pois essas venceram-se nas datas para o efeito estipuladas, independentemente de interpelação, nos termos do artigo 805.º, n.º 2, alínea a).
Sendo o regime decorrente do artigo 781.º o descrito, o argumento exposto tem razão de ser. O credor que, apesar da falta de pagamento de uma ou mais prestações, não interpelasse o devedor para cumprir antecipadamente as restantes, ficaria com a possibilidade de, segundo o seu arbítrio, determinar, a qualquer momento, a ampliação do prazo de prescrição para 20 anos, efectuando a referida interpelação. Ora, esta disponibilidade do prazo da prescrição por uma das partes contraria as exigências de certeza e segurança ínsitas no instituto da prescrição.
Concluindo, a única consequência da falta de pagamento de uma ou mais das prestações em que uma obrigação se encontre fraccionada é a perda do benefício do prazo estabelecido em benefício do devedor, nos termos do artigo 781.º, devidamente interpretado. As prestações vincendas tornam-se exigíveis em sentido fraco, podendo o credor exigir o seu pagamento antecipado mediante interpelação do devedor. O prazo de prescrição continua a ser de 5 anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e) (…).
No mesmo sentido, tem entendido a jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça que, no aludido contexto, o vencimento antecipado das restantes prestações não altera a aplicabilidade do prazo de prescrição de cinco anos, conforme decorre, entre outros, dos arestos seguintes:
- acórdão de 14-07-2021 (relator: Ilídio Sacarrão Martins), proferido na revista n.º 1249/18.5T8MMN-A.E1.S1- 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), o qual, reportando-se a situação análoga à que está em causa nos presentes autos, considerou o caso enquadrável na situação prevista na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil;
- acórdão de 06-07-2021 (relatora: Fátima Gomes), proferido na revista n.º 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização; II - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do CC; III - A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil;
- acórdão de 04-05-2021 (relator: Pedro Lima Gonçalves), proferido na revista n.º 3522/18.3T8LLE-A.E1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização; II - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do CC; III - A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil;
- acórdão de 29-04-2021 (relator: João Cura Mariano), proferido na revista n.º 723/18.8T8OVR-A.P1.S1 - 2.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O disposto no artigo 781.º do Código Civil aplica-se às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente; II - Apesar da redação equívoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações; III - As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil abrangem as obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo;
- acórdão de 28-04-2021 (relatora: Graça Amaral), proferido na revista n.º 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1 - 6.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O contrato de mútuo bancário em que a obrigação de restituição do capital mutuado se mostra fraccionada (prestações) consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil; II - Não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as fracções;
- acórdão de 08-04-2021 (relator: Nuno Pinto Oliveira), proferido na revista n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: Em contratos de mútuo, em que se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital em quotas de amortização, o vencimento antecipado de todas as prestações, em consequência do artigo 781.º do CC, não prejudica a aplicação do prazo do artigo 310.º do Código Civil;
- acórdão de 09-02-2021 (relator: Fernando Samões), proferido na revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respectivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil; II - O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição;
- acórdão de 26-01-2021 (relatora: Maria João Vaz Tomé), proferido na revista n.º 20767/16.3T8PRT-A.P1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital – obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros. São obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado; II - Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do artigo 781.º do CC, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital; III - De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do artigo 310.º, alíneas d) e e), do CC – de cinco anos a contar do respetivo vencimento; IV - O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”;
- acórdão de 14-01-2021 (relator: Tibério Nunes da Silva), proferido na revista n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime previsto no artigo 781.º do Código Civil (que não tem natureza imperativa), o não pagamento de uma delas, conferindo ao credor o direito de exigir antecipadamente o cumprimento das vincendas, não o dispensa de interpelar o devedor para proceder ao respectivo pagamento; II - Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos; III - A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição;
- acórdão de 12-11-2020 (relatora: Maria do Rosário Morgado), proferido na revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O crédito emergente de um contrato de mútuo bancário, em que, por acordo entre credor e devedor, se prevê a amortização da dívida em diversas prestações periódicas de capital e dos juros correspondentes está sujeito ao prazo de prescrição, previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil; II - A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição;
- acórdão de 03-11-2020 (relatora: Fátima Gomes), proferido na revista n.º 8563/15.T8STB-A.E1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização; II - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil; III - A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil;
- acórdão de 10-09-2020 (relator: Rijo Ferreira), proferido na revista n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 - 2.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: Às quotas de amortização de capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no artigo 310.º, alínea e), do CC, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas;
- acórdão de 16-06-2020 (relatora: Maria João Vaz Tomé), proferido na revista n.º 23762/15.6T8PRT-A.P1.S1 - 1.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), no qual se entendeu: I - No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital – obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros – são obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado; II - Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do artigo 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital; III - Revestindo-se o preceito do artigo 781.º do CC de natureza supletiva, à luz do princípio da autonomia negocial, as partes podem afastar a disciplina nele consagrada, acordando, designadamente, o vencimento automático das prestações vincendas, sem necessidade, para tal efeito, de interpelação do devedor; IV - Considerando-se estarem em causa dívidas a prestações, uma vez que o objeto da prestação se encontra pré-determinado, o valor da prestação não depende da duração da relação contratual e, por isso, aplicar-se-ia, o prazo ordinário de prescrição de vinte anos; V - Porém, e de modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do artigo 310.º, alíneas d) e e), do CC – de cinco anos a contar do respetivo vencimento; VI - O facto de o incumprimento de uma prestação implicar, nos termos acordados pelas partes, o vencimento antecipado e automático das restantes prestações, em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”;
- acórdão de 18-10-2018 (relator: Olindo Geraldes), proferido na revista n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – artigo 310.º, alínea e), do CC; II - A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
No caso presente, resultando da análise supra efetuada, a qual se encontra em consonância com a orientação jurisprudencial constante dos mencionados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que se mostra preenchida a previsão da alínea e) do artigo 310.º, cumpre concluir que é aplicável o prazo de prescrição de cinco anos, conforme considerou a 1.ª instância.
Com relevo para a apreciação da questão suscitada, extrai-se da decisão recorrida o seguinte:
(…) volvendo ao caso concreto, as prestações convencionadas não foram pagas de modo regular e pontual, acabando o contrato resolvido em, pelo menos, 2012.
A citação para a execução ocorreu em 2021, pelo que o prazo de prescrição que estivesse a correr interromper-se-ia com aquela citação.
Só que, quer na data da citação, quer na data da própria propositura da acção executiva, há muito que se encontravam decorridos os 5 anos contados desde a data do incumprimento do contrato – em data anterior a 2012.
Concorda-se com esta apreciação, decorrendo da aplicação do prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), a prescrição de todas as prestações não liquidadas e a consequente a extinção da execução quanto aos embargantes, conforme se decidiu.
Mostra-se, assim, acertada a decisão recorrida, improcedendo a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 10-03-2022
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora por vencimento)
Maria Domingas Simões
(1.ª Adjunta – voto de vencida)
Vítor Sequinho dos Santos
(2.º Adjunto)

Voto vencida
Reconhecendo embora que a tese que fez vencimento tem vindo a colher apoio crescente, principalmente ao nível do nosso STJ, de que não se conhecem ultimamente decisões divergentes (não deixando porém de observar que as decisões recenseadas unificam sob uma mesma solução situações que, na sua dimensão fáctica, apresentam elementos divergentes, o que não deixa de suscitar dificuldades de articulação, designadamente com o disposto no artigo 781.º do Código Civil), ressalvado o óbvio respeito, entendo, porém, diversamente.
Conforme tinha defendido no projecto de acórdão que elaborei, teria decidido pela revogação da sentença recorrida e consequente improcedência dos embargos, com base nos seguintes fundamentos:
No que respeita à disciplina do artigo 309.º do Código Civil, afigura-se incontroverso que “A fixação deste prazo quinquenal, por contraposição ao prazo ordinário de prescrição estabelecido no artigo 309.º do Código Civil encontra fundamento no interesse de protecção do devedor, prevenindo que o credor, retardando a exigência de prestações periodicamente renováveis, as deixe acumular, tornando excessivamente oneroso o pagamento a cargo do devedor” (do Acórdão do STJ de 10/09/2020, processo nº 805/18.6T8OVR-A.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
Conforme se faz notar no mesmo aresto, “É, também, pacífico que num contrato de financiamento (…) estamos perante um caso de obrigação fracionada ou repartida, que é única, mas cujo cumprimento, normalmente por conveniência do devedor, se protela no tempo, através de sucessivas prestações, a pagar em datas diferidas, que não têm de ser regulares no tempo, até que o montante da dívida se encontre completamente pago, e não perante uma obrigação periodicamente renovável “stricto sensu”; no entanto, se o cumprimento dessa obrigação única é efetivado em prestações fracionadas no tempo, como é o caso das prestações mensais sucessivas que constam de um plano de amortização, acordado entre as partes, compostas por uma parte de capital e outra parte pelos juros é aplicável às quotas de amortização do capital o regime da prescrição quinquenal estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil”.
Mas se nenhuma divergência se regista quanto à aplicação do prazo prescricional mais curto de 5 anos às quotas de amortização pagáveis com juros ao abrigo da citada alínea e) – prazo que se inicia para cada uma das quotas que se vencer e não para a obrigação no seu todo (como adverte Ana Filipa Morais Antunes, “Algumas questões sobre prescrição e caducidade”, Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, disponível em https://afmoraisantunes.pt/wp-content/uploads/2020/07/Separata-Algumas-questo%CC%83es-sobre-rescric%CC%A7a%CC%83o-e-caducidade.pdf) –, já não assim quando, como ocorre no caso aqui apreciado, em virtude do incumprimento do devedor o credor provocou o vencimento antecipado das prestações futuras, assim tornadas exigíveis, interpelando para o pagamento do capital em dívida.
Em nosso entender, e contrariando a tese que, acompanhando a identificada jurisprudência maioritária, fez vencimento, afigura-se que nesta concreta situação nada justifica o desfavor deste credor, aplicando ao seu crédito o prazo encurtado de prescrição.
Conforme esclarece a autora citada na referida Separata, a alínea e) só contempla as quotas de amortização que devam ser pagas como adjunção aos juros – “A previsão normativa abrange, pois, as hipóteses de obrigações pecuniárias, com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma, de capital, e outra de juros, em proporção variável, a pagar conjuntamente”.
Sobre a razão justificativa de um prazo especial encurtado de prescrição, aplicável (também) à amortização do capital, adianta que tal “pressupõe o esclarecimento do fundamento da previsão contemplada na alínea e) do referido artigo 310.º. Estas resultam da estipulação, entre as partes, de um plano de reembolso gradual e periódico do capital, que visa facilitar e agilizar o pagamento através do fraccionamento da dívida em parcelas de capital. As quotas de amortização representam, assim, pagamentos parciais do capital devido.
O fundamento das quotas de amortização do capital aconselha, pela mesma ordem de ideias, a existência de um prazo prescricional de curta duração, aplicável a cada prestação que se vença, considerada individualmente, como obrigação autónoma”. E acrescenta, recorrendo à lição do Prof. Vaz Serra “a finalidade da referida prescrição de curto prazo é evitar que, pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor”.
Mas se, como ali se afirma, o artigo 310.º não pode dissociar-se da ideia de prestação periódica e o pressuposto específico da aplicação da alínea e) é a circunstância de o pagamento das fracções ou quotas de capital se processar conjuntamente com os juros, vencida antecipadamente toda a dívida de capital e interpelado o devedor para proceder ao seu pagamento, não estamos já perante uma prestação periódica nem, tão pouco, a mesma inclui quaisquer juros remuneratórios por força da doutrina fixada no AUJ n.º 7/2009, de 25-03-2009. Acresce, quanto aos juros moratórios, que o devedor está protegido pela prescrição curta consagrada na alínea d) do artigo 310.º (como certeiramente se fez notar no voto de vencido aposto ao acórdão do TRL de 30/9/2021, processo n.º 3528/19.5T8ALM-A.L1-8, em www.dgsi.pt).
Assim sendo, já não vemos, ressalvado sempre o respeito devido a tão maioritária opinião, que os fundamentos que justificam a aplicação do prazo prescricional mais curto às prestações periódicas que se forem vencendo no quadro do plano de amortização acordado entre credor e devedor, contemplando o capital, juros e outros acréscimos, sejam válidos para justificar a sujeição ao mesmo prazo encurtado da dívida de capital, antecipadamente vencida e exigida por força do incumprimento do devedor, que o tornou indigno do benefício do prazo que lhe fora concedido. É que neste caso o credor a nada mais tem direito senão ao capital mutuado e ainda em dívida – as prestações (ainda compostas) vencidas até então, se atingidas pelo decurso do prazo prescricional de 5 anos, não são exigíveis – e aos juros de mora vencidos, mas apenas os relativos aos últimos 5 anos, podendo o devedor opor-lhe vitoriosamente a prescrição quanto aos vencidos em data anterior, desta feita ao abrigo da alínea d) do mesmo artigo 310.º. Ou seja, o decurso do tempo deixa de ter a virtualidade de avolumar a dívida, permanecendo o devedor vinculado ao pagamento do remanescente do capital e juros dos últimos 5 anos – tal como se verificaria caso o seu pagamento fosse exigido no final do 5.º ano –, assim deixando de se verificar qualquer um dos pressupostos que levaram o legislador a consagrar um prazo prescricional mais curto para as dívidas a que se reporta a previsão da alínea e).
No que respeita ao argumento, a que sou sensível, e que aponta a incongruência de ficar na disponibilidade do credor desencadear um prazo mais longo de prescrição, não creio, porém, que seja decisivo.
Com efeito, de alguma forma repetindo o que antes referi, atendendo a que o prazo prescricional mais curto surge associado e só se justifica no quadro do fraccionamento da prestação de capital – única na sua origem – e pelo facto de ser composta, incluindo designadamente juros remuneratórios e outros acréscimos, deixando o acordo de pagamento faseado de vigorar por causa imputável ao devedor e estando-se novamente perante apenas e só a dívida de capital como prestação única, não será surpresa para aquele que, a par do benefício do prazo e face ao vencimento antecipado da dívida de capital, esta fique sujeita ao prazo ordinário de prescrição.
Por último, não se vendo que se verifiquem nestas situações especiais exigências de estabilidade e segurança que justifiquem um tratamento de desfavor destes credores face aos demais titulares de créditos de prestação única, que beneficiam do prazo ordinário prescrito no artigo 309.º, entendo ser o prazo de 20 anos também o aqui aplicável (cfr. no mesmo sentido o TRL em acórdão de 19/1/2021, no processo 8636/16.1T8LRS-A-7, também acessível em www.dgsi.pt.
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Maria Domingas Alves Simões

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[1] O facto foi dado como assente com base no acordo das partes, uma vez que não foi impugnado, pese embora a data da emissão da livrança seja anterior à data da celebração do mútuo e do contrato celebrado conste expressamente que “As partes acordam em que não será prestada qualquer livrança para titular o presente contrato” (cfr. § 2.º da cláusula 9.ª).