Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
676/06-3
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 05/11/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I - Ao administrador de condomínio, compete, nos termos do disposto no artigo 1430º n. º1 CC, a administração das partes comuns do edifício, o que pressupõe zelar pelo seu bom funcionamento e praticar todos os actos de conservação e manutenção das partes comuns.
II - Daqui decorre para o administrador do condomínio um dever de vigilância sobre as partes comuns do edifício que, como quaisquer outras coisas, são sempre susceptíveis de provocar danos.
III - Incumbia ao recorrente, para afastar a sua responsabilidade, a alegação e prova de que tinha agido com a diligência devida ou seja que tinha zelado pelo bom funcionamento da coluna e tinha praticado todos os actos de conservação e manutenção da mesma ou que os danos se produziriam mesmo sem culpa sua.
Decisão Texto Integral:
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Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Recorrente:
Administrador do Condomínio do prédio …………
Recorridos:
Companhia de Seguros ……………SA.

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COMPANHIA de SEGUROS………..S.A., com sede na Av. Fontes Pereira de Melo, …………., intentou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário contra o ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO (em representação do condomínio) do prédio sito …………, pedindo a condenação do Réu no pagamento de € 5.393,47, acrescida de juros vencidos e juros vincendos desde a citação até integral pagamento, quantia que pagou ao seu segurado a título de ressarcimentos dos danos causados na fracção correspondente ao R/C do referido prédio, no âmbito do contrato de seguro multi-riscos habitação que havia celebrado com o dono da fracção, danos aqueles derivados de uma inundação provocada pelo entupimento da coluna geral de esgotos do edifício.
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Contestou o Réu excepcionando a sua ilegitimidade e a da A. e, no mais impugnando os factos alegados.
No saneador as excepções de ilegitimidade activa e passiva foram julgadas improcedentes.
Em sede de audiência de julgamento a A. reduziu o pedido para a quantia de €4.314,77 por forma a fazer incidir na fracção segura, que também faz parte do prédio, a correspondente quota parte, em função da respectiva permilagem, no valor total dos danos.
A redução foi admitida.
Procedeu-se ao julgamento com observância do formalismo legal e de seguida, foi proferida sentença julgando a acção procedente e condenando o R. «a pagar à A. a quantia de 4030,45 euros, acrescida de juros vencidos desde a citação (13.1.2003) à taxa legal de 7% até 30.4.2003 e à taxa legal de 4% a partir dessa data e juros vincendos até integral pagamento à taxa legal».
Inconformado veio o R. apelar, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
conclusões:

«1°_ O artigo 493°, do CC, como excepção à regra do artigo 487º, do CC, estabelece uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou animais ou exerce uma actividade perigosa e destina-se às actividades perigosas em geral,
2°- Uma coluna geral de esgotos, como parte comum de um edifício, com um funcionamento aparentemente normal: não é só por si susceptível de provocar lesões, pelo que a verificação de um entupimento não estará sob a previsão do artigo 493°, do CC.
3°- Ao condomínio representado pelo recorrente nunca teria sido possível tomar qualquer tipo de precauções para evitar o entupimento que veio a causar os prejuízos com a inundação, quando não houve qualquer indício que fizesse suspeitar dessa eventualidade.
4°_ Neste caso concreto, dever-se-á aplicar a regra geral do artigo 487°, do CC, em que a responsabilidade depende de culpa, ou seja, o condomínio apenas deveria ter sido responsabilizado pelos danos provocados pelo entupimento da conduta geral de esgotos, caso a recorrida tivesse provado que aquele agiu com culpa, o que não fez.
Nestes termos, requer-se que a douta decisão recorrida seja alterada, de modo a que perante os fundamentos expostos, o recorrente seja absolvido do pagamento a que foi condenado».
Contra-alegou a recorrida pedindo a improcedência da apelação.
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Os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [1] salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
A apelação tem apenas como objecto a discordância quanto à decisão jurídica e designadamente quanto à questão de saber se o artigo 493º, n.º1 do Código Civil, tem aplicação no caso dos presentes autos ou seja a danos causados por partes comuns do condomínio.
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Na primeira instância foram considerados assentes os seguintes factos:
1. A A. exerce a industria de seguros.
2. No âmbito dessa actividade celebrou com Arsénio…… um seguro do ramo Multi-riscos habitação, titulado pela apólice n.º 47954725, por via do qual assumiu a A. a responsabilidade emergente de sinistros ocorridos na fracção sita na Estrada …………..
3. No dia 31 de Outubro de 2000 a fracção encontrava-se com água no chão da cozinha, corredor, despensa, sala de estar e sala de jantar.
4. A água penetrava na fracção através da pia de escoamento do lava loiça da cozinha e do tubo de escoamento de água da máquina de lavar roupa.
5. Em virtude do referido em 3) e 4) a canalização foi desentupida ao nível da coluna geral de esgotos do edifício onde se insere a fracção.
6. O referido em 3) foi participado à A. e esta solicitou uma peritagem ao local.
7. A peritagem foi realizada pela firma Tecnoper –Peritagens e Avaliações Lda.
8. A peritagem concluiu que o referido em 3) e 4) tinha origem num entupimento da coluna geral de esgotos do edifício.
9. Por causa do referido em 3) e 4) a pintura das paredes, armários de cozinha, portas e forro em madeira das escadas de acesso à sala de estar e dois móveis que estavam na despensa da fracção ficaram danificados.
10. Para reparação dos danos foram apresentados orçamentos e após análise deles a empresa que fez a peritagem concluiu que para reparação dos móveis da cozinha, degraus de madeira e substituição da porta seria necessária a quantia de €1296,97 e para reparar o interior dos armários da cozinha seria necessário despender a quantia de €399,04.
11. Conclui ainda que com trabalho de pintor (raspar e pintar carapas e acesso ao quintal, tinta de água em duas salas e preparação da pintura) seria necessário despender a quantia de €2.244,59.
12. E com trabalho de pedreiro – retirar móveis de cozinha, para o que seria necessário partir azulejos, repor os armários, material e mão-de-obra conclui ser necessária a quantia de 748,20 euros.
13. E para reparação dos dois móveis que estavam no interior da despensa concluiu a firma que seria necessário despender a quantia de 598,56 euros.
14. A A., com base nas conclusões da peritagem, pagou a Arsénio …………., em 9.7.2001, a quantia de €5.038,06 (já deduzida a franquia de €265,16) a título de indemnização pelos danos.
15. A A. pagou à Tecnoter, Lda. pelos serviços prestados a quantia de €355,41.
16. Arsénio……. exerceu as funções de administrador do condomínio a partir de 2 de Março e, pelo menos, até 14.7.2000.
17. A assembleia de condóminos reuniu em 14.7.2000 e consta da acta que “foi debatido na reunião as receitas de condomínio igualmente as despesas, a falta da factura da açoteia, o estado da parte da frente do prédio, das varandas, dos esgotos do prédio e da infiltração do quarto andar, do terceiro e do rés do chão. Fica decidido que a prioridade vai para repara as varandas.
18. Arsénio …….. é emigrante em França.
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A decisão recorrida tem como fundamento jurídico a aplicabilidade à situação factual, da disciplina prevista no n.º 1 do art.º 493º do Código Civil. Entende a recorrente que tal normativo é inaplicável à situação dos autos. Para tanto, defende que o citado preceito legal se refere às actividades perigosas em geral, pelo que, não encerrando a coluna geral de esgotos qualquer perigosidade, não lhe seria aplicável aquele regime.
Vejamos.
O art. 493º do CC, sistematicamente está inserido o capítulo da responsabilidade civil por facto ilícito e como decorre da sua epígrafe, regula a responsabilidade pelos danos causados por coisas, animais ou actividades. Tal normativo dispõe o seguinte:

«1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.»

Da simples leitura desta disposição ressaltam desde logo várias diferenças quer na estatuição quer na previsão da norma. O nº 1 prevê e regula os danos causados por coisas ou animais e pressupõe a existência dum dever de vigilância. O nº 2 reporta-se a actividades perigosas por natureza ou pelos meios utilizados e pressupõe um especial dever de diligência activa, por parte da pessoa que exerce ou controla essa actividade. Trata-se dum dano que é sempre imputável à pessoa e não à coisa. Como bem diz a recorrida “enquanto no n.º 2 é o carácter perigoso da actividade exercida que produz só por si a responsabilidade de quem a exerce, o n.º 1 pressupõe a detenção material da coisa causadora do dano ou um dever de vigilância da parte do imputado responsável”.
Em qualquer das duas situações existe uma presunção de culpa. Mas o regime da sua elisão é diferente para o caso dos danos previsto no n.º 1 – provocados por coisas ou animais- e o do nº2 –provocados por actividades perigosas. Na verdade enquanto nos danos provocados pelas coisas a responsabilidade é excluída pela prova da inexistência de culpa ou da inevitabilidade dos danos, designadamente pela relevância negativa da causa virtual, nos danos causados pela actividade perigosa esta última causa de exclusão da responsabilidade não é admitida ou seja só a prova da inexistência de culpa releva para o afastamento da presunção [2] , sendo portanto um regime mais gravoso, mas em todo o caso assente ainda na culpa (embora presumida ) [3] e não na responsabilidade objectiva, como parece defender o recorrente.
Ao recorrente, enquanto administrador, compete, nos termos do disposto no artigo 1430º n. º1 CC, a administração das partes comuns do edifício, o que pressupõe zelar pelo bom funcionamento e praticar todos os actos de conservação e manutenção das partes comuns. Daqui decorre para o administrador do condomínio um dever de vigilância sobre as partes comuns do edifício que, como quaisquer outras coisas, são sempre susceptíveis de provocar danos.
Incumbia ao recorrente, para afastar a sua responsabilidade, a alegação e prova de que tinha agido com a diligência devida ou seja que tinha zelado pelo bom funcionamento da coluna e tinha praticado todos os actos de conservação e manutenção da mesma ou que os danos se produziriam mesmo sem culpa sua. Não o fez e portanto bem andou o Tribunal ao responsabilizá-lo com fundamento na culpa presumida, porquanto sendo ele o administrador da coisa comum recaía sobre si o dever de a vigiar e conservar para prevenir quaisquer danos decorrentes da sua utilização.
Pelo exposto é óbvia a improcedência da apelação.
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Assim concordando-se com os fundamentos de facto e de direito da sentença, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a mesma.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.
Évora, em 11 de Maio de 2006.
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( Bernardo Domingos – Relator)

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( Pedro Antunes – 1º Adjunto)

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(Assunção Raimundo– 2º Adjunto)




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[1] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[2] Vd. Antunes Varela, in Das obrigações em Geral, 9ª ed. , pag. 616.
[3] Quanto aos efeitos jurídicos não existe diferença entre culpa presumida e culpa efectiva, afinal ambas são culpa….