Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1174/18.0T9STR.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA
ADVOGADO
FRAUDE FISCAL
"REINVESTIMENTO DOS VALORES DE REALIZAÇÃO"
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O crime de abuso de confiança é considerado como um alargamento do crime de furto (o chamado furto impróprio), pelo qual o agente que já detém a posse legítima do objeto material - dinheiro ou coisa móvel - comete o crime quando inverte o título dessa posse.

II. São elementos do tipo de ilícito: uma posse legítima de dinheiro ou de coisa móvel, pelo agente; a apropriação, descaminho, dissipação ou oneração do dinheiro ou coisa móvel. E o dolo.

III. Pode ser cometido por ação ou por omissão.

IV. O objeto da infração pode ser dinheiro, ou qualquer coisa móvel, que terão que ser alheios, podendo ser públicos ou particulares, mas que estejam ou na posse do agente ou lhe sejam acessíveis. Por sua vez aquela posse poderá abranger tanto a detenção material, como a disponibilidade jurídica sem necessidade de detenção material.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório

a. No 1.º Juízo (1) Local Criminal de Santarém, do Tribunal Judicial da comarca de Santarém, procedeu-se a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, de AA, nascido a … de 1973, com os demais sinais dos autos, acusado que estava da prática de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto no artigo 205.º, § 1.º e 4, al. b), por referência ao artigo 202.º al. b), ambos do Código Penal (CP).

Contra o arguido foi deduzido um pedido de indemnização civil (PIC) pela demandante e assistente (Semprafoito, Lda.), reclamando esta a condenação do demandado a pagar-lhe 250 000€ a título de prejuízo patrimonial causado pela apropriação dessa quantia e o montante de 49 307,84€ a título de outros prejuízos causados, acrescida de juros moratórios.

O arguido contestou a acusação e o PIC.

A final o arguido veio a ser condenado como autor de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto no artigo 205.º, § 1.º e 4.º, al. b) CP, na pena de 3 anos e 6 meses prisão suspensa na sua execução por igual período; e na pena acessória de proibição do exercício de função (artigo 66.º, § 1.º CP), enquanto advogado pelo período de 3 anos; mais sendo condenado a pagar à demandante BB, a título de indemnização, a quantia de 161 000€, acrescida de juros de juros moratórios, sendo absolvido do demais pedido.

b. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, tendo rematado a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. A douta sentença violou os artºs 127, 205 e 379-1-b) todos do C.P.P., e o artº 66-1) do C.P., bem como os princípios da proporcionalidade e do excesso.

2. A sentença em apreço, ao condenar o Recorrente pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado na pena de três anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução; na pena acessória de proibição do exercício de função, enquanto advogado, pelo período de 3 (três) anos e ao pagamento do montante de € 161.000,00, foi injusta e desproporcional, e excessiva.

3. A douta sentença não julgou convenientemente os factos e, totalmente ao arrepio da lei, aplicou sanção acessória de proibição do exercício da profissão de advogado, sem sequer comunicar a alteração substancial dos factos, de modo a que as garantias de defesa do Recorrente pudessem ser asseguradas.

4. A convicção expressa pelo Tribunal a quo não tem suporte razoável e sólido na prova e, em alguns casos, contraria as regras da experiência comum e está eivada de erros e tendenciosidades que merecem reparo sob pena de se cometer uma grave injustiça.

5. À luz do artigo 412.º, n.º 3 al. a) do CPP, vão impugnados os Ponto 11 a 15 da matéria de facto provada e 4 da matéria de facto não provada.

6. A impugnação dos pontos 11 a 15 assenta essencialmente nas declarações do Recorrente que merecem toda a credibilidade por não terem sido contrariadas por quaisquer elementos probatórios ou regras do normal acontecer ou da lógica, tanto mais que para o Tribunal a quo, neste ponto, assumiu relevância a prova documental constante dos autos e as declarações prestadas pelo Recorrente.

7. Quanto ao facto 12, não existiu interpelação para os singulares e singelos efeitos acolhidos na sentença, pois na verdade a Assistente estava de má-fé.

8. A prova documental impõe também a impugnação dos factos, concretamente conjugando as declarações do Recorrente com a análise do cheque e do balancete.

9. O documento que “titula” a confissão de dívida traduziu o facto simples de que na data em foi elaborado ainda se mostrar por entregar uma determinada quantia. Esse documento, conjugado com a postura processual da Assistente, evidencia manifesta e evidente má-fé por parte da mesma, facto que foi incompreensivelmente desconsiderado pelo Tribunal.

10. Tal documento, conjugado com as declarações do Recorrente e as regras da experiência comum aplicáveis à perceção da conduta da Assistente, impõe ainda dar como provado o ponto 4 da matéria de facto dada como não provada.

11. A prova, no seu conjunto, evidencia que a Assistente quis fazer sair, em definitivo, quer contabilisticamente, quer da sua conta bancária, a quantia dos 250.000,00 €, para assim ter um apuramento fiscalmente tributável.

12. O depoimento da testemunha AT, companheira que foi do falecido AV, afigura-se esclarecedor no sentido de evidenciar o mau relacionamento da Assistente com o seu pai e permite, considerando o conjunto da prova e de acordo com as regras da experiência comum, criar a convicção de que AV recebeu a quantia entregue pelo Recorrente e que este está de boa-fé.

13. Ainda que à luz da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal recorrido, não tendo absolvido o Recorrente, violaram-se os artigos 127.º CPP e 205.º do Codigo Penal.

14. A simples circunstância de existir uma confissão de dívida afasta totalmente qualquer imputação criminal de índole subjetiva, e o facto de ter havido interpelação para pagar não faz incorrer o comportamento do Recorrente na prática de um crime pois que o acordo expresso ou presumido do detentor do bem jurídico afasta a tipicidade da conduta do agente e no limite relega a causa para o foro cível.

15. O crime de abuso de confiança não se tem por praticado com a mera confusão da quantia titulada por cheque no património do arguido através do respetivo depósito em conta bancária sua, pois não pode considerar-se que tal depósito constitua necessariamente ato concludente de apropriação, exigindo-se ainda no plano objetivo a não restituição ou entrega da quantia em causa conforme acordado, ou a futura disposição da mesma de forma injustificada, a que deve acrescer o dolo correspondente.

16. Não há demonstração de que o Recorrente quis se apropriar da quantia recebida.

17. A atuação do Recorrente não se compagina com qualquer ato penalmente tipificado.

18. O Tribunal a quo interpretou erradamente o artigo 66.º do C. Penal ao tecer a ideia de que pelo facto de a prática da advocacia depender de inscrição em vigor junto da Ordem dos Advogados é uma profissão que se subsume ao n.º 2 daquele preceito.

19. A sentença ora recorrida, ao aplicar a sanção acessória prevista no artigo 66.º do C. Penal, incorreu na nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.

20. Entendendo-se em sentido contrário, desde já se suscita a inconstitucionalidade da norma constante no artigo 66.º, n.º 1 e 2 do C. Penal na dimensão interpretativa que permita aplicar a pena acessória de proibição do exercício de profissão ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n.º 1 e 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultantes, por violação do direito ao processo justo e equitativo por via da exigência de assegurar todas as garantias de defesa consagrado no artigo 32.º da CRP.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo provimento ao presente recurso deverá revogar-se a douta decisão recorrida, absolvendo-se o Recorrente, assim se fazendo a devida a tão costumada JUSTIÇA.»

c. Também inconformada, mas com a decisão relativa ao PIC, dela recorreu a demandante BB, tendo apresentado as seguintes conclusões (transcrição):

«(…) III - a recorrente discorda da matéria de facto dada como provada em 11., 12. e 13. e não provada em 3. da douta sentença recorrida.

DOS FACTOS QUE FORAM INDEVIDAMENTE DADOS COMO PROVADOS (Factos 11, 12 e 13)

c) Dos factos provados números 11, 12 e 13 constantes da sentença objeto de recurso

11 - O arguido procedeu ao depósito do referido cheque, no dia 18.04.2017, na conta bancária com o IBAN …, entretanto encerrada, de que o mesmo era titular na …, passando a dispor de parte do valor respetivo como se fosse seu.

12 – Apesar de interpelado para o efeito, o arguido não restituiu parte do valor correspondente ao montante previsto na cláusula penal no contexto do contrato-promessa de compra e venda, num montante não concretamente apurado mas não inferior a € 161.000,00, ainda hoje o conservando e usufruindo desse montante.

13 – Nas circunstâncias descritas, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o montante em questão não inferior a € 161.000,00, lhe não pertencia e que só lhe havia sido entregue no pressuposto de que o restituiria.

IV - Assim, fundamentando a douta decisão recorrida estabeleceu o tribunal a quo que:

“No que concerne à entrega do montante respeitante à cláusula penal e o seu subsequente depósito em conta da titularidade do arguido, assumiu relevância a prova documental constante dos autos, extrato bancário de fls. 106 e ss., e as declarações prestadas pelo arguido, o qual confirmou a abertura de conta para o efeito, apesar de qualquer montante decorrente da cláusula penal em questão não ser a este devida, respaldando-se, a este respeito na impossibilidade de abertura de conta para a sua representada -o que irreleva, neste quadro de acordo simulatório. Tem-se ainda em conta, no que respeita ao facto provado 12., que o arguido foi interpelado para efeitos de restituição do montante entregue e apropriado, tal facto resultou provado da prestação de declarações do arguido que o confirmou. A respeito do montante devido pelo arguido, o qual não foi restituído no seguimento da sua entrega ao abrigo da cláusula penal, renunciada pela beneficiária, estabelecida em contrato simulado, a convicção do tribunal de que tal verba se cifrará em montante não inferior a € 161.000,00 fundamenta-se sobretudo na confissão de dívida carreada para os autos pela assistente, datada de19.03.2018.Este documento foi essencial para a convicção do tribunal, na medida em que consubstancia, (não obstante as evidentes deficiências de redacção, apontando, exemplificativamente, a sociedade representada pelo arguido como devedora – sendo que a sua intervenção em todo este processo aparenta ter sido nominativa – e a representante legal da assistente – antes que a assistente-como credora), uma admissão explícita do arguido de que à entrega do montante pela assistente subjazeria uma obrigação de restituição, que, nas palavras do declarante, se cifraria em € 161.000,00. Tal entendimento em nada é beliscado pelo facto de a confissão de dívida ser um negócio jurídico unilateral que dispensa a indicação da causa da dívida. Veja-se que o documento em questão é gerador de obrigações, facto esse amplamente conhecido do seu autor/declarante, o arguido, que é advogado, pelo que, em face das regras da experiência comum, é segura a convicção que não haja sido restituído à assistente um montante nunca inferior a € 161.000,00. A respeito deste documento, o arguido nas suas declarações referiu que o mesmo se tratou de “um erro”, não havendo, assim, qualquer explicação plausível ou verosímil em sentido diverso daquele que se expendeu no parágrafo antecedente. No que importa à imputação subjectiva do ilícito ao arguido(factos provados de 13.a 15.,os mesmos como factos do foro intimo do arguido resultaram provados da conjugação dos restantes factos provados 3. a 12. dos quais se inferem de acordo com as regras da experiência comum, notando-se que a arquitetura negocial de que o arguido tomou parte, (entre a celebração de contrato simulado e a abertura de conta para a receção de montante ao abrigo desse contrato), é inteiramente capaz de revelar uma intenção inequívoca de praticar os factos em questão, como efetivamente o logrou fazer, de forma livre e deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

V – ACV legal representante da assistente esclareceu não havia intenção do arguido de devolver a quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) identificados nos autos, o que sucedeu, não tendo sido devolvida pelo arguido qualquer quantia referente à totalidade do valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), e nunca a legal representante da assistente foi contactada pelo arguido para receber pagamentos por conta do valor do cheque existente nos autos e do qual o arguido se apropriou. (declarações de ACV, gravação dia 08/09/2021, 20210908155152-2878174-2871715, das 15:51:53 às 16:22:23 e 16:27:37 às 16:43:44, respetivamente).

VI - A testemunha PM que está casado com a legal representante da assistente narrou que o arguido não procedeu à devolução de qualquer valor referente à totalidade da quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), encontrando-se esse valor em aberto na contabilidade da assistente, esclarecendo que sendo marido da legal representante da assistente deslocou-se vinte a trinta vezes ao escritório do arguido que é advogado para resolver a situação da devolução do valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) sem qualquer resultado.(depoimento de PM, gravação dia 12/10/2021, 20211012101855-2878174-2871715, das 10:18:56 às 10:40:23).

VII - A testemunha DN, que foi técnico oficial de contas da assistente, esclareceu que não teve conhecimento de qualquer pagamento por parte do arguido referente à totalidade do valor de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) identificado nos autos, não existindo contabilização de qualquer valor para a assistente, salientando que quando questionava o senhor AV e a filha ACV sobre a devolução dos € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) pelo arguido, os mesmos respondiam que não tinham esperança em receber esse dinheiro. (depoimento de DN, gravação dia 12/10/2021, 20211012104116-2878174-2871715, das 10:41:17 às 10:52:18 e das 10:55:30 às 11:20:23).

VIII - A testemunha AT, companheira de AV, prestou depoimento no sentido de nunca se ter deslocado ao escritório do arguido para receber qualquer quantia por conta do valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), desconhecendo se o seu falecido companheiro se tivesse deslocado ao referido escritório ou tivesse recebido qualquer quantia do arguido. (depoimento de AT, gravação dia 12/10/2021, 20211012112618-2878174-2871715, das 11:26:19 às 11:41:11).

IX - Da conjugação dos documentos juntos aos autos com os depoimentos das testemunhas PM, DN, AT, que são testemunhas que conheciam o arguido e tinham ligações à legal representante da assistente seja por via profissional seja por laços familiares, em conjunto com as declarações da legal representante da assistente, e as declarações do próprio arguido, resultou provado que este não restituiu qualquer montante à assistente por conta do valor total de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) de que se apropriou através do cheque número 0659358473 sacado sobre a conta bancária número 40259330590 de que a assistente é titular na ….

X - O arguido, sendo advogado de profissão, não juntou qualquer prova aos presentes autos de que tivesse efetuado qualquer pagamento à assistente, tendo por finalidade a restituição da totalidade do valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).

XI - O tribunal a quo deveria ter julgado como provados os factos 11.,12. e 13. constantes da sentença recorrida, com as devidas alterações e nos seguintes termos que se requerem, produzindo-se os respetivos efeitos legais:

11 - O arguido procedeu ao depósito do referido cheque, no dia 18.04.2017, na conta bancária com o IBAN …, entretanto encerrada, de que o mesmo era titular na …, passando a dispor da totalidade do valor respetivo como se fosse seu.

12 – Apesar de interpelado para o efeito, o arguido não restituiu o valor correspondente ao montante previsto na cláusula penal no contexto do contrato-promessa de compra e venda, no montante de € 250.000,00, ainda hoje o conservando e usufruindo desse montante.

13 – Nas circunstâncias descritas, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o montante em questão de € 250.000,00, lhe não pertencia e que só lhe havia sido entregue no pressuposto de que o restituiria.

XII - Pelo que, se considera para efeitos da al. a) n.º 3 do artigo 412.º do CPP, que os mesmos foram incorretamente julgados.

XIII - DO FACTO QUE FOI INDEVIDAMENTE DADO COMO NÃO PROVADO (Facto 3)

d) Do facto não provado número 3 constante da sentença objeto de recurso

3 – Que como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a BB sofreu um prejuízo patrimonial decorrente de não puder utilizar o valor de € 250.000,00, no exercício da sua atividade profissional, prejudicando financeiramente a mesma, e originando diretamente resultados negativos em 2018 de € 24.653,92 e em 2019 de € 24.653,92, o que perfaz o prejuízo de € 49.307,84.

XIV-Assim, fundamentando a douta decisão recorrida estabeleceu o tribunal a quo que:

“Relativamente ao prejuízo patrimonial decorrente da privação dos € 250.000,00 na atividade comercial da assistente, com repercussão nos resultados dos exercícios de 2018 e 2019, tal facto não provado 3. não foi provado em audiência de julgamento.

Não se fez prova da perda desses exercícios, nem tão pouco da causalidade entre essa eventual perda e a privação que se relatou”.

XV - ACV legal representante da assistente, declarou que a assistente teve prejuízos nos últimos três anos, depois de ter sido privada do valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) de que o arguido se apropriou, confirmando em sede de julgamento, o teor do documento de folhas 133 que reflete a demonstração de prejuízos da empresa em 2018 no valor de € 24.653,92 e consequente prejuízo em 2019 no valor de € 24.653,92, o que totaliza o valor de € 49.307,84 (declarações de ACV, gravação dia 08/09/2021, 20210908155152-2878174-2871715, das 15:51:53 às 16:22:23 e 16:27:37 às 16:43:44, respetivamente).

XVI - Da conjugação do documento de folhas 133 junto aos autos com as declarações da legal representante da assistente, resultou provado que a conduta do arguido ao não restituir o valor de € 250.000,00 à assistente, não podendo esta utilizar o mesmo no exercício a sua atividade profissional, prejudicou-a financeiramente, originando diretamente resultados negativos em 2018 de € 24.653,92 e em 2019 de € 24.653,92, o que perfez o prejuízo de € 49.307,84.

XVII - O tribunal a quo deveria ter julgado como provado o facto 3. constante do elenco dos factos não provados da douta sentença ora objeto de recurso, pelo que se peticiona a sua alteração como assente por provado, o que se requer com as legais consequências.

XVIII - Pelo exposto, considera-se para efeitos da al. a) n.º 3 do artigo 412.º do CPP, que o mesmo foi incorretamente julgado.

XIX - A pretensão da recorrente assenta, na obrigação de indemnizar fundada na responsabilidade por factos ilícitos, sendo o regime aplicável o que resulta da conjugação dos artigos 483.º, 487.º, 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil.

XX - Nos termos do artigo 483.º do Código Civil são pressupostos da responsabilidade subjetiva ou por factos ilícitos:

5) Um facto voluntário do agente;

6) A ilicitude desse facto;

7) Que da violação do direito subjetivo ou da lei sobrevenha um dano;

8) E que se verifique a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima (neste sentido ver Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 495, 6.ª Ed., Coimbra-1989).

XXI - No caso dos autos, reúnem-se todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, em concreto a violação de um direito ou interesse alheio, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, relativamente aos factos dados como provados.

XXII - A regra geral em sede de obrigação de indemnizar é a reparação natural (artigo 566.º n.º 1 do Código Civil), contudo, não sendo esta possível, haverá lugar à indemnização em dinheiro.

XXIII - Conforme estabelecido no artigo 564.º n.º 1 do Código Civil a indemnização compreende os danos emergentes “prejuízos causados” e os lucros cessantes “os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.

XXIV – Resulta provado que o recorrido se apropriou ilegitimamente da quantia de € 250.000,00, contida no cheque número …, sacado sobre a conta bancária número … cuja titular é a recorrente na …, não restituindo qualquer quantia à assistente por conta do valor em referência, através da alteração da matéria de facto dada como assente no que concerne aos factos provados em 11., 12. e 13. para os devidos efeitos legais.

XXV - Mais se provou que a conduta do recorrido ao não restituir o valor de € 250.000,00 à recorrente, impedindo esta de utilizar o mesmo no exercício da sua atividade profissional, prejudicou-a financeiramente, originando diretamente resultados negativos em 2018 de € 24.653,92 e em 2019 de € 24.653,92, o que perfez o prejuízo de € 49.307,84.

XXVI - Verifica-se relação de causalidade adequada entre o facto ilícito praticado pelo recorrido e os prejuízos sofridos pela recorrente.

XXVII - Pelo exposto, o recorrido deverá ser condenado no pagamento à recorrente do montante cifrado em € 250.000,00 de que se apropriou ilegitimamente, e no pagamento do valor de € 49.307,84 referente aos prejuízos financeiros sofridos pela empresa nos anos de 2018 e 2019, respetivamente, refletindo-se em resultados negativos anuais, por privação da quantia de € 250.000,00 em referência, e consequente não aplicação no exercício da sua atividade económica.

XXVIII - Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença proferida com as legais consequências.»

d. Admitidos os recursos o Ministério Público apresentou-se a responder ao que foi apresentado pelo arguido, concluindo que:

«(…)

3. (…) cremos não assistir razão ao Recorrente, sendo de rejeitar a sua impugnação quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, porquanto,

4. O Recorrente fez uso de uma ponderação discricionária da prova produzida em julgamento, ao invés de proceder a uma análise objetiva e a uma crítica imparcial e contextualizada da mesma.

5. Bem andou o Douto Tribunal a quo ao dar como provado a existência de um negócio simulado subjacente à entrega da quantia que lhe foi transferida pela assistente, sem que tenha dado como provado que tenha existido crime de índole fiscal por parte desta, como o Recorrente parece fazer crer.

6. Não resultou provado em sede de audiência e julgamento que assim tenha sido, porquanto não se apurou pela existência de crime, nem tão pouco o valor do lucro tributário que a BB havia alcançado com dal desiderato.

7. Das declarações prestadas pela legal representante da assistente assim como pelo contabilista também não foi possível apurar pela existência de crime fiscal ou que o mesmo tenha estado na génese da realização do referido negócio simulado.

8. Resultou, por outro lado provado, quer das declarações prestadas pelo arguido, quer pela legal representante da assistente, que o arguido foi interpelado para proceder à devolução da referida quantia, tendo-o sido por diversas e consecutivas vezes, sem que tenha procedido, na totalidade. à mesma.

9. Assim como, resultou provado que o arguido outorgou declaração de dívida no valor de 161.000,00€ (sessenta e um mil euros), bem sabendo e tendo consciência, mormente atendendo à sua profissão, do que a mesma significava e do teor do seu conteúdo.

10. Bem andou o Douto Tribunal a quo na subsunção jurídica que fez dos factos ao direito, porquanto resulta efetivamente provado que o arguido cometeu um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º n.º 1 e 4.º do Código Penal. Efectivamente,

11. Ficou patente que o arguido se apropriou da quantia de 161.000,00€ (cento e sessenta e um mil euros) e que lhe foram entregues por título não translativo da propriedade.

12. Apesar de sucessivamente interpelado, passou a comportar-se como se de o proprietário se tratasse, tendo feito uso e gerido a mesma da forma que melhor entendeu.

13. Atendendo as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que os factos foram praticados, resulta provado que o arguido atuou com dolo direto, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo ainda assim agido de forma livre, consciente e voluntária.

14. Mais se conclui que a profissão liberal de Advogado se insere no âmbito do disposto no artigo 66.º n.º 2 do Código Penal, devendo ser feita uma interpretação extensiva da referida norma.

15. A ordem dos Advogados é uma associação pública profissional, de interesse e relevância pública, apenas podendo exercer e aceder à profissão de Advogado quem nela se encontrar inscrito e após lhe ser atribuído o respetivo título.

16. Encontram-se preenchidos os requisitos materiais e formais para a aplicação do artigo 66.º do Código Penal.

17. A sua aplicação está apenas dependente da verificação dos referidos requisitos, estando a sua aplicabilidade na disponibilidade do julgador.

18. Assim, entende-se que contrariamente ao alegado pelo arguido, o Tribunal a quo seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, fazendo a devida conjugação entre a livre apreciação da prova e os critérios da experiencia comum e normalidade, não havendo por isso lugar à aplicação do disposto no artigo 412.º n.º 3 alínea b) do Código Processo Penal, nem tão pouco a Douta Sentença deve ser considerada nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2, alínea b) e c).

19. Não assiste também razão ao Recorrente no que diz respeito à aplicação da pena acessória, não estando a sentença enfermada de qualquer nulidade, nomeadamente da prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do Código Processo Penal.»

e) Respondeu o demandado, concluindo, no essencial, que o documento de confissão de dívida traduz o valor em dívida deste à demandante na data da sua emissão, pelo que o recurso carece de fundamento.

f. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu Parecer no sentido do não provimento do recurso.

g. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º do CPP, nada mais se acrescentou.

h. Foi efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, tendo os autos ido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Delimitação do objeto do recurso O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (2)

Sendo as questões a examinar neste caso as seguintes:

a. Recurso do arguido

i. Nulidade da sentença por condenação por factos diversos dos descritos na acusação (artigo 379.º, § 1.º, al. b) CPP);

ii. Erro de julgamento da questão de facto concernente aos factos julgados provados 11 a 15 e ao facto não provado alinhado em 4;

iii. Erro de julgamento de direito - qualificação jurídica dos factos (não se verifica o crime de abuso de confiança);

iv. Condenação surpresa em pena acessória, não indicada nem solicitada pela acusação, sem prévio incidente para exercício do contraditório;

v. Pena acessória não é aplicável a advogados;

vi. Penas aplicadas são excessivas.

b. Recurso da assistente

i. Erro de julgamento da questão de facto concernente aos factos julgados provados 11, 12 e 13 e ao facto não provado alinhado em 3. 2.

A sentença recorrida

2.1. Na sentença recorrida, o tribunal a quo fez constar o seguinte quanto a factos provados, factos não provados e motivação da decisão de facto (transcrição):

Factos provados

«1.- A sociedade BB, com sede na …, …, …, tem como objecto social a vitivinicultura, olivicultura e produção de azeite, cultura de frutos de casca rija, criação e comercialização de bovinos e comercialização de produtos agrícolas.

2.- À data dos factos abaixo descritos ACV era gerente da sociedade, obrigando-se a mesma com a sua intervenção.

3.- Assistente BB, procedeu à venda dum prédio rústico e de um prédio misto denominados …, sito em …, União das Freguesias de ….

4.- O prédio rústico era composto de cultura arvense e olival, com a área de … m2 (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, da freguesia de …, lá registado a favor da sua representada pela AP. … de …, inscrito na respectiva matriz sob os artigos …, todos da secção …, da aludida União de Freguesias, pelo preço de 550.000,00€.

5.- O Prédio misto, denominado …, sito em …, União das Freguesias de …, concelho de …, era composto de cultura arvense de sequeiro, pastagem ou pasto, olival e solo subjacente de cultura arvense em olival, casa de rés-do-chão para habitação, arrecadações agrícolas e logradouro, com a área total de … m2 (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, da freguesia de …, lá registado a favor da sua representada pela AP. …, inscrito nas respectivas matrizes sob os artigos … da secção …, e, …, ambos da aludida União de Freguesias, pelo preço de 750.000,00€.

6.- O valor global da venda efectuada pela BB, dos referidos e melhor descritos prédios foi de 1.300.000,00€ (um milhão e trezentos mil euros)

7.- No dia 25.06.2016, a sociedade BB, enquanto promitente adquirente e representada por ACV, celebrou com a sociedade ZZ, enquanto promitente alienante e representada pelo arguido, seu procurador, contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano, situado em …, freguesia de …, concelho de …, descrito na conservatória do registo predial de … sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º …, pelo preço de € 900 000 (novecentos mil euros).

8.- Tal contrato-promessa foi revogado por acordo entre as partes, através de documento intitulado de “Acordo de Resolução de Contrato de Promessa de Compra e Venda”, no mesmo dia 25.06.2016, havendo a ZZ renunciado à efectivação da cláusula penal prevista no contrato referido no ponto anterior.

9.- ACV preencheu, assinou e entregou ao arguido, com data de 30.12.2016 e em …, o cheque n.º …, no valor de € 250.000,00, sacado sobre a conta bancária n.º … de que a BB é titular na …, correspondente ao montante de cláusula penal prevista para o incumprimento definitivo do referido no contrato-promessa de compra e venda devido à ZZ.

10.- O contrato-promessa foi celebrado entre as partes outorgantes sem que estas tivessem qualquer propósito de assumir as obrigações decorrentes do mesmo, isto é, a celebração do contrato prometido e, com o intuito da BB de evitar tributação fiscal, decorrente de lucros que a sociedade teve com as anteriores vendas.

11.- O arguido procedeu ao depósito do referido cheque, no dia 18.04.2017, na conta bancária com o IBAN …, entretanto encerrada, de que o mesmo era titular era titular na …, passando a dispor de parte do valor respectivo como se fosse seu.

12.- Apesar de interpelado para o efeito, o arguido não restituiu parte do valor correspondente ao montante previsto na cláusula penal no contexto do contrato-promessa de compra e venda, num montante não concretamente apurado mas não inferior a € 161.000,00, ainda hoje o conservando e usufruindo desse montante.

13.- Nas circunstâncias descritas, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o montante em questão não inferior a € 161.000,00, lhe não pertencia e que só lhe havia sido entregue no pressuposto de que o restituiria.

14.- O Arguido quis fazer esse valor coisa sua, contra a vontade da sua legítima titular.

15.- O Arguido conhecia não ser permitida tal conduta e que a mesma era punida por lei, sendo capaz de a orientar de harmonia com esse conhecimento.

16.- O arguido respondeu e foi condenado, por factos datados do ano de 2013, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107.º (por referência ao artigo 105.º n.ºs 1 e 4) do Regime Geral das Infracções Tributárias e artigo 30.º n.º 2 do Código Penal, por sentença datada de 12.11.2018 com trânsito em 12.12.2018, na pena de multa de 110 dias à razão diária de € 9,00, no montante global de € 990,00, a qual se extinguiu por cumprimento no dia 06.06.2019.

17.- O arguido alterna a sua vida entre Londres, uma semana por mês, e Portugal.

18.- O Arguido quando se encontra em Londres, vive sozinho em casa de um seu amigo e a título gratuito, na …, e em Portugal partilha a casa com a esposa de quem se encontra separado, mas com a qual mantém relações cordiais, em …, aldeia limítrofe de …, ou vive no agregado familiar dos pais, na cidade de ….

19.- A casa onde o Arguido vive com a esposa e os filhos é bem próprio desta.

20.- O arguido é advogado, profissão que detém desde 1999, com escritório em ….

21.- O arguido aufere um vencimento que ronda os € 2.000,00 a € 2.500,00 mensais e tem como principais despesas, a pensão de alimentos aos dois filhos no valor mensal total de € 400,00, a amortização de empréstimo do escritório de … no valor mensal de € 210,00 e em deslocações a Londres o valor mensal de € 500,00.

22.- O arguido contribui em metade com a sua esposa nas despesas de saúde e de educação dos filhos, num valor que varia em conformidade das necessidades das crianças.

23.- O arguido passa com regularidade fins-de-semana com os filhos, e sempre que possível durante a semana, mantendo um processo de comunicação estável com a sua esposa, mãe das crianças.

24.- O arguido tem uma boa dinâmica de relacionamento com os pais e com os irmãos, convivendo com regularidade com os mesmos.

25.- O arguido não desenvolve actividades de lazer estruturadas, dedicando os seus tempos livres ao convívio com os amigos e familiares.

26.- O arguido integrou um agregado constituído pelos pais e dois filhos.

27.- O processo de socialização do Arguido decorreu num contexto familiar caracterizado por estabilidade afectiva e material, sujeito a um modelo educativo normativo.

28.- O pai do arguido foi … e a sua mãe …, exercendo ambos uma constante supervisão sobre o crescimento dos filhos.

29.- O percurso escolar do arguido foi normativo, tendo concluído o curso de Direito, na Universidade … em Lisboa.

30.- Após o termo do referido curso, o arguido fez estágio profissional no DIAP, ordem dos advogados, durante 6 meses.

31.- O arguido contraiu matrimónio aos 26 anos de idade com …, de quem se separou de comum acordo em 2018, situação que ainda não culminou no divórcio, mantendo uma relação de amizade com a mesma.

32.- Do referido casamento nasceram dois filhos, um maior de idade e outro menor de idade, ambos dependentes e estudantes.

33.- O arguido revela competências pessoais e sociais, denotando capacidades de pensamento consequencial, conseguindo reflectir sobre as consequências dos seus actos em si e nos outros.»

Factos não provados

«1.- Que o arguido solicitou a ACV que lhe entregasse o valor de € 250.000,00, através de cheque, a pretexto de, conforme procedimento habitual da ZZ, o mesmo ter de ser registado na contabilidade desta sociedade;

2.- Que os € 250.000,00 supra referidos em II A) 9.- haviam sido entregues ao arguido, mediante a emissão do cheque supra referido em II A) 9.-, para a realização de registo contabilístico, no pressuposto que os restituiria imediatamente após tal registo;

3.- Que como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a BB sofreu um prejuízo patrimonial decorrente de não poder utilizar o valor de € 250.000,00, no exercício da sua actividade profissional, prejudicando financeiramente a mesma, e originando directamente resultados negativos em 2018 de € 24.653,92 e em 2019 de € 24.653,92, o que perfaz o prejuízo de € 49.307,84;

4.- Que o arguido restituiu a totalidade dos € 250.000,00 entregues a título de cláusula penal no contexto do contrato-promessa supra referido em II A) 7.- à promitente adquirente BB, na pessoa da sua gerente ACV, ou de seu falecido pai, anterior gerente.»

Motivação da decisão de facto

«O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados na análise crítica do conjunto da prova produzida.

Efectivamente não basta a indicação dos meios de prova pré constituídos e produzidos audiência de julgamento que serviram para fundamentar a sentença.

É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto. Trata-se de significativa alteração do regime do Código de Processo Penal de 1929, e mesmo do que, segundo alguma doutrina, anteriormente, vigorava por alterações introduzidas no C.P.P.

Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.

A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, conforme impõe o art. 410°, n.º 2. do C. P. P.

E extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade.

A matéria de facto provada e não provada acima identificada resultou do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento e demais prova documental junta aos autos examinadas em audiência, sendo a convicção do Tribunal fundada na apreciação crítica da prova nos seguintes termos.

A prova produzida traduziu-se nas declarações prestadas pelo arguido, em conjugação com as declarações prestadas pela representante legal da assistente ACV e o depoimento do técnico oficial de contas DN que havia prestado no passado serviços de contabilidade à assistente. A estas declarações e depoimentos acresce a prova documental dos autos, analisada em audiência, designadamente, o contrato-promessa de compra e venda celebrado a 25.06.2016 e a respectiva revogação com a mesma data, bem como a confissão de dívida emitida a 19.03.2018 pela sociedade representada pelo arguido a favor da representante legal da assistente e ainda a escritura de compra e venda dos prédios supra referidos em 3.- a 6.- dos factos provados junta na contestação a acção penal por parte do Arguido.

Por seu turno, os depoimentos do marido da assistente e da então companheira de anterior gerente da assistente, entretanto falecido, tiveram uma influência meramente acessória na formação da convicção do tribunal, já que o primeiro depoimento foi essencialmente corroborante das declarações prestadas pela sua esposa, com conhecimento indirecto de certos factos, e constatando-se que a segunda não demostrou ter conhecimento dos factos em questão.

Ora, os factos provados 1.- a 9.- resultaram da sua admissão pelo arguido e pela análise da prova documental constante dos autos, na qual se inclui a escritura de compra e venda junta pelo Arguido na sua contestação, inexistindo qualquer controvérsia acerca dos mesmos.

Já no que se refere aos factos 10.- a 12.-, os mesmos resultaram como provados em função da conjugação de todos os elementos probatórios acima elencados.

Efectivamente o arguido prestou declarações em sede de audiência de julgamento, no sentido de o contrato-promessa haver sido celebrado entre as partes outorgantes com o propósito de gerar uma perda, correspondente à cláusula penal a favor da promitente alienante ZZ, por forma a reduzir o impacto tributário de uma mais valia resultante de uma venda precedente realizada pela promitente adquirente BB, subjazendo ao referido contrato outro acordo, através do qual o arguido restituiria o montante da cláusula penal devida à sua representada pela BB, na pessoa da sua gerente ou de seu falecido pai, anterior gerente.

Mais indicou que a revogação do contrato-promessa contemplava uma cláusula através da qual a ZZ abdicava da referida cláusula penal prevista nesse contrato, por forma a legitimar que o montante correspondente não ingressasse na sua contabilidade e houvesse sido entregue ao arguido.

Esta narrativa mereceu do tribunal um grau de credibilidade não despiciendo. A convicção do tribunal formou-se no sentido de o contrato promessa haver sido efectivamente celebrado de forma fraudulenta, havendo procedido as partes à sua simulação e inexistindo qualquer vontade contratual vinculante das mesmas.

Realmente não é crível, em função das regras da experiência comum e a normalidade dos eventos da vida, que as partes contratuais celebrem um acordo vinculante com a fixação de uma cláusula penal e, na mesma data, celebrem igualmente um acordo de revogação no qual se indica que o contrato foi definitivamente incumprido e no qual a parte beneficiária abdica da cláusula penal em seu favor.

Não é compatível com a vontade de celebrar o contrato prometido a vontade, concomitante, de destruir o negócio, o que faz concluir, sem equívocos, tratar-se de um contrato simulado.

A este entendimento acresce o facto de a gerente da assistente não haver aduzido quaisquer razões coerentes ou lógicas para a não celebração do contrato prometido, pois que, de facto, estas inexistiam salvo considerando o contexto da simulação negocial.

Em acréscimo, ainda, releva-se o facto de a testemunha DN, anterior contabilista da assistente, não ter explicado a razão de haver contabilizado a perda de € 250.000,00 da sociedade, porquanto indicou ter recebido para contabilização o contrato-promessa e a respectiva revogação, sendo que este último documento implicaria a inexistência de qualquer perda, em face da renúncia à cláusula penal nele ínsita.

Sendo inequívoca a celebração de um contrato simulado, não se demonstrou, de forma apta a formar decisivamente a convicção deste tribunal, os motivos subjacentes a tal pacto simulatório.

O facto provado 10.- foi dado como provado em função das considerações acabadas de proferir e porque a sua veracidade foi confirmada pelo arguido.

No que concerne à entrega do montante respeitante à cláusula penal e o seu subsequente depósito em conta da titularidade do arguido, assumiu relevância a prova documental constante dos autos, extracto bancário de fls. 106 e ss., e as declarações prestadas pelo arguido, o qual confirmou a abertura de conta para o efeito, apesar de qualquer montante decorrente da cláusula penal em questão não ser a este devida, respaldando-se, a este respeito na impossibilidade de abertura de conta para a sua representada – o que irreleva, neste quadro de acordo simulatório.

Tem-se ainda em conta, no que respeita ao facto provado 12.-, que o arguido foi interpelado para efeitos de restituição do montante entregue e apropriado, tal facto resultou provado da prestação de declarações do Arguido que o confirmou.

A respeito do montante devido pelo arguido, o qual não foi restituído no seguimento da sua entrega ao abrigo de cláusula penal, renunciada pela beneficiária, estabelecida em contrato simulado, a convicção do tribunal de que tal verba se cifrará em montante não inferior a € 161.000,00 fundamenta-se sobretudo na confissão de dívida carreada para os autos pela assistente, datada de 19.03.2018.

Este documento foi essencial para a convicção do tribunal, na medida em que consubstancia, (Não obstante as evidentes deficiências de redacção, apontando, exemplificativamente, a sociedade representada pelo arguido como devedora – sendo que a sua intervenção em todo este processo aparenta ter sido nominativa – e a representante legal da assistente – antes que a assistente – como credora), uma admissão explícita do arguido de que à entrega do montante pela assistente subjazeria uma obrigação de restituição, que, nas palavras do declarante, se cifraria em € 161.000,00. Tal entendimento em nada é beliscado pelo facto de a confissão de dívida ser um negócio jurídico unilateral que dispensa a indicação da causa da dívida. Veja-se que o documento em questão é gerador de obrigações, facto esse amplamente conhecido do seu autor / declarante, o arguido, que é advogado, pelo que, em face das regras da experiência comum, é segura a convicção que não haja sido restituído à assistente um montante nunca inferior a € 161.000,00.

A respeito deste documento, o arguido nas suas declarações referiu que o mesmo se tratou de “um erro”, não havendo, assim, qualquer explicação plausível ou verosímil em sentido diverso daquele que se expendeu no parágrafo antecedente.

No que importa à imputação subjectiva do ilícito ao arguido (factos provados de 13.- a 15.-, os mesmos como factos do foro intimo do Arguido resultaram provados da conjugação dos restantes factos provados 3.- a 12.) dos quais se inferem de acordo com as regras da experiência comum, notando-se que a arquitectura negocial de que o arguido tomou parte, (entre a celebração de contrato simulado e a abertura de conta para a recepção de montante ao abrigo desse contrato), é inteiramente capaz de revelar uma intenção inequívoca de praticar os factos em questão, como efectivamente o logrou fazer, de forma livre e deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Os antecedentes criminais do arguido – facto provado em 16.- resultou da consulta e análise do seu Certificado de Registo Criminal junto aos autos, datado de 31.08.2021, junto com a referência CITIUS ….

Por seu turno, o enquadramento sócio-económico e as condições pessoais do arguido – constantes dos factos provados 17.- a 33.- –, resultaram da consulta e análise do relatório social elaborado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais de 10.03.2020, junto aos autos com a referência CITIUS …, por iniciativa do tribunal e das declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de julgamento, sendo estes dois elementos merecedores de credibilidade.

Relativamente aos factos não provados 1.- e 2.- não se demonstrou que a entrega ao arguido dos € 250.000,00 por parte da assistente haja resultado de solicitação daquele, por forma a proceder ao registo contabilístico dessa entrada, com a concomitante obrigação de restituir. Não tendo havido qualquer intenção de celebrar o negócio em questão – o que consubstancia forte convicção deste tribunal – não se percepciona como possível ou verosímil que, volvidos seis meses da celebração do acordo simulado, o arguido – procurador da sociedade promitente alienante e advogado da assistente, à data – pedisse e lograsse alcançar a entrega de um montante que era consabidamente indevido, para efeitos de registo contabilístico. Não foi feita qualquer prova neste sentido.

Relativamente ao prejuízo patrimonial decorrente da privação dos € 250.000,00 na actividade comercial da assistente, com repercussão nos resultados dos exercícios de 2018 e 2019, tal facto não provado 3.- não foi provado em audiência de julgamento.

Não se fez prova da perda desses exercícios, nem tão-pouco da causalidade entre essa eventual perda e a privação que se relatou.

Por fim, a respeito da restituição integral pelo arguido à assistente do montante de € 250.000,00, tal facto não provado 4.- resulta como não provado em função da confissão de dívida sobre cujo valor probatório se expendeu acima.

Efectivamente resultou o contrário da prova produzida em audiência, isto é, que o arguido não restituiu a integralidade do montante entregue pela assistente, sendo o montante concreto, não inferior àquele constante da confissão de dívida, (€ 161.000,00).»

C. Apreciando

1. Da apontada nulidade da sentença por aditamento de factos não descritos na acusação Sustenta o recorrente que «ao aplicar a sanção acessória prevista no artigo 66.º do Código Penal, incorreu na nulidade prevista na al. b) do § 1.º, do artigo 379.º CPP.»

Mas não tem razão. Vejamos porquê.

Dispõe o citado inciso normativo que:

«1 - É nula a sentença:

(…) b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;»

Ora, a aludida nulidade assenta num acrescento de factos ao objeto do processo, tal como delimitado pela acusação. Sucede que o recorrente não indica que facto (ou factos) terá (terão) sido aditado(s)! E não o indica porque nenhum houve, porquanto, no confronto da acusação com a sentença ele(s) não se vislumbra(m)! E tanto é o suficiente para afirmar a inconsistência deste fundamento do recurso. O que sucedeu foi algo diverso. O tribunal considerou que os factos provados (integralmente provenientes da acusação) implicavam a alteração da sua qualificação jurídica e, consequentemente da aplicação de pena acessória, como veio a suceder, apesar de a acusação nenhuma referência ter feito a tal propósito. Mas esta, sendo questão juridicamente relevante, nada tem que ver com a nulidade assinalada, antes com a preterição de contraditório relativamente à aludida alteração da qualificação jurídica dos factos, isto é, com a vulneração de garantia essencial de defesa, por se não ter suscitado na audiência o incidente apropriado, tal-qualmente o Supremo Tribunal de Justiça assinalou em acórdão uniformizador (n.º 7/2008 – DR, I, de 30jul2008). Esta questão, também suscitada no recurso (alinhada supra como questão iv. a conhecer neste acórdão), será objeto de referência no momento próprio.

2. Erro de julgamento da questão de facto – relativamente aos factos provados 11 a 15 e aos não provados 3 e 4 (todos os assinalados por ambos os recorrentes)

Ambos os recorrentes apontam erros ao julgamento da questão de facto, lançando mão da chamada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP, por considerarem que o Tribunal recorrido considerou provados determinados factos, sem que deles haja sido feita prova, pelo que deveriam ter sido considerados não provados; ou quando o Tribunal julgou não provado algum facto, relativamente ao qual foi produzida prova que impõe a sua consideração como provado.

A circunstância, assaz evidente, da ausência de imediação do Tribunal de 2.ª instância com a aprova declaratória, implica que este só possa alterar o decidido pela 1.ª instância, quando as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (e não apenas que a permitam – conforme refere a a al. b) do § 3.º do artigo 412.º CPP).

A recorrente cível considera que o facto alinhado em 3. do acervo dos não provados, deveria ter sido julgado provado.

Tal facto é o seguinte:

«como consequência direta e necessária da conduta do arguido, a BB sofreu um prejuízo patrimonial decorrente de não poder utilizar o valor de 250 000€, no exercício da sua atividade profissional, prejudicando financeiramente a mesma, e originando diretamente resultados negativos em 2018 de 24 653,92€ e em 2019 de 24 653,92€, o que perfaz o prejuízo de 49 307,84€;»

O fundamento probatório que alega a recorrente são as declarações prestadas na audiência pela sua gerente ACV, que ali confirmou o documento (da demandante) no qual se faz a afirmação de tais prejuízos! Considerou o tribunal, e indubitavelmente bem, que a declaração confirmatória em audiência feita pela gerente da demandante de um documento produzido por esta não constitui prova atendível. Ela seria, evidentemente, relevantemente atendível, como confissão (artigo 352.º C. Civil), se respeitasse a facto que lhe fosse desfavorável. Nas circunstâncias descritas não há qualquer prova atendível, como se afigura elementar e óbvio.

Por seu turno, o facto 4.º do acervo dos não provados refere que:

«O arguido restituiu a totalidade dos 250 000€ entregues a título de cláusula penal no contexto do contrato-promessa supra referido em II A) 7.- à promitente adquirente BB na pessoa da sua gerente ACV, ou de seu falecido pai, anterior gerente.»

Pugnando no sentido de que tal facto deverá considerar-se provado, invoca o recorrente arguido as seguintes provas: documento de confissão de dívida e declarações da testemunha AT!

Mal se compreende o sentido desta impugnação com referência a estas provas! Seja porque o documento de reconhecimento de dívida evidencia que da dívida inicial de 250 000€ há (pelo menos) 161 000€ que não foram devolvidos. Como se compreenderia a assunção dessa dívida se a restituição já tivesse ocorrido? E do depoimento da testemunha AT nada se infere, ainda que de modo indireto ou longínquo, que o arguido restituiu a totalidade da quantia de 250 000€ que lhe fora entregue pela demandante.

Vejamos agora a impugnação do conjunto factológico provado que vem impugnado pelo arguido (11 a 15) e pela assistente (11 a 13).

Esse conjunto factológico é o seguinte:

«11.- O arguido procedeu ao depósito do referido cheque [de 250 000€], no dia 18.04.2017, na conta bancária com o IBAN …, entretanto encerrada, de que o mesmo era titular era titular na …, passando a dispor de parte do valor respetivo como se fosse seu.

12.- Apesar de interpelado para o efeito, o arguido não restituiu parte do valor correspondente ao montante previsto na cláusula penal no contexto do contrato-promessa de compra e venda, num montante não concretamente apurado mas não inferior a 161 000€, ainda hoje o conservando e usufruindo desse montante.

13.- Nas circunstâncias descritas, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o montante em questão não inferior a 161 000€, lhe não pertencia e que só lhe havia sido entregue no pressuposto de que o restituiria.

14.- O arguido quis fazer esse valor coisa sua, contra a vontade da sua legítima titular.

15.- O arguido conhecia não ser permitida tal conduta e que a mesma era punida por lei, sendo capaz de a orientar de harmonia com esse conhecimento.»

Na motivação desta decisão refere o Tribunal a quo, refere, no essencial, que o depósito dos 250 000€ está documentado, assim como a confissão de dívida dos 161 000€. Acrescentando:

«(…) o arguido prestou declarações em sede de audiência de julgamento, no sentido de o contrato-promessa haver sido celebrado entre as partes outorgantes com o propósito de gerar uma perda, correspondente à cláusula penal a favor da promitente alienante ZZ, por forma a reduzir o impacto tributário de uma mais valia resultante de uma venda precedente realizada pela promitente adquirente BB, subjazendo ao referido contrato outro acordo, através do qual o arguido restituiria o montante da cláusula penal devida à sua representada pela BB, na pessoa da sua gerente ou de seu falecido pai, anterior gerente.

Mais indicou que a revogação do contrato-promessa contemplava uma cláusula através da qual a ZZ abdicava da referida cláusula penal prevista nesse contrato, por forma a legitimar que o montante correspondente não ingressasse na sua contabilidade e houvesse sido entregue ao arguido.

Esta narrativa mereceu do tribunal um grau de credibilidade não despiciendo. A convicção do tribunal formou-se no sentido de o contrato-promessa haver sido efetivamente celebrado de forma fraudulenta, havendo procedido as partes à sua simulação e inexistindo qualquer vontade contratual vinculante das mesmas.

Realmente não é crível, em função das regras da experiência comum e a normalidade dos eventos da vida, que as partes contratuais celebrem um acordo vinculante com a fixação de uma cláusula penal e, na mesma data, celebrem igualmente um acordo de revogação no qual se indica que o contrato foi definitivamente incumprido e no qual a parte beneficiária abdica da cláusula penal em seu favor.

Não é compatível com a vontade de celebrar o contrato prometido a vontade, concomitante, de destruir o negócio, o que faz concluir, sem equívocos, tratar-se de um contrato simulado.

A este entendimento acresce o facto de a gerente da assistente não haver aduzido quaisquer razões coerentes ou lógicas para a não celebração do contrato prometido, pois que, de facto, estas inexistiam salvo considerando o contexto da simulação negocial.

Em acréscimo, ainda, releva-se o facto de a testemunha DN, anterior contabilista da assistente, não ter explicado a razão de haver contabilizado a perda de 250 000€ da sociedade, porquanto indicou ter recebido para contabilização o contrato-promessa e a respetiva revogação, sendo que este último documento implicaria a inexistência de qualquer perda, em face da renúncia à cláusula penal nele ínsita.

Sendo inequívoca a celebração de um contrato simulado, não se demonstrou, de forma apta a formar decisivamente a convicção deste tribunal, os motivos subjacentes a tal pacto simulatório.

O facto provado 10.- foi dado como provado em função das considerações acabadas de proferir e porque a sua veracidade foi confirmada pelo arguido.

No que concerne à entrega do montante respeitante à cláusula penal e o seu subsequente depósito em conta da titularidade do arguido, assumiu relevância a prova documental constante dos autos, extrato bancário de fls. 106 e ss., e as declarações prestadas pelo arguido, o qual confirmou a abertura de conta para o efeito, apesar de qualquer montante decorrente da cláusula penal em questão não ser a este devida, respaldando-se, a este respeito na impossibilidade de abertura de conta para a sua representada – o que irreleva, neste quadro de acordo simulatório.

Tem-se ainda em conta, no que respeita ao facto provado 12.-, que o arguido foi interpelado para efeitos de restituição do montante entregue e apropriado, tal facto resultou provado da prestação de declarações do Arguido que o confirmou.

A respeito do montante devido pelo arguido, o qual não foi restituído no seguimento da sua entrega ao abrigo de cláusula penal, renunciada pela beneficiária, estabelecida em contrato simulado, a convicção do tribunal de que tal verba se cifrará em montante não inferior a € 161.000,00 fundamenta-se sobretudo na confissão de dívida carreada para os autos pela assistente, datada de 19.03.2018.

Este documento foi essencial para a convicção do tribunal, na medida em que consubstancia, (Não obstante as evidentes deficiências de redacção, apontando, exemplificativamente, a sociedade representada pelo arguido como devedora – sendo que a sua intervenção em todo este processo aparenta ter sido nominativa – e a representante legal da assistente – antes que a assistente – como credora), uma admissão explícita do arguido de que à entrega do montante pela assistente subjazeria uma obrigação de restituição, que, nas palavras do declarante, se cifraria em 161000€. Tal entendimento em nada é beliscado pelo facto de a confissão de dívida ser um negócio jurídico unilateral que dispensa a indicação da causa da dívida. Veja-se que o documento em questão é gerador de obrigações, facto esse amplamente conhecido do seu autor / declarante, o arguido, que é advogado, pelo que, em face das regras da experiência comum, é segura a convicção que não haja sido restituído à assistente um montante nunca inferior a 161 000€.

A respeito deste documento, o arguido nas suas declarações referiu que o mesmo se tratou de “um erro”, não havendo, assim, qualquer explicação plausível ou verosímil em sentido diverso daquele que se expendeu no parágrafo antecedente. No que importa à imputação subjetiva do ilícito ao arguido (factos provados de 13.- a 15.-, os mesmos como factos do foro intimo do arguido resultaram provados da conjugação dos restantes factos provados 3.- a 12.) dos quais se inferem de acordo com as regras da experiência comum, notando-se que a arquitetura negocial de que o arguido tomou parte, (entre a celebração de contrato simulado e a abertura de conta para a receção de montante ao abrigo desse contrato), é inteiramente capaz de revelar uma intenção inequívoca de praticar os factos em questão, como efetivamente o logrou fazer, de forma livre e deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.»

O recorrente arguido pretende que as provas produzidas impõem que os factos alinhados em 11 a 15 devam ser julgados não provados

O mesmo considera a recorrente demandante cível, cingida esta aos factos 11 a 13.

O arguido firma o seu propósito impugnatório, no essencial, nas suas próprias declarações, conjugadas com o cheque (de 250 000€), o balancete da assistente, o documento de confissão de dívida e as declarações da testemunha AT (que foi mulher do pai da gerente da assistente) do qual se evidencia o mau relacionamento então existente entre o pai e a filha.

Relembremos que os contratos simulados firmados, foram-no entre sociedades comerciais. E por isso o documento de confissão de dívida traduz o valor em dívida da sociedade ZZ (da qual o arguido é procurador) à BB.

A demandante cível, por seu turno, invoca as declarações prestadas na audiência pela sua gerente, pelo marido desta (testemunha PM), pelo contabilista (testemunha DN) e AT (que foi mulher do falecido pai da gerente da demandante).

Na verdade, quer um (arguido) quer outro (demandante) dos recorrentes o que pretendem, e fazem, é expressar a sua própria convicção relativamente ao sentido do conjunto das provas produzidas na audiência. E fazem-no, cada um, de acordo com o seu próprio interesse. Porquanto, com exceção do que dirá adiante, nenhuma das provas que apresentam, só por si, ou conjugadas entre si, impõem decisão diversa da tomada pelo Tribunal recorrido relativamente aos factos provados 11 a 13.

O facto provado constante do ponto 11 está no essencial documentado através do cheque. E não sobra dúvida que o respetivo montante ficou ao dispor do arguido como se fosse seu, porque se tratava de conta sua, tudo se tendo passado (depósito daquele montante da conta dele) com o acordo de todos os envolvidos.

As matérias versadas nos pontos 12 e 13 mostram-se provadas pelas razões e lógica constantes da motivação da sentença.

Com efeito, a interpelação para devolver o dinheiro ainda em seu poder (facto 12.) foi reconhecida na audiência pelo próprio arguido, em termos que se conjugam com tudo o mais que é sabido (está provado) ter acontecido. Este nunca perdeu a noção, nem deixou de agir, como se que aquele dinheiro, ainda que na sua disponibilidade (a quantia correspondente à diferença para a que já terá devolvido), numa óbvia «confusão» relativamente à posse, entre a sociedade de que é representante e a sua própria pessoa, lhe não pertencia e que teria de devolvê-lo. O arguido reconheceu-o em audiência e o escrito que documenta o reconhecimento da dívida – que a demandante apresentou como prova em Juízo - confirma-o.

Para além disso, não há, realmente, rigorosamente nenhuma prova das entregas que o arguido refere ter feito por conta da quantia inicial de 250 000€. E a sua afirmação em audiência não constitui prova neste conspecto. Só o constituiria na medida em que tais afirmações encerrassem confissão. E esta só surge relativamente aos 161 000€, documentada por escrito, como já referido. Sendo este o substrato probatório, seguro e inarredável, em que assentam os factos provados dos pontos 12. e 13. do acervo da factologia provada.

O mesmo não sucede, porém, relativamente aos factos alinhados em 14 e 15, relativos à preconizada inversão do título da posse daquele quantitativo, pois o reconhecimento da dívida feita por escrito, infirma que se possa dizer que o arguido se apropriou, fez sua, aquela quantia. Ninguém faz seu o que reconhece (ver documento de reconhecimento de dívida) não lhe pertencer.

À serena, lógica e racional avaliação das provas objetivas (dos documentos) e da ineludível intenção fraudulenta de todos os envolvidos (designadamente da gerente da demandante e do arguido), na celebração do contrato-promessa de compra e venda de imóvel (com cláusula penal de incumprimento) e no acordo revogatório escrito de tal contrato, datado do mesmo dia, com concomitante emissão pela gerente da demandante do cheque de 250 000€, entregue ao arguido), que não vem questionado pelos recorrentes (factos 7 a 10), deverá agregar-se, o decurso do tempo (contratos são de 25 de junho de 2016; a confissão de dívida é de 19 de março de 2016) e o falecimento de AV - pai da gerente da demandante (ocorrido nesse intervalo temporal) -, que teve papel decisivo na intenção fraudulenta dos aludidos contratos (como é patente das declarações do arguido, da gerente da demandante e da testemunha AT).

A intenção fraudulenta subjacente aos negócios jurídicos e aos intervenientes em referência, a mais de confessada pelo arguido, é patente. Ela na verdade só é veementemente negada pelo contabilista DN, num registo incrível, porquanto ele registou nas contas da sociedade demandante, como prejuízo, 250 000€ (o valor do – aparente - reinvestimento); ali não traduzindo (ignorando!) o acordo revogatório da mesma data, constante de documento que o contabilista igualmente recebeu (na mesma hora)!

Sabe-se realmente pouco sobre o quão longe se foi, efetivamente, no âmbito da fraude fiscal aludida, gizada pelo órgão de gestão da demandante (e porventura também pelo pai da sua gerente). A venda de ativos fixos da sociedade demandante (os prédios aludidos nos pontos 3 a 6 dos factos provados), terá originado mais-valias, as quais são objeto de tributação em sede de IRC. Contudo, o reinvestimento integral ou parcial dessas mais valias (resultantes da alienação de tais ativos), se feito no próprio ano de tributação em que se verificaram as alienações, no período anterior, ou até ao final dos dois períodos seguintes, permite um benefício fiscal que pode abranger o total dessas mais-valias (dependendo do montante e fatores contabilísticos), conforme previsto no artigo 48.º CIRC. Trata-se do contabilisticamente apelidado «reinvestimento dos valores de realização» E só não se sabe bem até que ponto se foi nessa fraude fiscal, porque a linha de investigação seguiu outro rumo!

Claro está que quando se entra nestes «esquemas» e, por alguma razão, as coisas correm mal (como sucedeu no caso), há detalhes que ficam na penumbra… porque não beneficiam ninguém e podem prejudicar todos os envolvidos.

E é essa a razão por que foi possível esconder da investigação o verdadeiro móbil da atuação do arguido, da sociedade demandante, da sua gerente e do pai desta.

Que contrapartidas teria o advogado (o arguido) que auxiliou a demandante no aludido «esquema»? É crível que não tivesse nenhumas?

Nada se sabe!

Servem estas considerações para no essencial concluir que são compreensíveis as dificuldades de julgamento nestas circunstâncias, em que todos os envolvidos têm muito para esconder, razão pela qual há aspetos que nunca se esclarecerão.

O princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, consagrado ordinariamente no artigo 127.º CPP, (com as exceções relativas a prova legal) significa, conforme nele se preceitua, que: «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».

Constitui um esforço para alcançar a verdade material, uma tensão de objetividade, não se confundindo com livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva (de mera impressão), porque se realiza com arrimo a critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável. Assenta em pressupostos valorativos e obedece a critérios da experiência comum e da lógica da pessoa média suposta pela ordem jurídica, estando ainda vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório.

Tem impregnada a ideia de racionalidade e de lógica jurídica. Daí que a «livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável. (…) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, portanto, capaz de impor-se aos outros». (3)

Trata-se, pois, de um sistema «assente na razão, nas regras de experiência social comprovada e em presunções probatórias racionalmente fundadas (ou “conceção cognoscitivista”, que se apresenta coerente com o método de corroboração e refutação de hipóteses como forma de valoração da prova, versão limitada do princípio da imediação, forte exigência de motivação factual e recurso amplo em matéria de facto) – cf. v.g. Jordi Ferrer Beltrán, ob. cit. pp. 64 e nota 6).» (4)

«Esta justiça exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. Este discurso é um discurso “mediante fundamentos que a ‘razão prática’ reconhece como tais” (Kriele), pois que só assim a obtenção do direito do caso está “apta para o consenso”. A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça.» (5)

Em suma: o juiz quando chamado a julgar os factos aprecia livremente a prova, sem amarras de valoração tabelada, mas as conclusões que extrai das provas têm de assentar numa compreensão racional dos acontecimentos.

Nas circunstâncias do presente caso deparamo-nos com um notório erro de raciocínio, que vem a redundar em erro de julgamento, a propósito dos factos provados 14. e 15.

Tais factos, no seu exato contexto, mostram-se contrariados pelo reconhecimento da dívida feita por escrito. Esse documento infirma que se possa concluir que o arguido, a dado passo (qual» e quando?) se apropriou, que fez sua, aquela quantia, pois ninguém faz seu o que reconhece por escrito (que entrega na mão do dono) que a mesma lhe não pertence.

Concluindo: pelas razões expostas os factos alinhados na sentença, no acervo dos factos provados, sob os n.ºs 14. e 15. consideram-se não provados. Nada mais havendo a alterar relativamente ao julgamento de facto.

3. Dos erros de direito – qualificação jurídica dos factos

Considera o recorrente arguido que a factualidade provada não permite concluir pela comissão do crime de abuso de confiança, por este se não preencher «com a mera confusão da quantia titulada por cheque no património do arguido através do respetivo depósito em conta bancária sua, pois não pode considerar-se que tal depósito constitua necessariamente ato concludente de apropriação, exigindo-se ainda no plano objetivo a não restituição ou entrega da quantia em causa conforme acordado, ou a futura disposição da mesma de forma injustificada, a que deve acrescer o dolo correspondente (…) [e] não há demonstração de que o recorrente se quis apropriar da quantia recebida.»

Vejamos.

Historicamente o crime de abuso de confiança é considerado como um alargamento do crime de furto (o chamado furto impróprio), pelo qual o agente que já detém a posse legitima do objeto material - dinheiro ou coisa móvel - comete o crime quando inverte o título dessa posse.

São elementos do tipo de ilícito:

a) Uma posse legítima de dinheiro ou de coisa móvel, pelo agente.

b) a apropriação, descaminho, dissipação ou oneração do dinheiro ou coisa móvel.

Pode ser cometido por ação ou por omissão, quando o agente devendo dar determinado destino ao dinheiro ou à coisa, o não faz (ou só aparentemente ou parcialmente o faz).

Objeto da infração pode ser, como referido, dinheiro, ou qualquer coisa móvel, que terão que ser alheios, podendo ser públicos ou particulares, mas que estejam ou na posse do agente ou lhe sejam acessíveis.

Por sua vez aquela posse deverá ser entendida em termos latos, abrangendo tanto a detenção material, como a disponibilidade jurídica sem necessidade de detenção material, incluindo, pois, a possibilidade de disposição da coisa ou dinheiro através de ordens, requisições, mandatos, etc...

O elemento subjetivo neste ilícito exige o dolo, ou seja, que o agente conheça e queira os elementos objetivos deste tipo de crime. E, além disso, um dolo específico: qual seja, o de o agente saber que o dinheiro ou a coisa móvel, apesar de estar à sua guarda, confiança ou sob a sua alçada a qualquer título de detenção, não é sua pertença; que está ao seu cuidado em razão das razões pelas quais lhe foi confiado, e que, no entanto, quer apropriar-se dela para proveito próprio ou de terceiro ou onerá-los. Quer assim inverter o título da posse do dinheiro ou coisas, em seu proveito ou de terceiros. Nas circunstâncias do caso presente o arguido tinha a posse legítima de certo montante pertencente à demandante. Essas mesmas circunstâncias, porém, não evidenciam que tenha havido inversão do título da posse. E, consequentemente, que tenha havido dolo de apropriação do valor pertencente à demandante e que está (vem estando) em poder do arguido.

E, por assim ser, não se verifica o crime pelo qual este foi acusado, pelo que dele deverá ser absolvido, daqui derivando prejuízo para a apreciação das demais questões penais suscitadas no recurso do arguido.

3.1 Implicações no pedido civil

A conclusão pela inexistência de responsabilidade criminal tem óbvias implicações na condenação em indemnização civil.

Vejamos quais e porquê.

Dispõe o artigo 129.º CP que «a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.»

Em estreita conexão com esta regra o CPP consagra o princípio da adesão, nos termos do qual «o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos termos previstos na lei» (artigo 71.º). Deste princípio emergindo a regra prevista no artigo 377.º, § 1.º do CPP, segundo a qual:

«1 - A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respetivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no artigo 82.º, n.º 3.»

Daqui decorre que a sentença absolutória no domínio penal (em consequência da não verificação de crime) não deixará de condenar o arguido/demandado em indemnização civil, sempre que o pedido vier a revelar-se fundado. Todavia, apenas, se fundado na prática de crime (artigo 71.º CPP), isto é, quando em causa esteja um caso de responsabilidade civil extracontratual.

Com efeito, a regra constante do artigo 377.º, § 1.º CPP, tem como pressuposto que a causa de pedir do enxerto cível na causa penal, assenta nos mesmos factos que são pressuposto da responsabilidade criminal. Refere-se somente à responsabilidade civil que emerge da violação do direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos (artigo 483.º do Código Civil).

É esta a interpretação uniformizada deste complexo normativo, como desde há muito está consagrada no assento n.º 7/99, do Supremo Tribunal de Justiça.

Excluída está, pois, a indemnização que resulte de responsabilidade civil obrigacional (contratual).

Ora, num relance sobre os factos provados, deles resulta que a pretensão da demandante é a de reaver a quantia entregou no âmbito das obrigações emergentes do contrato-promessa e compra e venda que firmou com a sociedade ZZ, da qual o arguido/demandado era procurador. Resultando o dever de devolução da quantia entregue a título de sinal, das cláusulas adicionais de revogação consensual do contrato e de renúncia pela promitente vendedora à cláusula penal, nos termos constantes dos factos provados.

Funda-se, pois, o pedido civil no cumprimento de obrigações contratuais, sendo os respetivos factos constitutivos (obrigações contratuais) a sua efetiva causa de pedir. Embora esses factos estejam tangencialmente conexos com a causa penal, não são realente os mesmos que constituem o pressuposto da responsabilidade criminal. Daí, inexoravelmente, decorrendo, que o demandado dele deva ser, igualmente, absolvido.

III – DISPOSITIVO

Destarte e por todo o exposto, no provimento do recurso do arguido/demandado e no não provimento do recurso da demandante, decidimos:

a) Alterar a matéria de facto provada, julgando como não provados os factos 14. e 15. que na sentença haviam sido julgados provados, passando estes a figurar no acervo dos não provados sob os n.ºs 5. e 6.

b) Absolver o arguido da prática do crime de abuso de confiança em que foi condenado, dando sem efeito a respetiva condenação.

c) Absolver o arguido/demandado do pedido civil que contra ele foi formulado pela demandante BB.

d) Custas apenas na parte civil pela recorrente demandante, nos termos previstos nas normas do processo civil (artigo 523.º CPP).

Évora, 21 de junho de 2022

J. F. Moreira das Neves (relator)

José Proença da Costa (adjunto)

Gilberto da Cunha (presidente da Secção)

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Cf. acórdão do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995 (Fixação de Jurisprudência), publicado no DR, I-A, de 28/12/1995.

3 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, pp. 202.

4 Ac. TRÉvora, de 26abr2022, proc. 10/19.4GAGDL.E1, Des. Gomes de Sousa.

5 Ac. Tribunal Constitucional n.º 464/97.