Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
494/14.7TBLLE-E.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÕES
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca, de forma taxativa, situações fácticas que implicam a caracterização da insolvência como culposa e ali estão presentes presunções iure et de iure, inilidíveis, que fundamentam a existência de um quadro de culpa grave, da existência do nexo de causalidade entre a conduta tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 494/14.7TBLLE-E.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Loulé – J1
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
“(…) – Representações Náuticas, Lda.” foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado e o incidente de qualificação da insolvência foi julgado procedente, tendo a referida sociedade interposto o recurso dessa decisão.
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O “Banco (…) Português, SA” veio requerer a abertura de incidente de qualificação da insolvência e a sua qualificação como culposa.
Em síntese, alegou que os representantes fizeram desaparecer bens móveis da sociedade insolvente, não colaboraram com o Administrador da Insolvência e procuraram ocultar um bem imóvel da pessoa colectiva.
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Foi declarado aberto o incidente de qualificação.
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O Administrador da Insolvência pugnou pela natureza fortuita desta insolvência (fls. 51-54).
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O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que a insolvência é culposa (parecer de 13 de Maio de 2015).
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Foi ordenada a notificação da Insolvente e a citação dos indicados como propostos afectados pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos e para os efeitos previstos no número 6 do artigo 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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Os propostos afectados pela qualificação da insolvência como culposa (…), (…) e (…) pugnaram pela improcedência do pedido, negando os factos que lhe eram imputados (articulado de 15 de Julho de 2015).
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Foi proferido despacho saneador, que fixou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova (despacho de 5 de Dezembro de 2017).
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que qualificou como culposa a insolvência de “(…) – Representações Náuticas, Lda.” e decidiu ainda:
a) declarar afectado pela qualificação (…) e (…).
b) declarar os mesmos inibidos, pelo período de 3 (três) anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.
c) determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por (…) e (…).
d) condenar (…) e (…) a indemnizar os credores da sociedade, no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, a efectuar em liquidação de sentença.
e) absolver o proposto afectado (…).
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A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões:
«I. O Tribunal a quo considerou a insolvência da recorrente como culposa pelo facto dos documentos contabilísticos, nomeadamente a IES de 2011, apresentar incorreções e valores que não correspondiam à realidade e porque a contabilidade apresentada ao Administrador da Insolvência não registava a existência do prédio urbano sito na Rua (…), em Portimão, pertencente à recorrente.
II. O mencionado imóvel não constava na contabilidade da insolvente por facto alheio a esta, uma vez que a mesma tinha um contabilista, confiando no mesmo, ou seja, tal omissão ocorreu em virtude de circunstâncias excecionais, anómalas, estranhas à vontade da gerência – e designadamente da aqui recorrente – e completamente fora do seu controle, disponibilidade ou capacidade de diligência.
III. Além disso, os credores não foram prejudicados uma vez que o imóvel em questão foi apreendido a favor da massa insolvente e, posteriormente, vendido.
IV. A insolvente não dispôs de tal bem em seu proveito pessoal ou de terceiros, pelo que, improcede a presunção legal estabelecida na alínea d), do nº 2 do artigo 186º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
V. Também não se deu como provado que a insolvente fez de qualquer crédito ou bens dos devedores uso contrário aos interesses destes, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenha interesse directo ou indirecto, motivo pelo qual improcede também a presunção legal estabelecida na alínea f), do nº 2 do artigo 186º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
VI. A insolvente não incumpriu em termos substanciais a obrigação de manter uma contabilidade organizada, nem praticou irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira dos devedores.
VII. Mesmo que se tivesse provado que a insolvente não tinha contabilidade organizada, o que só por mera hipótese de raciocínio se concebe, sem conceder, sempre se dirá que isso, per se, não é suficiente para que se mostre preenchida a previsão da alínea h) do nº 2 do citado artigo 186º.
VIII. É necessário que o incumprimento de manter a contabilidade organizada se possa qualificar de substancial, ou seja, que as omissões a esse nível atinjam um patamar que corresponde à não realização do que, em termos contabilísticos, é essencial ou fundamental.
IX. A insolvente tratava e guardava, de forma organizada, a documentação que tinha relevância para efeitos contabilísticos, encaminhando-a sempre para o seu contabilista, tendo sido colocada à disposição do Administrador de Insolvência toda a informação existente referente à insolvente.
X. Não existiu nenhuma falha grave no cumprimento das obrigações da insolvente, ao nível da sua contabilidade, não tendo esta nunca comprometido de forma séria os interesses que a obrigação de manter contabilidade organizada visa acautelar, pelo que não pode deixar de se entender que a insolvente cumpriu em termos substanciais essa obrigação.
XI. Mencionou o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, no seu parecer datado de 23 de Fevereiro de 2014, que “(...) no meu modesto entender e fazendo fé nos elementos e informações colhidas, parece não haver indícios bastantes para concluir, de forma clara e inequívoca, que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave dos responsáveis pela ora insolvente, sendo tal situação, fruto das contingências do mercado, face à crise que se instalou no país, pelo que, igualmente no meu modesto entender, salvo o devido respeito por opinião contrária, deverá a insolvência ser qualificada como fortuita, o que proponho”.
XII. Entende a recorrente que deve a situação de insolvência ser declarada como fortuita, até porque:
a. Os gerentes prestaram a colaboração necessária prevista no artigo 83º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b. A insolvente elaborou sempre as contas anuais até ao ano de 2011 e submeteu-as à fiscalização;
c. Das diligências efectuadas aos elementos contabilísticos não foi apurado que os gerentes tivessem procurado destruir ou danificar, inutilizando ou ocultando, ou feito desaparecer no todo ou em parte considerável, o património dos devedores;
d. Também não se concluiu que os sócios tenham criado ou aprovado artificialmente passivos ou prejuízos ou celebrado negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas relacionadas consigo;
e. Não se verificou que tenham comprado produtos a crédito, revendendo-os ou entregando-os em pagamento por preço inferior ao corrente;
f. Não se concluiu terem disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
g. Não se verificou terem feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, para favorecer outra empresa em que tivesse interesse directo ou indirecto;
h. Não se apurou terem procurado prosseguir, no seu interesse pessoal ou de terceiros, uma exploração deficitária.
i. Não se verificou o incumprimento em termos substanciais, a obrigação de manter contabilidade organizada, nem praticaram irregularidades com prejuízo relevante para a situação patrimonial e financeira da insolvente.
XIII. Deve a presente insolvência ser declarada como fortuita, uma vez que os gerentes não demonstraram qualquer dolo ou intenção em lesar a sociedade insolvente ou os seus credores, não se encontrado preenchidos os pressupostos do artigo 186º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, dando provimento ao recurso, qualifique a insolvência como fortuita, fazendo-se assim Justiça!!!».
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Houve lugar a resposta do Ministério Público e do “Banco (…) Português, SA”, que defenderam que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da existência de erro na interpretação e aplicação do direito quanto à existência de conduta culposa na insolvência. *
III – Decisão de facto:
3.1 – Factos provados:
Com relevância para a decisão da causa provaram-se os seguintes factos:
1. Em 11/03/2014, o Exm.º Sr. Administrador da Insolvência, na sequência do PER, requerido pelos representantes da Insolvente, que terminou sem aprovação do plano de recuperação, veio requerer a insolvência da devedora.
2. Após ter sido admitido a prosseguir, por despacho judicial, o PER não teve qualquer outro impulso por parte dos representantes da devedora, acabando por ser encerrado.
3. À data do início do processo de insolvência (sentença de 29 de Abril de 2014) eram sócios da empresa (…) e (…), sendo a gerência exercida por … (cfr. certidão permanente junta a fls. 73 e seguintes).
4. O sócio (…) não exercia quaisquer funções na Insolvente, nem conhecia os assuntos internos desta.
5. A empresa encerrou a actividade definitivamente no final de 2012, deixando de ter trabalhadores ao seu serviço e cessando a prestação dos seus serviços.
6. Em 03/12/2012, em 02/01/2013, em 21/01/2013 e em 06/02/2013, o A.I. enviou diversas comunicações ao mandatário da insolvente para que solicitasse junto desta a apresentação de contas, relatórios e demais informações essenciais, conforme consta dos presentes autos.
7. Os documentos contabilísticos, nomeadamente o IES de 2011, apresentavam incorreções e valores que não correspondiam à realidade.
8. Em concreto, a contabilidade apresentada ao Administrador da Insolvência não registava a existência do prédio urbano sito na Rua (…), em Portimão, pertencente à insolvente – cfr. fls. 65 do processo físico.
9. Pelo menos, desde 2011, que o “imobilizado incorpóreo” no montante de € 89.999,97 é inexistente; o “imobilizado corpóreo” contempla o valor de um imóvel superior ao real; as “existências” e “depósitos bancários e caixa” são praticamente inexistentes e as “dívidas de terceiros” são incobráveis (cfr. o relatório do A.I. junto aos autos).
10. Refere o A.I. no seu relatório que «a acrescer a estas desconformidades há também o facto da ora insolvente ser proprietária do imóvel melhor identificado no auto de diligência e apreensão do imóvel […] (fls. 65), não registado na contabilidade e cujo valor para efeitos de liquidação estimo em € 150.000,00».
11. Tal imóvel constitui a residência do sócio-gerente e da sua mulher e por tal uso a insolvente não recebe rendas, não tendo qualquer lucro dessa habitação.
12. Os sócios e o gerente da insolvente não diligenciaram pela elaboração das contas da mesma, relativa aos exercícios de 2012 e 2013, omitindo também o dever de as depositar na Conservatória do Registo Comercial.
13. Com a conjuntura económica que se fez sentir desde 2010, a empresa sofreu uma redução significativa da sua actividade e, essencialmente, sofreu sérias dificuldades em cobrar os valores devidos pelos serviços que prestou, factos que lhe provocaram enormes dificuldades de tesouraria e liquidez.
14. Foi por isso que a empresa, no final de 2012, deixou de conseguir pagar pontualmente a alguns dos seus credores.
15. Foi por isso que a agora insolvente requereu o Processo Especial de Revitalização, que correu termos sob o nº 3161/12.2TBLLE.
16. Ao perder o imóvel, o gerente da insolvente adoeceu, deixou de aparecer no local de trabalho, deixou de contactar com os sócios da insolvente (os ora opoentes), clientes e fornecedores.
17. A única pessoa com quem continuou a falar foi com advogado da sua confiança, fornecendo-lhe os elementos necessários e que conseguia obter para este os encaminhar para o AJP.
18. Entretanto, o gerente ausentou-se do País, à procura de trabalho, e nessa altura foram os sócios da insolvente quem colaborou com o AJP, prestando-lhe todas as informações e fornecendo-lhe os elementos necessários e que lhe foram solicitados.
19. No que se refere aos veículos (duas «moto 4»), num primeiro momento (quando o gerente da sociedade não se encontrava em Portugal), foi comunicado que estavam parqueadas nas instalações, informação prestada pelos oponentes.
20. Logo após a visita do AJP às instalações, verificou-se que a informação estava errada e que ambas as viaturas se encontravam em oficinas para serem reparadas, informação (e localização) que foi prestada ao AJP, corrigindo a anterior.
21. O imóvel onde era exercida a actividade da insolvente, as suas instalações, foi penhorado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de Finanças de Faro) em 07/01/2010 (certidão predial de fls. 15-17).
22. Foi vendido em 15/11/2012, um dia depois de a insolvente requerer o PER (documento de fls. 18 e 19).
23. A devedora quando se apresentou a PER, já não cumpria com as suas obrigações correntes, apresentando elevados saldos devedores ao Fisco, Segurança Social, trabalhadores, fornecedores e banca.
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3.2 – Factos não provados:
a) Após o encerramento da actividade da empresa, que ocorreu em finais de 2012, os sócios da insolvente e o gerente (…) retiraram das instalações da empresa e do alcance do Administrador da Insolvência os veículos pertencentes à insolvente de matrícula 05-41-… (Land Rover), 35-67-… (Opel Corsa), 37-76-… (Land Rover), 18-86-… (Bombardier) e 92-14-… (Polaris) – cfr. fls. 85-87 do processo físico.
b) Em Novembro de 2012, a insolvente ainda só devia aos seus trabalhadores dois meses de salários, conseguia pagar aos seus fornecedores e ainda desenvolvia a sua actividade, embora grande parte dos trabalhos efectuados fossem executados fora das suas instalações e pelo próprio gerente da sociedade, Sr. (…).
c) Os encargos da devedora aumentaram, designadamente com a banca (com quem celebrou contratos cujos spreads e taxas de juro aumentaram e que lhe colocaram obstáculos na obtenção de crédito), com a administração fiscal (subida de impostos), com a segurança social (aumento das contribuições) e com fornecedores (aquisição de materiais mais dispendiosa).
d) Apesar de ter conhecimento da declaração de insolvência da sociedade “(…) – Representações Náuticas, Lda.”, o gerente da mesma, (…), nunca prestou qualquer colaboração ao Sr. Administrador da Insolvência, recusando-se a sair do imóvel mencionado em 6, apesar de ter sido informado para o fazer, pelo menos desde o final de 2014.
e) Os oponentes, tal como o gerente já havia feito no passado, comunicaram a existência do património societário, incluindo o imóvel onde reside o gerente da sociedade com a sua esposa (e não os sócios).
f) Os representantes da devedora sabiam mesmo que esta não tinha meios financeiros para honrar os seus compromissos nem património que assegurasse a dívida total.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da qualificação da insolvência – Considerações gerais:
Tal como resulta da leitura dos articulados de recurso a recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada na sentença, conformando-se assim com o suporte factual apurado.
É ainda de sublinhar que, apesar do Ministério Público e do “Banco (…) Português, SA” entenderem que se mostram preenchidas as alíneas d), f) e h) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a sentença recorrida atesta que «a única presunção legal que aqui joga, à luz dos factos que ficaram estabelecidos supra, é a do nº 2, al. h), do art. 186º do CIRE».
E, além disso, a finalizar o presente introito de enquadramento, também se sublinha que as pessoas singulares afectadas com a decisão não interpuseram recurso, sem prejuízo da aplicação hipotética da disciplina da extensão do recurso aos compartes não recorrentes, em face da existência de um efeito útil necessário que depende essencialmente da procedência do interesse do recorrente.
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A insolvência é qualificada como culposa ou fortuita, mas a qualificação atribuída não é vinculativa para efeitos da decisão de causas penais, nem das acções a que se reporta o nº 2 do artigo 82º (artigo 185º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo (artigo 186º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
A apreciação da culpa deve ser feita à luz da disciplina contida no nº 2 do artigo 186º[1] do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa e o nº 3[2] do mesmo preceito provisiona situações em que a responsabilidade se presume.
Estabelece o nº 4 do presente artigo que «o disposto nos nºs 2 e 3 é aplicável, com as necessárias adaptações, à actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso se não opuser a diversidade de situações».
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Sobre esta matéria debruçam-se Carvalho Fernandes[3], Carneiro da Frada[4], Luís Menezes Leitão[5], Maria do Rosário Epifânio[6] [7], Catarina Serra[8] [9] [10], Coutinho de Abreu[11], Nuno Pinto Oliveira[12] [13], José Engrácia Antunes[14], José Manuel Branco[15], Adelaide Menezes Leitão[16], Miguel Pupo Correia[17], Maria Elisabete Ramos[18], Maria de Fátima Ribeiro[19], Carla Magalhães[20], Liliana Pinto de Carvalho[21], Rui Pinto Duarte[22] [23] e Rui Estrela de Oliveira[24] [25], entre outros.
Para a qualificação da insolvência importa que tenha ocorrido uma conduta do devedor ou dos seus administradores que tenha criado ou agravado o quadro de insolvência, que esse comportamento voluntário e ilícito corresponda a uma actuação dolosa ou cometida com culpa grave e é necessário que a situação causal tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
O nº 2 do artigo 186º elenca, de forma taxativa, nas suas alíneas a) a i) as situações fácticas que implicam a caracterização da insolvência como culposa e ali estão presentes presunções iure et de iure, inilidíveis, que fundamentam a existência de um quadro de culpa grave, da existência do nexo de causalidade entre a conduta tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência[26] [27] [28].
Na verdade, a compreensão interpretativa dominante aponta que a mera alegação de alguma das situações descritas nos nºs 2 e 3 do artigo 186º do CIRE não é suficiente para a qualificação da insolvência como culposa, exigindo-se, ainda, a alegação e prova do nexo de causalidade entre a actuação ali presumida e a situação da insolvência nos termos previstos no nº 1 do mesmo artigo. Verificada a existência de factos que se reconduzam às situações previstas no nº 2 do artigo 186º do CIRE, extrair-se-á em princípio (a lei extrai, ficciona) a ilação da verificação da insolvência culposa, sem necessidade de comprovação (ou alegação) de outros factos[29].
Em sumário intercalar, pode concluir-se que para que a insolvência possa ser considerada culposa é imperioso que se esteja perante uma conduta dolosa ou com culpa grave que apresente um nexo de causalidade com a situação de insolvência ou com o seu agravamento, cometida dentro de um determinado limite temporal.
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4.2 – Das presunções de culpa do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: o incumprimento substancial da obrigação de manter contabilidade organizada.
Em concreto aquilo que cumpre apurar é se as várias desconformidades verificadas na contabilidade da insolvente, quer em termos de valores, quer na questão da falta de elementos, são da responsabilidade da sociedade e dos seus administradores e se o vício detectado é suficiente para integrar a previsão inscrita na al. h) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e permitir a qualificação da insolvência?
Como é realçado por Pires Cardoso «a contabilidade, através da escrituração, revela ao comerciante a sua situação económica e financeira (…) e põe-lhe em evidência os erros da sua actuação em certos aspectos do seu comércio, permitindo-lhe modificá-la, também lhe mostra os benefícios trazidos pela sua orientação em outros aspectos, animando-o a continuá-la. (…) É também uma garantia para quem contrata com os comerciantes, pois nela muitas vezes se fundam reclamações das pessoas que se sentem lesadas, e é nos seus lançamentos que vai buscar-se a prova. É igualmente obrigatória no interesse geral do público porque demonstra a maneira de negociar do comerciante, o seu procedimento honesto ou a sua má-fé nas transacções, sobretudo nos casos de falência em que se tem que reconstituir a sua vida mercantil, para averiguar se houve negligência, fraude ou culpa»[30].
No mesmo registo podemos recorrer ao pensamento de Menezes Cordeiro que adianta que «a escrituração terá começado por servir os interesses do próprio comerciante (…) Mas além disso, desde cedo se verificou que servia, também, os interesses dos credores e isso a um duplo título:
- incentivando o comércio cuidadoso e ordenado, a escrituração conduz a práticas que põem os credores (mais) ao abrigo de falências e bancarrotas;
- permitindo conhecer a precisa situação patrimonial e de negócios, a escrituração faculta informações e determina responsabilidades.
A partir daí, reconheceu-se que a escrituração servia toda a comunidade, facultando ainda ao Estado actuar, com fins de polícia, de fiscalização ou de supervisão»[31].
Na avaliação das obrigações legais pode-se concluir que os administradores da sociedade devem observar os deveres fundamentais previstos no artigo 64º[32] do Código das Sociedades Comerciais e são inclusivamente responsáveis perante a sociedade, credores sociais e sócios e terceiros nos termos previstos nos artigos 72º[33], 78º[34] e 79º[35] do mesmo diploma.
A não responsabilização por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais depende da actuação em termos informados, livres de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial, devendo ainda os membros da administração exercitar o direito de oposição conferido na lei para serem isentos de responsabilidade.
Luís Menezes Leitão apadrinha a tese que, verificados alguns destes factos, o juiz terá assim que decidir necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa. A lei institui consequentemente no artigo 186º, nº 2, uma presunção iuris et de iuris, quer da existência da culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência[36].
Carvalho Fernandes e João Labareda também alinham pela existência de uma presunção iuris et de juris[37].
Na visão de Maria do Rosário Epifânio tratando-se de presunções inilidíveis, quando se preencha alguns dos factos elencados nº 2 do artigo 186º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afectada, de que não praticou o acto[38]. Com entendimento não inteiramente coincidente pode ser encontrada a posição de Carina Magalhães. Esta autora entende que, por força da presunção impressa no artigo 350º do Código Civil, «todas estas hipóteses, desde que provadas, consubstanciam uma situação de insolvência culposa não admitindo prova em contrário»[39].
Divergindo ligeiramente da doutrina dominante[40] [41] [42], Rui Estrela de Oliveira afiança que nas causas semi-objectivas não é possível prescindir do recurso causal previsto no nº 1 do artigo 186º do diploma. Todavia, relativamente às causas puramente objectivas previstas nas alíneas h) e i), este Juiz de Direito manifesta posição no sentido que «já se pode prescindir do nexo causal na medida em que há um comportamento demasiado directo e particular do agente, que visa impedir que se determine a sua quota de responsabilidade na produção ou agravamento da situação de insolvência. Só resta, assim, o preenchimento do pressuposto do limite temporal de três anos anteriores à insolvência»[43].
Neste capítulo, ao fazer a interpretação do quadro legal, de forma mais mitigada, Carneiro da Frada opta por uma solução que exige uma ponderação casuística e adverte que prescindir do nexo causal se pode revelar manifestamente desadequado no caso das alíneas d), f), h) e i) por considerar que a simples prática ou omissão das acções a que se reportam pode não gerar ou agravar, necessariamente, a insolvência[44].
A actual Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça Catarina Serra reconhece que a inobservância do dever de manter a contabilidade organizada, embora dificultando a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor, não gera, nem, em princípio, agrava a insolvência. E, no desenvolvimento do seu raciocínio, ancora o juízo de reprovabilidade de tal conduta na circunstância de «a não organização ou desorganização da contabilidade e a falsificação dos respectivos documentos permite supor que o sujeito tem algo a esconder, que ele terá praticado actos que contribuíram para a insolvência e quis/quer ocultá-los»[45].
No entendimento da referida autora, ao prever as hipóteses das alíneas h) e i) no elenco das causas da insolvência culposa, a intenção do legislador não assenta na circunstância da violação dos princípios contabilísticos surgir como causa (real ou presumível) da insolvência, mas antes porque a probabilidade de o sujeito ter praticado um acto ilícito gravemente censurável legitima a aplicação do regime. Nesta perspectiva, «a lei estabeleceu nestas duas alíneas, não presunções, mas “verdadeiras ficções”»[46].
No plano jurisprudencial também é absolutamente maioritária, a corrente que afirma que, relativamente aos comportamentos elencados no nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, quando o devedor não seja uma pessoa singular, uma vez verificadas as situações ali enunciadas, presume-se, iuris et de iure, a existência de dolo ou culpa grave e, bem assim, o nexo de causalidade entre esses comportamentos e a situação de insolvência[47].
Parece-nos mais curial a interpretação de que o incumprimento em termos substanciais da obrigação de manter a contabilidade organizada constitui uma presunção inilidível de insolvência culposa. Porém, para que tal incumprimento ocorra é essencial que as irregularidades verificadas tenham influência na percepção que se possa ter da situação patrimonial e financeira do insolvente, delas resultando o propósito de, designadamente, mediante ocultação de documentos e desrespeito pelas boas práticas contabilísticas, esconder aquela situação patrimonial e financeira[48].
Isto é, os princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva depositados nos artigos 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa não se bastam com qualquer incumprimento de regras contabilísticas e o comportamento previsto por lei encontra-se exactamente corporizado na exigência de uma infringência substancial. E é a partir da integração factual nesta categoria conceptual que se retira o preenchimento da facti species e a existência do nexo causal legalmente ficcionado. Caso contrário, poderiam originar-se situações manifestamente desproporcionais e gravosas.
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4.3 – Do raciocínio silogístico da decisão tomada em Primeira Instância e da conferência da respectiva compatibilidade com as exigências legais:
A sentença recorrida procede à exegese da alocução normativa incumprimento «em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor» e faz o debate entre os conceitos jurídicos ali presentes e a factualidade apurada.
No balanço final, a decisão recorrida aponta que se encontra preenchida a presunção legal consignada na al. h) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ao socorrer-se dos exemplos concretos que permitem acolher a solução dada ao caso.
Efectivamente, na visão do acto decisório recorrido, destacam-se nesta sede «os documentos contabilísticos, nomeadamente o IES de 2011, apresentavam incorreções e valores que não correspondiam à realidade. Em concreto, a contabilidade apresentada ao Administrador da Insolvência não registava a existência do prédio urbano sito na Rua (…), em Portimão, pertencente à insolvente. Pelo menos, desde 2011, que o “imobilizado incorpóreo” no montante de € 89.999,97 é inexistente; o “imobilizado corpóreo” contempla o valor de um imóvel superior ao real; as “existências” e “depósitos bancários e caixa” são praticamente inexistentes e as “dívidas de terceiros” são incobráveis (cfr. o relatório do A.I. junto aos autos). Refere o A.I. no seu relatório que «A acrescer a estas desconformidades há também o facto da ora insolvente ser proprietária do imóvel melhor identificado no auto de diligência e apreensão do imóvel […], não registado na contabilidade e cujo valor para efeitos de liquidação estimo em € 150.000,00».
De acordo com o raciocínio silogístico formulado pela Primeira Instância a referida desconformidade assume contornos de gravidade substancial, pois foi ocultado «um bem imóvel, que constitui a garantia genérica dos respectivos créditos», tratando-se de uma «situação omissiva com natureza permanente».
Com base neste comportamento ocorrido nos três anos anteriores à declaração de insolvência, após afastar a responsabilidade do sócio (…), o julgador qualificou a situação de insolvência, considerando que esta era imputável a (…) e a (…), por se situar no seu período de administração.
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A sociedade recorrente entende que o mencionado imóvel não constava na contabilidade da insolvente por facto alheio à sua actuação e dos respectivos órgãos sociais, uma vez que a mesma tinha um contabilista, em quem confiava. E garante que tal omissão ocorreu em virtude de circunstâncias excepcionais, anómalas, estranhas à vontade da gerência e completamente fora do seu controle, disponibilidade ou capacidade de diligência.
A este argumento respondeu o “Banco (…) Português, SA”. Este credor avança que a contabilidade apresentada descurava os princípios da Relevância e da Fiabilidade e que os administradores da insolvente incumpriram com os deveres de lealdade e de cuidado a que estavam adstritos, em virtude do disposto no artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais. Na perspectiva da recorrida, os administradores não incluíram premeditadamente o referido imóvel na contabilidade, o qual consistia no único património da insolvente.
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É incontestável que os administradores da insolvente não incluíram o referido imóvel na contabilidade, ocultando-o dos seus credores e dos interessados na insolvência e que esse imóvel consistia no bem relevante do património da sociedade insolvente.
O incumprimento da obrigação de manter a contabilidade organizada é previsto, a par de outras situações que denunciam mais claramente a gravidade exigível: manter uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticar irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor[49].
Pergunta-se então se a matéria de facto relativa às irregularidades descritas nos pontos 7 a 10 dos factos provados é suficiente para preencher o conceito jurídico aqui em discussão?
Face ao conspecto factual apurado, é perfeitamente percepcionável que a insolvente não tinha a sua contabilidade organizada. Todavia, essa realidade, per se, não é suficiente para que se mostre preenchida a previsão da alínea h) do nº 2 do citado artigo 186º, pois, na nossa visão, torna-se ainda necessário que o incumprimento de manter a contabilidade organizada se possa qualificar de substancial.
Por via dessa omissão contabilística estrutural de dados absolutamente relevantes do património societário, temos de concluir que o incumprimento de manter a contabilidade organizada assume aqui o nível de substancialidade provisionado na legislação aplicável, dado que os vícios de escrituração atingem um patamar que corresponde à não realização do que, em termos contabilísticos, é essencial ou fundamental.
Para além do mais, tendo sido provados os factos integrantes das referidas presunções, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa seria a prova pela pessoa ou pessoas afectadas de que o referido acto não foi intencionalmente praticado. E essa hipótese jurisdicional negatória não está claramente incluída no acervo factual apurado.
Na realidade, por via da existência das presunções inilidíveis de culpabilidade, alegados e provados os factos que servem de base a uma dessas presunções, a insolvência será sempre considerada como culposa[50] [51].
Assim, quer se entendesse que a alínea h) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas constituía uma presunção legal jure et jure, conducente à qualificação da insolvência como culposa, ou se considerasse que se estava perante um simples facto-índice de insolvência culposa, a verdade é que, uma vez demonstrado o facto nelas enunciado, fica, desde logo, estabelecido o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas do nº 2 e a situação de insolvência ou o seu agravamento[52].
O Tribunal «a quo» concretizou os actos jurídicos e materiais que a sociedade praticou e que são imputáveis à pessoa colectiva e aos seus legais representantes em termos de conduta proibida por lei.
A sociedade recorrente incumpriu assim de forma ilícita, culposa e grave os deveres funcionais a que estavam adstrita, sendo que, mesmo que não fosse a existência das presunções anteriormente referidas, a factualidade apurada permitiria concluir sempre pelo preenchimento da previsão legal. E, a finalizar, nada se apurou que permitisse excluir a responsabilidade dos mesmos, à luz das regras inscritas nos artigos 64º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
Nesta ordem de ideias, sempre que a gravidade da obrigação de manter a contabilidade organizada assuma natureza substancial, o juiz terá assim que decidir necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa, por estar verificada a situação descrita na alínea h) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Desta forma, ao considerar que se perfilava uma situação prevista na alínea h) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Tribunal «a quo» decidiu acertadamente, pois o incumprimento verificado assume natureza substancial e assim a insolvência deve ser qualificada, mantendo-se, por conseguinte, a decisão recorrida.
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V – Sumário:
1. O nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca, de forma taxativa, situações fácticas que implicam a caracterização da insolvência como culposa e ali estão presentes presunções iure et de iure, inilidíveis, que fundamentam a existência de um quadro de culpa grave, da existência do nexo de causalidade entre a conduta tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
2. Por via da existência das presunções inilidíveis de culpabilidade, alegados e provados os factos que servem de base a uma dessas presunções, a insolvência será sempre considerada como culposa.
3. Sempre que a gravidade da obrigação de manter a contabilidade organizada assuma natureza substancial, o juiz terá que decidir necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa, por estar verificada a situação descrita na alínea h) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
4. Quando se preencha alguns dos factos elencados nº 2 do artigo 186º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afectada, de que não praticou o acto.
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente, face ao disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Processei e revi.
Évora, 14/03/2019
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões

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[1] Nos termos do nº 2 do artigo 186º «considera-se sempre culposa a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com ele especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário aos interesses deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no nº 2 do artigo 188º».
[2] 3 - Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.
[3] A Qualificação da Insolvência e a Administração da Massa Insolvente pelo Devedor, Themis, edição especial, 2005.
[4] A Responsabilidade dos Administradores na Insolvência, separata da Revista da Ordem dos Advogado, Ano 66, II, Lisboa, 2006.
[5] Direito da Insolvência, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2013.
[6] Manual de Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016.
[7] O Incidente de qualificação de insolvência, in Estudos em Homenagem ao Professor Saldanha Sanches, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra 2001.
[8] Decoctor ergo fraudator? – A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções), in Cadernos de Direito Privado nº 21, 2008.
[9] O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 61 e ss.
[10] Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 298-304.
[11] Direito das Sociedades e Direito da Insolvência: Interações, in Catarina Serra (coord.), IV Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2017.
[12] Responsabilidade civil dos administradores pela insolvência culposa, in Catarina Serra (coord.), I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 195 e ss.
[13] Responsabilidade civil dos administradores – Entre Direito Civil, Direito das Sociedades e Direito da Insolvência, Coimbra Editora, Coimbra, 2015.
[14] O âmbito subjectivo do incidente de qualificação da insolvência, in Revista de Direito da Insolvência, 2017, nº 1.
[15] A qualificação da insolvência (análise do instituto em paralelo com outros de tutela dos credores e enquadramento no regime dos deveres dos administradores, AA. VV, Processo de Insolvência e acções conexas, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2014.
[16] Insolvência culposa e responsabilidade dos administradores na Lei 16/2012, de 20 de Abril, in Catarina Serra (coord.), I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2013.
[17] Inabilitação do insolvente culposo, in Lusíada – Revista de Ciência e Cultura, 2011, nºs 8-9, págs. 237 e ss.
[18] Insolvência da sociedade e efectivação da responsabilidade civil dos administradores, Separata do Boletim da Faculdade de Direito, 2007, vol. LXXXXIII, págs. 449 e ss.
[19] A responsabilidade dos administradores pela insolvência: evolução dos direitos português e espanhol, in Revista de direito das Sociedades, 2015, vol. 14, págs. 68 e ss.
[20] Incidente de qualificação da insolvência. Uma visão geral, in Maria do Rosário Epifânio, Estudos de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2015.
[21] Responsabilidade dos administradores perante os credores resultante da qualificação da insolvência como culposa, Revista de Direito das Sociedades, 2013, nº 4.
[22] Responsabilidade dos administradores: coordenação dos regimes do CSC e do CIRE, in Catarina Serra (coord.), III Congresso de direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 151 e ss.
[23] Estudos Jurídicos Vários, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 731 e ss.
[24] Uma brevíssima Incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência, in O Direito, ano 142º, 2010, V, págs. 931-987.
[25] O incidente de qualificação de insolvência, in Insolvência e consequências da sua declaração – Formação contínua 2011/2012 do Centro de Estudos Judiciários, https://educast.fccn.pt.
[26] Neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2º Vol., pág. 14.
[27] Manuel Carneiro da Frada, in A responsabilidade dos administradores na insolvência, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66, Set. 2006, pág. 692.
[28] No plano jurisprudencial podem ser consultados, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/11/06, do Tribunal da Relação do Porto de 22/05/07, de 18/06/07, de 13/09/07, de 27/11/07, do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/01/08 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/09/07, todos disponíveis in www://dgsi.pt.
[29] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/02/2011, in www.dgsi.pt.
[30] Pires Cardoso, Noções de Direito Comercial, 10ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, págs. 98-99.
[31] Manual de Direito Comercial, vol. I, Almedina, Coimbra, pág. 297 e 298.
[32] Artigo 64º (Deveres fundamentais):
1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e
b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.
2 - Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade.
[33] Artigo 72º (Responsabilidade de membros da administração para com a sociedade):
1 - Os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.
2 - A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior provar que actuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial.
3 - Não são igualmente responsáveis pelos danos resultantes de uma deliberação colegial os gerentes ou administradores que nela não tenham participado ou hajam votado vencidos, podendo neste caso fazer lavrar no prazo de cinco dias a sua declaração de voto, quer no respectivo livro de actas, quer em escrito dirigido ao órgão de fiscalização, se o houver, quer perante notário ou conservador.
4 - O gerente ou administrador que não tenha exercido o direito de oposição conferido por lei, quando estava em condições de o exercer, responde solidariamente pelos actos a que poderia ter-se oposto.
5 - A responsabilidade dos gerentes ou administradores para com a sociedade não tem lugar quando o acto ou omissão assente em deliberação dos sócios, ainda que anulável.
6 - Nas sociedades que tenham órgão de fiscalização, o parecer favorável ou o consentimento deste não exoneram de responsabilidade os membros da administração.
[34] Artigo 78º (Responsabilidade para com os credores sociais):
1 - Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.
2 - Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos termos dos artigos 606.º a 609.º do Código Civil, o direito de indemnização de que a sociedade seja titular.
3 - A obrigação de indemnização referida no n.º 1 não é, relativamente aos credores, excluída pela renúncia ou pela transacção da sociedade nem pelo facto de o acto ou omissão assentar em deliberação da assembleia geral.
4 - No caso de falência da sociedade, os direitos dos credores podem ser exercidos, durante o processo de falência, pela administração da massa falida.
5 - Ao direito de indemnização previsto neste artigo é aplicável o disposto nos nºs 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º.
[35] Artigo 79º (Responsabilidade para com os sócios e terceiros):
1 - Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções.
2 - Aos direitos de indemnização previstos neste artigo é aplicável o disposto nos nºs 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º.
[36] Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 270.
[37] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, pág. 680.
[38] Manual do Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 132.
[39] Incidente de qualificação da insolvência. Uma visão geral, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 118.
[40] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de empresas Anotado, 3ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 680.
[41] Catarina Serra classificação a situação das alíneas H9 e i) do nº 2 do artigo 186º «mais parecem ficções legais», Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 301.
[42] Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, págs. 131-132. [43] O incidente de qualificação de insolvência, in Insolvência e consequências da sua declaração – Formação contínua 2011/2012 do Centro de Estudos Judiciários, https://educast.fccn.pt.
Incidente de qualificação da insolvência. Uma visão geral, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 119.
[44] A responsabilidade dos administradores na insolvência, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 66, II, Lisboa, Setembro de 2006, págs. 692-694.
[45] Catarina Serra, Decoctor ergo fraudator? – A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções), in Cadernos de Direito Privado nº 21, 2008, pág. 66.
[46] Catarina Serra, Decoctor ergo fraudator? – A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções), in Cadernos de Direito Privado nº 21, 2008, pág. 69.
[47] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10/06/2011, do Tribunal da Relação de Coimbra de 02/07/2012 e 01/02/2014 e do Tribunal da Relação de Évora de 17/01/2013, todos in www.dgsi.pt.
[48] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/04/2013, in www.dgsi.pt.
[49] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/01/2017, in www.dgsi.pt.
[50] Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/01/2014 e 14/01/2014, do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/06/2014, 20/0272014, 01/10/2013, do Tribunal da Relação de Coimbra 10/07/2013, do Tribunal da Relação de Évora de 05/07/2012, do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/03/2013 e do Tribunal da Relação do Porto de 27/02/2014, 18/12/2013 e 04/0672012, in www.dgsi.pt.
[51] Podem ser consultados os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 12/04/2018 e 13/07/2017, disponíveis em www.dgsi.pt, bem assim o acórdão de 23/03/2017, proferido no âmbito do processo registado sob o nº 16/13.7TBMRA-I.E1, não publicado, todos por nós subscritos.
[52] Acórdão do Tribunal Relação de Guimarães de 29/06/2010, in www.dgsi.pt.