Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
277/22.0T8ELV.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: PERSI
NOTIFICAÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Data do Acordão: 11/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- Não tendo a entidade bancária demonstrado que notificou o beneficiário do PERSI e o garante do cumprimento (fiador) de que o procedimento se encontrava extinto, apesar de para tal ter sido convidada, o procedimento de proteção do devedor mantém-se em vigor, com as consequências a que alude o artigo 18.º/1, b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 21-10.
II.- Nesta circunstância, impõe o artigo 726.º/2, b), do CPC que o juiz indefira liminarmente o requerimento executivo, quando ocorra esta exceção dilatória inominada, não suprível e de conhecimento oficioso.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc.º 277/22.0T8ELV.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: Banco (…), S.A.


Recorridos: (…) e (…)
*
No Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre Juízo Local Cível de Elvas - Juiz 1, na ação executiva proposta pela recorrente contra os recorridos, foi conhecida a exceção inominada a que alude o artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tendo sido proferida a seguinte decisão:
viii. Apreciação do caso concreto:
Dos articulados que antecedem, apresentados pelo exequente resulta a elaboração de vários documentos tendo por destinatário a executada, comunicando a integração/extinção do PERSI – mas não o envio ou sequer a receção de tais comunicações.
A junção dos documentos apenas permite demonstrar a utilização de um processador de texto com vista a documentar uma mensagem.
Não foi requerida, pela parte, qualquer prova suplementar com vista a demonstrar os factos «envio» e «receção» – concluindo-se que que o exequente entende que é desnecessário fazer qualquer prova sobre a receção das comunicações.
Acresce que o próprio contrato prevê que apenas se podem considerar (presumivelmente) feitas, comunicações enviadas por correio registado.
Já quanto ao fiador, não só se aplicam as considerações feitas nos parágrafos antecedentes (não tendo sido junta qualquer prova do envio e receção), como, conforme decorre expressamente do teor da missiva junta aos autos, o mesmo nunca foi informado da faculdade de recorrer ao procedimento do PERSI, conforme impunha o artigo 21.º, n.º 3, do regime respetivo.
Atento o exposto, não podendo concluir-se pelo cumprimento do regime em causa, verifica-se uma exceção dilatória inominada decorrente do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro – que constitui pressuposto da admissibilidade da ação executiva.
*
Nestes termos, ao abrigo da disposição do artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC, indefiro liminarmente o requerimento executivo.
Custas pelo exequente.
*
Registe e notifique.
Comunique ao A.E.
Elvas, 05-06-2022

*

Não se conformando com a recorrente apelou, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

1. Entendeu o Tribunal a quo indeferir liminarmente o requerimento executivo por considerar incumpridos os requisitos de integração em PERSI.

2. A Recorrente entende que existiu interpretação errónea do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, bem como da prova junta aos autos.

3. O n.º 4 do artigo 14.º do referido DL que o cliente bancário terá de ser informado da sua integração em PERSI através de comunicação em suporte duradouro.

4. O n.º 3 do artigo 17.º do mesmo diploma refere igualmente que a extinção do procedimento PERSI deverá ser comunicada ao cliente bancário através de comunicação em suporte duradouro.

5. A carta, ainda que enviada em correio simples, é considerada comunicação em suporte duradouro, conforme definição da alínea h) do n.º 3 do mesmo DL.

6. Não consta do D-L n.º 227/2012 nem constava da Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012, qualquer referência expressa ou tácita à necessidade de envio das cartas de integração e extinção do PERSI através de correio registado ou com aviso de receção.

7. Não prevendo a legislação a obrigatoriedade de envio das referidas missivas através de correio registado/AR, não poderá o julgador exigir tal formalidade (ver Acórdãos do TRE de 13.05.2021, 25.11.2021 e 14.10.2021).

8. Se o legislador quisesse impor tal obrigação, tê-lo-ia feito.

9. Resulta dos documentos juntos aos autos que foram remetidas seis missivas à ora executada, de integração e posterior extinção do PERSI, as quais não obtiveram resposta.

10. Foi igualmente remetida missiva a informar o ora executado (fiador) da mora, a qual não obteve reação do mesmo.

11. O contrato em causa prevê expressamente o envio de comunicações escritas para os endereços facultados pelo cliente.

12. Não se verifica no caso em apreço, exceção dilatória decorrente do regime plasmado no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do D-L n.º 227/2012, de 21/10, devendo os presentes autos seguir os seus ulteriores termos.

13. De todo o exposto resulta que deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença recorrida e substituindo-a por outra decisão que ordene o normal prosseguimento dos presentes autos.

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. suprirão:

Deve ser, por V. Exas., dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença proferida,

Assim se fazendo justiça.


*

Foram dispensados os vistos.

*
A questão que importa decidir é a de saber se foi cumprido pelo exequente o que dispõe o artigo 18.º/1, b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 21/10.
*
A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório inicial.
***
Conhecendo.
Na presente ação executiva foi conhecida uma exceção dilatória, consubstanciada na falta de prova de envio de carta comunicando à executada, ora recorrida, a integração/extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), apesar de para tal ter sido convidado o exequente.
Tal exigência resulta do contrato celebrado entre exequente e executada, ou seja, deveriam ser envidas e comprovadamente rececionadas tais decisões da entidade bancária.
Por outro lado, estando o cumprimento do contrato garantido por fiador (o segundo executado e ora recorrido), a quem são aplicáveis as mesmas exigências de comunicação da executada, também não juntou o exequente aos autos qualquer prova de envio e receção a fim de o fiador utilizar o procedimento do PERSI previsto no artigo 21.º/2 e 3, do citado diploma.
A exequente juntou apenas, para as duas situações, meras cartas simples sem qualquer comprovativo de envio ou receção, ou seja, juntou meros impressos de documentos elaborados em computador, desconhecendo-se se foram efetivamente enviados e rececionados.
Em sede de recurso, a entidade bancária recorrente, argumenta que a legislação citada e a Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012 não obrigam ao envio de aviso de receção para a integração e extinção do PERSI, pelo que não pode o julgador exigir o cumprimento de tal formalidade.
Para além disso, foi junta prova de que foram enviadas várias missivas aos executados e ao fiador, não tendo sido recebida qualquer resposta.
Defende a procedência do recurso com a revogação do despacho e o prosseguimento dos autos.
Quid iuris?
O artigo 726.º/2, b), do CPC dispõe que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso.
No contrato celebrado entre exequente e executados foi acordado o seguinte:
23. Comunicações e notificações
23.1. As comunicações escritas expedidas pelo Banco (…) serão dirigidas aos endereços (morada e/ou email) constantes no Contrato, salvo se outros lhe forem posteriormente comunicados nos termos do número seguinte, e quando registada, presumem-se feitas, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte se esse o não for.
Ora, o tribunal a quo, ao contrário do que alga o recorrente, não exigiu que o exequente juntasse aos autos cartas registadas com aviso de receção para prova do envio e receção das missivas, que alega ter enviado, para extinção do PERSI ou para que o fiador tivesse a possibilidade de, querendo, optar ele próprio por iniciar um novo PERSI, como o preconiza o artigo 21.º do citado Decreto-Lei:
1 - Nos casos em que o contrato de crédito esteja garantido por fiança, a instituição de crédito deve informar o fiador, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida.
2 - A instituição de crédito que interpele o fiador para cumprir as obrigações decorrentes de contrato de crédito que se encontrem em mora está obrigada a iniciar o PERSI com esse fiador sempre que este o solicite através de comunicação em suporte duradouro, no prazo máximo de 10 dias após a referida interpelação, considerando-se, para todos os efeitos, que o PERSI se inicia na data em que a instituição de crédito recebe a comunicação anteriormente mencionada.
3 - Aquando da interpelação para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição de crédito deve informar o fiador sobre a faculdade prevista no número anterior, bem como sobre as condições para o seu exercício. (…)

Voltando à questão da prova, o que foi exigido pelo tribunal a quo foi, tão só, que tal prova de envio e receção fosse produzida por qualquer meio existente em direito probatório.
Mas tal prova não foi produzida, apesar de para tal ter sido convidado o exequente, sendo certo que é sobre a instituição de crédito que impende o ónus da prova da notificação, o que nos leva a concluir, tal como o tribunal a quo, que o PERSI ainda se não encontra extinto.
Com efeito, as cartas que foram juntas aos autos constituem meros impressos elaborados em computador, nada se comprovando se foram enviados ou rececionados.
Reconhece-se que o giro comercial das entidades privadas não se reveste, habitualmente, do grau de exigência burocrático e, por inerência, de certeza, que é exigido às entidades públicas o que, em casos como o presente, leva à colisão dos dois sistemas, vencendo o embate as exigências da entidade pública, em virtude das consequências para o património dos visados que a incerteza acerca da proteção dos seus direitos daí pode resultar.
Não se tendo extinto o PERSI, isso significa que se mantém-se em vigor.
Nesta circunstância, o artigo 18.º/1, b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 21-10, sob a epígrafe “Garantias do cliente bancário”, dispõe o seguinte:
1 - No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
Ora, este inciso impede o exequente de propor ações judiciais, como a executiva, para satisfação do seu crédito pelo que o requerimento executivo deveria, como o foi, liminarmente indeferido.
De onde se conclui que a apelação é improcedente e a decisão deve ser confirmada.
Neste sentido, cfr. Ac. TRC de 07-11-2017, Proc.º 29358/16.8YIPRT.C1:
I.- Com o PERSI pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma instituição de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção.
II.- É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase prejudicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação.
III.- Enquanto não ocorrer extinção do PERSI, está vedada à instituição de crédito a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito.
IV.- No quadro daqueles deveres de informação, esclarecimento e proteção, cabe à instituição de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida, para o que cabe ao credor dar conhecimento à contraparte da abertura e do encerramento do PERSI, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova da respetiva notificação.
***

Sumário:

(…)


***

DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a decisão recorrida.

Custas pela recorrente – Artigo 527.º do CPC.
Notifique.

***
Évora, 24-11-2022

José Manuel Barata (relator)

Cristina Dá Mesquita

Rui Machado e Moura