Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
56/20.0T8LGA-A.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
DIREITO DE RETENÇÃO
TRADIÇÃO DA COISA
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Tendo embora as partes contratantes em contrato-promessa declarado atribuir à promessa eficácia real, demonstrado que foi antes levada ao registo a aquisição do imóvel, registo que mereceu, nos termos da lei, menção de provisoriedade por natureza, não se mostra preenchida a previsão do n.º 1 do artigo 106.º para efeitos de vincular o Sr. AI à celebração do contrato prometido.
II. Quanto ao elemento “traditio”, decompondo-se em dois elementos essenciais, um negativo, correspondente ao abandono da coisa pelo antigo detentor, e outro, de sinal contrário, exprimindo a tomada de poder sobre a coisa (apprehensio), necessário se torna que aquele que se pretende prevalecer da traditio faça a prova desses dois elementos.
III. Provado apenas que na sequência da celebração do contrato promessa de compra e venda de imóvel, no qual se encontravam em curso obras que a promitente vendedora se comprometera a concluir, o legal representante da promitente compradora ali se deslocou algumas vezes, estamos perante facto que não exprime, de forma inequívoca, domínio material sobre o prédio – a apprehensio – pelo que não logrou esta fazer prova da “traditio” para efeitos de se prevalecer do regime consagrado no n.º 1 do artigo 106.º do CIRE.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 56/20.0T8LGA-A.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo de Comércio de Lagoa - Juiz 1


I. Relatório:
Nos presentes autos de reclamação de créditos, que correm por apenso ao processo em que foi declarada a insolvência da Associação (…) de Lagos, o Sr. Administrador apresentou lista de créditos, dela constando como reconhecido o crédito reclamado por (…) – Sociedade de Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda. no valor de € 2.000.000,00, garantido por direito de retenção e sob condição suspensiva, correspondente ao dobro do sinal passado no âmbito de contrato promessa celebrado com a insolvente.
O também credor Instituto de Turismo de Portugal I.P. veio impugnar a lista apresentada, no que ao referido crédito diz respeito, sustentando que os factos alegados pela reclamante não consubstanciam incumprimento definitivo que fundamente a aplicação da sanção prevista no artigo 442.º do Código Civil.
Por outro lado, diz, a ser reconhecido um crédito no valor do sinal passado, o mesmo tem natureza comum, dado que os factos alegados não permitem concluir pela existência de uma relação possessória que justifique a concessão do direito de retenção, sendo certo ainda que a credora reclamante não detém a qualidade de consumidora, que é pressuposto do reconhecimento daquela específica garantia no contexto insolvencial.
A reclamante respondeu, pugnando pelo reconhecimento do crédito nos precisos termos constantes da lista apresentada pelo Sr. AI – “mantendo-se a quantificação e qualificação” – recusando o entendimento de que em contexto insolvencial é exigível a qualidade de consumidor para o reconhecimento da garantia do direito de retenção, o qual, alega, “parece violar o direito de igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa”.
*
Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final foi proferida sentença que, na parcial procedência da impugnação apresentada pelo credor Instituto de Turismo de Portugal, I.P., reconheceu à reclamante (…) – Sociedade de Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda. um crédito no valor de € 1.000.000,00, sob condição suspensiva e natureza comum.
*
Inconformada, apelou a credora reclamante e, tendo desenvolvido na alegação que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto da douta decisão do tribunal a quo, que considerou parcialmente procedente a impugnação e reconheceu o crédito da ora recorrente com natureza comum apenas no valor de € 1.000.000 (um milhão de euros) e sob condição suspensiva, contrariamente ao crédito reconhecido pelo administrador insolvência de € 2.000.000, sob condição e garantido com direito de retenção.
II. As questões a decidir pelo tribunal a quo e que foram objeto de decisão no aresto em crise eram:
(i)- se o credor (…), ora recorrente, tem um crédito de € 2.000.000 correspondente ao dobro do sinal entregue;
(ii)- se esse crédito goza de direito de retenção.
III. O tema da prova fixado pelo tribunal a quo consistiu apenas em saber se a (…) – Sociedade de Investimento Imobiliário, Limitada entrou na posse do imóvel objeto do contrato promessa em 21 de novembro de 2019.
IV. Contudo, em nosso entender, mal, já que o que deveria ter sido equacionado era se o contrato promessa celebrado com eficácia real operou a traditio do imóvel, já que esta, conforme adiante se explicará, não se confunde com a posse.
V. Também, e salvo o devido respeito, andou mal o tribunal a quo ao não considerar como provados factos relevantes e determinantes para a boa decisão do pleito.
VI. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA
a) reformulação dos fatos provados
(i) Ponto 4 e ponto 6 da matéria dada como provada:
No ponto 4 da matéria provada o tribunal considerou que:
Por contrato celebrado a 21 de novembro de 2019, a insolvente prometeu vender a (…) Sociedade de Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda., que prometeu comprar, o imóvel referido em 3 supra, pelo preço de € 2.269.267,21, livre de quaisquer ónus ou encargos;”
No ponto 6. o tribunal considerou provado que:
Ficou ainda previsto que a posse do imóvel prometido vender seria transmitida para a promitente compradora na data do contrato promessa e que este contrato tinha eficácia real;”
VII. Ora, a formulação da matéria dada como provada encontra-se viciada; na verdade, pese embora no n.º 6 da matéria dada como provada o tribunal a quo refira que ficou previsto que o contrato tinha eficácia real, essa formulação parece-nos incorreta, pois não se trata de uma previsão de eficácia, mas sim de uma atribuição ao contrato de eficácia real, tendo sido observadas as formalidades legais e fiscais para o efeito.
VIII. Por outro lado, porque não despiciendo e constante do contrato, o imóvel prometido vender seria no estado de acabado de acordo com o projecto que se anexou ao contrato promessa.
IX. Pelo que deverá ser alterado o ponto 4 da matéria de fato sugerindo-se a seguinte formulação:
X. Por contrato promessa ao qual as partes atribuíram eficácia real celebrado com termo de autenticação a 21 de Novembro de 2019, a Academia de (…) prometeu vender à (…), Sociedade de Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda., que prometeu comprar, o imóvel referido em 3 supra livre de quaisquer ónus ou encargos e totalmente acabado de acordo com o projecto que se anexa sob o anexo II, pelo preço de € 2.269.267,21, livre de quaisquer ónus ou encargos; (Cfr. Cláusula segunda do contrato promessa).
XI. Por outro lado, a formulação do ponto 6. da matéria dada como provada deveria ser: “Nos termos da cláusula quinta do referido contrato a posse do imóvel prometido vender deveria ser transmitida nesta data, tendo o presente contrato eficácia real”.
XII. (ii) Alteração da matéria de fato constante no ponto 19.
deverá ser alterada a redação do ponto 19 para a seguinte redação:
XIII. O representante da promitente compradora (…), Sociedade de Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Limitada, após a celebração do contrato promessa, acedia ao imóvel com a chave que lhe tinha sido dada aquando da outorga do contrato promessa, o que ocorreu pelo menos 3/4 vezes.”
XIV. O depoimento do senhor administrador (…) prestado na audiência de discussão e julgamento realizada a 20 de Outubro de 2021, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, tendo o depoimento iniciado pelas 11 horas e 39 minutos e terminado pelas 12 horas e 29 minutos.
XV. E ainda o depoimento de (…) prestado na audiência de discussão e julgamento realizada a 20 de Outubro de 2021, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, tendo o depoimento iniciado pelas 12 horas e 31 minutos e terminado pelas 13 horas e 15 minutos.
XVI. b) aditamento à matéria de fato
Deveria ser também aditada a seguinte matéria relevante para a boa decisão da causa
XVII. facto novo relevante
“A promitente vendedora, após a assinatura do contrato promessa, continuou a trabalhar no prédio com vista à conclusão das obras de reabilitação e aquisição e instalação de todo o equipamento, de acordo com a listagem do anexo III ao contrato promessa”.
Este fato foi provado pelo clausulado do contrato promessa e também pelo depoimento de (…) prestado na audiência de discussão e julgamento realizada a 20 de Outubro de 2021, gravado através do sistema integrado d e gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, tendo o depoimento iniciado pelas 10 horas e 50 minutos e terminado pelas 11 horas e 38 minutos.
E pelo depoimento do administrador da Insolvência (…), prestado na mesma e única sessão de discussão e julgamento, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, tendo o depoimento iniciado pelas 10 horas e 50 minutos e terminado pelas 11 horas e 38 minutos.
XVIII. Assim, deverá ser aditada a seguinte matéria:
XIX. facto 20.
Em 5.06.2020, a mandatária da (…) enviou uma carta dirigida ao administrador de insolvência carta para cumprimento do contrato promessa. E ainda,
XX. facto 21
XXI. Em 5 de julho de 2021 a mandatária da (…) enviou uma carta registada com aviso de recepção dirigida ao administrador de insolvência onde refere a final (documento junto por citius como documento 1 do invocado requerimento de 19-10-2021 composto por cópia da comunicação, dos respectivos comprovativos de envio, bem como do infra reproduzido depoimento de …).
XXII. Em 23 de Setembro de 2021, a recorrente enviou nova carta registada com aviso de receção onde reitera o anteriormente referido pela sua mandatária e refere expressamente (documento junto por citius como documento 2 do referido requerimento de 19/10/2021).
XXIII. Deverá ainda ser aditado que:
XXIV.
22. O administrador da Insolvência recebeu as referidas cartas e não respondeu às mesmas, nem procedeu à marcação da escritura de compra e venda.
A qual resulta dos comprovativos de envio das comunicações juntos aos autos e supra invocados, bem como do infra citado depoimento do Senhor Administrador de Insolvência, (…).
XXV. Neste ponto, inclusive, foi alegado pelo impugnante que a Recorrente não havia efetuado a interpelação admonitória, concedendo um prazo razoável para a Insolvente cumprir a obrigação de celebrar o contrato-promessa.
XXVI. No sentido de infirmar essa alegação a Recorrente, nomeadamente, juntou aos autos as supra referidas cartas.
XXVII. Todas as referidas cartas foram objeto de apreciação e de confirmação por testemunhas.
XXVIII. QUANTO AOS FATOS NÃO PROVADOS:
XXIX. O tribunal a quo considerou não provado que a promitente compradora tenha passado a ser a única a aceder ao imóvel livremente e a decidir quem nele entrar ou nele permanecer.
XXX. Ora, temos de discordar desta conclusão do tribunal.
XXXI. No sentido que aqui defendemos vamos reproduzir matéria que já considerámos útil a respeito da impugnação se factos (erradamente) considerados assentes, mas que aqui ganham nova relevância.
XXXII. Na verdade, ficou provado pelas transcrições supratranscritas que a ora recorrente tinha a chave de acesso ao imóvel que lhe foi entregue logo aquando da celebração do contrato-promessa, assim como também tinha o administrador da insolvente uma cópia das mesmas, mas apenas para poder concluir as obras que eram condição para a celebração do contrato prometido.
XXXIII. Se as obras estavam a decorrer sob a responsabilidade do promitente vendedor não fazia sentido só a promitente compradora ora recorrente ter acesso ao imóvel, já que tinha de haver trabalhadores e funcionários contratados pelo promitente vendedor para preceder à realização de obras e para finalizar a instalação de equipamento, para fazer vistorias de forma a tentar obter a licença de utilização o imóvel e do estabelecimento.
XXXIV. Pelo que não se pode concluir que pelo facto da recorrente não ser a única a ter acesso ao imóvel que a mesma não tinha a posse ou, melhor, que não tenha havido a traditio do bem prometido vender.
XXXV. Ficou provado que à data da declaração de insolvência não era possível celebrar o contrato definitivo por falta de licenças e porque ainda estavam a finalizar a obra – veja-se o depoimento de representante da insolvente e do administrador da insolvência.
XXXVI. Face ao exposto, não se pode considerar como não provado que a ora recorrente tenha passado a ser a única a aceder ao imóvel livremente e a decidir quem nele poderia entrar ou nele permanecer, já que condição para a celebração do contrato prometido era precisamente o acabamento das obras a cargo da vendedora, o que não aconteceu até a declaração de insolvência.
XXXVII. Pelo contrário, deve ser considerado assente que a promitente compradora, após a celebração do contrato-promessa, passou a ser a única a aceder ao imóvel livremente, sem oposição de ninguém, e a decidir quem nele entrar ou nele permanecer.
XXXVIII. A ora recorrente reclamou e viu reconhecido pelo Sr. Administrador da insolvência, ainda que sob condição, o crédito no valor de € 2.000.000,00, correspondente ao dobro do sinal pago no âmbito de contrato promessa que celebrou com a insolvente a 21 de Novembro de 2019, e o direito de retenção sobre o imóvel sito na Rua (…), n.ºs 19 a 33, em Portimão, inscrito na matriz predial sob o artigo (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), apreendida nos autos.
XXXIX. O Instituto do Turismo de Portugal I.P., credor com hipoteca sobre o referido imóvel impugnou esse reconhecimento alegando três razões:
XL. - a reclamante não ser titular de qualquer crédito, uma vez que à data da insolvência não existia incumprimento do contrato nem mora;
XLI. - ainda que lhe seja reconhecido qualquer crédito, seria o correspondente ao valor de € 1.000.000,00, relativo ao sinal pago;
XLII. - e a ser-lhe reconhecido algum crédito, este deverá ser classificado como comum e não garantido, uma vez que não assiste à reclamante o direito de retenção.
i. Entendeu o tribunal a quo que não foi alegado qualquer facto de onde resulte nem a recusa antecipada e inequívoca da parte da insolvente no sentido de que não iria cumprir, nem que a aqui reclamada, antes da declaração de insolvência, tenha feito interpelação admonitória à insolvente de onde resultasse perda de interesse na prestação. Pelo que não se verificou qualquer causa de resolução legal.
XLIII. Na verdade, se o contrato não previsse prazo para incumprimento definitivo, o que não se concede, certo é que foram feitas três comunicações ao administrador de insolvência que nada respondeu nem cumpriu o contrato promessa conforme estava obrigado; aliás, salientamos que a última comunicação expressamente interpelou o administrador de insolvência para o cumprimento do contrato, tendo alertado que seria a última comunicação em que seria concedido prazo para o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda e que a não celebração do contrato definitivo implicaria automaticamente o incumprimento definitivo do contrato e a sua resolução por causa imputável à promitente vendedora.
XLIV. Ora, alterando-se a matéria de fato dada como provada, incluindo considerando-se demonstradas as cartas, e o seu teor, enviadas pela mandatária da recorrente em seu nome, e também a carta enviada pela própria recorrente a interpelar para o cumprimento do contrato e a advertir pela cominação automática da resolução contratual, ter-se-á de concluir pelo incumprimento definitivo do contrato imputável à promitente vendedora e à concessão do direito ao dobro do sinal à promitente compradora.
XLV. Dúvidas não existem que as cartas que foram enviadas pela recorrente ao administrador da insolvência, nomeadamente, as cartas datadas de julho e de setembro de 2021 configuraram uma interpelação admonitória para o cumprimento, sob pena do contrato se considerar resolvido.
XLVI. Dúvidas não existem que o contrato se considerou definitivamente incumprido e que a recorrente tem direito ao dobro do sinal.
XLVII. Aliás, como resulta da própria gravação áudio, em sede de sessão de julgamento do referido dia 20-10-2021, a Mma juiz e o Ilustre Advogado do Turismo alertaram o administrador de insolvência para as consequências da não resposta às cartas enviadas, mas depois, inexplicavelmente, o tribunal a quo olvidou-se disso e não retirou qualquer consequência, nem do envio das cartas, que não considerou, nem da consequência da falta de resposta às mesmas – apesar dela própria ter inquirido longamente as testemunhas acerca desses factos!!
XLVIII. Ora, no caso sub iudice, dúvidas não restam que o contrato promessa foi celebrado com eficácia real, tendo sido respeitados todos os requisitos de forma e de substância para tal, tendo, inclusivamente, o promitente comprador liquidado os respetivos impostos de selo e de IMT.
XLIX. Ou seja, ao contrário do referido pela Mma juiz a quo, de acordo com a Lei, o administrador não tinha a faculdade de tomar posição sobre se cumpria ou não cumpria a promessa, ou seja, não tinha o administrador de insolvência o direito potestativo de escolher cumprir ou não cumprir o contrato-promessa, como acontece nos contratos promessa com mera eficácia obrigacional, pois aqui estamos perante uma realidade manifestamente diferente, estamos perante um contrato com eficácia real, realidade essa que se encontra reflectida na redacção do citado artigo através da expressão “não pode recusar”.
L. Antes de mais, importará decidir a questão de saber se a recusa pelo Administrador da insolvência no cumprimento de contrato promessa com tradição e eficácia real do bem objeto do contrato implica a restituição do sinal em dobro ou a restituição do sinal em singelo.
LI. O tribunal a quo erradamente considerou que a recorrente apenas teria um crédito de € 1.000.000,00.
LII. A Mmª Juíza aplica o regime constante do CIRE aplicável apenas aos contratos meramente obrigacionais ao contrato que temos na presente lide que, ao invés daqueles, é um contrato com eficácia real, e no âmbito do qual ocorreu a tradição do objecto da promessa.
LIII. Nestes contratos, com eficácia real e nos quais ocorreu a tradição, o acto de cumprir o mesmo por banda do administrador de insolvência não se configura como uma faculdade, que poderá ser orientada por princípios de oportunidade ou interesse dos restantes credores; nos casos acima mencionados trata-se de uma vinculação.
LIV. Ora, sendo um dever imposto por lei ao administrador de insolvência, a sua violação, terá, forçosamente, de se entender como ilícita, porque é contra a Lei, e, consequentemente, não pode deixar de ser culposa.
LV. Assim, no caso concreto, o administrador não poderia recusar a celebração do contrato prometido pelo que após a sua interpelação admonitória para cumprir, não a cumprindo, a recusa tornou-se ilícita e culposa, daí surgindo o direito da ora recorrente ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442.º do Código Civil.
LVI. No caso concreto, é absolutamente irrelevante que a interpelação admonitória só se tenha concretizado após a declaração de insolvência, já que também só após a mesma declaração é que se verificaram os requisitos para cumprimento do contrato, nomeadamente a conclusão das obras e a emissão da licença de utilização.
LVII. No caso sub judice não se aplica o acórdão uniformizador 4/2014 nem o 3/2021 porquanto a situação jurídica manifestamente não é igual aquela sobre a qual o referido acórdão se debruçou.
LVIII. Ambos os citados acórdãos tiveram por base contratos-promessa meramente obrigacionais, os quais, como vimos, têm um tratamento legal muito diverso, daquele que a Lei reserva para os contratos promessa com eficácia real e com tradição da coisa objeto do contrato.
LIX. Nos presentes autos temos:
um contrato promessa com eficácia real, temos sinal prestado, temos posse; temos recusa ilícita do administrador em cumprir que se materializou na não resposta às interpelações admonitórias feitas pela ora recorrente.
LX. Revestindo a promessa eficácia real e havendo tradição da coisa, o administrador da insolvência só tem um caminho: celebrar o contrato prometido, não tendo o direito potestativo de cumprir ou não cumprir.
Neste caso, o negócio segue o seu curso normal, esperando-se uma realização regular das prestações recíprocas (a emissão das declarações negociais de compra e venda, com o correspondente pagamento do preço, já que a coisa está entregue ao promitente-adquirente). Mas se o administrador não cumprir, não obstante a previsão da lei, a contraparte pode recorrer, nos casos a que se reporta o artigo 830.º, n.º 3, do Código Civil, à execução específica, ou proceder à resolução do contrato.
LXI. Na realidade, esse incumprimento consubstancia um ato ilícito e culposo, gerador do dever de indemnizar a cargo da massa insolvente, para além da própria responsabilidade do administrador da insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 59.º, n.º 1, do CIRE, contudo, nunca poderá ser a promitente compradora, ora recorrente, lesada.
LXII. Aqui chegados entendemos que não se deverão aplicar as disposições do CIRE nomeadamente os artigos 102.º a 104.º mas sim as disposições do artigo 442.º do Código Civil.
LXIII. QUANTO AO DIREITO DE RETENÇÃO
São três os pressupostos que marcam o direito de retenção:
- a existência de um crédito emergente de promessa de transmissão ou constituição de um direito real, que pode não coincidir com o direito de propriedade; existente no caso sub judice.
- a entrega ou tradição da coisa abrangida ou objecto da promessa; existente no caso sub judice.
- o incumprimento definitivo da promessa imputável ao promitente, como fonte do crédito do retentor existente no caso sub judice In casu, da matéria considera assente, ou melhor, daquela que deverá ser considerada assente ocorreu a tradição do imóvel objecto da promessa a favor da Recorrente.
LXIV. O legislador no artigo 106.º, n.º 1, do CIRE, quis privilegiar a situação do credor do contrato promessa com eficácia real quando tenha havido tradição da coisa, determinando ao Administrador que não pode recusar o seu cumprimento, o que se compreende, atenta a eficácia erga omnes do contrato, nos termos do artigo 413.º do Código Civil, aliada a uma reforçada expectativa de aquisição revelada pelo facto de ter havido tradição da coisa.
LXV. A traditio da coisa no caso do contrato promessa ocorre quando o promitente vendedor entrega a fracção prometida vender, abrindo mão da mesma, entregando-a materialmente ou apenas simbolicamente ao promitente comprador, tomando este o poder sobre aquela fracção.
LXVI. Compreendemos que uma mera declaração das partes de que os promitentes compradores entram na posse da fracção, sem qualquer correspondência com a realidade, não pode relevar para a conclusão de que houve tradição da coisa, mas essa hipótese não se verifica no caso em apreço.
LXVII. No caso em apreço, conforme decorre da matéria assente, a promitente vendedora deu as chaves do imóvel prometido vender à promitente compradora, a descrição desse acto foi reduzida a escrito no contrato-promessa, houve entregas das chaves e, de facto, a promitente-vendedora, através do seu representante, passou a aceder ao imóvel, sem oposição de ninguém e sem pedir autorização a alguém.
LXVIII. Acresce que defendemos que nem sequer é necessária a prova da posse, já que esta, como acima referimos, na acepção prescrita para a conduta própria de um proprietário, não se confunde com a traditio no âmbito do regime do contrato-promessa.
Assim, é possível concluir que, radicando o direito de retenção num contrato-promessa, não é necessário que o beneficiário da promessa tenha a posse da coisa objecto do contrato prometido.
LXIX. É pois para se verificar o direito de retenção suficiente que a promitente compradora detenha o imóvel por simples tradição.
LXX. A tradição de que fala a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil não se confunde com a posse e pode existir sem esta.
LXXI. O conceito de tradição da coisa vem tratado de forma exemplar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-4-2001 «“A tradição da coisa exprime, na disciplina dos direitos reais, a transmissão da detenção de uma coisa entre dois sujeitos de direito, sendo constituída por um elemento negativo (o abandono pelo antigo detentor) e um elemento positivo, a tradicionalmente chamada apprehensio (acto que exprime a tomada de poder sobre a coisa).
LXXII. Na verdade, no caso sub judice houve tradição, pois é frequente que com a celebração do contrato-promessa e com a entrega de sinal as partes convencionem, ou no próprio contrato ou em momento subsequente, por escrito ou oralmente, a entrega da coisa – no caso, do imóvel – ao promitente-comprador, antes mesmo da celebração do contrato prometido.
LXXIII. No caso sub judice, é bem evidente pelas declarações do administrador de insolvência e do mediador que as partes quiseram que a recorrente tivesse livre disponibilidade sobre o imóvel prometido adquirir.
LXXIV. De qualquer modo, sempre se diga que o direito de retenção, tal como está configurado no artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil, pressupõe tão-somente a colocação da coisa na esfera de ação do promitente-comprador, que sobre ela passa a exercer um poder de facto (corpus), possibilitada pela incontornável entrega das chaves do imóvel, assente num acordo de vontades, dirigido à transferência desse poder de facto.
LXXV. Refira-se que o acórdão uniformizador que considerou apenas a existência de direito de retenção para o promitente comprador consumidor versou sobre um contrato promessa com eficácia obrigacional e não com eficácia real e só se aplica a esse tipo de contratos com efeito meramente obrigacionais pelo que a decisão em crise, tendo fundamentado a falta de direito de retenção do ora recorrente no acórdão uniformizador, está eivada de vício, ao indeferir a garantia do direito de retenção pois considerou a ora recorrente como não consumidora.
LXXVI. Face ao supra exposto tem a ora recorrente direito a um crédito sobre a massa insolvente no valor de € 2.000.000,00, sem condição, uma vez que a resolução do contrato já se operou com a interpelação admonitória e o não cumprimento por parte do administrador e com garantia do direto de retenção face à eficácia real do contrato e a traditio operada”.
Conclui requerendo que na procedência do recurso seja revogada a sentença recorrida, reconhecendo-se um crédito a favor da recorrente no valor de € 2.000.000,00 e garantido com direito de retenção.
Contra alegou o impugnante ITP, I.P., defendendo a manutenção do julgado.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as questões suscitadas perante este Tribunal:
i. conhecer da impugnação da matéria de facto;
ii. determinar o montante do crédito reclamado pela apelante, a sua natureza garantida ou comum, e ainda se se encontra ou não sujeito a condição.
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i. da impugnação da matéria de facto
Previamente, e respondendo à crítica dirigida pela recorrente ao tema único da prova[1], cuja enunciação, segundo alega, não faz eco daquilo que verdadeiramente deveria ter sido objecto da actividade instrutória, uma vez que posse não se confunde com “traditio”, importa referir que, conforme a apelada não deixou de observar, a ora recorrente não reclamou, como se impunha, do despacho em causa, donde não ser possível a sua impugnação em sede do recurso interposto da decisão final, uma vez que a lei só prevê e admite recurso do despacho que tiver recaído sobre a reclamação oportunamente deduzida (cfr. artigo 596.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Em todo o caso, sempre se dirá que o tema da prova, tal como foi enunciado, reflecte a alegação da reclamante. Acresce que, destinando-se a enunciação dos temas da prova a estabelecer o quadro em que se irá desenvolver a fase de instrução e nada obstando a que sejam, como foi o caso, formulados em termos genéricos e conclusivos, caberá ao Tribunal, em sede de prolação da sentença e conforme estabelecido no artigo 607.º do mesmo diploma, enunciar os factos provados e não provados, em concretização daqueles (cfr., a título meramente exemplificativo, os acórdãos do TRL de 29/5/2014, no processo 444/12.5TVLSB.L1-6, e do TRL de 29/1/2015, processo 80/12.6TBBCL-G.G1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt). Tal como ocorreu no caso presente, pertencendo já ao mundo do jurídico determinar quais os pressupostos de aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 106.º do CIRE e decidir se os factos apurados preenchem (ou não) a previsão legal, podendo a recorrente discordar, como de resto sucedeu, da solução encontrada na decisão apelada.
Feita tal prévia precisão, e dada a irrelevância da objecção colocada, passemos à apreciação da impugnação deduzida contra a decisão proferida nos autos quanto à matéria de facto.
A credora recorrente pretende a alteração da redacção dos pontos 4. e 6. do elenco dos factos provados, pugnando pelo aditamento ao primeiro da menção à circunstância do contrato prometido dever ser celebrado livre de ónus e encargos e totalmente acabado de acordo com o projecto junto em anexo, devendo ainda esclarecer-se no ponto 6 que ao contrato promessa foi efectivamente conferida eficácia real.
Apreciando a impugnação no que se refere àquele primeiro ponto, afigura-se, face ao consignado no ponto 8, que o pretendido aditamento é redundante.
Já no que respeita ao ponto 6, pese embora se afigure que a alusão à previsão se reporta apenas à transmissão da posse, não já à atribuição de eficácia real ao contrato, que é efectiva, reconhecendo que a redacção se presta a equívoco, altera-se a mesma de forma a contemplar o preciso teor da cláusula 5.ª do acordo celebrado.
A recorrente defende a alteração do ponto 19, de modo a ser-lhe conferida a redacção que indica, apontando como meios de prova que imporiam tal alteração os depoimentos prestados pelo legal representante da insolvente e do Sr. Administrador da insolvência, a par do testemunho de (…), nas passagens indicadas.
Ouvidos os meios de prova indicados, a verdade é que não resultou comprovado quanto pretende a impugnante ver consignado. Que a chave foi entregue ao seu legal representante (…) é facto que não se encontra controvertido, constando do elenco dos factos assentes – cfr. o ponto 18. Quanto ao mais, a verdade é que os depoimentos e testemunhos indicados não confirmam a tese de que este, na sequência da celebração do contrato promessa, tivesse passado a aceder ao imóvel livremente, fazendo uso da chave em seu poder. Pelo contrário, o que resultou do depoimento do legal representante da devedora – sem que tenha deixado de aludir de forma espontânea ao simbolismo da entrega da chave – é que de todas as vezes que o legal representante da promitente compradora se deslocou ao local para se inteirar do andamento das obras em curso, 3 ou 4 num período de diversos meses, e com a eventual excepção de uma ida ao restaurante, deslocação de que também deu prévio conhecimento ao depoente, fê-lo sempre na companhia deste e mediante prévio contacto telefónico – “tinha a chave mas avisava, telefonava, e eu estive sempre presente”, declarou.
Quanto ao depoimento do Sr. AI e da testemunha (…), que disse ter sido o mediador do negócio, o primeiro nada de relevante aportou aos autos neste domínio em abono da pretensão da impugnante, tendo-se limitado a declarar ter-lhe sido transmitido pelo próprio Sr. (…), legal representante da devedora, que o promitente comprador teria as chaves, sem ter conhecimento directo e efectivo dos factos.
Quanto à testemunha (…), disse ter acompanhado o (…) 3 ou 4 vezes ao imóvel e que este tinha a chave – do que resulta que tiveram necessariamente lugar após a celebração do contrato promessa – tendo ficado por explicar o motivo pelo qual o acompanhou numa altura em que, pela presença das máscaras, se verifica que a visita ocorreu já em período de pandemia, logo, meses depois. Aliás, a este respeito, quando instado pelo Il. Mandatário a explicar precisamente esse facto, a testemunha revelou atrapalhação, não tendo fornecido explicação credível. Também a referência que fez ao facto de, numa das visitas, terem levado um jornal para se fotografarem com tal elemento, tendo em vista comprovar a data em que ocorreu, sugere que havia um específico propósito, a que não terá sido alheia a circunstância da insolvência ter sido declarada em Maio de 2020.
Sublinha-se, por último, que o testemunho prestado entrou em confronto claro com as declarações do legal representante da insolvente que, conforme se referiu, declarou que o legal representante da promitente compradora avisava previamente das deslocações e, com a excepção que indicou, foi sempre por si acompanhado, tanto mais que a testemunha declarou que o Sr. (…) esteve sempre presente.
Face a tais elementos probatórios contraditórios, com consistência resultou apurado apenas e tão só quanto consta do impugnado ponto 19, que por isso se mantém nos seus precisos termos, tal como se mantém o único facto não provado.
No que respeita ao aditamento de um facto do qual constasse que “A promitente vendedora, após a assinatura do contrato promessa, continuou a trabalhar no prédio com vista à conclusão das obras de reabilitação e aquisição e instalação de todo o equipamento, de acordo com a listagem do anexo III ao contrato promessa”, resulta da conjugação dos factos provados 8, 11 e 12 que os trabalhos prosseguiram e necessariamente sob direcção da promitente vendedora, posto que não foi accionada a cláusula 7.ª, § 4.º. Deste modo, porque redundante, indefere-se o requerido aditamento.
Defende a impugnante, por último, o aditamento de factos que reproduzam, no essencial, o teor das missivas enviadas pela recorrente ao Sr. AI, visando contrariar a conclusão a que se chegou na sentença recorrida no sentido de o contrato celebrado não ter sido resolvido nem se ter verificado o seu incumprimento definitivo.
A este respeito cumpre, antes de mais, esclarecer que, como se alcança com clareza da sentença recorrida (cfr. fls. 115 dos autos), o que aí se refere – e a recorrente não contesta – é que não foi alegado qualquer facto do qual resultasse a recusa antecipada e inequívoca por parte da insolvente no sentido de que não iria cumprir o contrato celebrado, nem que tenha sido feita pela reclamante, antes da declaração de insolvência, interpelação admonitória de que resultasse a perda de interesse na prestação (é nosso o destaque). Daí que se tenha considerado que se estava perante um negócio em curso, sendo aplicável ao caso o artigo 106.º do CIRE.
Diferentemente, o que a recorrente pretende agora é que, por força da consideração das aludidas missivas – cuja junção aos autos requereu ao abrigo do preceituado no n.º 3 do artigo 423.º do CPC – se conclua que o contrato foi fundadamente resolvido na pendência do processo e muito depois de declarada a insolvência, pelo que o seu crédito, correspondente ao sinal em dobro, haverá de ser reconhecido sem condicionalismo e com a garantia do direito de retenção.
Quanto a este aspecto, importa começar por referir que a ora recorrente não introduziu tais factos em juízo mediante articulado superveniente, antes se tendo limitado a apresentar os aludidos documentos. E fê-lo, como se colhe dos autos, no dia anterior àquele em que se realizou a audiência final, não se vendo que tenham sido formalmente admitidos ou que, quanto a eles, tenha sido concedido aos demais intervenientes prazo para o exercício do contraditório, o que naturalmente constitui obstáculo à sua consideração por este tribunal de recurso.
Por outro lado, não tendo sido então alegada a factualidade relevante que tais elementos probatórios se destinavam a demonstrar e efeitos que a recorrente dela pretendia extrair, nada se disse na sentença recorrida quanto à agora invocada superveniente (quanto aos seus fundamentos e emissão da declaração resolutiva, uns e outra ocorridos após a declaração de insolvência e até da resposta à impugnação do crédito por si reclamado) resolução do contrato. Estando assim em causa uma questão nova, vedado está a este Tribunal o seu conhecimento, uma vez que os recursos, conforme é sabido, e com excepção das questões de conhecimento oficioso, se destinam apenas a reapreciar aquelas que foram objecto de pronúncia por parte do tribunal que proferiu a decisão impugnada, daí decorrendo a irrelevância dos factos que a impugnante pretende ver aditados.
Não deixará, por último, de se observar que, sendo claro o fim visado pela recorrente com as aludidas interpelações dirigidas ao Sr. AI em Julho e Setembro de 2021 (irreleva para este efeito a missiva datada de 20 de Junho de 2020, dada a conduta posterior da promitente compradora, reveladora de manutenção do seu interesse na celebração do contrato prometido) –habilitar-se à indemnização pelo incumprimento correspondente ao dobro do sinal –, a invocação, para além do mais que ali consta, da pendência de acção de anulação do contrato celebrado como fundamento resolutivo, não poderia obviamente ser atendida. E assim é desde logo porque a reclamante é, também ela, ré na acção, sendo certo ainda que o seu desfecho não está obviamente na disponibilidade do Sr. AI.
Considerando, face a tudo o que vem de se referir, que os factos pretendidos aditar pela recorrente não se revestem de relevo para a decisão, julga-se totalmente improcedente a impugnação dirigida à decisão proferida sobre a matéria de facto, que se mantém nos seus precisos termos.
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II. Fundamentação
De Facto
São os seguintes os factos a considerar, tal como constam da sentença recorrida:
Está provado que:
1. A Associação (…) de Lagos, pessoa colectiva de Utilidade Pública n.º (…), com sede na Rua (…) – (…), 8600 Lagos, é uma Associação de Utilidade Pública, sem Fins Lucrativos, fundada a 27 de Maio de 1986, que iniciou a actividade cultural a 17 de Dezembro de 1988.
2. Por decisão de 21 de Maio de 2020, transitada em julgado a 12 de Junho de 2020, a referida Associação foi declarada insolvente.
3. A insolvente é proprietária de um imóvel sito na Rua (…), n.ºs 19 a 33, na freguesia e concelho de Portimão, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…).
4. Por contrato celebrado a 21 de Novembro de 2019, a insolvente prometeu vender a (…), Sociedade de Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda., que prometeu comprar, o imóvel referido em 3 supra, pelo preço de € 2.269.267,21, livre de quaisquer ónus ou encargos.
5. Ficou estabelecido que o preço seria pago em duas prestações, uma no valor de € 1.000.000,00, a título de sinal, e outra, a pagar no ato da celebração da escritura de compra e venda, no valor de € 1.169.267,21.
6. As partes fizeram consignar na cláusula 5.ª do acordo celebrado que “A posse do imóvel prometido vender será transmitida nesta data, tendo o contrato eficácia real”.
7. Nesse contrato a promitente vendedora assumiu a responsabilidade relativa a despesas, encargos, impostos ou taxas, devidas a terceiros, entidades públicas ou privadas que incidam ou viessem a incidir sobre o imóvel objecto do contrato, mesmo que fossem devidos ou viessem a ser apresentados ou debitados à promitente compradora em momento posterior ao contrato promessa, mas que se reportem à utilização ou ao período de utilização do mesmo imóvel pela vendedora, incluindo o IMI que deveria ser repartido proporcionalmente de acordo com o período de detenção do imóvel pelos contratantes.
8. Foi acordado que a escritura de compra e venda seria outorgada com a conclusão das obras de reabilitação que a insolvente estava a efectuar no imóvel com vista a nele instalar um estabelecimento de hotelaria “(…)” e emissão da licença para o exercício da actividade hoteleira, que deveria ocorrer até 30.4.2020.
9. A promitente vendedora ficou incumbida de comunicar à promitente compradora o dia, hora e local da celebração da escritura de compra e venda.
10. Caso o prédio não pudesse ser alienado, quer por não estar concluído, quer por falta de licenças, até 30.4.2020, a insolvente deveria pagar juros à taxa Euribor acrescida de 2% sobre o montante do sinal entregue até a realização da escritura, valor a ser deduzido no preço a pagar.
11. E caso as obras não estivessem concluídas até 30.6.2020 a promitente compradora poderia realizar as obras a expensas suas deduzindo o valor das mesmas no preço acordado, considerando-se o contrato automática e definitivamente incumprido, podendo a promitente compradora executar o mesmo ou exigir o dobro do sinal entregue.
12. Ficou ainda previsto no contrato promessa de compra e venda que, na data da celebração do contrato de compra e venda, seria celebrado um contrato de cessão de exploração e um contrato de arrendamento de acordo com os documentos anexos.
13. E que a não celebração do contrato de arrendamento e contrato de cessão de exploração, por causa imputável ou não imputável à insolvente, considerava-se incumprido o contrato promessa de compra e venda.
14. Com data de 21 de Novembro de 2019 a insolvente prometeu trespassar à Sociedade (…), Lda. o estabelecimento comercial (…) e restaurante com todas as licenças, mobiliário e equipamentos, pelo valor de € 530.732,79 que deveria ser pago na data da celebração do contrato definitivo de compra e venda referente ao imóvel a favor da Sociedade (…), Lda..
15. Pelo mesmo contrato a insolvente e a sociedade (…), Lda. comprometeram-se, esta, a dar, e aquela, a tomar de arrendamento o estabelecimento comercial referido em 14, mediante contrato a celebrar na data da outorga do contrato de compra e venda do imóvel.
16. A promitente compradora entregou à insolvente, na data da celebração do contrato promessa, o valor de € 1.000.000,00.
17. Pela apresentação n.º (…) de 23.11.2019 foi registada na Conservatória do Registo Predial a aquisição do imóvel identificado em 4 a favor de (…), Sociedade de Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda., registo que ficou provisório por natureza.
18. Na data da celebração do contrato promessa a insolvente entregou ao representante da (…), Sociedade de Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda. uma chave do imóvel prometido vender.
19. O representante da promitente compradora, (…), Sociedade de Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda. visitou o imóvel no decurso das obras.
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Não se provou que:
a) Após a celebração do contrato promessa referido no ponto 4 dos factos provados, a promitente compradora tenha passado a ser a única a aceder ao imóvel livremente e a decidir quem poderia nele entrar ou nele permanecer.
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De Direito
Do montante e natureza do crédito a reconhecer à recorrente.
Dissentindo da sentença recorrida, na qual lhe foi reconhecido um crédito comum no valor de € 1.000.000,00, correspondente à devolução do sinal em singelo, e sob condição, sustenta a recorrente (…), Sociedade de Investimentos, Unipessoal, Lda. que, tendo celebrado com a insolvente contrato-promessa de compra e venda dotado de eficácia real e com traditio, no âmbito do qual fez entrega a título de sinal da quantia de € 1.000.000,00, tendo ocorrido incumprimento definitivo do contrato por causa imputável ao Sr. AI, é credora do montante de € 2.000.000,00, correspondente ao dobro do sinal, crédito garantido pelo direito de retenção e sem condição.
Indaguemos, pois, da valia dos argumentos invocados pela recorrente.
Não se encontrando controvertida nos autos a qualificação como contrato promessa de compra e venda do acordo celebrado entre a devedora insolvente e a apelante, recusa esta a aplicação do regime previsto no artigo 106.º, n.º 2, do CIRE[2] e, por via da remissão de duplo grau, do n.º 5 do artigo 104.º e n.º 3 do artigo 102.º, pugnando antes pela aplicação da disciplina que emerge das disposições conjugadas dos artigos 442.º, n.º 2 e 755.º, n.º 1, alínea f), do CC.
Considerou-se na sentença recorrida que estávamos perante um negócio em curso, o que a apelante não questiona, defendendo embora, nesta via de recurso, que a resolução do contrato ocorreu na pendência do processo de insolvência, dada a interpelação admonitória feita ao Sr. AI sem que este se tivesse decidido a celebrar o contrato.
Estando em causa um negócio em curso – nos termos do n.º 1 do artigo 102.º, aqueles que à data da declaração de insolvência não se mostrem totalmente cumpridos, nem pelo insolvente, nem pela outra parte – a regra, uma vez decretada a insolvência, é a suspensão do cumprimento, tendo em vista o exercício pelo administrador do seu direito (potestativo) de optar entre recusar definitivamente o cumprimento do contrato ou antes executá-lo. Tratando-se de um contrato promessa rege especificamente o artigo 106.º, preceito que distingue entre os contratos a que foi atribuída eficácia real, tendo ocorrido tradição da coisa a favor do promitente-comprador, cujo cumprimento não pode ser recusado pelo AI (vide n.º 1 do preceito), e os demais, cujo incumprimento por opção do administrador, conforme se deixou já referido, convoca a aplicação do regime consagrado no n.º 5 do artigo 104.º e, por força da remissão aqui operada, do n.º 3 do artigo 102.º (cfr. o n.º 2 do artigo 106.º).
A pela apelante pretendida inclusão do contrato na previsão do n.º 1 do artigo 106.º exige que se encontre dotado de eficácia real e ainda que tenha ocorrido a tradição da coisa.
Nos termos previstos no artigo 413.º do CC, à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo.
Não valendo a pena discutir aqui se o direito atribuído ao promitente-comprador por via do contrato-promessa com eficácia real é um direito real de aquisição ou um direito de natureza meramente creditória de eficácia ampliada a terceiros por via do registo, nem tão pouco se, face à letra do mesmo artigo 413.º, a inscrição registal – obrigatória nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea f) e 8.º-A, n.º 1, alínea b), do CRP – tem uma função constitutiva ou a função geral de oponibilidade a terceiros, a verdade é que, em qualquer caso, na ausência de registo a promessa não adquire eficácia “erga omnes”, não podendo ser oposta a terceiros, como é o caso dos demais credores da insolvente.
No caso vertente, tendo as partes declarado atribuir à promessa eficácia real, resulta, no entanto, da certidão junta pela própria reclamante e foi dado como assente – cfr. ponto 17 – que foi antes levada ao registo a aquisição do imóvel, registo que mereceu, nos termos da lei, menção de provisoriedade por natureza. Ora, o registo provisório de aquisição da coisa prometida vender é coisa diversa do registo da promessa dotada de eficácia real e não o substitui, podendo até coexistir[3].
O registo provisório de aquisição, previsto no artigo 47.º do CRP, podendo ter por base contrato promessa de alienação, dotado ou não de eficácia real, é, por força da lei, provisório por natureza (cfr. artigo 92.º, n.º 1, alínea g), do mesmo diploma) e tem uma validade inicial de 6 meses, renovável por períodos adicionais de igual duração e até 1 ano após a data fixada pelas partes para a celebração da respectiva escritura pública (cfr. o n.º 4)[4], ao invés do registo da promessa dotada de eficácia real, que perdura até produzir todos os seus efeitos.
Estando-se, em qualquer dos casos, perante meios de tutela do direito do promitente-comprador, a verdade é que a previsão do n.º 1 do artigo 106.º alude apenas à promessa dotada de eficácia real, omitindo qualquer referência ao registo provisório de aquisição titulado por contrato promessa, cujas diferenças se assinalaram. Acresce que, assumindo-se aquele normativo como um desvio à regra geral consagrada no artigo 102.º, que confere ao Sr. AI o poder potestativo de optar entre cumprir ou recusar o cumprimento do negócio em curso, a excepcionalidade da norma não consente, em nosso entender, que nela se inclua por analogia o contrato promessa que titulou o registo de aquisição provisória, de tudo resultando que não se verifica o primeiro pressuposto de aplicação, uma vez que sem o registo a eficácia real da promessa não produz o seu efeito prático.
Acresce que, conforme se considerou, a nosso ver correctamente, na decisão recorrida, não logrou igualmente a credora reclamante e ora recorrente fazer prova da traditio.
É sabido que o “contrato promessa é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. (…) Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um pactum de contrahendo.”[5].
Atentos os seus elementos constitutivos, resulta evidente que a entrega da coisa prometida vender não constitui um efeito típico do contrato promessa de compra e venda (cfr. artigo 410.º). Todavia, casos há em que as partes convencionam a “traditio” da coisa objecto do contrato prometido, o que pressupõe a sua entrega material e a correspondente detenção por banda do promitente-comprador. Tal acordo vem sendo caracterizado como um contrato atípico ou inominado, diferenciado do contrato promessa, constitutivo de um direito pessoal de gozo, traduzido na antecipação de um dos efeitos do contrato definitivo, no pressuposto da realização desse contrato[6], sem aptidão portanto, ressalvadas situações excepcionais, para conferir posse.
Conforme se explicita no acórdão do STJ de 10/1/2019 (proc. 3595/16.3T8GMR.G1.S1, em www.dgsi.pt), a tradição “consiste na cedência da coisa prometida alienar de modo a proporcionar ao beneficiário da promessa o uso e/ou a fruição da mesma, com a amplitude que seja concretamente acordada, podendo reconduzir-se a uma mera detenção por parte daquele beneficiário, configurável, em princípio, como um atípico direito pessoal de gozo (…)”.
Não se desconhece e não se questiona que, conforme se consignou no acórdão do STJ de 19/4/2001, proferido na revista 633/01, da 7.ª secção, longamente citado pela recorrente, entendimento reiterado em diversos outros arestos do mesmo STJ[7], a lei confere idêntico valor à tradição material e à tradição simbólica (cfr. a alínea b) do artigo 1263.º), a qual pode “manifestar-se através de diversificados modos de comportamento que revelem, à luz da sua significação social, segundo as regras da experiência, uma situação resultante de um elemento negativo traduzido no abandono da coisa pelo seu anterior detentor em correspondência com um elemento positivo consistente na apprehensio da mesma pelo novo detentor” (do também já citado aresto do STJ de 10/1/2019). E tanto assim que “tem sido considerada como tradição simbólica da coisa, por exemplo, a entrega das chaves de um prédio urbano, o que não significa, no entanto, que deva ainda assim ser entendido todo e qualquer ato de entrega de chaves, importando atentar no respetivo contexto, nomeadamente negocial” (idem).
Decompondo-se a tradição em dois elementos essenciais, um negativo, correspondente ao abandono da coisa pelo antigo detentor, e outro, de sinal contrário, exprimindo a tomada de poder sobre a coisa, ainda que não se exija, para utilizar as palavras daquele primeiro aresto de 19/4/2001, “um acto plasticamente representável de “largar e tomar”, bastando-se com a inequívoca expressão do abandono da coisa por parte do transmitente, e a consequente expressão da tomada de poder material sobre a mesma por parte do beneficiário”, necessário se torna que aquele que se pretende prevalecer da traditio faça a prova desses dois elementos.
Revertendo agora ao caso dos autos, sendo certo que, tal como reconhece a recorrente, a mera declaração no contrato, feita pela promitente vendedora, de que “procedia à transmissão da “posse”, não é bastante para se poder concluir pela “traditio”, admite-se que, ao fazer entrega das chaves do imóvel à promitente compradora aquando da celebração do contrato promessa, acompanhando tal acto da declaração, a aqui insolvente quis significar que transferia o poder de facto sobre a coisa prometida vender, independentemente de a ela ter continuado a ter acesso, o que se justifica pelo facto de se encontrar contratualmente vinculada a concluir as obras em curso. Mas se estamos assim perante um acto a que convencionalmente é associado esse mesmo significado, não é menos certo que nada se apurou que permita concluir ter a promitente compradora e aqui recorrente procedido à tomada de poder sobre o imóvel – a “apprehensio” a que se alude no também citado acórdão do TRC de 26/3/2019 (processo 1534/18.6T8ACB.C1, ainda em www.dgsi.pt).
Com efeito, revisitados os factos provados e não provados, conclui-se que nenhum se apurou idóneo a exprimir, de forma inequívoca, que a apelante tenha passado a exercer um domínio material sobre o imóvel, ainda que naturalmente limitado pelas condições em que se encontrava. Faz-se notar, a este propósito, que o aresto do STJ de 25/3/2014 que a recorrente invoca (processo 1729/12.6TBCTB-B.C1.SS1, em www.dgsi.pt), não deixou de relevar o apurado acesso ao prédio onde se localizava a fracção prometida vender por banda dos promitentes-compradores “fazendo uso da chave que lhes fora entregue pela promitente vendedora, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém”. Ora, no caso em apreço, nada de semelhante resultou provado, não podendo atribuir-se esse sentido ao facto de o legal representante da promitente compradora, conforme se apurou, ter visitado o imóvel no decurso das obras, o que de modo algum pressupõe ou exterioriza uma relação de domínio material sobre a coisa.
Em suma, também aqui pode afirmar-se, tal como se consignou no mencionado acórdão do TRC, “(…) os factos permitem descortinar – com a entrega das chaves – o “abandono” do antigo “possuidor”, típico da “traditio”; porém, nada está alinhado, em termos de factos provados, que permita divisar a apprehensio – o acto que denuncia que os novos “possuidores” e aqui Autores / apelantes adquiriram poder sobre o objecto prometido”.
Em face do que vem de se expor conclui-se, secundando o juízo da 1.ª instância, que a apelante não logrou fazer prova da traditio.
Aqui chegados, estando em causa apenas e tão só um contrato promessa de compra e venda sinalizado, mas destituído de eficácia real e sem que tenha sido comprovada a traditio, fica afastada a aplicação do regime consagrado no n.º 1 do artigo 106.º, daqui decorrendo a licitude da opção que venha a ser tomada pelo Sr. AI, quer vá no sentido de celebrar o contrato prometido, quer de recusar a sua celebração (cfr. o n.º 2). Por assim ser, o crédito indemnizatório a que a recorrente, no caso de vir a ser recusada a celebração do contrato, tem direito, deverá ser calculado nos termos do n.º 3 do artigo 102.º, por força da remissão de duplo grau que resulta daquele preceito (cfr. o AUJ 3/2021, in DR I-Série, de 16 de Agosto de 2021).
Por aplicação do aludido critério, na ausência de prova de que o valor do imóvel seja diverso do preço fixado, o crédito da recorrente corresponde ao montante entregue a título de sinal, crédito comum, por não beneficiar da garantia do direito de retenção (tal como, de resto, ocorreria ainda que tivesse ocorrido “traditio”, por não deter a qualidade de consumidora, face à doutrina fixada nos AUJ 4/2014, de 20 de Março de 2014, publicado no DR I-Série de 19 de Maio de 2014[8], e 4/2019, publicado no DR 141/2019, Série I, de 26 de Julho de 2019[9])[10].
O crédito assim reconhecido tem, por último, de ser havido como crédito sob condição suspensiva, nos termos do artigo 50.º, n.º 2, alínea a), uma vez que os factos apurados não permitem concluir pela recusa do Sr. AI (sendo certo que arredada está, reitera-se, a fundada resolução do contrato invocada pela recorrente em sede de recurso - questão que, conforme se deixou antes referido, não foi apreciada na decisão recorrida, que se limitou a concluir, para efeitos de consideração do contrato promessa celebrado como negócio em curso, que à data da declaração de insolvência o mesmo não se mostrava resolvido nem definitivamente incumprido, o que desde logo obstaculizava ao seu conhecimento nesta sede).
Improcedentes todos os fundamentos do recurso, impõe-se confirmar a sentença recorrida.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da credora recorrente.
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Sumário (…)
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Évora, 10 de Março de 2022
Maria Domingas Alves Simões
Ana Margarida Carvalho Leite
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Assim enunciado: “A (…) – Sociedade…, Lda. entrou na posse do imóvel objecto do contrato promessa [celebrado] em 21 de Novembro de 2019”.
[2] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[3] Cf., neste preciso sentido, o parecer do IRN no R.P.135/2006 DSJ-CT, acessível em https://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2006/p-r-p-135-2006-dsj-ct/downloadFile/file/prp135-2006.pdf?nocache=1316104363.61
[4] Donde encontrar-se certamente já caducado aquele de que beneficia a aqui recorrente.
[5] Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 6.ª ed. Coimbra Editora, página 82.
[6] Cfr. Ana Prata, “O Contrato Promessa e o seu Regime Legal”, página 839.
[7] Cfr. a título de mero exemplo, acórdão datado de 14/10/2014, proferido no processo 986/12.2TBFAF-G.G1.S1, disponível no mencionado sítio.
[8] Que fixou a seguinte doutrina: “No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos estatuídos no artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil”.
[9] Que formulou o seguinte segmento uniformizador: “Na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objecto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma actividade profissional ou lucrativa”.
[10] Não sendo de afastar, ainda que estivéssemos perante contrato dotado de eficácia real e tivesse ocorrido a traditio, que se chegasse precisamente à mesma solução – reconhecimento do crédito correspondente ao sinal passado como crédito comum – dada a presumida renúncia por parte da credora reclamante à execução específica ou venda directa por aplicação do artigo 831.º do CPC – cfr., neste preciso sentido, o acórdão do STJ de 17/12/2019, processo 1997/11.0TYLSB-B.L1.S1, em www.dgsi.pt (com voto discordante da Sr.ª Conselheira Catarina Serra).