Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1969/16.9T8SLV.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CONTAGEM DO PRAZO
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Quando a lei determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito quer o mesmo significar que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1969/16.9T8SLV.E1 (2ª Secção Cível)




ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Cível de Portimão – J3), corre termos ação declarativa de condenação com processo comum, intentada em 22/09/2016, por (…), contra (…) e (…), invocando conduta ilícita e culposa dos réus, no ano de 2008, que lhes provocou danos patrimoniais e não patrimoniais, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia de € 46.720,00.
Citados os réus, em 03/10/2016, vieram contestar por exceção e por impugnação, invocando naquela sede a exceção da prescrição do direito de ação.
Corrida a tramitação processual foi, em sede de saneador, proferida sentença pela qual, além do mais, se reconheceu estar prescrito o direito do autor e se julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo-se os réus do pedido.
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Por não se conformar com a sentença, foi interposto, pelo autor, o presente recurso de apelação, terminando nas suas alegações por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
I. Com o devido respeito, ao julgar como julgou, o tribunal a quo não fez a correta aplicação do direito aos factos aliás, não julgou.
II. Apenas no ano de 2016, o Recorrente teve conhecimento do direito que lhe assistia, que não era à Câmara Municipal que lhe devolveria a casa, não era aquela a instância competente, mas que seria o Tribunal que o poderia fazer, não pode ficar sem a sua casa devido às ações dolosas dos Recorridos pois estes, ao fazerem obras ilegais, sem licenciamento, na fração diretamente acima da sua, causaram danos que tiveram como consequência direta a destruição da fração do Recorrente, tornando-a inabitável.
III. Causando ao Recorrente danos morais e patrimoniais o que gera a obrigação de indemnizar o lesado por esses prejuízos, a conduta dos Recorridos é censurável e ilícita.
IV. Quanto ao nexo de causalidade entre facto ilícito e dano, verifica-se que a conduta dos Recorridos foi adequada ao dano, na medida em que, com as obras ilegais que realizaram, provocaram a escorrência da urina pelos candeeiros, a humidade nas paredes e tetos, tornando a fração inabitável.
V. Sendo que a ação continuada da humidade provocada pela má construção da casa de banho, e outras, dos RR, foi deteriorando não só os tetos e paredes, como também o sistema elétrico, as portas e chão.
VI. Quanto à culpa, foram os Recorridos que leviana e criminalmente, desrespeitando regras e normas legais, fizeram obras, obras essas que vieram a provocar a destruição da propriedade do Recorrente, tornando-a inútil para o fim a que se destina, a habitação.
VII. Sendo assim, os Recorridos, são os únicos e exclusivos culpados dos danos ora invocados, estão presentes todos os pressupostos da obrigação de indemnizar pois os Recorridos violaram direitos do Recorrente, indubitavelmente existe o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
VIII. Tais factos e consequências têm, e são-no, necessariamente merecedores da tutela do direito competindo aos Tribunais zelar pela justiça e aplicação do mesmo e, in casu, o Tribunal Recorrido não aplicou o direito em conformidade, julgou incorreta e injustamente, tendo-se limitado a julgar verificada a exceção da prescrição invocada e, consequentemente, não fazendo justiça pois
IX. E é essa justiça que o Tribunal a quo não fez, que aqui se vem peticionar ao Tribunal Superior, uma solução equitativa.
X. Ao Tribunal recorre-se para solucionar uma situação concreta, para reclamar um direito, para que se faça justiça e neste caso, apenas será feita justiça se os Recorrido forem condenados a indemnizar o Recorrente pelos danos a que deram causa por via da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.
XI. O Recorrente pode, e deve como o está a fazer, socorrer-se de todos os mecanismos de defesa que o legislador coloca à sua disposição, apelando a este Tribunal Superior para que considere procedente esta Apelação, para que dê provimento a este Recurso, revogando a decisão recorrida na parte em que é julgada verificada a exceção da prescrição por forma em que se possa apreciar do mérito da causa e por todos os motivos aduzidos supra.
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Foram apresentadas alegações por parte dos recorridos defendendo a manutenção do julgado
Cumpre apreciar e decidir
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O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar é a de saber se o direito exercido nesta ação pelo autor se encontra prescrito, conforme considerou a M.ª Juiz “a quo”.

Na 1ª instância, com interesse para apreciação da questão foram dados como provados os seguintes factos:
1. O autor é, juntamente com (…), proprietário inscrito da fração J, do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves, sob o número (…).
2. Os réus são proprietários inscritos da fração P, do mesmo prédio.
3. No ano de 2008 terão ocorrido infiltrações no prédio do autor, provenientes do prédio dos réus (resultante de obras que estes efetuaram na fração P).
4. A ação foi instaurada em Setembro de 2016.
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Conhecendo da questão
O autor (…) fundamentou o seu pedido de condenação dos réus (…) e (…), no pagamento de uma indemnização na responsabilidade civil extracontratual derivada da prática por estes de facto ilícito, violador do seu direito de propriedade, dado que os réus em 2008 fizeram obras na sua fração, a qual se situa no andar por cima do seu, das quais resultaram danos na sua habitação, danos patrimoniais e danos morais.
Estabelece o nº 1 do artº 498º do C. Civil que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.
Em anotação ao normativo que se transcreveu, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, (in Código Civil Anotado, vol I, 3ª ed, pag. 476): “São dois os prazos de prescrição estabelecidos no nº 1. Logo que o lesado tenha conhecimento do direito à indemnização, começa a contar-se o prazo de três anos. Desde o dano começa, porém, também a correr o prazo ordinário, ou seja, o de vinte anos.
O que é necessário, para começo da contagem do prazo, é que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete”.
O disposto no nº 1 do artº 498º do C. Civil, ao preceituar que o direito à indemnização “prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos”, tem de ser entendido em termos hábeis, conjugando-se com o disposto no artº 321º, do mesmo diploma, se, no momento em que finda o prazo, ainda não for conhecida, sem culpa do lesado, a pessoa do responsável”.
A lei visa essencialmente duas finalidades complementares, com o regime prescricional em geral: proteger a segurança jurídica e sancionar a negligência do titular do direito.
O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (artº 306, nº 1, 1ª parte).
Preceitua o nº 3 do artº 576º do CPC que “as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e, consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”.
Quando a lei determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito quer o preceito em causa significar que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu.
Assim, o lesado tem conhecimento do direito que invoca, para efeito do inicio da contagem do prazo de prescrição, quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil ou melhor, “o inicio da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém, saiba ou não do seu caracter ilícito e dessa prática ou omissão resultaram para si danos”.
No caso em apreço, tendo o recorrente sabido das infiltrações no seu prédio, as quais eram provenientes das obras que os réus efetuaram na sua fração no ano de 2008, conforme alega, tendo feito um pedido de vistoria à Câmara Municipal, em 07/05/2008,tendo a mesma sido realizada em 30/7/2008, (doc. de fls.34 dos autos) o prazo de três anos contava-se a partir dessa data.
A conclusão necessária é a de considerar que a partir da data indicada de 30/07/2008, começou a correr o prazo de prescrição previsto no artº 498º do Código Civil, que no caso é de três anos.
Uma vez que a ação foi instaurada em Setembro de 2016, decorridos que foram oito anos, é por demais evidente que se verifica a exceção da prescrição.
Face ao que ficou dito, concluímos que a sentença não merece qualquer censura, devendo manter-se na íntegra.
Irrelevam, assim, as conclusões do recorrente, impondo-se a improcedência da apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Évora, 12 de Outubro de 2017

Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Mário António Mendes Serrano