Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
117/11.6TMFAR-C.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: INVENTÁRIO
CAUSA PREJUDICIAL
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Os interessados em inventário têm legitimidade para, em recurso de apelação da sentença que homologou a partilha, impugnar o despacho determinativo da partilha ou qualquer outro, quando por eles prejudicados, mas devem alargar o âmbito do objecto do recurso ao próprio despacho fundamento e não circunscrever a impugnação à referida decisão final.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 117/11.6TMFAR-C.E1
Tribunal da Comarca de Faro – Juízo de Família e Menores de Faro – J3
*
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
*
I – Relatório:
No presente inventário para separação de meações em que são interessados (…) e (…), o primeiro não se conformou com a sentença que homologou a partilha a que se reporta o mapa de fls. 647 a 649, interpondo o presente recurso.
*
Inconformado com tal decisão, o recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«1. Em 22/11/2016 o ora recorrente apresentou reclamação do mapa de partilha e ao arrepio do disposto no artigo 1379º, nº 3, do CPC 1961, esta não foi decidida nos 10 dias seguintes, tendo-se verificado para além da violação do supra mencionado preceito legal uma omissão de pronúncia, o que faz com que a sentença homologatória do mapa de partilha que ora se põe em crise esteja ferida de nulidade, nos termos do artigo 688º, nº 1, alínea d), do CPC 1961.
2. Andou mal o Tribunal "a quo" ao proferir sentença homologatória da partilha, em vez de se ter pronunciado sobre a reclamação apresentada.
3. Devendo a sentença recorrida ser declarada nula por "omissão" de pronúncia nos termos do artigo 688º, nº 1, alínea d), do CPC 1961 e por violação do disposto no artigo 1379º, nº 3, do CPC 1961.
4. Sem prescindir e mesmos que assim não se entenda sempre se dirá que o Tribunal "a quo" ao homologar o mapa de partilhas não ponderou que as verbas 7 e 8 da relação de bens correspondem a dois viveiros de marisco e que pertencem ao domínio público marítimo e como tal não poderiam ser adjudicadas, nem tão pouco haveriam de ter sido relacionadas.
5. Pois os viveiros de marisco ao pertencerem ao domínio público marítimo não são propriedade do cabeça-de-casal, nem do dissolvido casal, tratando-se apenas de bens do domínio público marítimo, que foram atribuídos ao cabeça-de-casal mediante contrato de concessão.
6. Concessão, essa, que obedeceu a um procedimento concursal público e que foi atribuída a uma pessoa em específico, neste caso ao cabeça-de-casal, por se verificarem cumpridos os requisitos legalmente exigidos.
7. Como tal foram os viveiros (verbas 7 e 8) erroneamente sujeitos a partilha, por se encontrarem integrados no domínio público do Estado.
8. Os bens de domínio público marítimo estão submetidos a um regime especial de proteção em ordem a garantir que desempenhem o fim de utilidade pública a que se destinam, regime que os subtrai à disciplina jurídica dos bens do domínio privado tornando-os inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis.
9. E ao ter decido pela adjudicação dos mesmos o Tribunal "a quo" violou o direito público marítimo e bem assim o disposto no Dec. Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro.
10. Bem como o disposto nos artigos 8º e 9º do Código Civil porquanto o Tribunal não pode desconhecer a lei, tendo a obrigação de julgar e o dever de obediência à lei.
Sem prescindir,
11. O ora recorrente invocou ainda a existência de uma causa prejudicial, nomeadamente de uma acção nº 82/16.3T80LH, que corre termos na Instância Local Cível de Olhão em que este peticiona que lhe seja reconhecido o direito de adquirir um imóvel não relacionado.
12. Pois se tal acção for julgada procedente o recorrente poderá ter que lançar mão de uma partilha adicional e como tal não nos parece despropositado a suspensão dos presentes autos até trânsito em julgado da acção nº 82/16.3T8OLH.
13. O que surpreendentemente foi indeferido atendendo à antiguidade deste inventário.
14. Verificando-se mais uma vez uma falta de ponderação por parte do Tribunal "a quo" bem como uma enorme leviandade na decisão.
15. Em violação dos princípios gerais do direito, filosofia geral do direito e da nossa Constituição.
16. Uma vez que o direito tem que ser interpretado pelo julgador do ponto de vista intersistemático, porquanto e em obediência à filosofia geral do direito não nos podemos conformar com decisões baseadas na antiguidade de um procedimento. Nem tão pouco com decisões injustas não só do ponto de vista formal, mas também do ponto de vista material.
17. A realização do direito pelo julgador deverá visar o seu fim último que é, ou pelo menos deveria ser a justiça.
18. Pelo que e atendendo ao supra explanado deverá ser revogada a sentença homologatória da partilha, corrigindo-se o activo da partilha, elaborando-se novo mapa e bem assim nova partilha e competentes licitações ao abrigo do disposto no artigo 1385º do CPC 1961.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exª dar provimento ao presente recurso e revogar a sentença recorrida, determinando a correcção do activo da partilha, a elaboração do novo mapa e bem assim nova partilha e competentes licitações, assim se fazendo Justiça».
*
A parte contrária contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão tomada. *
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da nulidade suscitada e da não ponderação da existência de uma questão prejudicial.
*
III – Dos factos apurados:
Da documentação incorporada nos autos e do histórico do processo foi possível extractar os seguintes factos:
1) A conferência de interessados realizou-se em 24 de Maio de 2014.
2) Após a conferência, o cabeça-de-casal veio suscitar a impossibilidade de adjudicação (e até de figurarem na relação de bens) as verbas 7 e 8 (lote 2) e verba 9 do activo (viveiros de bivalves) por pertencerem ao Domínio Público Marítimo.
3) Fê-lo mediante requerimento com a referência electrónica 22256937, datado de 1 de Abril de 2016.
4) Por despacho datado de 17 de Maio de 2016, o Tribunal «a quo» decidiu que: «Compulsados os autos constata-se que a relação de bens foi apresentada em devido tempo e que oportunamente foram apresentadas as reclamações, as quais foram apreciadas e decididas, pelo que é agora extemporâneo o pedido de inclusão de verbas ou de retirada de outras apresentado pelo cabeça de casal.
Assim, considerando que que o inventário foi instaurado em 2011 e que a conferência de interessados se realizou em Maio de 2014 não há qualquer fundamento para que a relação de bens volte a ser de novo alvo de discussão.
Pelo exposto deverá ser elaborado o mapa definitivo da partilha».
5) O mapa de partilha foi elaborado em 22 de Novembro de 2016.
6) O cabeça-de-casal deduziu também pedido de suspensão do presente inventário fundado na propositura de uma acção que corre termos sob o nº 82/16.3T80LH, em que este peticiona que lhe seja reconhecido o direito de adquirir um imóvel não relacionado, cuja causa de pedir está alicerçada no instituto da acessão.
7) O Tribunal «a quo» indeferiu a referida pretensão com a seguinte fundamentação: «Veio (…) informar que na acção 82/16.3T8OLH da Instância Local Cível de Olhão (J2) pediu para lhe ser reconhecido o direito de adquirir um imóvel não relacionado.
Sucede todavia que considerando a antiguidade deste inventário não deverá o mesmo ser suspenso, entendendo-se não constituir tal acção uma causa prejudicial, pelo que indefiro o requerido.
Notifique».
8) Em 15/02/2017, foi elaborada sentença com o seguinte conteúdo: «Nos presentes autos de inventário a que se procedeu para partilha dos bens comuns do extinto casal composto por (…) e (…), em que desempenhou as funções de cabeça-de-casal o ex-cônjuge marido, homologo por sentença a partilha a que se reporta o mapa de fls. 647 a 649, adjudicando aos interessados os bens correspondentes ao respectivo quinhão.
Custas em partes iguais.
Notifique e registe».
*
IV – Fundamentação:
Atenta a data da respectiva instauração (2011), ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente do Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, mormente o respectivo artigo 1396º, quanto ao regime dos recursos.
*
4.1 – Questão prévia:
Como ponto de partida, não se pode deixar de assinalar que, numa avaliação mais formalista, se verifica que apenas foi interposto recurso da sentença homologatória de partilha e que estes despachos autónomos não foram objecto de impugnação directa por via recursal.
Na realidade, os interessados em inventário têm legitimidade para, em recurso de apelação da sentença que homologou a partilha, impugnar o despacho determinativo da partilha ou qualquer outro, quando por eles prejudicados, mas devem alargar o âmbito do objecto do recurso ao próprio despacho fundamento e não circunscrever a impugnação à referida decisão final.
Efectivamente, existe um encadeamento lógico-processual que exige que não deva apenas ser atacada a decisão homologatória da partilha mas igualmente a decisão fundamento que possa influenciar a revogação desta sentença, sob pena de, assim não sendo, ficarem inquinados os efeitos que se pretendiam salvaguardar.
Ao não o ter feito, poder-se-ia entender que o recorrente tinha aceite tacitamente a valia da decisão que pretendia censurar. Todavia, ainda assim, por força do princípio da maximização do duplo grau de jurisdição, proceder-se-á à análise do recurso interposto.
*
4.2 – Nulidade por omissão de pronúncia:
Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer o inventário para partilha dos bens, salvo se o regime de bens do casamento for o de separação.
A reclamação contra a relação de bens destina-se a acusar a falta de bens que devam ser relacionados, a requerer a exclusão de bens indevidamente relacionados por não fazerem parte do acervo a dividir ou a arguir qualquer inexactidão na descrição dos bens que seja relevante para a partilha.
Após a conferência de interessados, o cabeça-de-casal veio suscitar a impossibilidade de adjudicação (e até de figurarem na relação de bens) das verbas 7 e 8 (lote 2) e verba 9 do activo (viveiros de bivalves) por "pertencerem" ao Domínio Público Marítimo.
O recorrente invoca que estamos perante um caso de nulidade por omissão de pronúncia e a decisão da questão em discussão encerra uma componente adjectiva e outra de matriz substantiva.
*
De acordo com a primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando o acto decisório deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
Questões submetidas à apreciação do Tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
É a violação daquele dever que torna nula a decisão e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz em denegação de justiça.
Coisa diferente são as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, as quais correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa estipulada no artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.
Amâncio Ferreira evidencia que se trata da nulidade mais invocada nos Tribunais, «originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda»[1].
Na situação vertente, por despacho de 17 de Maio de 2016 o Tribunal veio a tomar decisão sobre este assunto, não existindo tout court uma omissão de pronúncia.
Em acréscimo, é entendimento pacífico que de nulidades não cabe directamente recurso para este Tribunal da Relação, devendo a mesma ser arguida perante o Tribunal em que teve lugar (artigo 199º do mesmo diploma)[2]. Só posteriormente, no caso de discordância com o despacho que verse sobre a arguição de nulidade, quando se verifiquem os pressupostos da impugnação por via recursal, é que dessa decisão caberá recurso para este Tribunal. Efectivamente, as nulidades do processo hão-de, em princípio, ser arguidas perante o Tribunal em que ocorreram e nele apreciadas e julgadas (sendo excepção não correspondente ao caso dos autos a hipótese prevista no nº 3 do artigo 199º). Como refere Alberto dos Reis «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»[3].
A apelante não invocou a alegada nulidade perante o Tribunal de Primeira Instância no modo e no tempo previstos na legislação aplicável, quando o poderia ter feito face à autonomia da decisão, antes logo interpondo recurso para este Tribunal da Relação, recurso que, nestas circunstâncias, também não poderia proceder pelos motivos supra aduzidos [4] [5].
A finalizar, a existir algum vício o mesmo está relacionado com o mérito e não com uma causa de nulidade da decisão colocada em crise.
*
4.3 – Da partilha de bens que não integram o património comum:
Mesmo que assim não se entendesse, a situação relatada não conduziria à revogação da sentença homologatória proferida nos autos.
No plano substantivo, o recorrente entende que, ao homologar o mapa de partilha, o Juízo de Família e Menores de Faro viola o direito público marítimo em virtude de o mesmo incluir nos bens a partilhar o lote 2 [verbas 7 e 8)] e a verba 6 correspondentes aos viveiros de marisco pertencentes ao Estado.
Na perspectiva do recorrente, ao ter decido pela adjudicação desses bens, o Tribunal "a quo" violou o direito público marítimo e bem assim o disposto no Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro[6] [7].
Sobre a história, a abrangência e a vinculatividade do Regime Público Marítimo pode ser consultado o acórdão deste colectivo de Desembargadores da Relação de Évora de 15/02/2017[8].
A Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro estabelece a titularidade dos recursos hídricos, os quais compreendem as águas, abrangendo ainda os respectivos leitos e margens, zonas adjacentes, zonas de infiltração máxima e zonas protegidas, face ao preconizado no nº 1 do artigo 1º da legislação em causa.
Em função da titularidade, os recursos hídricos compreendem os recursos dominiais, ou pertencentes ao domínio público, e os recursos patrimoniais, pertencentes a entidades públicas ou particulares (artigo 1º, nº 2).
Todavia, como bem expressa a recorrida, «os viveiros correspondem a uma exploração económica que é propriedade do dissolvido casal. O que não é propriedade do dissolvido casal é o solo, esse incluído no Domínio Público Marítimo, mas a "concessão" atribuída ao cabeça-de-casal é bem comum, sujeito a partilha, porquanto atribuída na pendência do casamento, e explorada na pendência do casamento».
E, para tanto, basta realizar a comparação entre a relação de bens apresentada (fls. 51-53) e a acta da conferência de interessados (fls. 293-302) para concluir que a partilha incidiu sobre estabelecimentos de cultura de bivalves sitos na Ilha da (…) e em (…) e não sobre a propriedade do solo onde está instalada a exploração comercial.
Assim, não se vislumbra que exista qualquer apropriação do domínio público marítimo e o que foi objecto da partilha é a simples actividade concessionada pela administração central, estando fora do âmbito deste processo a apreciação da relação administrativa estabelecida entre as partes litigantes e o Estado.
Por tudo isto, ainda que a questão suscitada ultrapassasse a fase adjectiva anteriormente tratada, não existiria qualquer motivo para declarar nula a partilha e os actos dela dependentes pelos fundamentos substantivos invocados.
*
4.4 – Da não suspensão do inventário:
Nas conclusões de recurso identificadas nos pontos 11) a 17) o recorrente alega que existe uma causa prejudicial que determina a necessidade de suspender o inventário.
A decisão de não suspensão não foi directamente impugnada, o que, como já se deixou expresso, corresponderia, na prática, a um quadro de perda do direito de recorrer quanto a este objecto.
Todavia, caso se defenda que esta solução é excessivamente formal e subsiste fundamento relevante para apreciar nesta parte o recurso interposto, neste domínio a matéria em causa implicaria a análise das disposições previstas no artigo 1335º do Código de Processo Civil, na versão anterior à reforma do inventário.
Se, na pendência do inventário do inventário, se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas, o juiz determina a suspensão da instância, até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, logo que os bens se mostrem relacionados (nº 1).
Pode ainda ordenar-se a suspensão da instância, nos termos previstos nos artigos 276º, nº 1, alínea c) e 279º[9], designadamente quando estiver pendente causa prejudicial em que se debata alguma das questões a que se refere o número anterior (nº 2).
A requerimento das partes principais, pode o Tribunal autorizar o prosseguimento do inventário com vista à partilha, sujeita a posterior alteração, em conformidade com o que vier a ser decidido, quando ocorra demora anormal na propositura ou julgamento da causa prejudicial, quando a viabilidade desta se afigure reduzida ou quando os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como provisória (nº 3).
Em concreto, a razão preponderante do pedido de suspensão basear-se-ia no regime geral de suspensão da instância provisionado no artigo 272º[10] do Código Processo Civil.
Com as necessárias adaptações ao tempo presente, a interpretação de Lopes Cardoso continua válida, quando alerta que «a suspensão do inventário tem as suas vantagens, mas também tem os seus inconvenientes e estes sobrelevam aquelas». Prossegue este autor dizendo que «a suspensão do inventário, com fundamento em acção pendente e conexa, pode eternizar as partilhas, dificulta a administração de cada um, os interessados só tardiamente entram na posse do que lhes vem a pertencer»[11].
Na concepção de França Pitão o diferimento no prosseguimento do inventário, apesar da questão prejudicial, depende sobretudo do critério de prudente arbítrio do juiz, que analisará casuisticamente cada uma das situações que se lhe deparem e decidirá de acordo com o equilíbrio de interesses em causa. Neste enquadramento «o juiz terá, em primeiro lugar, de “guiar-se” por um critério concreto, e não segundo princípios abstratos; por outro lado estará presente o critério subjetivo do juiz, isto é, aquele que determine, em seu entender, a melhor solução para o caso vertente»[12].
Por isso, a jurisprudência nacional valoriza a ideia que a suspensão do inventário ex vi de causa prejudicial – artigo 1335º do CPC – não opera obrigatória e inelutavelmente, antes devendo ser objecto de um juízo de oportunidade e conveniência em função das especificidades do caso. Invocada acção prejudicial cuja necessidade ou bondade é contestada pelos interessados, se nada se apura quanto ao seu estado e viabilidade, e se no inventário já foi proferida sentença final de homologação da partilha, não devem ser anulados os actos posteriores à invocação, antes ter-se a partilha por provisória e observarem-se as legais cautelas quanto à entrega dos bens contestados[13].
Na presente situação não estamos exactamente num cenário de prejudicialidade absoluta. De acordo com o ensinamento de Teixeira de Sousa Miguel Teixeira de Sousa «prejudicialidade refere-se a hipóteses de objectos processuais que são antecedente da apreciação de um outro objecto que os inclui como premissas de uma decisão mais extensa. Por isso, a prejudicialidade tem sempre por base uma situação de conjunção por inclusão entre vários objectos processuais simultaneamente pendentes em causas diversas»[14].
Esta posição está acolitada no comentário de Alberto dos Reis que advogava que «verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental»[15].
Tendo em atenção o objecto da acção que corre termos no Tribunal de Olhão e a respectiva conjugação com os fundamentos que determinaram a não suspensão da instância, o Tribunal da Relação de Évora mantém a decisão recorrida. Em primeiro lugar, não existe o nexo de prejudicialidade exigido por lei e, depois, os inconvenientes no diferimento da partilha superam os que derivam da sua realização como provisória e a situação pode ser completamente regularizada através de uma partilha adicional, se for o caso.
*
V – Sumário:
1. Os interessados em inventário têm legitimidade para, em recurso de apelação da sentença que homologou a partilha, impugnar o despacho determinativo da partilha ou qualquer outro, quando por eles prejudicados, mas devem alargar o âmbito do objecto do recurso ao próprio despacho fundamento e não circunscrever a impugnação à referida decisão final.
2. Em sede de inventário para separação de meações, mesmo nos casos em que a decisão da causa estiver dependente de outra acção, a divisão dos bens deve prosseguir quando os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como provisória.
*
V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, atento o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 22/11/2018
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário

__________________________________________________
[1] Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª Edição, pág. 57.
[2] Artigo 199º (Regra geral sobre o prazo da arguição):
1 - Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
2 - Arguida ou notada a irregularidade durante a prática de ato a que o juiz presida, deve este tomar as providências necessárias para que a lei seja cumprida.
3 - Se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo referido neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição.
[3] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 507.
[4] Pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/01/2011, in www.dgsi.pt, que «I - A violação do disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, integrando a violação do princípio do contraditório, é susceptível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, quando a subjacente irregularidade cometida se mostre capaz de influir no exame ou decisão da causa.
II - A apontada nulidade não é susceptível de ser conhecida oficiosamente, razão porque se tem por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias, após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo».
[5] No mesmo sentido, entre muitos outros, podem consultar-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/06/2009, do Tribunal da Relação de Évora de 12/09/2013, do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/12/2007 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/11/2011.
[6] A convocada legislação foi revogada pelo 29º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro.
[7] Artigo 29.º (Norma revogatória):
São revogados o artigo 1.º do Decreto n.º 5787-IIII, de 18 de Maio de 1919, e os capítulos I e II do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro
[8] Processo 473/13.1TBTVR.E1, publicado em www.dgsi.pt.
[9] A que correspondem no actual Código de Processo Civil os artigos 269º, nº 1, al. c) e 272º.
[10] Artigo 272º (Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes):
1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
3 - Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4 - As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final.
[11] João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. I, Almedina, Coimbra, 4ª edição, 1990, págs. 204 e 205.
[12] França Pitão, Processo de Inventário, 4ª edição, pág. 63.
[13] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/06/2012, in www.dgsi.pt.
[14] Revista de Direito de Estudos Sociais, ano XXIV, nº 4, Outubro-Dezembro de 1977, págs. 305-306.
[15] José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra editora, Coimbra, 1946, 269, citando as Lições de Manuel de Andrade.