Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
176/17.8T8ORQ.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- Na constituição de uma servidão de passagem nova, aplica-se o critério do artigo 1553.º do Código Civil.
II- Quando a passagem se fazia já por prédios agora pertencentes a uma só pessoa (e que antes pertenciam a outra), deve a servidão definir-se por essa passagem.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 176/17.8T8ORQ.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta intentou a presente ação comum, constitutiva, contra (…), divorciado, alegando e pedindo, em síntese, a declaração da constituição de um direito real de servidão por destinação do pai de família a impor aos prédios descritos nas matrizes (…) e (…), secção (…) da freguesia de Ourique, da propriedade do Réu, através do caminho já existente, em proveito do prédio descrito na matriz (…), secção (…), da mesma freguesia, ou caso não se entenda possível, a declaração da constituição de um direito real de servidão legal de passagem pelo caminho existente nos prédios descritos nas matrizes (…) e (…), secção (…) da freguesia de Ourique, imposta em proveito do prédio descrito na matriz (…), secção (…), da mesma freguesia, por forma a que o seu prédio passe a ter comunicação com a via pública, porquanto o caminho já existia e foi interrompido pelo Réu, (…), ou porque o prédio do autor está encravado.
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O R. contestou.
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Convidou-se a A. a chamar à demanda, na qualidade de réus, (…), (…), (…), (…), Fundação (…) e Cabeça de casal da herança de (…), por serem proprietários de terrenos contíguos ao imóvel da autora. Efetuado o chamamento, o mesmo foi deferido.
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Citados, os mesmos contestaram.
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Depois da audiência de julgamento, foi proferida sentença cuja parte decisória é a seguinte:
Declaro a constituição do direito real de servidão por destinação do pai de família a impor aos prédios descritos nas matrizes (…) e (…), secção (…) da freguesia de Ourique, da propriedade do Réu, (…), através do caminho já existente, em proveito do prédio descrito na matriz (…), secção (…), da mesma freguesia.
Mais decido absolver do pedido principal (…), (…), (…), (…), Fundação (…) e Cabeça de casal da herança de (…).
Decido não tomar posição final quanto ao pedido subsidiário por ser desnecessário, em virtude da procedência do pedido principal.
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Desta sentença recorre o R. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito.
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O A. contra-alegou e recorreu subordinadamente.
Termina a sua alegação nestes termos:
A decisão recorrida deverá ser mantida, improcedendo a apelação, confirmando-se a existência de um direito real de servidão por destinação do pai de família imposta aos prédios descritos nas matrizes (…) e (…), secção (…) da freguesia de Ourique, da propriedade do Recorrente, através do caminho já existente (conforme traço amarelo do Doc. 1 da contestação), em proveito do prédio descrito na matriz (…), secção (…), da mesma freguesia.
Ou caso assim não se entenda, declarando-se a constituição de um direito real de servidão legal de passagem pelo caminho existente nos prédios descritos nas matrizes (…) e (…), secção (…) da freguesia de Ourique (conforme traço amarelo do Doc. 1 da contestação), imposta em proveito do prédio descrito na matriz (…), secção (…), da mesma freguesia, por forma a que o seu prédio passe a ter comunicação com a via pública.
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Este recurso subordinado não foi admitido porque o A. não ficou vencido.
Isto não impede, no entanto, que o art.º 636.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
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O recorrente sindica os pontos 9 e 10 da matéria de facto.
Por outro lado, o recorrente entende que se deva aditar à matéria de factos que:
a- “Sob o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…) da secção (…) foi registada pela Ap. (…), de 2014/02/17 penhora a favor do Banco Comercial Português”; “Sob o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…) da secção (…) foi registada pela Ap. (…) de 2014/02/19 penhora a favor do Banco de investimento imobiliário;
b- “Sob o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…) da Secção (…) foi registada pela Ap. (…) de 2010/09/03 penhora a favor da Fazenda Nacional; pela Ap. (…) de 2010/09/20 penhora a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP e, pela Ap. (…) de 2013/08/14 a favor da Fazenda Nacional;
e, bem assim que
c- “o caminho que estabelece a ligação entre a via pública e a propriedade do réu, inscrita sob o artigo (…) da Secção (…), o qual por sua vez dá serventia ao imóvel da autora, tem no seu permeio diversos outros imóveis”.
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Os n.ºs 9 e 10 têm a seguinte redacção:
O acesso aos artigos (…) e (…) sempre se fez por um caminho existente a noroeste, o qual também sempre deu serventia ao atual prédio da autora (…) para a via pública;
O referido caminho inicia-se num portão existente no prédio de matriz (…), passando pelo (…) e continuando está cortado por uma corrente no limite inicial do prédio da Autora (o …);
O recorrente entende que devem ser dados por não provados estes dois factos porque a inspecção ao local, em que o tribunal se baseou, não serve para demonstrar factos passados. Concordamos em tese com o recorrente e na sentença apenas se faz referência a este meio de prova para dar por provados os factos indicados. Argumenta ainda com a circunstância de a Sr.ª Arquitecta da Câmara, (…), «não obstante inicialmente haver dito que o acesso ao imóvel inscrito sob o artigo (…) sempre ter sido feito pelo caminho pugnado pela autora, depois acabou por dizer que teve conhecimento daquele foi vistorias que fez aos edifícios existente no artigo (…) e, ao (…) só foi a propósito de um pedido de certidão de dispensa de licença de utilização já realizado pela autora».
Mas o julgamento não foi só isto e a sentença é clara a este respeito. Nesta escreve-se que «(…), que conhece o local e toda a área adjacente, e se deslocou ao mesmo a propósito deste caso ainda na fase extrajudicial. Ademais, e sobre a sua razão de ciência naquela zona já foi várias vezes em consequência de pedidos de licenciamentos vários e em exercício das funções no Município de Ourique. Foi presencial dos factos que relatou e conhecer o local pois trabalha há muitos anos no departamento camarário de obras e urbanismo com competência territorial sobre o Monte do (…), pelo que revelou-se credível. Antes da situação em análise não conhecia as partes, pelo que se mostrou imparcial. Disse que verificou um caminho nos prédios do réu, (…), que dava acesso ao imóvel do autor. Disse que, o acesso ao prédio do autor sempre se fez pelo referido caminho existente sobre os prédios nº (…) e (…) pertencentes atualmente ao réu, (…)», o que foi corroborado pela inspecção ao local.
Não vemos, assim, razões para dar por não provados os dois factos em questão.
Os factos respeitantes a penhoras sobre os prédios (…), (…) e (…) são absolutamente irrelevantes. Não é a existência de penhoras que de algum modo altera o objecto de discussão nos presentes autos.
Por isso não se aditam.
Também não se adita o terceiro facto porque ele não foi alegado pelo R.. Na contestação nada se encontra sobre esta matéria.
Assim, nada se altera.
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No seu recurso subordinado (que não foi admitido mas não impede o conhecimento da defesa suscitada), em que o recorrido pede a declaração de servidão legal de passagem, nos termos do art.º 1550.º, Cód. Civil, vem impugnada também a matéria de facto. Mais concretamente, o recorrido pretende que se dê por provado o n.º 3 que foi dado por não provado e cujo teor é o seguinte:
Não existe atualmente qualquer outra passagem que permita o acesso do artigo (…) à via pública.
Baseia-se, para tal, no depoimento da referida testemunha e na posição assumida pelas partes.
Quanto a este último aspecto, devemos notar que o R., na sua contestação (art.º 9.º) impugna o alegado no art.º 5.º da p.i. onde se escreve que o imóvel da propriedade da Autora não possui atualmente acesso direto à via pública, encontrando-se “encravado” entre os prédios vizinhos com os quais confronta. Também impugnou expressamente o alegado nos artigos 20.º e 21.º da p.i. onde se repetis tal facto. Não há, pois, qualquer posição das partes que permita concluir no sentido de algum acordo sobre esta matéria.
A testemunha referida indica vários caminhos para acesso à via pública mas não indicou qualquer via desta natureza.
Ora, para se retirar algum conteúdo útil desta impugnação, parece-nos que o essencial seria o aspecto citado e não a existência de outros caminhos. Mesmo que se dê por provado este facto, ficamos com a mesma situação que está descrita no n.º 4 (o referido prédio do A. confronta a norte com o prédio rústico identificado na matriz com o n.º …, a nascente com o prédio rústico identificado na matriz com o n.º …, a sul com o prédio rústico identificado na matriz com o n.º … e a poente com os prédios rústicos identificados nas matrizes com o n.º … e …), ou seja, que o prédio do A. não tem qualquer acesso directo à via pública.
Entendemos, por isso, que é indiferente a impugnação que o recorrido faz. De uma forma ou de outra, temos de concluir que o seu prédio não tem comunicação com a via pública.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. A Autora, também designada de BCP, é dona e legítima proprietária do prédio misto, denominado (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourique, sob o n.º (…) da freguesia de Ourique e inscrito na respetiva matriz rústica com o n.º (…), secção (…), e na matriz urbana com o n.º (…);
2. O referido prédio, com a área total de 36.600m2, é composto por uma área de cultura arvense, sobreiros e oliveiras, nele existindo também uma casa de habitação de R/C, com a área de 176,90m2;
3. O prédio em causa foi adquirido pela Autora através de adjudicação em processo executivo que correu seus termos no Tribunal Judicial de Beja, tendo sido registado na Conservatória do Registo Predial de Ourique, através da Apresentação (…) de 23/03/2015;
4. O referido prédio rústico confronta a norte com o prédio rústico identificado na matriz com o n.º (…), a nascente com o prédio rústico identificado na matriz com o n.º (…), a sul com o prédio rústico identificado na matriz com o n.º (…) e a poente com os prédios rústicos identificados nas matrizes com o n.º (…) e (…), todos da secção (…);
5. O prédio do autor pertenceu anteriormente a (…), a qual foi também proprietária do prédio que com ele confina a poente, identificado na referida matriz com o n.º (…);
6. (…) foi proprietária do prédio desde 1995, até o mesmo ser adjudicado em processo executivo à autora;
7. Por sua vez, também o artigo matricial (…), secção (…), foi adquirido em 2002 por (…), marido de (…), casados em separação de bens, tendo vindo à titularidade do Réu em 2015;
8. Atualmente os artigos matriciais (…) e (…) da seção (…) pertencem ao réu;
9. O acesso aos artigos (…) e (…), sempre se fez por um caminho existente a noroeste, o qual também sempre deu serventia ao atual prédio da autora (…) para a via pública;
10. O referido caminho inicia-se num portão existente no prédio de matriz (…), passando pelo (…) e continuando está cortado por uma corrente no limite inicial do prédio da Autora (o …);
11. E só foi interrompido após a aquisição pelo R. dos prédios (…) e (…), secção (…);
12. Tal caminho encontra-se bem demarcado, definido e visível, desde o seu início até ao seu fim, desembocando na propriedade da Autora;
13. O mencionado caminho tem uma largura não inferior a três metros, permite a passagem quer de pessoas, quer de veículos, incluindo agrícolas;
14. O caminho dá acesso a uma via, situada a oeste, que, embora não classificada, liga o Castro da (…) à localidade de (…), dando acesso à via “pública” mais próxima do prédio (…) em causa;
15. A referida via tem, por sua vez, ligação ao Caminho Municipal n.º (…), que liga o aglomerado urbano de (…) à Vila de Ourique;
16. Existe um outro caminho, a norte, que acede ao prédio do A. e que desemboca na via que liga Castro da (…) a (…);
17. O réu adquiriu os prédios nºs (…) e (…) para neles habitar e desenvolver um projeto denominado “Nova …” (“Nova …”), que envolve o trabalho com animais, em especial, com cavalos;
18. O projeto ainda se encontra no seu início, não obstante, já residem com o réu nos referidos prédios, 7 cavalos, 7 cabras, 1 ovelha, 7 galinhas e 9 gatos;
19. Recebendo o réu regularmente convidados com os quais desenvolve o seu trabalho com os cavalos;
20. O réu procede ao treino dos cavalos nos prédios da sua propriedade, em especial no picadeiro (que se encontra no prédio nº …) e no espaço ao ar livre especificamente criado para o efeito na extrema sudeste do prédio nº (…);
21. Os cavalos são animais extremamente assustadiços, que facilmente se espantam, quando confrontados com pessoas, objetos ou barulhos a que não estão habituados;
22. O caminho para aceder ao prédio do autor passa imediatamente ao lado do picadeiro coberto (existente no prédio nº …) e no picadeiro ao ar livre (existente no prédio nº …) do réu, onde são desenvolvidas as referidas atividades de hipismo;
23. O projeto desenvolvido pelo Réu envolve o treino da concentração e atividades de meditação.
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Em resumo, pode dizer-se o seguinte:
O prédio do A. tem o n.º (…); este e o n.º (…) pertenceram a uma dada pessoa sendo que agora o n.º (…) pertence ao R., tal como lhe pertence o prédio n.º (…). Este antes de pertencer ao R. era propriedade exclusiva do marido da dona dos outros dois prédios que se separaram.
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O recorrente começa por argumentar que a servidão por destinação de pai de família não pode incidir sobre o prédio n.º (…) uma vez que este não pertencia à anterior proprietária dos prédios (…) e (…).
Concordamos.
Aquela forma de constituição de servidão apenas abrange os prédios que tenham sido do mesmo dono (art.º 1549.º, Cód. Civil). Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, (Cód. Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1984, p. 632), a «servidão constituir-se-á desde que exista uma serventia entre os dois prédios que deixam de ter o mesmo dono». Logo de seguida (p. 633), acrescentam que «essencial é que os dois prédios ou as duas fracções tenham sido pertença da mesma pessoa» (sublinhado no original).
O prédio com o n.º (…), sobre o qual foi declarada a servidão na sentença recorrida, não pertenceu à anterior proprietária, logo não se pode dizer que ele tenha sido separado do seu prédio como se ela tivesse sido também dona dele.
Isto seria suficiente para a improcedência da acção dado que o pedido é que a servidão onere também este prédio. A isto acresce que não é possível fazer incidir a servidão apenas pelo prédio n.º (…), uma vez que acabaria, ainda assim, por não ter acesso à via pública.
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No entanto, o recorrido pede, para o caso de procedência do pedido formulado no recurso (que é, na essência, o não reconhecimento do direito invocado pelo A.), que se declare a constituição de um direito real de servidão legal de passagem pelo caminho existente nos prédios descritos nas matrizes (…) e (…), imposta em proveito do prédio descrito na matriz (…).
Recorre, então, à figura da servidão legal, aquela que pode ser coactivamente imposta e não porque apenas tenha a sua fonte na lei. Deste modo, compreende-se que o Capítulo III do Título VI do Livro II do Cód. Civil tenha por epígrafe precisamente «servidões legais». Mas isto não significa mais do que a possibilidade de o encargo poder ser criado, ou reconhecido, por decisão coerciva. Como escreve José Alberto Vieira (Direitos Reais, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2020, p. 800), «enquanto a servidão voluntária resulta do funcionamento da autonomia privada, sendo, portanto, o produto de uma decisão livre das partes concretizada por via negocial (contrato ou testamento), a servidão legal propriamente dita atribui ao beneficiário um direito potestativo à sua constituição». Daí que seja preferível falar em servidão coactiva em vez de servidão legal. Da mesma maneira, também Oliveira Ascensão entende que a expressão serve «para designar certas categorias de servidão que podem ser coactivamente impostas» (Direitos Reais, 5.ª. ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 258), argumentando com o próprio texto do art.º 1547.º, n. 2, ao referir que as «servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa». Citamos, a propósito, o ac. do STJ, de 2 de Maio de 2012, onde se pode ler o seguinte:
«A esta luz temos que o decisivo critério diferenciador entre servidões legais e voluntárias reside exclusivamente na circunstância de as primeiras, ao invés do que acontece com as últimas, poderem ser impostas coactivamente, sendo que a circunstância destas não terem sido impostas coercivamente, por terem os donos dos prédios servientes aceite voluntariamente a inerente sujeição, não perdem essa natureza».
Concluímos que a servidão de passagem, desde que não tenha sido constituída por meio de usucapião (cfr. ac. da Relação de Guimarães, de 29 de Maio de 2006, e jurisprudência aí citada, designadamente, o ac. do STJ, de 18 de Novembro de 2004), é uma servidão legal.
E é isto que o recorrido defende subsidiariamente.
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O A. alega que o caminho que existe nos prédios do R. é o que é menos oneroso e de mais fácil acesso.
Já o R. contra-alega da seguinte forma:
Falta a situação de encrave.
Fica vedada a possibilidade de uma análise de qual a situação menos onerosa para os prédios potencialmente servientes; estava assim o A. onerado em provar que aquele específico caminho era o menos oneroso não somente em relação aos outros já existentes, mas perante qualquer outra solução que fosse possível.
Por outro lado, a autora alega factos que não são idóneos a uma análise de qual a opção menos prejudicial, mas antes e tão somente de qual a melhor opção para aquela.
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Não concordamos com o R..
Como acima se viu a propósito da impugnação da matéria de facto, o prédio do A. confronta de todos os lados com outros prédios que, estes sim, podem ter ou não ter caminhos seus, sendo certo que nenhum deles é a chamada via pública. Podem ter um ou outro caminho que dará acesso à via pública mas aquele não substitui nem se equipara a esta.
Não podemos, pois, dizer que o prédio do A. não está encravado; pelo contrário, é nítido que está.
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O problema coloca-se é com a aplicação do art.º 1553.º, Cód. Civil, que determina que a «passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo e pelo modo e lugar menos inconveniente para os prédios onerados».
De acordo com o ac. do STJ, de 2 de Dezembro de 2010 (citado pelo recorrente), é «requisito constitutivo do direito potestativo à constituição de uma servidão de passagem a favor de prédio rústico encravado a alegação de factos concretos em relação aos prédios vizinhos – nomeadamente os relacionados com as caraterísticas, utilização, produtividade, extensão e proximidade com a via pública – que permitam concluir que o prédio por onde se pretende efectivar a passagem é o que, de entre aqueles, o que menos prejuízo sofre com a constituição da servidão». Da mesma forma, no ac. da Relação de Lisboa, de 11 de Janeiro de 2018, se entendeu que «o menor prejuízo do acesso pelo prédio dos réus é uma conclusão que é um pressuposto do direito dos autores a pedir a constituição da servidão legal de passagem e por isso tem de resultar de factos que têm de ser alegados e provados por estes (arts. 1550 e 342/1 do CC)» (com citação de diversa jurisprudência neste sentido). Indicaremos ainda o ac. da Relação de Coimbra, de 10 de Maio de 2011, onde se escreve que «havendo mais que um prédio em condições de suportar a servidão, o titular do direito a constituir a servidão não pode escolher um prédio e um réu sem critério: deve observar a regra do artigo 1553.º do mesmo Código e pedir a constituição sobre o prédio onde a servidão causa menor prejuízo»; assim, a «alegação da matéria que preenche o critério do menor prejuízo é constitutiva do direito de estabelecer a servidão sobre certo e determinado prédio».
Cremos que a matéria de facto é suficiente para recusar os argumentos do recorrente.
Com efeito, uma coisa temos por certa: o acesso aos artigos (…) e (…) sempre se fez por um caminho existente a noroeste, o qual também sempre deu serventia ao atual prédio da autora (…) para a via pública (n.º 9 da exposição da matéria de facto). Dito de outra forma, o acesso ao prédio do A. sempre se fez pelos prédios que agora são do R.. Daqui, a nosso ver, resulta que foi sempre este o acesso mais cómodo e o menos inconveniente dada a sua naturalidade; queremos dizer, o caminho aqui em questão é o que naturalmente, com o decorrer do tempo em que por aí se passou, as pessoas utilizam. É o caminho normal. E note-se, outra vez, que este sempre se fez pelos prédios que agora são do recorrente. Ou seja, solução diferente implicaria uma mudança do caminho habitual que, por o ser, é o mais conveniente. Solução diferente implicaria, ainda e sem mais, a deslocação de um encargo existente sobre um prédio para outro prédio; não se trata da criação de um encargo ex novo que pode incidir sobre um ou sobre outro prédio, caso em que a aplicação estrita do art.º 1553.º teria todo o sentido. Pretendendo criar-se uma servidão ex novo, então é que se deverá lançar do critério indicado naquele preceito legal. No nosso caso não.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo Réu.
Évora, 23 de Abril de 2020
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos